Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045/20.4BALSB
Data do Acordão:04/21/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IRS
MAIS VALIAS
NÃO RESIDENTE
Sumário:I - A norma do n.º 2 do artigo.º 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
II- Essa incompatibilidade da norma com o Direito da União Europeia não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no artigo 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que, aliás, apenas se encontra previsto para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.
Nº Convencional:JSTA000P27540
Nº do Documento:SAP20210421045/20
Data de Entrada:05/14/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………….
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão arbitral proferida, a 4-2-2020, no processo n.º 600/2019-T, veio, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 152.º do Código de processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, invocando que a referida decisão está em contradição com a proferida a 22-4-2019, no processo n.º 539/2018-T.

1.2. Nas alegações apresentadas com o requerimento de interposição, conclui assim a Recorrente:

«A – O Acórdão arbitral recorrido (600/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral julgar “julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação nº 2019 00009459530, a demonstração de liquidação de juros n.º 2019 00000087020 e a demonstração de acerto de contas n.º 2019 00003102579, do ano de 2017 e em consequência anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais valia imobiliária(…)”.

B – E sustenta o referido acórdão arbitral que No caso em apreciação, sendo o Requerente não residente, esta exclusão de 50% não lhe foi aplicada. Sobre a não aplicação desta exclusão de tributação, tal como mencionado pelo Requerente na petição arbitral, o Acórdão Hollmann do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 11.10.2007, processo C-443/06, veio considerar que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria coletável em IRS, “constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE” (atual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE).

(…)

(c) Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% (a taxa atual é de 28%) sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade); (d) Este regime torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado; (e) A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objetivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25% - a taxa atual é de 28% -, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade) conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento coletável do residente, não existindo, objetivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.

f) Deparamo-nos, portanto, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. (…)”

C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:

“ 14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais-valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a) 2 do n.º 1 do artigo 10.º.

b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.

15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.

16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.

17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.

18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.

19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.

19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.

20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”

D – Concluindo o Acórdão fundamento que:

“20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.

(…)

Termos em que se decide:

a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.

b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”

E – Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.

F – Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:

• as situações de facto sejam substancialmente idênticas;

• haja identidade na questão fundamental de direito;

• se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,

• a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

G - As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.

H - Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o que se verificou.

I - Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.

J - As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.

L - Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral».

1.3. A……….., doravante Recorrido, notificado da interposição e da sua admissão liminar, contra-alegou, aí formulando as conclusões que passamos a transcrever:

«I- O presente recurso para uniformização de jurisprudência tem por base a alegada oposição entre a Decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em matéria tributária, no âmbito do processo arbitral n.º 600/2019-T e a Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral em matéria tributária no âmbito do processo n.º 539/2018-T.

II- Recurso que, de acordo com o artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, segue com as necessárias adaptações o regime de recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA.

III- Como é pronúncia, reiterada e uniforme da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o reconhecimento da ocorrência de oposição entre duas decisões, para efeitos de uniformização de jurisprudência, depende da verificação cumulativa das seguintes condições:

a) que se afirme a existência de contradição entre os acórdão recorrido e fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que, para caracterizar esta, importa identificar:

• identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fáticas;

• a não ocorrência de alteração substancial na regulamentação jurídica;

• o perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas;

b) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

IV- Salvo o devido respeito, o recurso apresentado falha na verificação destes pressupostos.

V- Na Decisão Arbitral recorrida está em causa, única e exclusivamente, o enquadramento da tributação da mais valia imobiliária obtida pelo aqui Recorrido, no ano de 2017, enquanto não residente em território português, enquanto na decisão fundamento, de acordo com os factos provados, estamos perante factos distintos, já que estão em causa, além de mais valias imobiliárias auferidas por não residente, mais valias resultantes da alienação de participações sociais vendidas em 06-10-2017.

VI- Enquanto na Decisão fundamento o Requerente é residente em Espanha, na Decisão Arbitral recorrida, o aqui Recorrido era, no ano de 2017, residente no Reino Unido.

VII- Pelo que não existe identidade de situações de facto.

VIII- Acresce que, a Decisão Arbitral recorrida está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo. O Supremo Tribunal Administrativo teve oportunidade de se pronunciar acerca de questão em tudo idêntica àquela que está em causa na Decisão recorrida, no âmbito do processo n.º 0901/11.0BEALM, de 20-02-2019, tendo decidido, como na Decisão recorrida, no sentido da tributação de 50% das mais valias, concluindo-se pela sua aplicação aos não residentes, sem que seja feita a opção do n.º 9 do art.º 72.º.

IX- Assim, desde logo, falha o pressuposto previsto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA aplicável por via da remissão do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, pelo que, o presente recurso para uniformização de jurisprudência não deverá proceder, mantendo-se a decisão recorrida.

X- Sustenta a Recorrente que “O Acórdão arbitral recorrido (600/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral «julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2019 00009459530, a demonstração de liquidação de juros n.º 2019 00000087020 e da demonstração de acerto de contas n.º 2019 00003102579, do ano de 2017 e em consequência anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais valia imobiliária (…)»”.

XI- Toda a alegação da Recorrente, suportada na decisão proferida no processo n.º 539/2018-T, é sustentada no facto de terem sido introduzidas alterações ao regime de tributação das mais valias imobiliárias obtidas por não residentes, através da Lei n.º 67.º-A/2007, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008), e o aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais n.ºs 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS, após a prolação do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 11-10-2007, no processo n.º C-443/06 (Acórdão Hollmann).

XII- Porém, as alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS não afastam a discriminação entre residentes em território português e residentes noutros Estados membros da União Europeia.

XIII- Na sequência daquela do Acórdão Hollmann, do TJUE de 11 de outubro de 2007, atenta a incompatibilidade da norma em questão com o direito comunitário, o legislador português, com o propósito de afastar essa incompatibilidade, estabeleceu um regime opcional de equiparação dos não residentes, mas sendo residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Estado Económico Europeu, aos residentes.

XIV- Segundo a Decisão Fundamento, esta opção de equiparação, permite aos não residentes em Portugal, mas residentes em algum dos Estados membros da União Europeia, a opção pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal, eliminando qualquer discriminação.

XV- A solução introduzida pelo legislador para obviar à discriminação contida na supramencionada norma nacional, não garante que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões efetuadas por não residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, seja apenas considerado em 50% do seu valor, tal como acontece com os residentes, por força do disposto no art.º 43.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS.

XVI- Do regime em questão, não resulta uma alteração da base de incidência, sendo os rendimentos tributados os mesmos, e estando apenas prevista uma alteração da taxa aplicável, que deixa de ser a dos n.ºs 1 e 2 daquele art.º 72.º, e passa a ser a que resulta do art.º 68.º, nº1 do CIRS.

XVII- Se como entendeu a Decisão Fundamento, não for aplicável o art.º 43.º, nº 2 do CIRS aos não residentes, para efeitos da sua tributação nos termos do n.º 1 do art.º 72.º, a mesma norma continuará a não ser aplicável, caso os mesmos exerçam a opção consagrada no n.º 9 e 10 do mesmo artigo 72.º, porquanto estas normas, como se referiu, não alteram a base de incidência do imposto, mas apenas a taxa a aplicar àquela.

XVIII- Este entendimento, traduz, precisamente, a discriminação de tratamento entre residente e não residente censurada pelo acórdão Hollmann, já que os residentes pagarão sempre a taxa que resulta do art.º 68.º, nº 1 sobre 50% das mais valias, enquanto que os não residentes pagarão ou aquela taxa, determinada de acordo com as regras aplicáveis aos residentes, ou 28%, sempre sobre 100% das mais valias.

XIX- A possibilidade de opção dada ao contribuinte não residente, permite-lhe escolher entre um regime fiscal discriminatório e um regime supostamente não discriminatório, pelo que não é suscetível de eliminar os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

XX- A opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou no espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório por violação do artigo 63.º do TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes.

XXI- Assim, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08, designado por “Acórdão Gielen”, numa situação idêntica à que agora apreciamos, com a única diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do TFUE.

XXII- O Recorrido reconhece que as consequências do que se deixa exposto, em conformidade com a jurisprudência do TJUE supra referida, pode eventualmente resultar numa tributação mais favorável das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em Portugal, que residam na União Europeia, do que por residentes, pois, para além de beneficiarem de igual modo da redução a 50% da base de incidência de IRS, são sujeitos a uma taxa de tributação, que será, na maioria dos casos, inferior às taxas progressivas dos residentes, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, a que acresce o facto de estes últimos terem de englobar todos os seus rendimentos.

XXIII- Porém, no atual estádio do Direito da União Europeia, não se vislumbra um princípio ou norma que impeça a discriminação positiva dos não residentes face aos residentes, mas é clara a proibição de discriminação dos não residentes.

XXIV- No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0901/11.0BEALM, de 20-02-2019, este douto Tribunal teve oportunidade de se pronunciar sobre questão em tudo idêntica àquela que está em causa nos presentes autos, tendo decidido no sentido da tributação de 50% das mais valias, concluindo-se pela sua aplicação aos não residentes, sem que seja feita a opção do n.º 9 do art.º 72.º.

XXV- Pelo que andou bem o douto Tribunal Arbitral quando decidiu, no processo n.º 600/2019-T que “o disposto no art. 43º n.º 2 do CIRS, quando não aplicável a não residentes, viola o disposto no art. 63º, n.º 1 do TFUE. Em face do princípio do primado do direito da União Europeia reconhecido pelo art. 8º, n.º 4 da CRP, a não aplicação do disposto no art. 43º, n.º 2 do CIRS aos não residentes é ilegal”, devendo, ser mantida a decisão recorrida, nos termos em que foi proferida.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão,

a) Deve ser mantida a decisão recorrida, nos termos em que foi proferida, por não existir oposição com a decisão fundamento;

b) Deve ser mantida a decisão recorrida, nos termos em que foi proferida, por ser legal.

1.4. Para o Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunta o recurso ora em análise não deve ser admitido, por não estarem verificados os seus pressupostos, ou, sendo-o, deve ser-lhe negado provimento, mantendo-se integralmente na ordem jurídica a decisão recorrida, em conformidade com a jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal.

1.5. Mostrando-se já observado nos autos o preceituado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), cumpre, agora, decidir, o que fazemos submetendo os autos à conferência do Pleno desta Secção.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Pretende o Recorrente com a interposição do presente recurso que se uniformize jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito que em seu entender foi decidida em sentido oposto na decisão arbitral recorrido e na decisão arbitral fundamento que reconduz na sua petição à de saber se o regime actualmente consagrado no artigo 42.º do CIRS, ao possibilitar um tratamento diferenciado em matéria de tributação de mais-valias entre residentes e não residentes nacionais, ofende o direito da União Europeia, mais concretamente, o princípio de liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 64.º do TFUE.

2.2. Atento o exposto, são duas as questões que temos que decidir.

A primeira prende-se com a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, cujos pressupostos, quer o Recorrido quer o Exmo. Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal entendem não estar preenchidos.

A segunda com o fundo da questão enunciada no ponto 2.1., que apenas será objecto de apreciação, atenta a dependência da apreciação do pedido de uniformização de jurisprudência relativamente à verificação dos pressupostos substantivos da admissibilidade deste recurso, se àquela primeira questão for dada resposta afirmativa.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. Na decisão arbitral recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade:

«IV.1. Factos provados

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

1. Em agosto de 2014, o Requerente emigrou para o Reino aí permanecendo até 30 de setembro de 2018.

2. Consta do seu cadastro fiscal a menção “Não residente” desde a data em que saiu do país.

3. Em 05-04-2019, o Requerente procedeu à entrega de uma declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2017, como “Não residente”, tendo preenchido o anexo G.

4. O Requerente, em abril de 2017, procedeu à alienação da sua quota-parte no prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Fermentões sob o artigo 1244.

5. O Requerente adquiriu o referido imóvel em dezembro de 2008, pelo valor de €12.074,40.

6. Na declaração modelo 3 de IRS que apresentou em 05-04-2019, na qualidade de não residente, o Requerente declarou no anexo G — “Mais valias e outros incrementos patrimoniais”, aquela operação de transmissão onerosa do património imobiliário.

7. Na referida declaração, o Requerente no quadro 5, sob a epígrafe “Residência Fiscal”, assinalou no quadro 8B, “NÃO RESIDENTE”, em Portugal

8. No Anexo G da referida declaração de rendimentos, o Requerente inscreveu no quadro 4, os seguintes valores: valor de aquisição €12.074,40 e valor de realização €62.500,00.

9. Em 22-05-2019, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação adicional de IRS n.° 2019 00009459530, da demonstração de liquidação de juros n.° 2019 00009459530 e da demonstração de acerto de contas n.° 2019 000310257.

10. Na demonstração de liquidação de IRS, na determinação do rendimento coletável, foi considerada a totalidade da mais valia realizada.

11. A AT apurou imposto a pagar, no montante de €14.102,54, resultante da tributação à taxa de 28% sobre o referido rendimento coletável.

12. A AT procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos do n.° 1 do artigo 43.° do CIRS, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano e aplicando uma taxa de 28% a totalidade do valor das mais valias.

13. O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação.

IV.2. Factos não provados

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

IV.3. Motivação da matéria de facto

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

Os factos que constam dos números 1 a 13 são dados como assentes pela análise dos documentos juntos pelo Requerente (docs. 1 a 5 do pedido de pronúncia arbitral) e pela posição assumida pelas partes».

3.1.2. Por sua vez, na decisão fundamento foi realizado o seguinte julgamento de facto:

«A) - Factos provados

O Tribunal considera como matéria de facto relevante os seguintes factos:

1 - O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;

2 - O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).

3 - Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em pais da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

4 - E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

5 - Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:

3.1 - Fração autónoma designada pela letra C, a que corresponde o 1º andar D.to, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ……….., nº …., Letras……., freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo 807 (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de €255,000,00 (Doc. 3).

A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).

3.2 - Fração autónoma designada pela letra F, a que corresponde o 2.º andar Esq.º, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ………….., nº ….., em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 539 (Doc.4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de €155,000,00 (Doc. 5).

A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).

3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de €21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de €19.805,40.

3.4 - Rendimentos prediais de €4.300,00 respeitantes as rendas relativas as duas frações autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.

6 - A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem a liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de €46.551,36 (Doc. 7), posteriormente retificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de €47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação a 1ª liquidação, de €483,20 (Doc.8).

7 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 em 24-08-2018 e também de €483,20 na mesma data, num total de €47.034,56 (Doc.s 9 e 10).

8 - Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e coletável de €167.980,58 e a coleta de €47.034,56 (à taxa de 28%).

9 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 e também de €483,20, num total de €47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10).

B) - Factos não provados

Não existem factos invocados que não se mostrem comprovados nos autos.

C) - Fundamentação dos factos provados

Todos os factos anteriormente descritos e invocados pelo Requerente (não há processo administrativo) tem por base prova documental junta aos autos, considerando-se, portanto, provados e não contestados e relevam para a decisão a proferir».

3.2. Fundamentação de Direito

3.2.1. O presente recurso para uniformização de jurisprudência tem por objecto, como dissemos já, a decisão arbitral proferida no processo n.º 600/2019-T, que seguiu termos no CAAD, no âmbito da qual foi julgado procedente o pedido pronúncia arbitral que A……………. apresentou, inconformado com a liquidação n.º 2018.5005490173, por via da qual a Administração Tributária corrigiu o valor a pagar em sede de IRS tomando por referência todo o valor das mais-valias e não apenas o valor correspondente a 50% destas.

3.2.2. Como igualmente também deixámos já consignado, a pretensão de apreciação do mérito do recurso surge suportada pela Recorrente, como, de resto, vem fazendo insistentemente, numa alegada oposição da decisão arbitral recorrida com a decisão arbitral proferida no processo nº 539/2018-T.

3.2.3. Considerando o que deixámos exposto no que respeita ao tipo de recurso que nos foi apresentado, quanto às duas questões colocadas e à relação de prejudicialidade que entre elas existe, será sobre a verificação dos pressupostos substantivos de admissibilidade do recurso que iniciaremos a nossa apreciação.

3.2.4. Nesse sentido, começamos por sublinhar que este Supremo Tribunal Administrativo há muito firmou entendimento, através de jurisprudência uniforme e sistematicamente reiterada, que a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos conjugados do preceituado nos artigos 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º, n.º 3 do CPTA está dependente da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos, o que significa que, o não preenchimento de qualquer um deles é suficiente para que o Tribunal não aceite o recurso.

3.2.5. Desde logo, é preciso que estejamos perante a existência de uma decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão, através da qual tenha sido posto termo ao processo em sentido posto ao julgamento realizado por outra decisão arbitral ou proferido por Tribunal Superior da Jurisdição Administrativa e Fiscal (Tribunal Central Administrativo e/ou Supremo Tribunal Administrativo).

3.2.6. Para além disso, revela-se ainda necessário que a questão substantiva decidida na decisão recorrida não esteja conforme jurisprudência consolidada neste Supremo Tribunal Administrativo e que a decisão ou acórdão fundamento invocado tenha transitado em julgado.

3.2.7. Posto isto, avançamos desde já que o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência não será admitido.

3.2.8. Subjacente ao julgamento avançado - que seguramente não constitui surpresa para a Autoridade Tributária e Aduaneira, atento o elevado número de vezes que esta Secção do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre a questão só no último ano – não está, como defendem o Recorrido e o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, quaisquer conclusões relativas à inexistência de identidade da questão fundamental de direito.

3.2.9. Na verdade, contrariamente ao que defende o Recorrido, é absolutamente irrelevante que no ano de 2017 um dos sujeitos passivos dos processos em confronto residisse no Reino Unido e outro em Espanha, pois, como é óbvio, integrando ambos os Estados em causa o conjunto de Estados-Membros da União Europeia, à interpretação e aplicação do quadro jurídico que fomos chamados a apreciar e que a ambos é aplicável, é indiferente o concreto país de residência dos contribuintes. Relevante, no caso, é que ambos não são residentes em Portugal e ambos são residentes em Estados-Membros da União Europeia.

3.2.10. Tal como não deve ser valorizado, para afastar a identidade da questão substancial de direito que ora se aprecia, que num dos processos em confronto (no caso, decisão fundamento) hajam sido questionados outros aspectos ou vertentes da liquidação (mais–valias resultantes de alienações de participações sociais), porque, como resulta claramente da petição, o recurso foi restringido à questão da não aplicação da limitação da tributação de mais-valias decorrente da alienação de imóveis sitos em Portugal, realizada por não residentes, a 50% do valor daquelas nas situações em que não faz a opção pelo regime jurídico-fiscal vigente para os não residentes, convocando-se as distintas decisões que, quanto a essa questão concreta, foram proferidas numa e noutra das decisões (recorrida e fundamento). E, consequentemente, desta forma delimitado o objecto do recurso, é apenas sobre essa questão que importa aferir se houve ou não decisão de mérito em sentido oposto.

3.2.11. Por fim, também não se acolhe a argumentação expendida pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto no sentido de inexistência de identidade da questão substancial de direito, alicerçada no entendimento de que são distintos os argumentos de direito aduzidos num e noutro processo para fazer valer a pretensão, porque, salvo o devido respeito, o que importa para efeitos de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência ou para aferir da verificação dos pressupostos substantivos da sua admissão não são as razões de direito aduzidas pelas partes mas a questão colocada e as razões de direito invocadas no julgamento para a decidir.

3.2.12. Dito isto, ultrapassadas que foram as objecções aduzidas à admissão do recurso, importa registar que é para nós líquido que a questão fundamental de direito decidida em ambas as decisões em confronto é uma só: saber se a não aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias em 50%, de acordo com o disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, a residentes noutro Estado-Membro da União Europeia viola ou não o artigo 63.º do TFUE.

3.2.13. Tal como é para nós certo, como diz a Recorrente, que sobre essa questão foram emitidas decisões expressas em sentido diametralmente oposto na decisão recorrida e na decisão fundamento.
3.2.14. Efectivamente, para a decisão arbitral recorrida O Requerente obteve em 2017 um ganho decorrente de uma mais valia obtida pela alienação onerosa de um bem imóvel.

Este rendimento é classificado como rendimento da categoria G – Mais Valia - (art. 10º, n. º1º, al. a) do CIRS), sendo esse ganho constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor da aquisição (art. 10º, n. º4 do CIRS).

Uma vez que o ganho foi obtido em território português (art. 18º, n. º1, al. h) do CIRS) está sujeito a tributação, em sede de IRS, em território Português (art. 13º, n. º1 e 15º, n. º2 do CIRS).

Depois de apurado o valor da mais valia, o art. 43º, n. º2 do CIRS estatui o seguinte:

“2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.”

Face à norma citada, o valor da mais valia é considerado apenas em 50%. Contudo, esta exclusão de tributação é apenas aplicada aos residentes, estando os não residentes afastados do âmbito de incidência da norma.

No caso em apreciação, sendo o Requerente não residente, esta exclusão de 50% não lhe foi aplicada. Sobre a não aplicação desta exclusão de tributação, tal como mencionado pelo Requerente na petição arbitral, o Acórdão Hollmann do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 11.10.2007, processo C-443/06, veio considerar que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria coletável em IRS, “constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE” (atual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE).

Esta conclusão assenta nos seguintes argumentos principais:

(a) Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;

(b) No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos;

(c) Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% (a taxa atual é de 28%) sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade);

(d) Este regime torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;

(e) A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objetivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25% - a taxa atual é de 28% -, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% (o escalão mais elevado hoje é de 48% acrescido da taxa adicional de solidariedade) conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento coletável do residente, não existindo, objetivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.

f) Deparamo-nos, portanto, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 16.01.2008, proferido no processo n.º 0439/06, veio igualmente decidir pela incompatibilidade da aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS e, consequentemente, pela violação do preceituado no artigo 56.º (atual 63º) do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, em obediência ao primado do direito comunitário estipulado no nosso ordenamento jurídico no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (Cfr no mesmo sentido, o acórdão do STA de 22.03.2011, processo n.º 01031/10, de 10.10.2012, Proc. n.º 0533/12, de 30.04.2013, Proc. n.º 01374/12, de 18.11.2015, Proc. n.º 0699/15, de 03.02.2016, Proc. 01172/14).

Mais recentemente o STA no proc. n.º 0901/11.0BEALM 0692/17 de 20.02.2019, pronunciou-se sobre esta questão, analisando factos de 2010, portanto, posteriores às alterações legislativas efetuadas em 2007, reiterando a desconformidade da legislação nacional com o direito da União Europeia. O STA decidiu da seguinte forma:

“O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -.

O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel..”.

Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.

Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.

Contrariamente ao alegado pela recorrente, em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”

Pelo que, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de forma diversa nos presentes autos, atenta as questões ali versadas serem semelhantes à do caso em apreço, bem como a norma legal na qual as mesmas se fundaram.

Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica dos citados Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, bem como no Acórdão Hollman do TJUE. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado, sendo aquela unicamente aplicável a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes.

A jurisprudência dos tribunais superiores (STA proc. n.º 0439/06 de 16.01.2008 e proc. n.º 0901/11.0BEALM 0692/17 de 20.02.2019) e do CAAD (proc. n.º 45/2012, de 05.07.2012, proc. n.º 748/2015, 27/07/2016, proc. n.º 89/2017 de 05/07/2017, proc. n.º 644/2017 de 30.05.2018, proc. n.º 370/2018 de 18.01.2019, proc. n.º 687/2018 de 26.07.2019, 55/2019, de 10.07.2019, proc. n.º 63/2019 de 18.06.2019, proc. n.º 65/2019 de 11.10.2019, proc. n.º 67/2019 de 27.08.2019, proc. n.º 74/2019 de 22.05.2019 e 208/2019 de 16.10.2019), a cuja fundamentação aderimos, tem reconhecido a ilegalidade do art. 43º, n.º2 do CIRS face ao disposto no art. 63º do TFUE, não encontrando este Tribunal qualquer fundamento legal para alterar o sentido destas decisões.

As alterações legislativas ocorridas em 2007 não eliminaram o caráter discriminatório do art. 43º, n.º 2 do CIRS. A intervenção do legislador nacional não eliminou a violação do direito da União Europeia».

3.2.15. Em suma, na decisão recorrida acolheu-se o entendimento de que a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado, sendo aquela unicamente aplicável a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes, que não foi afastada pelas alterações legislativas introduzidas no ordenamento jurídico português pela Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2008, impondo-se, por isso, o que foi determinado, a anulação da liquidação impugnada.

3.2.15. No julgamento proferido no acórdão fundamento veio a concluir-se que da aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS não emerge qualquer violação do Direito da União Europeia, designadamente do artigo 63.º do TFUF, uma vez que a legislação nacional, após as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado para 2008 ao artigo 72.º do Código do IRS, pôs fim à discriminação negativa de que eram alvo os não residentes, por estes terem passado a deter a faculdade de verem a mais-valias tributadas de harmonia com as regras aplicáveis aos residentes, se e enquanto fizerem essa opção.

3.2.16. E, em conformidade com a referida fundamentação, foi julgado improcedente o pedido, desta forma se mantendo na ordem jurídica a liquidação impugnada.

3.2.17. Não há, pois, dúvidas quanto a terem sido proferidas decisões de mérito expressas em sentido oposto quanto à mesma questão fundamental de direito e que através delas foi posto fim aos processos.

3.2.18. Acontece, porém que a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, como ficou já expresso, exige ainda a verificação de um outro pressuposto, a saber, que o sentido da decisão recorrida não esteja conforme a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. Requisito que, com exclusão da Recorrente, os intervenientes processuais estão de acordo que não está preenchido.

3.2.19. É esse também o entendimento que perfilhamos. Na verdade, o Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo apreciou recentemente a questão fundamental de direito que importaria dirimir neste recurso, no acórdão de 9 de Dezembro de 2020, proferido no processo 075/20.6BALSB, uniformizando jurisprudência no sentido de que «o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art.º 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros», posteriormente reafirmada em vários acórdãos do Pleno desta Secção.

3.2.20. Donde, estando a decisão recorrida em conformidade com aquela que é a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, há que concluir que o requisito de admissão do recurso previsto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA não se encontra verificado.
3.2.21. A Recorrente, integralmente vencida, suportará as custas decorrentes da interposição da presente acção (artigos 527.º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 280.º do CPPT).

4. Decisão

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe, notifique e, oportunamente, comunique ao CAAD.




Lisboa, 21 de Abril de 2021

Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora, que consigna e atesta, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, que têm voto de conformidade com o presente Acórdão os demais Senhores Conselheiros que integram a presente Formação de Julgamento - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro).