Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02111/14.6BEPRT 0981/16
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FUSÃO DE SOCIEDADES
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS
Sumário:O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos inicialmente enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não sendo de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação.
Nº Convencional:JSTA000P27226
Nº do Documento:SA22021021702111/14
Data de Entrada:02/04/2016
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........, S.A.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

I. A representante da fazenda pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, não se conformando com a douta sentença daquele tribunal, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que A……….., S.A., contribuinte fiscal n.º …….., com sede em ………, 4495-……. Póvoa do Varzim, interpôs da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da fixação da matéria tributável realizada através do ofício n.º 79037/0504, relativa a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas dos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, dela veio interpor o presente recurso, apresentando para o efeito as respetivas alegações, que condensou nas seguintes conclusões:

a) O presente recurso tem por questão central saber se os encargos financeiros suportados pela A………, nos exercícios em causa, na sequência de uma operação de fusão inversa poderiam ou não ser considerados fiscalmente na determinação do lucro tributável daqueles exercícios.

b) De facto, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por posição contrária, que, nesta matéria, a douta sentença enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que efetuou um errado enquadramento da matéria em questão, na parte em que julgou a impugnação procedente.

c) Por outro lado, versa ainda o presente recurso sobre o segmento decisório que fixou o valor do processo para efeitos de custas, com o qual discordamos, por afrontar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.

d) Com efeito, e quanto ao primeiro ponto da matéria aqui controvertida, a Mma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto defendeu, por um lado, na sua douta sentença, que “para se obter o desiderato da neutralidade fiscal das operações de fusão de sociedades comerciais, o legislador optou pelo critério ceteris paribus, isto é, de tudo se. passar como se a fusão não tivesse ocorrido (prevenindo desse modo também eventuais abusos na operação” (cfr. p. 37 da referida sentença), e que, por outro lado,

e) “a admissibilidade da despesa ou gasto deve ser aferida no momento em que foi contraída, isto é, independentemente do momento em que a “obrigação” se vence para efeitos de especialização dos exercícios e do correspetivo apuramento do lucro tributável” (cfr. p. 38).

f) Argumentando, ainda, que “[a] fusão por incorporação na A……… não poderá, sob pena de subversão dos princípios de neutralidade fiscal das operações de concentração societária, mudar a admissibilidade da relevância como custos dos referidos encargos.(…) Com efeito, e como se explicitou anteriormente, com a operação de fusão a esfera jurídica das sociedades fundidas altera-se, passando a ter contornos distintos mas as relações jurídicas que estas detêm, enquanto feixe de deveres e direitos, permanece inalterado. (...) Desse modo, a sociedade incorporante deverá poder deduzir aos seus proveitos, os custos em que efetivamente incorre e na estrita medida em que estes eram admissíveis antes da fusão ter ocorrido, tudo se passando como se não houvera a fusão”.

g) E concluí o seu raciocínio, referindo que “[c]onsiderar que, como o objeto da operação se encontra esgotado, os encargos daí decorrentes não são atualmente imprescindíveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto, devendo ser desconsiderados, é o mesmo que considerar que, se uma sociedade alterar o seu ramo de atividade, todos os custos anteriormente incorridos deixam de ser fiscalmente relevantes por não se integrarem no último escopo social”.

h) Assim, determinou o Tribunal a quo que a operação de fusão (inversa) em causa não viola o disposto no art. 23.º do Código de IRC (CIRC), julgando, em conformidade, a impugnação aqui em questão parcialmente procedente, com a consequente anulação da fixação da matéria tributável à Impugnante (relativa aos exercícios de 2008 a 2011), absolvendo a Fazenda Pública quanto ao pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios, por as mesmas não resultarem de qualquer correção à matéria tributável dos anos aqui em causa, mas ao ano de 2007.

i) Ora, entende a Fazenda Pública que tal decisão enferma de erro de julgamento, na parte respeitante às correções à matéria coletável atinentes aos exercícios de 2008 a 2011, por errada consideração ou análise da matéria em questão.

j) Pese embora o acerto da argumentação, em termos abstratos, o facto é que a mesma falha o alvo no que concerne ao presente processo de impugnação.

k) Com efeito, não estamos, nos presentes autos, perante uma fusão comum ou direta, como entende a Mma. Juíza na douta apreciação que fez, mas ante uma fusão inversa, o que acarreta uma alteração dos pressupostos e dos efeitos.

l) Na realidade, no âmbito da presente impugnação, estão em causa os encargos de financiamento contraídos para a aquisição das ações representativas do capital social duma sociedade que incorporou, por fusão, aqueloutra que a detinha e que entretanto se extinguiu, passando os seus acionistas a ser os novos acionistas da sociedade incorporante (beneficiária).

m) Este tipo específico de fusão, denominada de fusão inversa, é uma operação financeira através da qual os acionistas transferem os encargos incorridos e suportados com a aquisição duma sociedade para ela própria, em vez de serem eles, enquanto titulares das ações representativas do capital social dessa sociedade, e portanto, seus proprietários, a assumir tais encargos.

n) No entendimento da Impugnante, após a fusão inversa, estes mencionados encargos devem ser considerados para efeitos do apuramento do lucro tributável na esfera da sociedade incorporante (beneficiária); ao invés, a AT advoga, e bem, que tais encargos não podem figurar como componentes negativas do lucro tributável da sociedade beneficiária da fusão, em virtude de não serem indispensáveis para a obtenção de rendimentos tributáveis na esfera desta, nem tão-pouco para a manutenção da sua fonte produtora, que é condição necessária e essencial para efeitos da sua aceitação em sede fiscal, nos termos do art. 23.º do CIRC.

o) Na verdade, ao abrigo do art. 23.º do CIRC, as despesas e encargos suportados pela sociedade somente são aceites como custos fiscais na medida em que se mostrem necessários e indispensáveis para a obtenção dos rendimentos sujeitos a tributação na sua esfera,

p) E demonstrando-se que, por inerência, apenas os elementos patrimoniais que reúnem as condições para se qualificarem como elementos do Ativo na contabilidade e se encontrem afetos à exploração, são aptos de gerarem rendimentos suscetíveis de tributação na sua esfera,

q) Resultará, inevitavelmente, da conjugação das duas condições anteriormente descritas, que as despesas e encargos suportados pela sociedade só poderão aceitar-se para efeitos fiscais quando se comprove a sua ligação a algum desses elementos qualificados como Ativo na contabilidade e afetos à exploração, uma vez que, conforme referido, apenas esses elementos são suscetíveis de gerar proveitos tributados na sua esfera jurídico-tributária.

r) Ora, no caso em presença, verificamos que os encargos financeiros que antes da realização da fusão inversa eram suportados pela sociedade fundida para aquisição de elementos do seu Ativo (as ações representativas do capital social da sociedade beneficiária), não apresentam, após a realização dessa operação, agora na esfera da sociedade beneficiária, a ligação a quaisquer elementos afetos à exploração com a natureza de Ativo.

s) Conclui-se, assim, que tais encargos financeiros não podem ter contribuído – é manifestamente impossível poderem ter contribuído! – para a obtenção de quaisquer proveitos tributáveis na sociedade beneficiária da fusão, não sendo, por isso, elegíveis como componentes negativas do lucro tributável apurado na sua esfera.

t) De facto, enquanto o interesse da sociedade se concentra no desempenho dos elementos patrimoniais do Ativo de que esta é titular, geradores de proveitos e custos na sua esfera económica e fiscal, já o interesse dos sócios/acionistas reside na Situação Líquida (Capital Próprio) da própria sociedade, após cada “performance”, que lhes trará, a eles sócios/acionistas, a remuneração (lucros distribuídos) pelo capital investido (Capital Social), sendo esse interesse tanto maior quanto maior for o valor desse capital de que cada um é titular.

u) Em face do exposto, não se nos afigura que o interesse da sociedade se confunda com o interesse dos seus sócios/acionistas, porquanto, se a esfera da sociedade é jurídica, económica e fiscalmente autónoma da esfera dos seus sócios/acionistas, os respetivos interesses subjacentes também se hão-de autonomizar, diferenciando-se claramente dos interesses daqueloutros.

v) Ora, as correções impugnadas, concretizam-se na esfera da sociedade, pelo que importa aferir, na perspetiva fiscal, quais os elementos suscetíveis de gerarem rendimentos económicos (proveitos/ganhos/réditos) sujeitos a tributação na esfera da sociedade, uma vez que apenas os custos associados a esses rendimentos poderão ser admitidos fiscalmente, nos termos do art. 23º do CIRC.

w) Assim, sobrevindo uma operação de fusão de duas sociedades, uma delas extingue-se (sociedade fundida) e é incorporada na outra (sociedade beneficiária), pelo que, de acordo com os princípios conformadores da operação em presença, em resultado da mencionada incorporação, o Ativo e o Passivo da sociedade fundida passam para o respetivo Ativo e Passivo da sociedade beneficiária, porém, isso não acontece quanto às ações representativas do capital social da sociedade beneficiária que sejam detidas pela sociedade fundida/extinta.

x) Nesta situação particular, denominada de fusão inversa, essas ações não são coligidas no Ativo da sociedade beneficiária porque representam o Capital Social dela própria, devendo, pois, em conformidade com a sua natureza, figurar como elemento do Capital Próprio e não como elemento do Ativo.

y) Efetivamente, tais ações, que antes da fusão pertenciam à sociedade fundida/extinta, são “distribuídas” aos seus anteriores acionistas, os quais, por superveniência da fusão, passam agora a ser os novos acionistas da sociedade beneficiária.

z) Por via da fusão inversa, as ações que antes pertenciam à sociedade fundida (extinta) e que, por isso, integravam o seu Ativo, “deslocam-se” para a titularidade dos seus acionistas (porque os acionistas da sociedade fundida/extinta são agora os acionistas da sociedade beneficiária), e não para a titularidade da sociedade beneficiária (o que sucederia se fossem evidenciadas no seu Ativo).

aa) Por conseguinte, e, desde logo porque não integram o património Ativo da sociedade beneficiária, a suscetibilidade das referidas ações gerarem rendimentos económicos sujeitos a tributação na esfera da sociedade é notoriamente inexequível.

bb) Pelo que, sustentado, como tem de ser, nos pressupostos jurídico-tributários subjacentes à determinação do lucro tributável, dúvidas parecem não subsistir de que, as despesas e/ou encargos suportados com a sua aquisição e/ou manutenção não são, também, suscetíveis de aceitação em sede fiscal na esfera dessa sociedade.

cc) Doutro modo, ficariam comprometidos os pressupostos erigidos pelo legislador no procedimento de determinação do lucro tributável, prejudicando designadamente o princípio do balanceamento entre os custos e proveitos, em afronta direta a um dos postulados fundamentais do sistema fiscal português que conforma obrigatoriamente, na mesma esfera tributária, os proveitos obtidos e os custos necessários e indispensáveis para a sua obtenção, conforme vem expressamente determinado no art. 23.º do CIRC.

dd) Aqui chegados, é forçoso concluir que, em virtude das ações em causa não se qualificarem como elementos do Ativo de exploração da A………, não são suscetíveis de originar quaisquer rendimentos passíveis de tributação em sede de IRC na esfera desta sociedade, daí resultando que, ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC, os encargos financeiros e demais encargos suportados com a aquisição das referidas ações também não possam ser considerados para efeitos do apuramento do seu lucro tributável.

ee) Sem colocar em crise a neutralidade da operação de fusão inversa, que não é, conforme bem se compreende, o cerne da questão decidenda, entendemos que inexiste qualquer fundamento para, após a realização da dita fusão inversa, se encontrar vedada a possibilidade de verificação dos pressupostos da indispensabilidade dos custos, nos termos e com os efeitos previstos no art. 23.º do CIRC.

ff) Com efeito, se a verificação dos pressupostos definidos no art. 23.º se mostra, de facto, inócua e inútil no caso da operação de fusão tradicional, comum ou direta, porque nesse caso, todos os elementos patrimoniais são transferidos para a sociedade beneficiária com todos os efeitos, já o mesmo não sucede na situação da fusão inversa.

gg) E assim é, porquanto, no caso da fusão inversa, ao contrário do que acontece na fusão tradicional, os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros em apreço não são transferidos para a sociedade beneficiária, mas sim para os seus acionistas.

hh) É, portanto, na esfera destes acionistas, e não na esfera da sociedade beneficiária, que, contrariamente ao que sucede no outro tipo de fusão, os ditos elementos patrimoniais contribuirão para a obtenção de rendimentos.

ii) Pelo que, in casu, torna-se necessário aferir casuisticamente, em cada período económico, a pertinência dos custos relevados fiscalmente na esfera da sociedade beneficiária, de modo a consentir apenas aqueles que cumpram os requisitos da indispensabilidade.

jj) Contudo, contrariando esta natural ilação, a Impugnante pretende que a A……… deduza fiscalmente as despesas e encargos suportados com um elemento patrimonial que não lhe pertence, não consta do seu Ativo, e não é suscetível de produzir rendimentos de natureza económica que ela possa oferecer à tributação para efeitos de IRC – as ações representativas do seu próprio capital social.

kk) Com efeito, a neutralidade da operação de reestruturação no modo de fusão inversa não deve implicar, sem mais, a transmissibilidade de todos e quaisquer custos fiscais, mas apenas daqueles que se relacionem com os elementos patrimoniais transmitidos.

ll) Em jeito de conclusão, diremos que na fusão inversa há elementos patrimoniais que não são transmitidos para a sociedade beneficiária mas sim para os seus acionistas, daí que os correspondentes custos associados não devam ser relevados na esfera fiscal da sociedade, uma vez que os rendimentos a eles associados, porque se tratam de lucros distribuídos/a distribuir aos acionistas, também não vão manifestar-se na sua esfera económica e fiscal mas sim na esfera económica e fiscal daqueloutros.

mm) Ora, foi justamente esta diferença de enquadramento que, com a devida vénia, a Mma. Juíza, na sua douta sentença, não esquadrinhou, e que se impunha.

nn) No que respeita ao segmento decisório relativo à fixação do valor da ação para efeitos de custas, refere a Digníssima Magistrada o seguinte: “[v]alor da acção: € 2.915.525,84”, sem, no entanto, se pronunciar expressamente sobre o pedido de dispensa do remanescente, apresentado na contestação, o que configura uma situação de nulidade por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do Código de Processo Civil).

oo) Com efeito, a norma do art. 11.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conjugada com a do n.º 1 do art. 6.º, e correspondente Tabela, na medida em que não estabelecem qualquer limite máximo para o valor da taxa de justiça, fazendo depender o seu montante, apenas e cegamente, do valor da ação (numa progressão infinita), são manifestamente inconstitucionais, por violação do princípio do Estado de Direito, nessa sua específica dimensão, dos princípios da proporcionalidade (arts. 2.º e 18.º, n.º 2 da CRP) e da igualdade (art. 13.º da CRP), configurando um enriquecimento sem causa (art. 473.º do Código Civil (CC)), na medida em que não existe contrapartida ou correspetividade entre o valor da taxa de justiça devida, nos termos daquelas normas, e o serviço prestado pelo tribunal.

pp) Dissecando o art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, verificamos, de acordo com o teor da norma do n.º 1, conjugada com a norma do n.º 7, que, são dois os requisitos essenciais para a dispensa do pagamento do remanescente, a saber:

i. a complexidade da causa e

ii. a conduta processual das partes.

a) Ora, é nosso entendimento de que não se verifica, no caso em apreço, uma má conduta processual das partes justificativa de tal acréscimo, estando arredado, para aferição da possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o segundo ponto, a saber, a conduta processual das partes.

b) Assim, a Mma. Juíza funda a sua decisão na complexidade da causa, para indeferir o pedido de dispensa do remanescente.

c) Ora, entende a Fazenda Pública que, efetivamente, a matéria em questão é complexa e envolve pesquisa e conhecimentos de vária ordem, porém, tal complexidade não justifica uma taxa de justiça na ordem dos € 34.000 por cada uma das partes!

d) Assim, tal decisão é, sem dúvida, violadora dos princípios da proporcionalidade, nas vertentes da justa medida e da proibição do excesso, (arts. 2.º e 18.º, n.º 2 da CRP) e da igualdade (art. 13.º da CRP), configurando um autêntico enriquecimento sem causa (art. 473.º do Código Civil (CC)).

e) De facto, de acordo com o n.º 1 do aludido art. 6.º, “[a] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento” (realces nossos), pelo que não vislumbramos em que medida os serviços prestados por este Douto Tribunal justificam, em abstrato, um valor de custas sem qualquer limite.

f) Aliás, essa situação acaba por contrariar a lógica do próprio RCP.

g) E se atendermos a que no dia-a-dia dos tribunais nos deparamos com ações substancialmente mais complexas que estão longe de atingir os montantes em causa no presente recurso, a conclusão não pode ser outra que não a de que existe uma flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado, os custos cobrados e os custos a cobrar.

h) De facto, o valor exigível a título de taxa de justiça num processo deste montante é muito superior aos serviços prestados pelo Tribunal, pecando por excessivo, desajustado e desproporcionado, sendo, por isso, as normas aqui chamadas à colação, inconstitucionais por envolverem uma grave violação do princípio constitucional da proporcionalidade em sentido amplo, nas vertentes da adequação ou justa medida e da proibição do excesso.

i) Assim, na senda do exposto, há que perguntar, num primeiro momento, se a medida legislativa em causa é apropriada à prossecução do fim a ela subjacente, só podendo a resposta a tal questão ser negativa.

j) De facto, pretendeu o legislador, com tais normas, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro [Rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24/04, e alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27/08, pelo DL n.º 181/2008, de 28/08, pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31/12, e 3-B/2010, de 28/04, e pelo DL n.º 52/2011, de 13/04 e, por último, pela Lei n.º 7/2012, de 13/02], que o “custo efetivo” do processo opere à custa de quem deu causa (em sentido amplo) à ação e continuar o “plano de moralização e racionalização do recurso aos tribunais iniciado com a revisão de 2003”.

k) Assim, “a taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço” (negrito e sublinhados nossos), tendo-se procurado também, de um modo geral, “adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores”.

l) Com efeito, o processo em análise, cuja taxa de justiça ascende a mais de €34.000, por cada uma das partes, de modo algum poderá ser apropriado à prossecução dos fins visados pelo legislador, redundando numa injustiça e imoralidade excessivas, desproporcionadas e manifestamente inconstitucionais, porquanto violam os mais básicos e essenciais princípios do nosso Direito, mormente o princípio da proporcionalidade, em sentido amplo, nas suas três dimensões, pois que, e ademais, a instância não sofreu qualquer tipo de perturbação ou perplexidade, teve uma tramitação linear, apesar de complexa, ofendendo aquele montante, assim determinado, de igual modo, o princípio da igualdade.

m) Na realidade, as normas aqui visadas (norma do art. 11.º, conjugada com a do n.º 1 do art. 6.º, RCP e correspondente Tabela) são também inconstitucionais por violação do princípio da igualdade, um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais.

n) De facto, num procedimento em que o volume da taxa de justiça se determina em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, na medida em que fica ao arbítrio do juiz a dispensa ou não do pagamento do remanescente, tendo o mesmo de fundamentar adequadamente tal dispensa, não deixam tais normas de ser materialmente inconstitucionais, motivo pelo qual deveria a norma comportar, como regra, um montante máximo e, como exceção, a possibilidade de tal montante ser agravado de acordo com a complexidade da causa e a conduta das partes, devendo, em consequência o juiz fundamentar adequadamente o motivo de tal agravamento.

o) Assim se entende, importando não olvidar que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, quer de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no art. 2.º CRP, quer ainda do direito de acesso à justiça acolhido no art. 20.º igualmente da Constituição da República Portuguesa, nos termos já apontados.

p) Por fim, tudo visto e ponderado, na sequência do exposto, este recurso deve proceder devendo a conta de custas a elaborar ter em conta o máximo de 275.000,00 euros fixado na tabela I do RCP aplicável desconsiderando-se o remanescente, por violação também do princípio da igualdade.

q) Ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio, deverá o valor da causa para efeitos de custas ser ajustado para um montante considerado justo e equilibrado, adotando-se uma solução que não choque com o comum sentimento de justiça.

r) Nesta conformidade, e quanto a esta questão, deverá a sentença recorrida ser revogada com exceção da parte em que absolveu a Fazenda Pública do pedido de anulação de juros compensatórios, e substituída por acórdão que analise cabalmente, as questões de direito suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, e se pronuncie sobre os pedidos formulados pela FP, nomeadamente no sentido de ser dado provimento ao recurso e ser a FP dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tudo com as devidas consequências legais.

Pediu fosse concedido provimento ao Recurso, fosse revogada a sentença recorrida e fosse a mesma substituída por acórdão que analise cabalmente todas as questões suscitadas pela Recorrente, com as devidas consequências legais.

II. A Recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:

a) As alegações de recurso merecem, em termos formais, dois reparos muito sérios. Por um lado, as alegações parecem intempestivas. Por outro lado, a Fazenda Pública pretende, em sede de recurso, ensaiar uma fundamentação nova, não utilizada até ao momento.

b) Quanto à intempestividade, há que atendar às disposições legais em vigor. O prazo para apresentação de alegações nos recursos interpostos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância é de 15 dias contados, para a Recorrente, a partir do despacho de admissão de recurso – artigo 282.º, n.º 3 do CPPT.

c) Tal disposição legal pressupõe, para o efeito, que o despacho de admissão de recurso e de notificação para apresentação de alegações seja efetuada à Recorrente e à Recorrida ao mesmo tempo. Trata-se da mesma notificação, endereçada a entidades distintas. Pelo que tanto a Recorrente como a Recorrida ficam a saber, assim, quando é que terão de apresentar as respetivas alegações.

d) Ora, depois de ter ficado sem efeito uma primeira notificação de dia 18 de abril de 2016 dando conta da admissão do recurso, a Secretaria do Tribunal realizaria depois uma segunda notificação que, igual à anterior, dava conta da admissão do recurso e determinava sem efeito a anterior notificação.

e) Este segundo despacho, com data de 3 de maio de 2016, foi notificado à Recorrida no dia seguinte ao da expedição – i.e. 4 de maio de 2016 – e, presume-se, que tenha sido igualmente esse o dia, senão antes, a data em que a Fazenda Pública foi notificada, até pela circunstância de a Recorrida se encontrar em Lisboa e a notificação ser remetida a partir do Porto.

f) Sucede que, aplicando-se 15 dias sobre essa data – que se contam, naturalmente, de forma corrida, nos termos do artigo 138.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 20.º, n.º 2 do CPPT –, o prazo para apresentação das alegações da Recorrente terminou no dia 19 de maio de 2016. Sendo que, mesmo que se admita aplicar-se ao caso o prazo suplementar de 3 dias úteis para prática do ato mediante o pagamento de multa (conforme previsto no artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), a Recorrente nunca podia ser admitida a apresentar alegações além do dia 24 de maio de 2016.

g) No entanto, como bem se alcança do registo de entrada no SITAF, a Recorrente veio apresentar as suas alegações no dia 25 de maio de 2016, incumprindo assim o prazo legal de que dispunha para o efeito.

h) Ora, nestas circunstâncias o CPPT é perentório ao estatuir no respetivo artigo 282.º, n.º 3 que, nessas circunstâncias, “o recurso será julgado logo deserto no tribunal recorrido”.

i) Nesses termos, não concebe a Recorrida outra decisão que não a de rejeição das alegações apresentadas pela Fazenda Pública, com fundamento na sua extemporaneidade, e, em consequência, julgar-se deserto o recurso a que ora se responde.

j) Acresce, em paralelo, que as alegações de recurso da Fazenda Pública pretendem fundamentar a posição assumida pelos serviços de inspeção tributária em argumentos que, na realidade, são novos. Um caso paradigmático de fundamentação a posteriori.

k) Para o efeito – e focando-se numa alegada especificidade da fusão inversa – a Fazenda Pública alega que “os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros em apreço não são transferidos para a sociedade beneficiária, mas sim para os seus acionistas”. E, fixando-se nesta ideia, vem a Fazenda Pública concentrar quase toda a sua fundamentação nesse ponto.

l) Acontece que nem em sede de inspeção, nem na fase graciosa, nem tão-pouco aquando da impugnação judicial utilizou a Autoridade Tributária este filão argumentativo. Isto quando, ao mesmo tempo, negligencia todos os outros argumentos que aduzira até aqui.

m) Ora, conforme já decidido na jurisprudência nacional, “Uma fundamentação a posteriori consubstancia gritante ilegalidade, em virtude de, no contencioso de mera legalidade, onde nos encontramos, o tribunal se ter de limitar a ajuizar da legalidade do ato sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respetiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio ato” (acórdão do TCA – Sul no processo n.º 03716/10 de 10 de maio de 2011).

n) No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 01306/03, de 19 de abril de 2005, quando concluía que “A fundamentação a posteriori não é legalmente admissível”. Daí que a Recorrida seja forçada a concluir que as alegações de recurso se deveriam ter cingido à “fundamentação contemporânea do ato”. Nada mais.

o) Não o tendo feito, incorreu a Fazenda Pública numa evidente ilegalidade. Aliás, não deixa de ser curiosa a insistência – agora – da Fazenda Pública no facto de ter ocorrido uma fusão inversa, como se a mesma não andasse a adotar o mesmo entendimento no caso de fusões da subsidiária na respetiva sócia (fusão upstream). Situações que deram origem, também, a jurisprudência contrária à posição assumida pela Autoridade Tributária.

p) Para além do mais, a história subjacente à fusão inversa é integralmente clara e compreensível. Em termos sintéticos, os antigos acionistas da A……… – o grupo B……… – iniciaram em finais de 2005 um processo competitivo de negociação e venda daquela sociedade. No âmbito desse processo o Grupo ……. Saúde (à data designado Grupo C………. Saúde, de ora em diante “Grupo”) manifestou interesse na aquisição da totalidade do capital social da A……….

q) Uma das condições estabelecidas pelos antigos acionistas da A……… consistia na conclusão rápida do processo. Exigência que, no entanto, colocava um problema ao Grupo uma vez que uma aquisição realizada diretamente pelo mesmo estaria sempre sujeita a autorização prévia da Autoridade da Concorrência. Autorização que seria impossível de obter até à data imposta pelos vendedores para concluir o processo de venda.

r) Tal problema foi equacionado e, no final, resolvido. No seguimento de recomendações efetuadas pelos consultores do Grupo decidiu-se constituir uma sociedade, a D………- Unidades de Saúde, S.A. (“D……”). O capital social desta sociedade era maioritariamente detido – 79,99% inicialmente, mas que ascenderia a 80% alguns dias volvidos – por um Banco de Investimento (o Banco C…….. de Investimento, S.A.). O remanescente capital social – 20% – ficaria nas mãos da C…….. Saúde – SGPS, S.A. A esta sociedade – a D…….. – caberia adquirir, no final, a participação (maioritária) no capital social da A……….

s) Na realidade, a circunstância de a maioria do capital social da D…….. se encontrar na titularidade de um banco de investimento permitiria fazer a aquisição sem necessidade de qualquer autorização da Autoridade da Concorrência, viabilizando-se, por essa via, a aquisição da A……… nos termos definidos pelos seus acionistas.

t) Uma vez obtida a expectável, mas necessariamente morosa autorização da Autoridade da Concorrência a D……..passaria a ser detida pelo Grupo.

u) Um dos objetivos era fazer da própria D………. a plataforma de investimento do Grupo a norte do país, objetivo para o qual a A……… não estava originalmente vocacionada em virtude de os anteriores acionistas da A……… (o grupo B……) pretenderem ainda manter-se como acionistas (minoritários) da mesma, com uma participação na ordem dos 10%. Por isso – e só por isso – a A……… revelava-se insuscetível de servir o propósito de assumir-se como o polo aglutinador dos investimentos do Grupo a norte do país.

v) No decorrer do processo, muitos foram os termos e condições de realização do investimento que foram sendo objeto de modificações. Por um lado, acabariam os acionistas da A……… por desistir da sua pretensão de conservação de uma participação minoritária e por alienar a totalidade do capital social naquela sociedade. Por outro lado, tais acionistas exigiriam que o contrato de compra e venda das ações fosse celebrado ainda mais cedo do que o inicialmente previsto.

w) Em face disso, a A……… – ou melhor, 90% do capital social desta sociedade – acabou por ser adquirida diretamente pelo Banco de Investimento e pela C……... Saúde, SGPS, S.A. Em concreto, o Banco de Investimento adquiriu 80% da referida participação total de 90% no capital social da A………. A C……… Saúde, SGPS, S.A. adquiriu, por sua vez, os restantes 20% daquela participação total de 90% no capital social da A………. Significava isto que o Banco de Investimento e o Grupo passavam a deter 72% e 18%, respetivamente, do capital social da A……….

x) Aquela participação minoritária na A……… detida por uma sociedade do Grupo não implicava, ainda assim, a necessidade de obter qualquer autorização por parte da Autoridade da Concorrência. Logo, se a estrutura de aquisição acabou por ser inicialmente distinta do que originalmente se planeou – de forma a ir ao encontro das exigências dos vendedores –, a mesma visou acautelar exatamente as mesmas questões regulatórias que condicionavam a prossecução do objetivo comercial e estratégico de não perder o negócio pela demora na obtenção da referida autorização.

y) Uma vez efetuada a aquisição do capital da A………, podia então regressar-se ao plano que havia sido originalmente traçado dado que entretanto a D………. já havia sido constituída. Assim, nos últimos dias de dezembro de 2005 procedeu-se à transferência das participações sociais detidas pelo Banco de Investimento (72%) e pelo Grupo (18%) na A……… para a D………..

z) Em fevereiro de 2006 o acionista fundador da A……… (grupo B………) vendeu, por seu turno, os 5,33% do capital social que ainda detinha naquela sociedade. Uma vez que a Autoridade da Concorrência ainda não havia autorizado a operação, foi mais uma vez o Banco de Investimento a efetuar a aquisição.

aa) No final de fevereiro de 2006 surgiria, finalmente, a autorização da Autoridade da Concorrência. Facto que levou o Banco de Investimento a desfazer-se, logo no início de março desse ano, das participações sociais que detinha. Por um lado, transferiu para a D………. os 5,33% do capital social de que era titular, à data, na A………. Por outro lado, transmitiu também a sua participação na D………. à sociedade do Grupo que já tinha anteriormente detido os 18% da A………, a já referida C……… Saúde, SGPS, S.A.

bb) Cumpria-se finalmente aquele que era o propósito inicial do Grupo: inserir a A……… no seu perímetro. Objetivo que apenas não foi realizado ab initio e de forma direta em virtude dos curtíssimos prazos impostos pelos anteriores acionistas da A……… – o grupo B……., grupo empresarial inteiramente independente do Grupo – para proceder à respetiva alienação. Bem como – e principalmente – pelas limitações decorrentes da necessidade de autorização por parte da Autoridade da Concorrência. Limitações cuja observância escrupulosa era precisamente a razão da impossibilidade de cumprimento dos prazos impostos pelos anteriores acionistas da A………

cc) Titular de mais de 90% do capital social da A……… (em concreto, 95,33%), a D………. lançou mão do mecanismo de aquisição tendente ao domínio total previsto no artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais. Com isso a D………. passou a deter 100% do capital social da A……….

dd) Uma vez terminado o processo de aquisição integral da A……… por parte do Grupo, a D………. deixou de fazer sentido. A autorização da Autoridade da Concorrência já havia sido obtida e a própria ideia de a D………. servir de plataforma de investimento do Grupo a norte do país ficou prejudicada quando o grupo B………, ao contrário do que estava inicialmente previsto, decidiu sair do capital social da A………, ficando o Grupo a deter 100% do respetivo capital.

ee) Sem surpresa, chegou-se à conclusão de que não valeria a pena incorrer nos custos relativos à manutenção de uma sociedade que tinha deixado de ser necessária. Dada a histórica atividade operacional e visibilidade da A………, por contraposição à D………., decidiu-se então fundir a D………. na A………. Até porque, de um ponto de vista jurídico, seria sempre mais fácil fundir uma sociedade veículo do que uma sociedade com uma atividade operacional de largos anos, tendo até em conta, claro está, a estrutura patrimonial distinta de cada uma das sociedades.

ff) Evitava-se assim o pagamento de duas estruturas de governo de duas sociedades, concentravam-se e eliminavam-se estruturas e áreas comuns e permitia-se a redução de custos, fomentando ganhos de eficiência. Em suma, realizou-se uma fusão invertida, tipo de fusão que durante algum tempo a Autoridade Tributária alegava não poder beneficiar do regime de neutralidade fiscal previsto nos artigos 73.º e seguintes do Código do IRC, entendimento que a jurisprudência viria a colocar em causa e que levou a Autoridade Tributária a retroceder.

gg) Esta história – que consta da matéria assente – conduziu, paradoxalmente, a uma muito particular consequência fiscal: os gastos de financiamento relacionados com a dívida da aquisição da A……… não seriam, no entender daquela, suscetíveis de ser considerados gastos fiscalmente dedutíveis em sede de IRC após a realização da fusão inversa.

hh) Ou seja, a dívida de aquisição contraída pela D………. para aquisição da A……… era fiscalmente dedutível. No entanto, uma vez realizada a fusão por incorporação da D………. na A……… – o que levou a que os direitos e obrigações da D………. se transmitissem para a sociedade incorporante – tal dedução fiscal ficaria prejudicada.

ii) Aquilo que é, atente-se, um dos efeitos legais automáticos da realização de uma fusão – artigo 97.º, n.º 4, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais – levou a Autoridade Tributária a considerar não estar comprovada à luz do artigo 23.º do Código do IRC a indispensabilidade dos gastos de financiamento decorrentes daquela dívida de aquisição tendo em vista “o desiderato de obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora” ao nível da A……… (página 7/14 das conclusões do Relatório de Inspeção). Indispensabilidade que deveria dizer respeito, na sua perspetiva, à justificação desses gastos à luz da “natureza dos proveitos obtidos pelo SP, prestações de serviços médicos, e dos meios propiciadores do desenvolvimento dessa actividade” (página 12/14 das conclusões do Relatório de Inspeção).

jj) O que é curioso é que a Autoridade Tributária admitiu – e continua a admitir – que “se encontram plenamente justificados no âmbito do art.º 23º do CIRC” os gastos de financiamento suportados pela D………. na aquisição da A……… (página 8/14 das conclusões do Relatório de Inspeção). Ou seja, os gastos de financiamento são plenamente dedutíveis na esfera da D………., aquando da aquisição. Dedutibilidade que foi inclusivamente reconhecida pela Autoridade Tributária no ano fiscal de 2006, onde a D………. deduziu um total de €21.836.238,33 de gastos financeiros decorrentes da dívida de aquisição em apreço (facto não esquecido pela Autoridade Tributária no Relatório de Inspeção – página 8/14 das respetivas conclusões).

kk) O “único” problema residiria, então, no facto de tais gastos de financiamento passaria a ser deduzidos na A……… em virtude da fusão ocorrida. Se os gastos de financiamento estivessem registados em qualquer empresa do grupo que tivesse adquirido a A……… – v.g. a D………. (a sociedade que efetivamente procedeu à aquisição) – os mesmos seriam dedutíveis, tanto ao nível individual, como ao nível do grupo sujeito ao regime especial de tributação dos grupos encabeçado pela C………. Saúde SGPS, S.A.. Acontece que a fusão prejudicaria essa consequência.

ll) Percebe-se assim, sem dificuldade, que a Autoridade Tributária foi longe demais, determinando o que podem e não podem fazer os contribuintes na organização da sua atividade empresarial. É que duas operações materialmente equivalentes – a subsistência ou não de mais uma sociedade no perímetro do Grupo – dá origem, no entender da Autoridade Tributária, a consequências fiscais completamente distintas no caso sub judice. Consequências que se revelam suscetíveis de implicar uma redução muito significativa do valor intrínseco do grupo empresarial em apreço. Está-se a falar, recorde-se, de um ativo do grupo (por imposto diferido) de mais de €2,78 milhões. Ativo que não seria colocado em causa se a D………. não tivesse sido fundida na A……… o que, em si mesmo, vem tornar mais evidente a perplexidade que o caso suscita na Recorrida.

mm) Quando a D………. é objeto de fusão por incorporação na A……… deve a dedutibilidade dos gastos de financiamento – antes incontestada – ficar prejudicada? A Recorrida considera que não. Suporta essa posição o parecer da Professora Ana Paula Dourado (páginas 35-38 do parecer) e, sem mais, a decisão do tribunal a quo.

nn) Mas, felizmente, não é apenas o tribunal a quo que adota essa posição. Toda a jurisprudência recente sobre esta matéria o faz.

oo) Assim se pronunciou o acórdão arbitral n.º 101/2013-T, de 2 de dezembro de 2013, em que o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa foi árbitro. Acórdão que utilizou a ratio decidendi de decisões do Supremo Tribunal Administrativo quanto ao critério da dedutibilidade fiscal prevista no artigo 23.º do Código do IRC. Admitiu-se assim sem mais, a dedutibilidade fiscal dos gastos de financiamento originalmente incorridos pela sócia de uma sociedade que, após uma fusão inversa, se transmitam para a sua subsidiária como decorrência da fusão realizada. Ou seja, exatamente aquilo que sustenta aqui a ora Recorrida. Tal acórdão assenta em três fundamentos distintos, a saber, (i) a natureza jurídica da fusão e seus corolários, (ii) a indispensabilidade dos gastos de financiamento para a realização de rendimentos sujeitos a imposto e (iii) a indispensabilidade dos gastos de financiamento para a manutenção da fonte produtora.

pp) No mesmo sentido surgiram, no entretanto, outros acórdãos, a saber: o acórdão arbitral n.º 42/2015-T, de 30 de junho de 2015, o acórdão arbitral n.º 92/2015-T, de 21 de janeiro de 2016 e o acórdão arbitral n.º 93/2015-T, de 25 de janeiro de 2016, entre outros. Casos que incluem na sua maioria situações de fusões inversas, ao contrário do sustentado pela Fazenda Pública nas suas alegações de recurso. Aliás, tal jurisprudência compreende casos em que a sociedade incorporada na fusão inversa não tinha sequer nenhuma razão aparente de existir, ao contrário do que sucedia com a D……….

qq) A fundamentação matricial desses acórdãos é invariavelmente a mesma e encontra-se estribada na posição do Supremo Tribunal Administrativo no que diz respeito ao critério da dedutibilidade fiscal prevista no artigo 23.º do Código do IRC: ao admitir-se a dedutibilidade fiscal dos gastos de financiamento originalmente incorridos pela sócia de uma sociedade na aquisição do respetivo capital, tal dedução não pode ficar prejudica uma vez efetuada uma reorganização societária que compreenda, para o efeito, a hipótese de uma fusão inversa. Essa é, em síntese, a visão da ora Recorrida.

rr) Acontece que a Autoridade Tributária recusa-se a extrair os efeitos legais – incluindo tributários – de tal fusão. Vai daí sugerir outras formas de realizar uma reorganização societária daquele tipo, enunciando inclusive as alternativas mais adequadas para as partes lograrem aquilo que pretendiam (i.e. extinguir uma sociedade redundante do Grupo).

ss) Uma primeira hipótese que a Autoridade Tributária avança consistiria em dissolver e liquidar a D………. (página 7/14 das conclusões do Relatório de Inspeção). Outra hipótese que a Autoridade Tributária elenca é a da fusão por incorporação da D………. na C……... Saúde, SGPS, S.A., em alternativa à fusão por incorporação da mesma na A……… (página 7/14 das conclusões do Relatório de Inspeção). Por fim, chega também a sugerir-se a hipótese de ser efetuada a transferência das responsabilidades financeiras da D………. para a C……... Saúde, SGPS, S.A. antes da realização da fusão por incorporação da mesma na A……… (página 8/14 do Relatório de Inspeção). Três alternativas distintas, mas todas elas com um propósito comum: colocar a dívida da aquisição da A……… na C……... Saúde, SGPS, S.A. Caso em que a consequência final seria curiosamente idêntica àquela que a Autoridade Tributária tenta fazer valer no caso em apreço: a insusceptibilidade de os gastos de financiamento serem aproveitados fiscalmente. É que se os mesmos fossem suportados pela C……... Saúde, SGPS, S.A. não concorreriam para a formação do lucro tributável desta sociedade em virtude da aplicação imperativa – e imediata – do regime fiscal previsto (então) para as sociedades gestoras de participações sociais no artigo 32.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais. A C……... Saúde, SGPS, S.A. – enquanto sociedade gestora de participações sociais – estaria impossibilitada de deduzir fiscalmente aqueles gastos de financiamento.

tt) Logo, qualquer uma das alternativas da Autoridade Tributária resultaria, sem mais, numa solução em que os gastos de financiamento seriam perdidos para efeitos fiscais. Pelo que seria melhor, do ponto de vista do Grupo, nada fazer. Ou seja, seria sempre melhor fazer subsistir a D………. do que qualquer uma das alternativas elencadas pela Autoridade Tributária. E o aspeto mais curioso é que, se assim fosse, a Autoridade Tributária nada poderia fazer senão aceitar essa decisão de gestão do sujeito passivo e as respetivas consequências da mesma.

uu) Não se percebe, afinal de contas, por que razão deveria o Grupo privilegiar a liquidação à fusão? E porquê uma liquidação da D………. e não, ao invés, uma liquidação da própria A………, passando os respetivos ativos para a D………. e, com isso, prevenindo qualquer questão fiscal na dedução dos gastos de financiamento (o que seria equivalente a fazer uma aquisição dos próprios ativos da A………)? E, já agora, porque é que se deveria preferir a fusão da D………. na C………. Saúde, SGPS, S.A. quando existia, para o efeito, uma alternativa disponível e menos onerosa do ponto de vista tributário que consistia em fundi-la na A………?

a) Recorde-se que os próprios tribunais reconhecem que “é inerente à racionalidade económica a minimização dos impostos a suportar” e que “o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei” [Acórdão do Tribunal Central Administrativo – Sul de 15 de Fevereiro de 2011 (processo n.º 4255/10)]. A Autoridade Tributária considera, no entanto, que os contribuintes devem derradeiramente realizar as suas operações de forma a maximizar o ónus tributário. Isto sob pena de a solução a adotar se assumir – acrescenta a ora Recorrida – quasi abusiva. É na realidade isso que a argumentação da Autoridade Tributária vem insinuar, mas sem explorar formalmente tal trilho.

b) Na realidade, a comparação entre o resultado fiscal da operação realizada e as alternativas apresentadas pela própria Autoridade Tributária apenas são equacionáveis, como enfatiza a Professora Ana Paula Dourado, num contexto em que se quer surpreende[r] um carácter abusivo na operação levada a cabo pelos sujeitos passivos. Há, por isso, da parte da Autoridade Tributária um preconceito de que a operação levada a cabo é artificiosa, quase fraudulenta – daí os administradores da ora Recorrida terem sido inclusive constituídos arguidos ex vi de um crime de fraude fiscal que a Autoridade Tributária surpreendeu na singela realização da fusão (processo que, sem surpresa, seria depois arquivado).

c) Acontece que não podem ser admitidas presunções inilidíveis de abuso, para além do mais contrárias também ao Direito da União Europeia. Direito que se aplica à situação em análise uma vez que, como bem sublinha a Professora Ana Paula Dourado, “se trata de matéria harmonizada por Diretiva Comunitária” (página 31 do parecer, citando os acórdãos C-126-10, Foggia e C-352/08, Zwijnenburg).

d) Em síntese, este tipo de questões não pode ser suscitado com fundamento no artigo 23.º do Código do IRC. Não estamos, aqui, perante qualquer disposição antiabuso. Como doutamente sublinhava Saldanha Sanches, “o art. 23º não pode ser considerado como uma cláusula geral anti-abuso avant la lettre, a aplicar sem quaisquer garantias de natureza procedimental, como, por vezes, parece pensar a Administração”[SALDANHA SANCHES, Os Limites do Planeamento Fiscal – Substância e Forma no Direito Fiscal Português, Comunitário e Internacional, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 215]. Se a Autoridade Tributária pretendesse, de facto, seguir esse trilho teria de habilitar-se não no artigo 23.º do Código do IRC mas sim, ao invés, no artigo 38º, n.º 2 da LGT, com tudo o que isso significava, inclusive, a nível procedimental. Realidade que teria permitido à Recorrida, com redobrada firmeza, opor-se a tal acusação.

e) Acontece que é o próprio Relatório de Inspeção que vem afirmar que “atendendo à liberdade contratual entre as partes não será de colocar em causa a fusão” (página 7 das conclusões do Relatório de Inspeção), furtando-se assim a Autoridade Tributária a explorar o argumento do abuso. Percebe-se. Não havia abuso. E tal não resulta do facto, esgrimido pela Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, de o artigo 38.º, n.º 2 da LGT alegadamente pressupor, ao determinar a ineficácia de certos atos ou negócios jurídicos, “que tais atos ou negócios sejam ilícitos, por contrários à lei”. Nem essa ilicitude é pressuposta, nem tal abuso é identificável num caso em que a dedução fiscal estaria disponível mesmo que nada tivesse sido feito ex vi do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

f) Em sede de alegações de recurso para o tribunal ad quem a Fazenda Pública vem, como se adiantou, tentar ensaiar uma nova fundamentação para a sua pretensão. Alega a Fazenda Pública que, por via da fusão inversa, as ações que antes pertenciam à sociedade fundida (extinta) e que, por isso, integravam o seu ativo “deslocam-se” para a titularidade dos seus acionistas e não para a titularidade da sociedade beneficiária. Tal facto prejudicaria a dedutibilidade dos gastos de financiamento.

g) Este argumento – novo – e repetido à exaustão nas alegações não colhe. A factualidade que se descreve é um elemento estrutural à fusão inversa, mas a circunstância de o ativo não integrar o património da sociedade incorporante – o que em si mesmo é duvidoso – não poderia nunca ser o critério. Tal sucede várias vezes no tráfego jurídico, sempre que o serviço da dívida sobreviva ao ativo que com a mesma permitiu adquirir. Tal argumento acrescenta assim mais uma cortina de fumo para esquecer a realidade fundamental: se no momento da contração da dívida os gastos financeiros eram fiscalmente dedutíveis, então os mesmos deverão continuar a sê-lo uma vez realizada a fusão. Apenas assim não seria se se surpreendesse algum comportamento abusivo nas operações realizadas, o que não sucedeu. Reconhecendo a fusão como um comportamento legítimo e, além do mais, suscetível de gozar do regime de neutralidade fiscal previsto na lei doméstica e na lei da União Europeia, não se vê como poderá a Fazenda Pública recusar os efeitos fiscais diretos e naturais da mesma.

h) Há que sublinhar, por fim, os contornos específicos deste tipo de operações, denominadas de leveraged buy-outs. Uma transação deste género consiste basicamente numa forma de investimento de capital através da aquisição de sociedades com recurso à utilização de capital alheio que se carateriza pela respetiva amortização através do cash-flow da sociedade adquirida. O Grupo não apenas aporta o capital necessário à aquisição, tendo para o efeito que proceder à sua captação junto da banca, como ainda o know-how para assegurar a gestão eficiente da empresa adquirida após a respetiva operação, de forma a gerar o cash-flow suficiente para a remuneração do investimento alheio captado para a operação, a remuneração dos serviços de gestão e aconselhamento à reestruturação. É por isso que a operacionalização da atividade exige quase sempre, não só a constituição de uma sociedade veículo – que neste caso foi imposta por razões regulatórias – a quem caberá procurar junto de investidores o capital necessário para a operação de aquisição da sociedade que se pretende comprar, como também que se proceda à gestão mais eficiente da mesma após a operação de financiamento. Tal exige especiais cuidados na gestão eficiente das empresas, na qual devem evitar-se, desde logo, redundâncias organizacionais.

i) No contexto de uma fusão inversa como a que sucedeu aqui, a A……… acabou mesmo por incorporar, com a absorção da D………., o capital necessário ao financiamento da sua (re)dinamização e (re)valorização. O recurso a uma fusão inversa é nestes termos explicada pela circunstância de se estar perante dois negócios jurídicos em simultâneo. Por um lado, enquanto negócio principal, ocorre a aquisição de uma empresa a título de projeto de investimento no capital dessa empresa e não em capital próprio, com recurso a capital alheio. Por outro lado, um negócio subordinado, incluído dentro daquele, o qual é condição de sucesso e razão de ser do primeiro, que consiste numa operação de financiamento ou “alavancagem financeira” – típica de um leveraged buy-out. A fusão é, para o efeito, a escolha de um instrumento financeiro para a realização de uma operação empresarial na qual a sociedade adquirida deve ser percecionada – assim sucede nos leveraged buy-outs –, como a sociedade beneficiária. Por este motivo a Professora Ana Paula Dourado sublinha que “o endividamento da sociedade adquirida e posteriormente beneficiária da fusão (incorporante da ……….) não é sinónimo de sobre-endividamento, ou uma diminuição do valor como empresa” (página 20 do parecer).

j) Os gastos em que incorre a D………. com recurso ao crédito são gastos que têm como propósito alavancar financeiramente a sociedade beneficiária – a A……… – para que esta possa otimizar a sua atividade económica e não se esgotam nas meras vantagens fiscais que dela possam resultar. Otimização que o futuro imediato viria a confirmar. Em suma, e recorrendo uma vez mais às palavras da Professora Ana Paula Dourado, “a potencialidade de crescimento [da A………] foi-lhe dada pelo Grupo C………. Saúde, potencialidade essa que não existia quando a A……… estava nas mãos dos antigos acionistas” (página 20 do parecer).

k) Em síntese – e em face do exposto – a posição da Autoridade Tributária releva-se claramente violadora da lei, resultando num atropelo aos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Não pode, de facto, substituir-se uma tributação com base no rendimento real por uma tributação com base num rendimento normal, à luz do qual se confere uma diversa qualificação e tratamento em sede de tributação das componentes, negativas ou positivas, do rendimento empresarial contabilisticamente apurado e evidenciado. Acresce ainda que o entendimento da Autoridade Tributária viola também os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, isto na medida em que a desconsideração fiscal dos mencionados gastos financeiros revela um tratamento discriminatório e um total menosprezo por uma evidente manifestação negativa da capacidade contributiva das empresas. Factos que, em si mesmos, prejudicam irremediavelmente a fixação da matéria tributável realizada.

Rematou as conclusões dizendo que o recurso deve ser considerado deserto, por extemporâneo. Ou, caso assim não se entenda, julgado improcedente.

A Mm.ª Juiz a quo lavrou despacho dizendo, além do mais, que as alegações de recurso foram apresentadas no segundo dia útil posterior ao termo do prazo e que a Recorrente pagou a multa devida nos termos do artigo 139.º, n.º 5, alínea b), do Código de Processo Civil. Concluiu dizendo que «a apresentação das alegações é válida».

Notificada deste despacho, a Recorrente nada disse.

III. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer e concluiu nos seguintes termos:

O recurso interposto pela F.P. é tempestivo.

O requisito da indispensabilidade dos gastos tal como previsto no art. 23.º, n.º 1 do C.I.R.C., na redação anterior à atual, aplicável quanto á recorrida nos exercícios de 2008 a 2001, não ocorre quanto ao empréstimo que suportou a aquisição de ações da recorrida e nas demais circunstâncias constantes dos autos de que não resulta a sua aplicação na atividade da recorrida tal como estatutariamente definida.

Em face do previsto no art. 11.º, em conjugação com o art. 6.º n.º 1 do R.C.P., mais parece que as custas sejam reduzidas a metade.

Assim se entendendo, o recurso é de proceder em termos de revogar o decidido e julgar ainda a impugnação improcedente.

IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


***


1. Da questão prévia

Nos pontos 4.º a 10.º das contra-alegações de recurso e nas alíneas “b)” a “i)” das respetivas conclusões, a Recorrida invoca uma questão prévia que, a proceder, obstará ao conhecimento do recurso porque conduz à sua deserção.

Na verdade, a Recorrida alega que o prazo para a apresentação das alegações terminou no dia 19 de maio de 2016 e as alegações só foram apresentadas no dia 25 de maio. E conclui que, por isso, o recurso deveria ter sido julgado deserto logo no tribunal recorrido, atento o preceituado no artigo 282.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (na redação então em vigor).

O Mm.º Juiz a quo decidiu que a apresentação das alegações era tempestiva porque a notificação se presume efetuada no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse e porque as alegações foram enviadas no segundo dia útil posterior ao termo do prazo e a Recorrente pagou a multa devida (cfr. fls. 1230 do processo físico).

Deve entender-se, no entanto, que a decisão que julga tempestivas as alegações (e, em consequência, indefere a pretensão à declaração de deserção) não vincula o tribunal superior, à semelhança do que se prescreve para a decisão que admita o recurso (cfr. o artigo 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Assim – e também porque está integrada do âmbito do recurso – importa decidir esta questão.

No fundo, a Recorrida alega que recebeu a notificação no dia seguinte ao da expedição, pelo que se presume que terá também sido esse o dia em que a Fazenda Pública foi notificada.

A que parece, invoca-se uma presunção natural: se duas cartas foram expedidas no mesmo dia e uma delas foi recebida no dia seguinte, é natural que se pressuponha que a parte contrária recebeu a carta também no dia seguinte.

Qualquer que seja o valor deste raciocínio, não pode valer no caso. Porque – como bem anotou o Mm.º Juiz a quo, a Fazenda Pública beneficia aqui de uma presunção legal: a presunção que deriva do artigo 254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, aqui aplicável (vd. por todos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de janeiro de 2016, no processo n.º 01680/15, disponível em redação integral in www.dgsi.pt.).

Esta presunção só pode ser ilidida nos termos do n.º 6 do mesmo dispositivo. Isto é, só pode ser ilidida pelo notificando, invocando a falta de notificação ou a notificação em data posterior. Não pode ser ilidida pela parte contrária, invocando a notificação em data anterior (um uma presunção natural nesse sentido). Na prática, se a notificação for efetuada antes da data que resulta da presunção, o destinatário beneficiará de um aumento do prazo para a prática do ato conexionado com a notificação.

De qualquer modo, mesmo que fosse aqui de admitir um conflito de presunções, teria que prevalecer aqui a presunção legal (só assim não seria se a outra servisse para pôr em causa o facto base em que se funda a presunção legal – o que não se vê como pudesse suceder, no caso, porque o facto base é o registo).

Improcede, por isso, esta questão prévia. E nada mais obsta à decisão do recurso.

2. Dos fundamentos de facto


O tribunal de primeira instância considerou provados os seguintes factos:

1. 1. Em 15 de Dezembro de 2005, o Conselho de Administração de “C………. Saúde, SGPS, SA, deliberou a aquisição de uma participação entre 85% e 100% do capital da A………, nos seguintes termos: (cfr. ata constante de fls. 78 do Vol. I, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido):

“(…) O Conselho reuniu para deliberar sobre (…) aquisição de uma participação de 85% a 100% do capital da “A……………, SA.” e da forma de financiamento desta aquisição. (…) (sendo apresentados) os principais contornos da proposta a apresentar em conjunto com o “BANCO C………. DE INVESTIMENTO, S.A.” para a aquisição de uma participação de 85% a 100% do capital da “A……… — …….., S.A.”, nomeadamente a caracterização do que é hoje a A………, os principais pressupostos da avaliação realizada, as perspetivas futuras da sociedade, as potenciais sinergias com as restantes unidades da C………. Saúde, bem como a proposta de contrato de compra e venda e respetivo acordo parassocial a celebrar com o principal acionista vendedor. Foi aprovada por unanimidade a apresentação de uma proposta vinculativa de aquisição até 100% do capital social da “A……… — ………, S.A.” pelo valor máximo de cento e vinte e sete milhões euros.

Em relação ao financiamento desta aquisição, foi igualmente aprovada por unanimidade, em caso de concretização desta aquisição, a chamada de prestações acessórias aos acionistas até ao montante máximo de quarenta milhões de euros e a proposta apresentada pelo banco que se propôs financiar o restante montante da aquisição, incluindo a prestação por parte da “C………. SAÚDE - SGPS, S.A.” das garantias solicitadas nesse contrato”.

2. Em 28 de Dezembro de 2005, é celebrada a escritura de constituição da sociedade D………., SA, com o capital social de € 50.000,00, representado por outras tantas ações, com o valor nominal de 1 euro, subscrito pelo BANCO C………. DE INVESTIMENTO SA (39.997 ações), C…….SAÚDE – SGPS, SA (10.000 ações), e E……….., F………. e G………. (com uma ação cada um) (cfr. emerge do contrato constante de fls. 582 a 589, do Vol. II, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido);

3. Em 28 de Dezembro de 2005, foi celebrado um contrato de mútuo, entre "BANCO C……….. SA", " D………. …. SA" e " C……….. SAÚDE - SGPS, SA", mediante o qual, o primeiro concede à segunda um financiamento de € 74.250.000,00, pelo prazo de 12 anos, com vista à aquisição por esta de 90% das ações representativas da " A……… - …….. SA", e do qual a segunda e a terceira se confessam devedoras solidárias, (cfr. emerge do contrato constante de fls. 79 a 127, do Vol. I, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido)

4. Na mesma data, foi celebrado um contrato, designado pelas partes de "promessa de compra e venda de ações", através do qual o C…….. Investimento promete alienar à C……….. Saúde 40.000 ações representativas do capital social da D………. conjuntamente com as prestações acessórias de capital por si efetuadas, pelo preço de € 32.020.000,00, (correspondendo a € 340.000,00 de ações e 31.680.000,00 de prestações), que a segunda promete comprar (cfr. emerge do contrato constante de fls. 606 a 611, do Vol. II, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido)

5. Em 20 de Fevereiro de 2006, o Conselho da Autoridade da Concorrência, decidiu não se opor à operação de concentração " C……….. Saúde / A……… " (cfr. emerge do teor de fls. 264 a 284, do Vol. II, dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido):

6. Em 12 de Outubro de 2011, foi emitida a nota de compensação n.º 2011 00006878311, com o seguinte teor (cfr. emerge do teor de fls. 263, do Vol. II, dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido):

Período de tributação
Liquidação/
Doc. Base
Liquidação de Juros
Valor Base
Período de Cálculo
Taxa
Valor
2007/1/1
a
2011 0310005757
2001 0000194291
€ 631.030,68
2008/8/18 a 2011/9/14
4%
€ 77.758,44
2007/12/31
IRC
2011
00001942192
€ 418.510,03
2008/6/1 a 2011/9/14
€ 55.082,80

7. Em 3 de Dezembro de 2012, é elaborado o relatório final da Inspeção Tributária feita à impugnante, a coberto das ordens de serviço OI201105324 e OI201205405, tendo por objeto os exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011, da qual resultaram correções à matéria tributável em sede de IRC, com a seguinte fundamentação (cfr. emerge do contrato constante de fls. 133 a 142, do Vol. I, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido):

“(…) III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

A. OS FACTOS

Detetada a contabilização como gastos dos exercícios 2008, 2009, 2010 e 2011 as respetivas verbas de € 4 878 499,51, € 3 148 172,84, € 1 489 266,87 e de € 1 614 839,19 designadamente nas respetivas contas 68116, 681112, 69112103 e 69112103 — C……… - D………. (gastos de financiamento), foram questionados os responsáveis da empresa sobre a origem de tais gastos.

Para além dos factos que se extraem dos esclarecimentos prestados pelo SP, após notificação efetuada e que constam dos quesitos C1 e C2 desta informação, haverá que reter os seguintes:

- A1. A D………. , SA. (doravante designada por D………., foi constituída em 2005/12/28 tendo como detentor maioritário do capital o C……. Investimento, SA, que subscreveu 79,99%, a empresa C……….. Saúde — SGPS, SA, a qual subscreveu 20%, e E………., F………. e G………, subscrevendo uma ação cada, no valor de € 1,00.

Declarando o exercício da atividade de “Atividades de Prática Médica Clínica Geral e Ambulatório” (CAE 86210).

- A2. Ainda em 2005/12/28, o C……….. de Investimento, SA adquiriu as ações dos acionistas individuais, pelo que a sua participação passou a ser de 80%.

- A3. Com vista à aquisição de 90% do capital da A………, a D………. contraiu um empréstimo no valor de € 74.250.000,00, com efeitos a partir de 2005/12/29.

- A4. Em 2007/08/23 foi aprovada a fusão entre o SP e a D………. nos termos consignados no projeto de fusão de 2007/06/14, a qual foi reportada a 2007/01/01.

- A5. A aquisição das ações e o correspondente recurso ao crédito pela D………. levou a que esta empresa procedesse à contabilização de parte da compra como Imobilizado Incorpóreo (trespasse) no valor de € 89 257 089,24, sendo a parte restante levada à conta de Investimentos Financeiros.

Com respeito ao crédito obtido, os montantes em causa foram escriturados como Empréstimos Obtidos.

- A6. Com a fusão, a contabilidade da A……… passou a dar expressão a tais realidades patrimoniais designadamente, nas seguintes subcontas e correspondentes saldos à data de 2007/12/31:

23 Empréstimos Obtidos

23121002 C…….. — D………. €81 050 000,00

43 Imobilizações Incorpóreas

434 Trespasse — D………. € 89 257 089,24

- A7. Perante a análise dos documentos referentes à conta-corrente do empréstimo obtido e dos encargos financeiros contabilizados em cada exercício (anexam-se cópias dos extratos das contas de “Empréstimos Obtidos” — Anexo 1 — e alguns documentos exemplificativos — Anexo 2), torna-se evidente, face à base de cálculo destes, que os mesmos derivam do empréstimo inicialmente contraído para concretizar a aquisição das participações financeiras da A……….

- A8. Perante a consideração de custos financeiros que envolviam a D………., foram questionados os responsáveis do SP que, conforme ofício que deu entrada nesta Direção de Finanças em 2012/10/30, esclareceram que os valores relevados nas contas 68116, 681112, 69112103 e 69112103 (C…… — D………..), no total de € 11 130 778,41, respeitava a juros relativos ao empréstimo no C…….. no valor de € 81 050 000,00 decorrente da fusão com a D………..

- A9. Ao nível do IRC, o SP foi enquadrado a partir de 2008, inclusive, a tributação passou a fazer-se de acordo com o regime dos grupos de sociedades (art.º 69° do CIRC).

A. NOTIFICAÇÃO PARA JUSTIFICAÇÃO DOS GASTOS

Considerando que o empréstimo contraído e gerador dos juros em apreço (€ 11 130 778,41) se reporta, em absoluto, à aquisição das participações sociais aos anteriores detentores do capital do SP, situação que, desde logo, suscitava algumas dúvidas quanto à necessidade de tal custo ser suportado para que se tornasse possível a obtenção dos proveitos contabilizados ou manutenção da fonte produtora, entendeu-se por conveniente solicitar ao SP a correspondente justificação ao abrigo do art.º 23° do CIRC.

C. ESCLARECIMENTOS PRESTADOS

Em resposta à citada notificação, o SP veio a apresentar documento e que, para além de proceder à menção das justificações que considera relevantes para a necessidade dos gastos, introduz enquadramento dos sucessivos factos que historicamente & foram desenrolando e que conduziram à situação patrimonial vivida pelo SP de 2008 a 2011.

Em síntese, será de dar saliência à seguinte argumentação, relativamente à qual foram por nós introduzidos subtítulos como forma de conferir uma melhor arrumação aos fundamentos apresentados:

C.1. Da necessidade de constituição da D……..

§ Em finais de 2005 o Grupo C……….. Saúde pretendia adquirir o capital social do SP.

§ Os acionistas vendedores exigiam, todavia, que a alienação fosse efetuada até 2005/12/31.

§ Se a aquisição fosse efetuada pelo Grupo C……….. Saúde tornava-se necessária a autorização prévia da Autoridade da Concorrência, a qual se mostrava impossível de obter até 2005/12/31.

§ Daí que, em 2005/12/28, se tivesse constituído a D………., sociedade que, a ser detida por um Banco de Investimento, não requeria autorização da referida Autoridade da Concorrência e que serviria de plataforma para, no futuro assegurar o investimento do Grupo C……….. Saúde no sector da saúde.

C.2. Do negócio efetivo

§ Perante nova exigência dos acionistas vendedores de realização do contrato até 2005/12/21, data em que a D………. não estava ainda constituída, a aquisição de apenas 90% do capital social foi efetuada por:

- 80% (dos 90%) pelo Banco de Investimento (mais exatamente o Banco C……….. de Investimento, SA);

- 20% (dos 90%) pela C……….. Saúde, SGPS.

§ O facto da C……….. Saúde, SGPS passar a deter participação minoritária (18%) do SP não implicava autorização da Autoridade da Concorrência.

§ Em 2005/12/29, a D………., entretanto constituída (2005/12/28), adquire as participações detidas pelo Banco de Investimento (72%) e pelo C……….. Saúde SGPS (18%).

§ Na falta de autorização da Autoridade da Concorrência, o Banco de Investimento (aliás o C……….. Saúde Investimentos, SGPS, SA), em 2006/02/17, adquiriu 5,33% do capital aos antigos acionistas.

§ Em 2006/02/26, é emitida autorização da Autoridade da Concorrência

§ Em Março, o Banco de Investimento procede à venda:

- à D………. dos 5,33% (neste caso, venda operada pelo C……….. Saúde Investimentos, SGPS, SA);

- à C……….. Saúde, SGPS a sua participação (80%) na D………. (venda operada pelo C……….. de Investimentos, SGPS, SA);

§ Em 2006/12/21, usando da prerrogativa consagrada no art.º 490° do Código das Sociedades Comerciais, a D………. adquire a restante participação no SP (4,67%), ficando a deter 100% do capital desta.

§ Com estas operações, satisfazia-se o objetivo do Grupo C……….. Saúde de investimento no sector da saúde, já que:

- a C……….. Saúde, SGPS, sociedade inserida no seu perímetro, detinha 100% da D……….;

- a D………. detinha 100% do capital social do SP.

C.3. Da justificação da fusão

§ Com a aquisição (indireta) do SP pela C……….. Saúde, SGPS, a D………. deixou de fazer sentido e, portanto, não valeria a pena incorrer nos custos da sua manutenção.

§ O que terá determinado a fusão, reportada a 2007/01/01, entre o SP e a D……….

C.4. Da indispensabilidade dos encargos financeiros

Para a D……….

§ O investimento feito pela D………. visou a obtenção por parte desta de proveitos ou ganhos, designadamente, dividendos futuros e mais-valias geradas pela alienação do capital detido.

§ Referindo-se, ainda, a suscetibilidade de tais rendimentos, após a fusão, passarem a ser do interesse dos acionistas da D………., ou seja da C……….. Saúde, SGPS, logrando-se, assim, justificar que os encargos suportados pelo SP seriam compensados pelos proveitos que a C……….. Saúde, SGPS viesse a obter.

Para o Grupo C……….. Saúde

§ Ligando a aquisição ao Grupo C……….. Saúde, pese embora os intervenientes direto e indireto, terem sido a D………. e a C……… Saúde - SGPS, é apresentada argumentação, relativa à obtenção de proveitos e à manutenção da produtora, que tenta demonstrar que, com a inserção do SP no Grupo C……….. Saúde, o seu desempenho económico-financeiro beneficiou enormemente.

C.5. Da dedutibilidade dos custos ao nível do Grupo

§ Afirma-se que, caso a aquisição se tivesse concretizado por qualquer das empresas do perímetro do Grupo C……….. Saúde, a dedução fiscal dos encargos financeiros relativos ao empréstimo contraído estaria sempre assegurada por via do regime especial de tributação das sociedades (art° 69° do CIRC).

§ Mais se refere que, estando a empresa sujeita a tributação pelo regime dos “Grupos”, conforme os art.os 69° e seguintes do CIRC, o qual implica que o apuramento da matéria coletável seja efetuado pelo somatório dos resultados das empresas que o integram, fica prejudicada a ideia de que o imposto devido a final seria diferente caso a fusão não tivesse tido lugar.

D. ENQUADRAMENTO FISCAL- DOS JUROS SUPORTADOS

Não restando quaisquer dúvidas sobre o facto da origem dos gastos de financiamento relativos aos exercícios 2008, 2009, 2013 e 2011 nos respetivos montantes de € 4 878 499,51, € 3 148 172,84, € 1 489 266,87 e € 1 614 839,19, consistirem em encargos dos empréstimos contraídos inicialmente pela D………. e da responsabilidade do SP por via da sua fusão com aquela sociedade, a questão a decidir prende-se exclusivamente com a necessidade de a A……… suportar esses gastos, relativos à aquisição do seu próprio capital, para que cumpra o desiderato de obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora.

Termos em que se solicitou ao SP tal justificação para inteira satisfação do pressuposto do art.º 23° do CIRC.

Será, pois, através da análise da resposta do SP, a qual, como já se referiu, se tomou a liberdade de subdividir de acordo com a área para que a argumentação relevava, que terá que ser encontrada a decisão sobre a indispensabilidade dos gastos, requisito fundamental da sua aceitação fiscal.

Rebatendo por área de argumentação teremos:

D.1. Justificação da fusão

Torna-se óbvio que, consumado o conjunto de operações que levaram a que a D………. detivesse 100% da A……… e fosse detida totalmente pelo C……….. Saúde - SGPS, SA, não subsistiriam quaisquer razões económicas válidas para a sua manutenção.

Aliás, ao longo dos documentos relativos à Operação de fusão, de que já se tomou conhecimento na ação de inspeção ao exercício de 2007, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI201100598, perpassa nitidamente a falta de qualquer objetivo que não seja viabilizar a aquisição da A………, sendo mesmo a D………. apelidada sociedade veículo.

Já não é certo que o seu desaparecimento se tivesse que operar por uma fusão, uma vez que poderia simplesmente ser dissolvida e liquidada (após as óbvias transferências de responsabilidades).

Assim como também não é dado absoluto que essa fusão, a acontecer, tivesse que ocorrer com a A………, tanto mais que a D………. estava intimamente ligada ao C……….. Saúde - SGPS, SA, pois foi para cumprir um objetivo deste que foi constituída.

Nestes termos, a fusão poderia ter ocorrido com o C……….. Saúde - SGPS, SA, passando esta sociedade, afinal o investidor no sector da saúde com a aquisição da A………, a assumir as responsabilidades decorrentes dos empréstimos contraídos com tal finalidade.

Todavia, atendendo à liberdade contratual entre as partes, não será de colocar em causa a fusão, sem que tal signifique que se prescinda de avaliar as consequências fiscais que em concreto resultam do facto da A……… assumir as responsabilidades dos empréstimos lhes advieram por via da D………..

É que, também teria sido possível afastar tais responsabilidades, designadamente pela transferência para a C……….. Saúde - SGPS, SA, antes de concretizar a fusão.

D.2. Indispensabilidade dos custos para a D……….

Não existem dúvidas sobre a necessidade da D………., enquanto entidade que investe, neste caso, na aquisição de uma participação financeira potenciadora de lucros futuros, ter que suportar, dado não ter meios financeiros próprios, encargos com a sua angariação junto de terceiros.

Enquanto a situação patrimonial da D………. se mantivesse distinta da A………, teríamos esta sociedade a ter que suportar gastos relativos à participação na A………, sendo que sempre subsistiria a expectativa da obtenção de rendimentos, quer através da distribuição de dividendos, quer através da valorização da participação em eventual alienação.

Estaríamos perante um quadro comum: quem investe suporta os encargos e assume uma posição de risco em virtude da subjetividade dos lucros futuros.

Face ao exposto, admite-se que os custos financeiros suportados pela D………. se encontram plenamente justificados no âmbito do art.º 23° do CIRC.

O que, aliás, se verificou no exercício de 2006, em que, embora a D………. apresente um total de € 21 836 238,33 referente a custos financeiros, sem que, no entanto, declare proveitos correspondentes nesse exercício, subsiste sempre a possibilidade de resultados futuros.

D.3. Indispensabilidade dos Custos para a C…… Saúde - SGPS, SA.

O SP fez uma larga explanação em que demonstra que com a integração no Grupo C……….. Saúde, com a aquisição pelo C……….. Saúde - SGPS, SA através da sociedade veículo D………., a A……… tornou-se uma empresa mais sólida e rentável, melhorando os seus rácios económico-financeiros.

Este será, de facto, o objetivo de qualquer investidor, ou seja, conseguir que as empresas em que investe tenham sucesso para, assim, permitir o retorno e a compensação do capital investido.

Mas, não será por esse objetivo em nada censurável, que se cria o direito a que o investidor transfira para a empresa objeto de investimento a consideração fiscal dos encargos com a aquisição da participação social.

Se o objetivo inicial era o C……….. Saúde - SGPS, SA adquirir diretamente o SP, necessariamente teria que contrair empréstimo para tal e suportar os correspondentes gastos.

E se, graças ao seu envolvimento na atividade da A………, esta passar a ser propiciadora de elevados lucros, o C……….. Saúde - SGPS, SA teria oportunidade de ver compensados os custos do seu investimento.

Com a situação em apreço verifica-se que o C……….. Saúde SG PS, SA (investidor) não despendeu nem suportou qualquer verba pela aquisição do capital da A………, sendo que sobre esta recaíram tais encargos, pelo que ao C……….. Saúde — SGPS, SA está reservada a cómoda posição de esperar que a A……… obtenha resultados da sua atividade suficientes para ultrapassar os gastos de financiamento que não são da sua conta e, assim, possibilitar a distribuição do resultado líquido.

Para o C……….. Saúde - SGPS, SA, se o negócio correr mal, nada perde porque nada investiu; se correr bem, recebe rendimentos por um investimento nulo.

Em conclusão, a expectativa do melhor desenvolvimento económico e financeiro da A……… apenas justificaria que o C……….. Saúde - SGPS, SA suportasse gastos com a aquisição do capital social do SP, o que, à contrário, conduz à impossibilidade da aceitação fiscal dos gastos de financiamento contabilizados e declarados pela A………

D.4. Consideração dos custos ao nível do Grupo

Não colhe o argumento de que, se a aquisição tivesse sido efetuada por qualquer empresa do Grupo C……….. Saúde, seria obtido o direito à dedução fiscal dos custos financeiros, face à comunicação dos resultados das várias empresas que integram o grupo que decorre do regime de tributação disciplinado pelo art.º 69° do CIRC.

No âmbito da argumentação apresentada pelo SP que se enquadra sob este título, procurou este demonstrar que, estando a tributação das empresas que integram o “Grupo” subordinada ao regime dos art°s 69° e seguintes do CIRC, o imposto apurado seria sempre o mesmo independentemente dos gastos de financiamento estarem contabilizados na A……… ou qualquer outra empresa do “Grupo”, a C……….. Saúde - SGPS,SA incluída.

Na verdade, sendo a matéria coletável do “Grupo” a soma algébrica dos resultados fiscais de cada uma das empresas que o integram, torna-se evidente que a exclusão do custo na A……… deveria sempre provocar a sua consideração no âmbito de qualquer outra das empresas detidas pela C……….. Saúde SGPS, SA (caso a aplicação tivesse sido por elas efetuada) ou na própria C……….. Saúde SGPS, SA (caso os encargos de financiamentos obtidos tivessem sido projetados na sua esfera).

Todavia, os eleitos fiscais globais de qualquer uma destas hipóteses não seriam os mesmos que se verificam quando analisamos a situação em apreço.

D.4.1. Aquisição pela A……… através da fusão

Assim, começando por enquadrar a situação que concretamente se verifica e retendo que o detentor do capital da A……… é a C……….. Saúde SGPS, SA e que os gastos financiamento se encontram a deduzir ao lucro tributável da A………, constatam-se as seguintes consequências fiscais:

- se a C……….. Saúde SGPS, SA alienar aquela Participação social, a mesma não fica sujeita a tributação porque aproveita da exclusão consagrada no nº 2 do artº 32º do EBF;

- e esse benefício concedido arrasta, como consequência negativa daquela disposição, a impossibilidade de aceitação dos encargos financeiros com a aquisição da participação social;

- encargos esses que, estando contabilizados na A………, não ficam sujeitos a tal limitação.

Logo, em síntese, temos que, se encontram criadas condições para que as empresas envolvidas pudessem aproveitar da parte que lhes é favorável do benefício que é concedido pelo art° 32°, n° 2, do EBF (exclusão da tributação das mais e menos-valias obtidas), evitando o correspondente inconveniente que aquela norma determina (não aceitação dos encargos financeiros na aquisição da participação da A……….

Perante isto, será de apurar a tributação que poderia ocorrer caso a aquisição da A……… tivesse sido efetuada pela C……….. Saúde SGPS, SA ou por quaisquer das outras empresas que integram o “Grupo”, tendo presente que em quaisquer das hipóteses, a respetiva contabilidade iria evidenciar a propriedade da participação e o empréstimo contraído para a tal aquisição, bom como, os inerentes encargos financeiros. Teríamos então:

D.4.2. Aquisição pela C……….. Saúde - SGPS, SA

Como vantagem fiscal concedida pelo n.º 2 do art° 32° do EBF a C……….. Saúde - SGPS, SA aproveitaria da exclusão das mais e menos-valias realizadas pela eventual alienação do capital da A……….

Por outro lado, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorreriam para a formação do lucro tributável desta sociedade, conforme determina aquela disposição legal.

D.4.3. Aquisição por outra empresa do “Grupo”

Como se extrai do que vem sendo referido:

- as eventuais mais ou menos-valias com a eventual alienação da participação na A……… estariam sujeitas às regras gerais de tributação em IRC;

- os encargos financeiros que fossem suportados concorreriam para a determinação do lucro tributável da sociedade adquirente.

D.4.4. Apreciação final deste argumento

Com a argumentação que é utilizada pelo SP torna-se notório que este pretende aproveitar o melhor dos enquadramentos que poderiam ter sido por si conferidos às operações ligadas à aquisição do capital da A……….

Assim, quanto aos encargos financeiros, pretende a sua aceitação invocando que a aquisição do capital poderia ter sido efetuada por qualquer empresa do “Grupo”.

Mas não revela que a C……….. Saúde - SGPS, SA vai abdicar do benefício fiscal a que terá direito relativamente à possível alienação da participação na A………

O enquadramento fiscal da situação em apreço tem que ser definido pelos elementos que em concreto se verificam e não perante as hipóteses que, em alternativa, poderiam ter sido criadas pelo SP.

D5. Conclusão

Como apreciação final, da resposta do SP à solicitação para que fosse comprovada a indispensabilidade dos custos financeiros em face do que estatui o art.º 23º do CIRC, será de referir que o SP nunca abordou diretamente a necessidade destes custos para que a A……… obtivesse os proveitos que têm origem na atividade de prestação de serviços médicos que desenvolve, optando por os apresentar como uma inevitabilidade resultante da fusão celebrada e referindo a sua necessidade para o investidor, seja este a D………., o C……….. Saúde - SGPS, SA ou o próprio Grupo C……….. Saúde.

Entende-se, neste contexto, que não tendo sido apresentadas quaisquer justificações para a indispensabilidade dos custos financeiros, haverá que considerar, face à análise da natureza dos proveitos obtidos pelo SP, prestações de Serviços médicos, e dos meios propiciadores do desenvolvimento dessa atividade, que tais custos não poderão ser considerados fiscalmente na determinação dos resultados dos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011.

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

O apuramento do lucro tributável, tendo em conta as situações objeto de correção, consta do quadro seguinte:

Descrição
2008
2009
2010
2011
Prejuízo fiscal/ lucro tributável declarado
- 3.086.286,59
1.416.983,69
6.424.018,18
5.390.156,69
Custos financeiros
4.878.499,51
3.148.172,84
1.489.266,87
1.614.830,19
Lucro tributável corrigido
1.792.212,92
4.565.156,53
7.913.285,05
7.004.986,78

8. Em 6 de Dezembro de 2012, foi fixada a matéria tributável da impugnante, em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), de harmonia com o proposto na ação inspetiva (cfr. emerge do teor de fls. 74 a 76, do Vol. I, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido);

9. Em 6 de Dezembro de 2012, foi elaborado o ofício n.º 79037/0504, dirigido à Impugnante, com vista a lhe dar conhecimento da fixação matéria tributável, em sede de IRC, e com referência aos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011, nos montantes constantes do quadro final do Facto 7., e que resultavam das seguintes correções meramente aritméticas (cfr. emerge do teor de fls. 73, do Vol. I, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido):
Ano
Resultado Tributável Declarado no Exercício
Correções Aritméticas Efetuadas
Lucro Tributável Corrigido
2008
- 3.086.286,59
+ 4.878.499,51
+ 1.792.212,92
2009
+ 1.416.983,69
+ 3.148.172,84
+ 4.565.156,53
2010
+ 6.424.018,18
+ 1.489.266,87
+ 7.913.285,05
2011
+ 5.390.156,59
+ 1.614.839,19
+ 7.004.995,78

Em 2 de Abril de 2013 (data do registo postal), a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a matéria tributável que lhe foi fixada, em sede de IRC, e com referência aos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011, que foi autuada no Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim, sob o n.º 1872201304000609, com o seguinte petitório (cfr. emerge do teor de fls. 1 a 70, do Vol. I, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido):

“Deve a presente reclamação ser deferida, devendo, em consequência:

i) anular-se, por ilegal, a fixação da matéria tributável realizada através do ofício n.º 79037/0504;

ii) serem integralmente deduzidos os encargos financeiros em crise”

9. Em 9 de Agosto de 2013, foi proferido despacho de indeferimento na reclamação graciosa 1872201304000609 (cfr. emerge do teor de fls. 165, do Vol. I, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido);

10. Em 14 de Agosto de 2013, foi notificada a decisão da reclamação graciosa (cfr. emerge do teor de fls. 167, do Vol. I, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido);

11. Em 10 de Setembro de 2013 (data do registo postal), a impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão da reclamação, que foi autuado no Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim, sob o n.º 1872201310000065 (cfr. emerge do teor de fls. 1 a 164, do Vol. II, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido);

12. Em 2 de Maio de 2014, foi proferido despacho de indeferimento no recurso hierárquico n.º 187220131000065 (cfr. emerge do teor de fls. 168 a 174, do Vol. II, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido);

13. Em 17 de Junho de 2014, foi notificada a decisão do recurso hierárquico (cfr. emerge do teor de fls. 178, do Vol. II, do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por reproduzido);

14. Em 11 de Setembro de 2014, deu entrada no SITAF a presente impugnação judicial (cfr. emerge do print constante de fls. 1 que se dá aqui por reproduzido);

15. Dão-se como provados os factos constantes dos pontos "C.1" e "C.2" do Relatório de Inspeção, constante do "Facto 7)" (cfr. emerge da posição das partes nos articulados essa factualidade não é controvertida nos presentes autos).



1. Dos fundamentos de Direito
I. A questão que foi colocada pelas partes no presente Recurso consiste em saber se as liquidações em causa relativas aos anos 2008 a 2011 se devem ou não considerar legais; em particular se enfermam dos vícios que lhes são imputados pela Impugnante, nomeadamente, a conformidade legal da desconsideração para efeitos de IRC de gastos incorridos com o financiamento da aquisição de uma sociedade na ocorrência de uma fusão inversa na esfera tributária da incorporante, tendo a sentença recorrida sancionado tal leitura.
Em de sustento das liquidações anuladas, sustentou, em resumo, a ora Recorrente e então Impugnada - entre outras razões – que, no seguimento de uma Fusão Inversa, as participações sociais detidas pela sociedade fundida na incorporante se deslocam para o Capital Próprio da Incorporante/Beneficiária e não para o respectivo Activo. E que, assim sendo, os juros não seriam “indispensáveis” à sociedade resultante da mencionada fusão inversa, conforme exigia (à data) o artigo 23.º do Código do IRC.

II. Sucede que, como logo (e bem) apontou a ora Recorrida, estamos diante fundamentação que é manifestamente superveniente, quer face ao ato de liquidação impugnado quer face à fase administrativa de contestação do mesmo (Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico).
É que, cotejando em detalhe os respectivos Relatório de Inspeção, Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa e Decisão de Indeferimento do Recurso Hierárquico, logo se denota que tal registo fundamentador e argumentativo se encontra ali absolutamente ausente, não vendo nós como se possa dali extrair distinta conclusão; quer dizer, na formação do ato tributário foi irrelevante (por nunca devidamente autonomizado) o argumento supra equacionado e agora veiculado, vendo-se o contribuinte surpreendido, já em sede judicial, com fundamentos que não estiveram na base das correcções ao lucro tributável em que incorreu.

III. Esta problemática da fundamentação superveniente – não por acaso, precisamente a propósito da dedução de custos de aquisição de sociedade (dominada), no seguimento de fusão inversa em que esta (incorporante) absorve aquela (fundida) – já foi detalhadamente tratada neste Supremo Tribunal e não vislumbramos razões válidas para nos desviarmos agora da solução sempre reiterada.
É que, como oportunamente se explicou no Acórdão proferido no Processo n.º 0208/17, de 22 de Março de 2018: “o acervo dos fundamentos e argumentos agora esgrimidos em sede de recurso não constam expressamente do relatório da inspecção, indo mais além do que ali ficou dito. Sabendo nós que a fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados", podemos concluir sem margem para dúvida que, ainda que fosse reconhecida razão à recorrente com base nos fundamentos agora esgrimidos tal não poderia ser determinante para a manutenção do acto anulado pelo tribunal a quo e, logicamente, também não poderia conduzir à revogação da sentença recorrida.
Efectivamente, no relatório da inspecção apenas se colocou a questão da indispensabilidade dos custos de forma singela, por não terem relação com a actividade operacional da impugnante (o que impressionou mais fortemente a recorrente foi o facto de a impugnante assumir os custos de aquisição do seu próprio capital social), nunca se colocou a questão tal como agora vem colocada e, nessa medida, conhecer-se agora de tais fundamentos constituiria uma verdadeira decisão inovatória que se afasta do próprio acto tributário em apreciação.
Pelo exposto, não restam dúvidas que a questão trazida agora para apreciação deste Supremo Tribunal não pode determinar a manutenção ou anulação do acto tributário impugnado.” (disponível em www.dgsi.pt).
Em idêntico sentido se manifestou este Supremo Tribunal no âmbito do acórdão proferido no Processo n.º 02176/15, de 30 de Janeiro de 2019, onde se explana que: “Neste recurso, a Fazenda Pública não rebate esta consistente motivação, antes esgrime com diverso discurso fundamentador em defesa da tese da falta de verificação do requisito da indispensabilidade contido no art.º 23º do CIRC, vindo advogar que esses encargos financeiros não devem considerar-se "indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora" na medida em que na fusão inversa os elementos patrimoniais que os originaram não são transferidos para a sociedade incorporante, mas sim para os acionistas, sendo, por conseguinte, na esfera destes que esses elementos patrimoniais contribuirão para a obtenção de rendimentos. Ou, como resumidamente deixou expresso nas conclusões KK) e LL) deste recurso, «Em jeito de conclusão, diremos que na fusão inversa há elementos patrimoniais que não são transmitidos para a sociedade beneficiária mas sim para os seus acionistas, daí que os correspondentes gastos associados não devam ser relevados na esfera fiscal da sociedade, uma vez que os rendimentos a eles associados, porque se tratam de lucros distribuídos/a distribuir aos acionistas, também não vão manifestar-se na sua esfera económica e fiscal mas sim na esfera económica e fiscal daqueloutros» «Ora, foi justamente esta diferença de enquadramento que, com a devida vénia, o Mmo. Juiz, na sua douta sentença, não esquadrinhou e que se impunha.»
O que significa que advoga razões que a AT não levou ao relatório que constitui a declaração formal fundamentadora das correcções e das subsequentes liquidações, o que constitui uma fundamentação a posteriori, claramente inadmissível tendo em conta que o tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, não podendo substituir-se à Administração e ir ponderar se o acto pode ser sancionado com distinta fundamentação e argumentação jurídica.
Sabido que o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos que aí foram enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não será de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de impugnação contenciosa face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar tais actos e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar decisões judiciais.” (disponível em www.dgsi.pt)

IV. Mais significativo ainda do que os supra referidos acórdãos, é o teor do decidido (também por este Supremo Tribunal) no Processo 02887/13, de 28 de Outubro de 2020, e que respeita ao mesmo sujeito passivo, à mesma factualidade e, no essencial, ao mesmo registo fundamentador e argumentativo (incluindo em sede de Relatório Inspetivo, decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa e decisão de Indeferimento de Recurso Hierárquico), sendo que a única diferença, de cariz substancial, respeita ao ano fiscal em questão.
Na verdade, a identidade entre as duas situações de Facto e de Direito é tal que, mesmo formalmente, apenas em dois parágrafos (nos pontos 43 e 46) do Recurso Hierárquico se denotam diferenças de redação, sendo que nenhum permite sustentar (pelo seu teor conclusivo e generalista (Permitimo-nos replicar aqui o respectivo teor:
43. Por outro lado, também não estamos perante juros de capitais alheios, aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na al. c) do nº 1 do artigo 23º do Código do IRC, uma vez que estes gastos não produzem rendimentos sujeitos a imposto.
46. Também não se pode deixar de trazer à colação, a vantagem que a sociedade C……..SGPS retirou do referido empréstimo, uma vez que era esta sociedade que tinha o propósito inicial de vir a adquirir a A………, o que veio a acontecer quando se tornou a única sócia desta última por força da constituição da D………. seguida de fusão e ainda responsabilizando a A……… pelo pagamento do empréstimo que serviu para a sua própria aquisição.)) a nova argumentação que, ao longo de dezenas de páginas, ulteriormente se invoca em sede judicial, as quais não podem senão configurar uma nova fundamentação. Aliás, basta atentar no recorte fáctico realizado no julgamento em 1ª instância (que a Recorrente não impugna), para se concluir que o mesmo não acolhe quaisquer factos relativos ao tratamento e qualificação, contabilístico e societário, dado pela sociedade incorporante (no seguimento da fusão inversa) às participações sociais que a sociedade fundida detinha nela. E não o faz, precisamente, por tais factos nunca terem sido invocados como fundamento do ato de liquidação.
Ora, assim sendo, nada justifica uma leitura distinta daquela que é feita em tal acórdão; e aí vem decidido, também acompanhando a supra reiterada jurisprudência, que: “I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.
II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.” – disponível em www.dgsi.pt.

V. Por tudo isto, e não vendo boas razões para nos desviarmos do decidido, designadamente, no Processo 02887/13, de 28 de Outubro de 2020, deste Supremo Tribunal Administrativo, é nosso entendimento ser de acompanhar a leitura constante daqueles vários acórdãos, em conformidade com o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, atenta a natureza recente e claramente uniforme da jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Cumpre, assim, negar provimento ao recurso.


2. Conclusões

O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos inicialmente enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não sendo de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação.



3. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por se entender que a especificidade do caso o justifica, atendendo sobretudo ao comportamento processual das partes, que não criaram entraves anormais ao desenrolar do processo e se pautaram por uma atitude positiva de colaboração – artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator por vencimento) - Anabela Ferreira Alves e Russo – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido com declaração que segue)

Declaração de Voto

Vencido

Como referi num primeiro projecto que elaborei na qualidade de relator inicial, a questão de saber se o recurso da Fazenda Pública era ilegal por se fixar num argumento nunca antes utilizado, tinha sido suscitada pela Recorrida nos pontos “11.” a “17.” das contra-alegações e as alíneas “j)” a “o)” das respetivas conclusões.

A Recorrente tinha sustentado que o tribunal a quo tinha incorrido em erro de julgamento por não ter levado em conta que os encargos financeiros deduzidos não tinham sido aplicados na exploração, mas na aquisição de elementos (ações) que, por via da operação de fusão, se tinham deslocado para a titularidade dos acionistas [conclusão “z)”].

E a Recorrida tinha contraposto que esta questão não tinha integrado o objeto da causa dirimida em primeira instância e que, por isso, também não poderia integrar o âmbito do recurso. Porque constituiria uma forma de fundamentação a posteriori do ato impugnado.

Ou seja, a Recorrida tinha oposto ao recurso a falta de um pressuposto inominado, de que dependia o conhecimento da questão principal.

E como assinalei no projecto inicial do acórdão que apresentei a julgamento, foi consignado na informação para que remete expressamente a decisão do recurso hierárquico n.º 1872201310000065, da Senhor a Subdiretora-Geral da Direção dos Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, proferida em 2 de maio de 2014 (e que integra o objeto da impugnação judicial) que os juros não foram aplicados na própria exploração e que foi a sociedade “C………., SGPS” que retirou vantagem do empréstimo ao adquirir a ora Recorrida e tornar-se a única sócia desta (cfr. os pontos “43” e “46” dessa informação).

Ou seja, a Administração Tributária já tinha invocado, no próprio ato impugnado, o facto de os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros não estarem relacionados com os proveitos da exploração mas com a titularidade das partes representativas do capital social da sociedade que sobreveio da operação de fusão.

Trata-se, por isso, de fundamentação que o tribunal de primeira instância teria que considerar ao conhecer da legalidade do ato. E, na interpretação que faço da douta decisão recorrida, até considerou, embora a tivesse desvalorizado, ao contrapor que «a admissibilidade da despesa ou gasto deve ser aferida no momento em que foi contraída», isto é, que a sua qualificação como gasto dedutível deriva da que mereça no momento em que o empréstimo é contraído (e não no momento em que o gasto é suportado).

Entendo, por isso, que não estamos perante fundamentação superveniente.

Por outro lado, e embora seja verdade que o processo n.º 2887/13 respeita ao mesmo sujeito passivo e a liquidação ali impugnada esteja relacionada com a dedução de custos equivalentes (do ponto de vista qualitativo) emergentes da mesma operação de fusão inversa, certo é também que o respectivo recurso hierárquico não tem o mesmo registo fundamentador e argumentativo.

Porque falta à decisão do respectivo recurso hierárquico (que é mais antiga) precisamente o segmento fundamentador que acima assinalei.

Pelo que o douto acórdão para que agora se remete – que, de resto, não teria nenhuma dificuldade em subscrever – tratou de uma situação que, no segmento analisado, não é equivalente.

Não havendo identidade substancial entre as decisões administrativas, não vejo razão bastante para convocar a necessidade de obter a interpretação uniforme do direito só existe, naturalmente, quando os casos merecem tratamento análogo.

Pelo que também não encontraria razão bastante para não conhecer da questão fundamental do recurso.

E, no conhecimento dessa questão, teria concluído que os juros de capitais alheios aplicados numa operação de aquisição do capital social de uma sociedade, enquadrada numa operação de «fusão inversa alavancada», não são aplicados na exploração dessa sociedade.

E que os juros de capitais alheios que não são aplicados na exploração da empresa que os suporta não são por esta dedutíveis – artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (na redação anterior à introduzida em 2014).

E, com esse fundamento, teria dado provimento ao recurso da Fazenda Pública.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021

NUNO BASTOS