Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01166/17
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.
II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.
Nº Convencional:JSTA000P22588
Nº do Documento:SA22017112201166
Data de Entrada:10/24/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:HERANÇA INDIVISA DE A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal Lisboa exarada a fls. 133/147, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Herança Indivisa de A…………., contra os actos de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2012, relativos ao imóvel identificado nos autos, no entendimento de que o conceito de prédio urbano a que se refere a verba 28 da TGIS abrange a parte de prédio ou andar susceptível de utilização independente de prédio em propriedade vertical ou total.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

I. Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal ad quo caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência de resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objeto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.
II. Assim, a questão a controvertida passa por dirimir «se integra o conceito de prédio com afetação habitacional previsto na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (IS) tal como foi aditado pelo art.º 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/12, o prédio constituído em propriedade global, ou cada um dos seus andares divisões suscetíveis de utilização independente, individualmente, tal como consta (discriminado) na matriz» e «se, assim, é legal fazer incidir imposto de selo, tomando por referência o somatório dos valores patrimoniais de tais andares ou frações, e se releva a distinção relativa à situação de prédio que se encontre em propriedade horizontal».
Pronuncia-se a sentença em crise no sentido de que se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabelece o critério, que tem que ser único e inequívoco para a definição da regra de incidência do imposto.
III. E, pese embora tal questão discutida nos tribunais, inclusivamente na sentença proferida pelo Tribunal ad quo que também refere as decisões entretanto proferidas pelos Tribunais Superiores, mereça resposta negativa quanto à legalidade de fazer incidir imposto de selo, tomando por referência o somatório dos valores patrimoniais de tais andares ou frações e que não releva a distinção relativa à situação de prédio que se encontre em propriedade horizontal, não podemos assim concluir, ou seja, concluir que para o legislador a diferenciação da situação de prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não foi tido em conta para efeitos de tributação, tendo por referência a alusão à matriz e ao VPT revelando assim a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio e, à sua utilização.
IV. Neste conspecto desatendendo à letra da lei, em particular à distinção feita pelo legislador que individualiza a inscrição dos edifícios em propriedade horizontal, através do conceito de matriz, a decisão acolhe a ideia de que a incidência do novo imposto de selo só se verificaria num prédio em propriedade plena se alguma das partes, andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, apresentasse um valor superior que fosse a € 1.000 000,00.
V. Portanto, no caso em apreço em que estamos perante um prédio em propriedade vertical (plena), a sentença recorrida conclui que como cada uma das suas células suscetíveis de utilização independente não atinge individualmente o valor da incidência, o prédio não se encontra quanto ao seu valor global, superior a € 1.000.000,00 sujeito a imposto de selo, mas sem atender a que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição e que estamos perante uma única inscrição matricial.
VI. Contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal ad quo e salvo melhor entendimento, o oposto de tal decisão resulta até da análise redundante da transcrita verba 28 da TGIS, onde nos deparamos com uma norma que delimita a incidência, diferentemente do que ao ponto 28.1 respeita, onde nos deparamos perante uma regra relativa à aplicação da taxa do IS.
VII. Isto porque, como resulta da verba 28, o IS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor (VPT) constante da matriz seja superior a (euro) 1 000 000,00 ou seja incide sobre direitos de propriedade, usufruto ou direito de superfície (e não sobre os prédios ou objeto dessa propriedade) cujo VPT ultrapasse 1 milhão de euros e incide sobre esse VPT.
VIII. Ora, para a decisão recorrida a questão controvertida passa por saber se as liquidações impugnadas violam o art.º 1º, nº 1, do CIS e a verba 28 da TGIS, em concreto, se para efeitos de tributação em imposto de selo, os prédios em propriedade total com divisões de utilização independente, assim reconhecidas na matriz e com VPT individualizado inferior a 1.000 000,00€, devem ser considerados como uma única realidade, devendo assim ser somados todos os VPT’s das suas divisões de aferição de valor para efeitos de tributação, esquecendo-se de que tal raciocínio deve ser feito tendo em conta a matriz. (regra 28 da TGIS). Ora, se, assim previu o legislador, é legal fazer incidir imposto de selo, tomando por referência o somatório dos valores patrimoniais de tais andares ou frações, não relevando a distinção relativa à situação de prédio que se encontre em propriedade horizontal, mas a matriz de acordo com a previsão legal.
IX. Vejamos ainda que para o CIMI, aplicável por remissão do Imposto de Selo, “cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio.” – nº 3 do art.º 2º do CIMI. Ou seja, o legislador distinguiu fração em propriedade horizontal no conceito de prédio, não diferenciando as unidades celulares de utilização independente no conceito de prédio constituído em propriedade vertical, ou seja, ignorando cada um dos seus andares divisões suscetíveis de utilização independente.
X. Quanto à matriz, a questão reveste-se da maior importância para a análise em apreço. A matriz predial, sendo o arquivo do registo de todos os prédios de uma freguesia, aí inscritos individualmente, faz presumir a propriedade. A sua organização e conservação efetivou-se por aplicação das normas do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola e, com base nos elementos do cadastro extraídos da carta cadastral do território nacional, elaborada pelo Instituto Geográfico e Cadastral, constando do art.º 165º do CCP quais os dados aí incluídos e, especificando o art.º 170º desse código que a cada edifício em propriedade horizontal, corresponde uma só inscrição na matriz, sendo obrigatória essa menção (como refere a propósito o art.º 3º do DL 513/80, diploma que visou implementar o cadastro inventarial e fiscal abrangendo todo o país).
XI. Na verdade, o cadastro predial sendo uma realidade com natureza jurídica identifica de forma uniforme o conjunto de dados que caracterizam e identificam os prédios em todo território nacional, em harmonia com o registo predial, uma vez que, enquanto essa harmonia, não se verificar a caraterização cadastral será provisória – art.º 27º do Regulamento do Cadastro Predial – DL 172/95 de 18 de Julho. Foi no entanto apenas com o DL nº 224/2007 de 31 de Maio que aprovou o regime experimental da execução, exploração e acesso à informação cadastral passaram a ser introduzidos novos conceitos tais como os de titulares cadastrais, proprietários do prédio, no todo ou em regime de propriedade horizontal, os detentores da posse, etc.
XII. Por isso, contrariamente à decisão recorrida a interpretação a dar à Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), sendo a sujeição determinada pela conjugação de dois fatores: a afetação habitacional e o VPT constante da matriz (igual ou superior a € 1.000.000.), deve revestir uma natureza jurídica, já que para efeitos de IMI, essa natureza está subjacente a cada inscrição matricial. Mas apenas a conjugação das regras do registo e das matrizes (obrigatoriamente um artigo na matriz para um prédio em propriedade vertical e vários artigos matriciais para a propriedade horizontal ou um para cada fracção dessa propriedade), resultantes da harmonização com as regras do Código do Registo Predial, permitem consagrar o princípio da universalidade do valor patrimonial tributário apurado na avaliação para efeitos de IMI, o qual tem também aplicação nos impostos sobre o património, como é o caso da verba 28.1 da TGIS, onde se consagram os princípios basilares do sistema fiscal, os seus elementos essenciais e a capacidade contributiva do próprio sujeito passivo.
XIII. Na verdade, a liquidação de imposto, não sendo marco balizador não pode servir de justificação interpretativa, nos moldes que se concebam na lógica de que se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, não obstante o seu somatório final, nos mesmos moldes o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, o que não tem que ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do imposto.
XIV. Nesse sentido tenha-se em apreço a importância de que face à impossibilidade de estabelecer a correspondência matricial de determinado prédio, pode essa impossibilidade ser ainda suprida por declaração complementar dos interessados que indique expressamente o artigo da matriz em vigor.
XV. Ou seja, as matrizes, não são meras inscrições tributárias; desempenham um papel fundamental no registo embora nelas constem dados determinantes na liquidação de imposto, nomeadamente a localização, o seu valor patrimonial tributário, o S.P. (proprietário), etc, sendo até expressamente utilizado pelo legislador o conceito de matrizes nas normas constantes do imposto de selo cuja interpretação está em causa.
XVI. Face a tudo o que acabamos de expor não se pode retirar outra conclusão que não seja a de que deva ser feita uma interpretação do conceito de prédio, tendo em conta a sua natureza jurídica, como aliás expressamente se colhe do Decreto-Lei nº 224/84, de 6 de julho e subsequentes alterações, sendo essencial para essa interpretação saber qual o proprietário (S.P.), o tipo de propriedade com que nos defrontamos que se encontra de individualizada nas matrizes, se vertical, se propriedade horizontal, cada um dos tipos que se encontra sempre devidamente identificado quer nos termos dos códigos tributários quer na lei civil, quer no registo, ramos de direito a que é consagrada aplicação subsidiária em matéria fiscal.
XVII. Digamos pois como vem a propósito “são coisas diferentes a técnica da personalização do substrato dos condóminos de um edifício considerando-se este como propriedade de uma pessoa coletiva ou de uma cooperativa de uma imobiliária” (nas palavas de Armindo Ribeiro Mendes) e os donos da propriedade de cada uma das frações autónomas dessa propriedade horizontal quer sejam detidas por pessoa coletiva ou pessoa singular, o que objetivamente difere no caso da propriedade plena ou vertical.
XVIII. A questão que se põe implica que lhe respondamos equacionando-a de modo a saber se tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deva ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação (apesar de o próprio CIMI distinguir a situação relativa à propriedade horizontal).
XIX. Ora, se o legislador entendeu ser necessário proceder a esta destrinça entre o regime em que se encontra a propriedade, tal dever-se-á a que se não o tivesse feito, mesmo que o edifício habitacional se encontrasse em propriedade horizontal, tal fração em propriedade horizontal não seria suficiente para efeitos de tributação, visto tratar-se de uma célula de um edifício habitacional. Tal conclusão encontra-se até de acordo com o argumento de que a liquidação final de imposto nada mais é do que a concretização de um resultado jurídico final.
XX. Ora ao fazê-lo o legislador não procedeu do mesmo modo quanto à propriedade vertical ou plena, considerando suficiente a unidade jurídica desse tipo habitacional como constituindo um todo, daí se sublinhar a importância jurídica desse conceito, mas não só, enquanto regra necessária à interpretação. Como tal, qualquer exercício interpretativo impõe-se em moldes que o muito além do simples recurso ao CIMI.
XXI. Ainda de acordo com uma interpretação histórica é sabido que o instituto da propriedade horizontal tem raízes em tempos remotos com a partilha “da propriedade de uma casa, dividida de tal maneira que os seus diferentes pisos pertençam a diferentes proprietários…”. Foi durante a 1.ª Guerra Mundial devido à destruição de numerosas cidades, à desvalorização monetária e às quebras de investimento no setor imobiliário que surgiu uma crise habitacional de grandes dimensões que está na origem de numerosa legislação sobre o arrendamento, despojando os proprietários de prédios urbanos da liberdade contratual que possuíam quanto ao exercício do direito de propriedade sendo uma das soluções encontrada para obviar a tal, a venda fracionada de andares em edifícios com vários pisos, muitos dos quais inicialmente em propriedade vertical ou plena, se passaram a constituir a partir daí em propriedade horizontal, sendo inegável a distinção entre ambos os institutos. Deste modo, a propriedade horizontal tem a sua natureza alicerçada nas unidades autónomas de edifício (andares ou apartamentos), contrariamente à propriedade plena.
XXII. Na lei portuguesa a propriedade horizontal divide-se assim entre um direito exclusivo de propriedade sobre um espaço delimitado e a compropriedade sobre o espaço comum, uma realidade complexa constituída por um feixe de direitos de propriedade, com natureza juridicamente controversa da propriedade plena, razão pela qual o legislador sentiu necessidade de distinguir uma da outra. Assim sendo, a propriedade plena, ao ser avaliada por aplicação das correspondentes regras, fará corresponder o valor do prédio ao valor da soma das suas partes, ao contrário do que acontece com as frações que se constituem em propriedade horizontal que são economicamente indivisíveis e por isso indistintos os seus critérios de avaliação. Apenas assim se pode consagrar a unidade do sistema jurídico. Contudo nada obsta a que as liquidações de imposto por terem na base os elementos celulares constantes da matriz deverem estes revelar fundamentadamente na sua identificação a independência das suas partes, no que respeita aos prédios em propriedade total, para que assim se possibilite uma correta avaliação de acordo com as funcionalidades de cada célula, economicamente independente - pese embora, façam parte de um corpo juridicamente uno, conforme prevêem as regras de inscrição na matriz.
XXIII. E, não obstante quanto à sua ratio, a criação desta nova verba de imposto de selo, aprovada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, se insira num conjunto alargado de medidas fiscais de combate ao défice orçamentar que, de acordo com os motivos expostos na Proposta de Lei nº 96/XII/2ª do Governo, de 2012/09/20, se reputam fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, prevendo o alargamento a tributação dos rendimentos do capital (em sede dos impostos sobre o rendimento) e da propriedade (em sede do imposto do selo), abrangendo equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa, segundo a referida Proposta de Lei, encontra-se presente o principio da universalidade do valor patrimonial tributário apurado na avaliação para efeitos de IMI que tem também consagração no caso da verba 28.1 da TGIS aqui em discussão, contribuindo para a eficácia do sistema fiscal, a prossecução do interesse público, naturalmente, com respeito pelos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, previstos no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT). Ou seja, consagrando a imposição constitucional que decorre do disposto no artigo 104º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), por via da tributação do património e da sua contribuição para a igualdade entre os cidadãos, no sentido em que exige a eliminação das desigualdades de facto para que seja possível assegurar uma igualdade material no plano económico, social e cultural, o que só será efetivado, salvo melhor entendimento, seguindo o modo anteriormente exposto.
XXIV. Assim, teleologicamente, de forma a que os particulares (pessoas singulares ou pessoas coletivas) com maior capacidade económica contribuam mais do que os de menor capacidade para o financiamento dos bens públicos, o que se visa consagrar através da função redistributiva do imposto e se afere interpretando a mens legis, ou seja, tributando a propriedade do património em si mesmo mas tratando de igual modo o que é igual e, distinguindo o diferente.
XXV. Em suma, a questão não se confina a comparar os critérios que presidem à liquidação de IS sobre prédios ou edifícios não constituídos em propriedade horizontal, considerando para tal o valor atribuído a cada uma das partes pois que, nos termos da verba 28º da TGIS. O que sopesa é o comando legal supra referido, o art.º 7º do CIMI que determina a correspondência do valor do prédio em propriedade vertical com a soma do valor das suas partes suscetíveis de utilização independente – para tributar a propriedade de prédios com valor superior a € 1.000 000,00. Ou o adágio: uma matriz para cada prédio. Não obstante e, em abstrato, na determinação do valor patrimonial tributário do prédio em propriedade plena, como se pode retirar da leitura do art.º 7º do CIMI no seu nº 2 alínea b) importe colher que caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes. Como se constata, esta previsão diferencia claramente a discriminação feita pelo legislador relativamente às frações autónomas da propriedade horizontal, de acordo com o critério constante do nº 4 do art.º 2º do CIMI que determina que para efeitos de IMI, cada fração autónoma no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio. Assim sendo, não restam dúvidas que da conjugação dos diversos normativos resulta que a inscrição na matriz de imóveis ou prédios em propriedade vertical, não obedece às mesmas regras a que estão sujeitos os prédios em propriedade horizontal (vide n.º 4 do art.º 2º do CIMI). Ou seja, consequentemente, (não) caberá ao intérprete distinguir aquilo que o legislador (não) distinguiu mas antes fazer a mínima correspondência com a letra da lei. Ademais, diga-se ainda que no caso em apreço, a interpretação que se faça, sendo essa mesmo uma interpretação sistemática, nem sequer precisa recorrer à comparação relativa entre prédios que se encontrem em propriedade total ou em propriedade horizontal, uma vez que a norma ao individualizar qualquer uma das situações, cria uma exceção relativamente aos últimos e, como tal qualquer interpretação deve ocorrer a contrario.
XXVI. Ora, uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, não pode ser aquela que a impugnante pretende que seja aceite, apesar de a consubstanciar no princípio da legalidade constante do artigo 103º nº 2 CRP, precisamente porque muito certamente o legislador ponderou o direito à propriedade privada que se encontra por essa via devidamente aquilatado, de acordo com os princípios que devem reger a cobrança dos impostos (nº 3 do art.º 104º da CRP).
XXVII. Portanto, apenas depois de claramente feita a distinção entre os prédios que se encontrem em propriedade horizontal e os que estão constituídos em propriedade vertical ou plena, se poderá inscrever os mesmos na matriz, de acordo com esse critério da propriedade, ou melhor, diferenciando os proprietários enquanto sujeitos passivos para efeitos de incidência subjetiva.
XXVIII. Como tal, para qualquer interpretação sobre a matéria há que atentar ao que refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0968/12, Acórdão datado de 23-01-2013, disponível em www-dgsi-pt: “I - Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei” (art. 11º, nºs. 1 e 2 da LGT).”, ou seja, a interpretação em causa ao envolver o conceito de propriedade, deve ser feita de acordo com a natureza jurídica desse conceito. Até porque a liquidação final de imposto nada mais é do que a concretização de um resultado jurídico final e não um princípio enformador per si que se observe na tributação. Pelo que, com o muito de respeito, o douto Tribunal ad quo, não esteou a sua fundamentação de direito de acordo com a solução adotada pelo legislador, condenando indevidamente a recorrente em juros indemnizatórios; e, nessa medida a decisão recorrida deve ser afastada da ordem jurídica, devendo concluir-se que o legislador fez a distinção entre prédio, em regime de propriedade horizontal e em regime de propriedade vertical através do conceito de matriz conforme se encontra expresso na TGIS verba 28 ao referir que o imposto de selo incide sobre a propriedade… de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz seja igual ou superior a € 1 000 000,00.»

2 – A recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da sentença de primeira instância.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer, concluindo, em síntese, ser de negar provimento ao recurso, com base no entendimento sufragado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que cita, nomeadamente os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 29.03.2017, proferido no recurso de uniformização de jurisprudência 593/16, acessível em www.dgsi.pt..

4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza da questão, decidida de modo uniforme e reiterado pela jurisprudência da Secção ( artº 657º, nº 4 do Código de Processo Civil), vêm os autos à conferência.
5 – O Tribunal Tributário de Lisboa, considerou com interesse para a decisão os seguintes factos:

« A) Está inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa, sob o artigo 1148, o prédio urbano em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua …………, n.º …., …… Lisboa, composto por 10 pisos (cave e 8 pisos) e 20 divisões com utilização independente, com o valor patrimonial tributário total de € 1.701.330,00, estando a Impugnante inscrita como titular do direito de propriedade plena - cfr. documento de fls. 47 a 61 dos autos que se dá por integralmente reproduzido;

B) Das 20 divisões susceptíveis de utilização independente, 19 estão inscritas na matriz como afectas a habitação – cfr.. documento a fls.47;

C) As 19 divisões susceptíveis de utilização independente e afectas a habitação são designadas da seguinte forma: GAR 13, R/CD, R/CE, 1.ºD, 1.°E, 2.ºD, 2.ºE, 3.ºD, 3.ºE, 4.ºD, 4.ºE, 5.ºD, 5.ºE, 6.ºD, 6.ºE, 7.ºD, 7.ºE, 8.ºD, 8.ºE - cfr. documento a fls. 47;

D) Foram emitidas, no dia 14/07/2013, as liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2013003823217; 2013003823218; 2013003823219; 2013003823201; 2013003823202; 2013003823203; 2013003823204; 2013003823205; 2013003823206; 2013003823207; 2013003823208; 2013003823209; 2013003823210; 2013003823211; 2013003823212; 2013003823213; 2013003823214; 2013003823215; 2013003823216, respeitantes, respectivamente, aos prédios identificados como ……….. (EXT-U-000557- GAR 13; ……… (EXT-U-000557- R/CD; ………. (EXTU-000557- R/CE; ………. (EXT-U-000557- 1.ºD; ………… (EXT-U-000557-1.ºE; ………. (EXT-U-000557-2.ºD; ………… (EXT-U-000557-2.ºE; ………… (EXT-U-000557 -3.ºD; ……….. (EXT-U-000557-3.ºE; …………….. (EXT-U-000557-4.ºD; …………. (EXT-U-000557-4.ºE; …………… (EXT-U-000557-5.ºD; ……………. (EXT-U-000557-5.ºE; …………. (EXT -U-000557 -6.ºD; ………….. (EXT-U-000557-6.ºE; …………. (EXT-U-000557-7.ºD; ………… (EXT-U-000557-7.ºE; ………… (EXT-U-000557-8.ºD; …………. (EXT-U-000557-8.ºE - cfr. documentos de fls. 28 a 46 dos autos;

E) Nas referidas liquidações, todas relativas ao período de tributação de 2012, figura no campo "identificação fiscal" o NIF ………., e é indicada como fundamento a verba 28.1 da TGIS, e como «valor patrimonial do prédio - total sujeito a imposto» o valor de € 1.622.310,00 - cr. documentos a fls. 28 a 46 dos autos;

F) Em cada uma das referidas liquidações é, respectivamente, referido como «valor patrimonial» o seguinte: 2013 003823217 = € 25.400,00; 2013 003823218 = € 85.610,00; 2013 003823219 = € 85.610,00; 2013 003823201 = € 95.340,00; 2013 003823202 = € 85.610,00; 2013 003823203 = € 95,340,00; 2013 003823204 = € 95.340,00; 2013 003823205 = € 95.340,00; 2013 003823206 = € 95.340,00; 2013 003823207 = € 95.340,00; 2013 003823208 = € 95.340,00; 2013003823209 = € 95.340,00; 2013003823210 = € 95.340,00; 2013 003823211 = € 95.340,00; 2013 003823212 = € 95.340,00; 2013 003823213 = € 95.340,00; 2013 003823214 = € 95.340,00; 2013 003823215 = € 50.330,00; 2013 003823216 = € 50.330,00 - cfr. documentos a fls. 28 a 46 dos autos;

G) As referidas liquidações apuraram, respectivamente, a seguinte colecta: 2013 003823217 = € 254,00; 2013 003823218 = € 856,10; 2013 003823219 = € 856,10; 2013 003823201 = € 953,40; 2013 003823202 = € 856,10; 2013 003823203 = € 953,40; 2013 003823204 = € 953,40; 2013 003823205 = € 953,40; 2013 003823206 = € 953,40; 2013 003823207 = € 953,40; 2013 003823208 = € 953,40; 2013 003823209 = € 953,40; 2013 003823210 = € 953,40; 2013 003823211 = € 953,40; 2013 003823212 = € 953,40; 2013 003823213 = € 953,40; 2013 003823214 = € 953,40; 2013 003823215 = € 503,30; 2013 003823216 = € 503,30 - cfr. documentos a fls. 28 a 46 dos autos;

H) Na avaliação de imóveis efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira respeitante à ficha de avaliação n.º 009723107, datada de 14/11/2013, a divisão susceptível de utilização independente identificada como GAR13, correspondente à cave direita, objecto da liquidação n.º 2013 003823217, foi avaliada como estando afecta a “arrecadações e arrumos armazéns e actividade industrial" - cf. documento de fls. 66;

I) A divisão susceptível de utilização independente identificada como L13A correspondente à cave esquerda foi avaliada como estando afecta a “arrecadações e arrumos armazéns e actividade industrial" conforme ficha de avaliação n.º 009723108, datada de 14/11/2013 - cf, fls. 65;

J) As referidas liquidações foram integralmente pagas no dia 12 de Novembro de 2013 - cfr. os documentos de fls. 90 a 112 do p.a., designadamente, fls. 92, e fls. 67 a 85 dos presentes autos.»

6 – Do objecto do recurso
Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, a questão objecto do recurso consiste em saber se para efeitos de aplicação da tabela 28.1, da TGIS, deve ser considerado o valor do prédio como um todo (visto que estamos perante propriedade vertical), tomando por referência o somatório dos valores patrimoniais dos seus andares susceptíveis de utilização independente ou se pelo contrário, deve ser considerado o valor de cada um dos seus andares/divisões com utilização independente entre si.

A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa decidiu julgar procedente a impugnação deduzida pela recorrida e anular as liquidações de Imposto de Selo, por violarem os princípios da legalidade e da igualdade fiscal.
Para tanto, considerou a primeira instância que, sufragando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que cita, que o «critério uniforme que se impõe é (…) o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00», para depois concluir que, uma vez que do facto provado na al. F) resulta que nenhuma das divisões do prédio em causa atinge esse valor, a liquidação impugnada tem de ser anulada.
Contra o assim decidido insurge-se a Fazenda Pública argumentando que as liquidações ora impugnadas são de manter porque o prédio em questão se encontra descrito como propriedade total, devendo o Imposto de Selo incidir sobre o valor patrimonial tributário da propriedade como um todo, tomando por referência o somatório dos valores patrimoniais dos seu andares ou fracções.

6.1 Da incidência objectiva prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo na redacção da Lei nº 55-A/2012.

A questão, nestes termos suscitada, é, em tudo idêntica, até nos pressupostos de facto, à que foi objecto de acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 09/09/2015 no processo nº 047/15, a que se seguiram muitos outros no mesmo sentido, nomeadamente os Acórdãos de 02.03.2016, recurso 1354/15, de 04.05.2016, recurso 166/14, de 30.11.2016, recurso 1097/16, de 01.02.2017, recurso 711/16, de 15.02.2017, recurso 1447/16, para além do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, jurisprudência essa que sufragamos por inteiro e que também aqui acompanharemos e em que se decidiu que, tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

Será, pois, pertinente referir, até porque a recorrente não aporta razões inovatórias em relação à anterior argumentação, o que se decidiu no supra citado Acórdão 711/16 sobre incidência objectiva prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo na redacção da Lei nº 55-A/2012.

Respondeu-se a tal questão no sentido que se passa a transcrever:
«Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a dimensão constitucional desta norma à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, tendo concluído que, a norma constante da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00, não é inconstitucional, por todos o acórdão 247/2016, datado de 04.05.2016.
No presente recurso não se coloca a necessidade de apreciação da norma em apreço à luz de tais princípios e parâmetros constitucionais, antes se impondo uma interpretação teleológica e sistemática da mesma, pelo que, a orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelos Tribunais comuns, e que agora se seguirá, não belisca a boa doutrina imposta por aquele Tribunal Constitucional.
O legislador ao redigir a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1.000.000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%; (…)”, não efectuou qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e prédios em regime de propriedade total, reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, pelo que não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.
Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, constituídos por partes susceptíveis de utilização independente as quais têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, pois, para efeitos de liquidação e arrecadação de IMI tais partes com utilização independente são tidas como independentes e, a circunstância de estarem de facto reunidas no mesmo imóvel nenhuma diferença introduz na sua determinação, não havendo um IMI total, a liquidar por correspondência à soma dos diversos VPT a que respeite o mesmo artigo matricial, como decorre do art. 12.º do n.º 3 do Código do IMI.
Nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o Código do IMI» o que não nos conduz a diversa interpretação dado que analisando as normas do Código do IMI verificamos que os prédios em propriedade vertical dispõem de uma inscrição matricial idêntica àqueles que estão constituídos em propriedade horizontal com atribuição de um único artigo matricial que se desdobra nas diversas fracções autónomas que o compõem, como, neste caso se desdobra em cada uma das partes com utilização independente.» (fim de citação).
Concordamos com esta jurisprudência e respectiva fundamentação subjacente e, por isso, concluímos que, relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o valor patrimonial tributário constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

Assim tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

A sentença recorrida que decidiu neste pendor não merece censura, pelo que deve ser confirmada.

7. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Fazenda Pública.
Lisboa, 22 de novembro de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.