Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01397/04.9BEPRT
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:DIVIDENDOS
BENEFÍCIOS FISCAIS
LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO
QUESTÃO PREJUDICIAL
Sumário:I - Impõe-se submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da UE, a apreciação da seguinte questão, a título prejudicial, nos termos do art. 267.º do Tratado de Funcionamento da U.E.: É violador da liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E., que, nos termos dos artigos 31.º e 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), liquidado à recorrente quanto a 1999 e 2000, sejam dedutíveis a 50% os dividendos obtidos nas bolsas nacionais (portuguesas) e entender-se excluído da dita dedução os dividendos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia?
II - Nos termos dos artigos 269.º e 272.º do C.P.C., resulta, em consequência, a suspensão dos autos.
Nº Convencional:JSTA000P26150
Nº do Documento:SA22020070101397/04
Data de Entrada:01/07/2019
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. …………, S.A., sinalizada nos autos, com tendo sede no Porto, vem interpor recurso da sentença proferida do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada em 29/06/2018, na parte em que a sua impugnação foi julgada improcedente – a aceitação de dividendos auferidos com acções estrangeiras como custo fiscal, a título de benefício fiscal, no valor de € 10.196,54 (exercício de 1999) e € 13.406,62 (exercício de 2000), mantendo-se nessa parte (parcial) a liquidação adicional de IRC do exercício de 1999 e 2000.

I.2. Apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

i. Sem prejuízo de a Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial da impugnação judicial em apreço, importa salientar o seguinte:

ii. O presente recurso pretende contestar a decisão do Tribunal a quo por erro de julgamento na matéria de Direito apenas relativamente à questão da dedução ao resultado líquido respeitante aos períodos de 1999 e 2000 de dividendos auferidos com as ações estrangeiras, nos termos do artigo 31º do EBF, com a redação à época dos factos, nomeadamente, porque considerou que a dedutibilidade aí prevista apenas se aplica aos dividendos auferidos com ações admitidas à negociação de bolsa portuguesa, excluindo a dedução aos dividendos auferidos com ações admitidas à negociação de bolsa estrangeira;

iii. As normas fiscais devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais da hermenêutica jurídica, isto é, aplicando os critérios previstos no artigo 9º do Código Civil;

iv. O que significa que a letra da Lei tem de ser a principal referência e ponto de partida de (qualquer) intérprete e que nas Leis há uma racionalidade operante que o intérprete deve esforçar-se por reconstruir:

v. Na interpretação não se pode transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado ou destrinça que não se encontra expressa;

vi. Neste sentido, se na norma e no seu preâmbulo não existe qualquer referência à origem dos dividendos (ações nacionais ou estrangeiras), não pode o intérprete efetuar tal distinção;

vii. Além do mais, qualquer distinção nesse sentido mostrar-se-ia contrária ao Direito da União Europeia, no caso de ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa comunitários,

viii. Pois, faz depender a aplicação do benefício fiscal da origem nacional da ação em clara violação do princípio da livre circulação de capitais (artigos 63° e seguintes do TFUE),

ix. Bem como em clara violação do princípio da neutralidade na exportação de capitais, pois estar-se-ia a privilegiar fiscalmente o residente fiscal que obtém rendimentos em território nacional em detrimento daquele que obtém rendimentos no exterior;

x. Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida não fez um correto enquadramento das normas que constituem o fundamento jurídico aqui em causa (artigo 31° do EBF), pois o Tribunal a quo concluiu que o benefício fiscal previsto no artigo 31° do EBF apenas é aplicável aos dividendos auferidos em ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacional, sem que da letra da Lei e do seu preâmbulo decorra esse sentido;

xi. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, por conseguinte, o pedido subjacente à impugnação judicial em apreço, relativamente a esta questão, deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais.

Pedido:

Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada totalmente procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!

I.3. Não foram produzidas contra-alegações.

I.4. O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, tendo em conta que a “(…) “ratio legis” que norteia o disposto no artigo 31º do E.B.F. consiste em estabelecer uma medida que visa incentivar o mercado de capitais, na bolsa portuguesa.”

I.5. Foram colhidos vistos dos exm.ºs Conselheiros adjuntos, mas tendo cessado funções na secção o exm.º 1.º adjunto, intervém a actual exm.ª 1.ª adjunta do relator.

1.6. De acordo com as conclusões do recurso que, nos termos do artigo 635.º n.ºs 3 e 4 do C.P.C., servem para delimitar o objecto do recurso, resulta que para decidir se, ao contrário do decidido na sentença recorrida, é de proceder à dedução, para efeitos de IRC, do resultado líquido dos dividendos auferidos com acções estrangeiras no que respeita aos períodos de 1999 e 2000, nos termos do art. 31.º do E.B.F..

7. Impõe-se ainda conhecer se com o entendimento tido a respeito do art. 31.º do E.B.F. ocorre a violação do princípio da liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º e segs. do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - T.F.U.E.), conforme foi ainda invocado no recurso interposto.

E como a violação do dito princípio da liberdade de circulação de capitais é susceptível de conduzir a que se tenha de apresentar pedido de reenvio prejudicial, nos termos do art. 267.º do T.F.U.E. (a menos que se entenda ser clara já a tomada de posição do Tribunal de Justiça da União Europeia -T.J.U.E.), conhecer-se-á ainda oficiosamente dessa matéria, nos termos do art. 608.º n.º 2 do CPC, aplicável por força do art. 663.º n.º 2 do mesmo diploma.

Já quanto à violação do princípio da neutralidade na exportação de capitais, é de apreciar a mesma à luz das incumbências do Estado, previstas no art. 81.º, f), da C.R.P..

II. Fundamentação.

II. 1.De facto.

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria factual:

1) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção efetuada em cumprimento das ordens de serviço nº 02/01/273 e 02//1/274, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto relativa ao exercício de 1999 e 2000, da qual resultaram correções ao resultado fiscal desse exercício, no montante de € 5.055,88 (ano de 1999) e € 15.816,85 (ano de 2000), no total de € 20.872,73 – fls 45 e seguintes dos autos;
2) Tais correções, além de outras, consistiram na não aceitação como custo fiscal do exercício da provisão para créditos de cobrança duvidosa no montante de €1.253,35 e € 27.050,71 (ano de 1999 e 2000 respetivamente) e de correções à matéria coletável no valor de € 10.196,54 (ano de 1999) e € 13.406,62 (ano de 2000) – fls 45 e seguintes dos autos;
3) A fundamentação de tal correção consta do relatório de inspeção tributária junto a fls. 45 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e onde se escreveu, designadamente, o seguinte:
“(...) III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E APURAMENTO DO IMPOSTO EM FALTA
As áreas contabilístico-fiscais inspeccionadas de acordo com os procedimentos em uso e com a profundidade considerada adequada nas circunstâncias, deram origem às seguintes correcções:
III - 1 - Exercício de 1999
III - 1.1 - Correcções à matéria tributável - IRC
III - 1.1.1 - Benefícios Fiscais
10.778,46 € (2.160.888$15), montante a corrigir a favor da Administração Fiscal a seguir discriminado: - Ver Anexo 1
• 10.196,54 € (2.044.222$75) - Da análise efectuada à base de cálculo dos rendimentos que beneficiam da dedução prevista para as acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa, nos termos do artigo 31.º do EBF, verificou-se que o sujeito passivo considerou os dividendos brutos auferidos com acções portuguesas e com acções estrangeiras.
No entanto, tendo em consideração o conceito de benefício fiscal, e uma vez que o benefício em causa foi criado com o objectivo de dinamizar o mercado bolsista nacional, só deveriam ter sido considerados os dividendos auferidos com as acções admitidas à negociação na bolsa de valores nacional, pelo que se procedeu à correcção do montante elencado, ao abrigo do preceito legal citado;
• 471,25 € (99.477$60) - No apuramento do lucro tributável declarado foi considerado como beneficio o rendimento total obtido com o Título de Participação CPP/89 e não os 20% do rendimento obtido, conforme estipula o artigo 4.º do Dec-Lei n.º 215/89, pelo que se acresce o seu diferencial;
• 10,92 € (2.188$80), valor referente ao benefício indevidamente calculado sobre o Rendimento do Título de Dívida Pública Externo 1ª Série - 1902. Dado que este título foi emitido antes de 1989 não se enquadra no artigo 2.º do DL n.º 143-A/89.
• 99,75 € (19.998$00), montante referente ao erro efectuado pelo sujeito passivo no preenchimento do Q07/C234 da Declaração de Rendimentos Mod. 22.
III - 1.1.2 - Eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos
O sujeito passivo considerou no cálculo da dedução para eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos Imposto sobre Sucessões e Doações (ISD).
Como nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 45.º do CIRC a eliminação prevista tem por base rendimentos líquidos de ISD reapurou-se o seu cálculo ascendendo a 1.385.943$29.
Assim, o benefício a que o sujeito passivo tem direito é no montante de 1.316.646$12 e não de 1.428.700$00, pelo que, nos termos do preceito legal citado corrigiu-se a diferença no montante de 558,92 € (112.053$88). - Ver Anexo 1
III - 1.1.3 - Reintegrações e amortizações do exercício
Da análise efectuada ao Mapa de Reintegrações e Amortizações do Exercício mod. 32 constatou-se que o sujeito passivo não acresceu no Q07 da Decl. Rendim. mod. 22 o montante de 284,84 € (57.105$00).
Este valor refere-se ao apuramento de reintegrações praticadas para além do período máximo de vida útil , relativamente a artigos de conforto e decoração (código 2400 da Tabela II anexa ao Dec. Reg. 2/90, de 12 de Janeiro) pertencentes ao imobilizado corpóreo do sujeito passivo, procedendo-se, deste modo, ao acréscimo ao resultado fiscal declarado da correcção citada nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 32.º do CIRC. - Ver Anexo 2
III.1.1.1 - Provisões não dedutíveis
Da análise efectuada ao Mapa de Provisões mod. 30 e aos demais elementos fornecidos pelo sujeito passivo, verificou-se a existência de um reforço da provisão para créditos de cobrança duvidosa, no montante de 20.256.510$00, reflectido na conta de custos 691213 – Outros devedores, contudo foi apenas acrescido pelo sujeito passivo, no Q07/C208 da Declaração de Rendimentos mod. 22, o montante de 20.000.000$00. O diferencial de 256.510$00 é constituído por provisões para cheques sem provisão em processo judicial (5.236$00, registados na subconta 6912131 – Outros créditos) e mediadores (251.274$00, registados na subconta 6912130 – actividade normal).
Esta provisão (mediadores), não se enquadra no âmbito da alínea a) do nº 1 do art. 33º do CIRC, porque o que está em causa é a dívida do mediador para com a empresa. Os clientes desde que procedam ao pagamento atempado dos prémios ao mediador, liberam-se de tal obrigação perante a seguradora e o contrato de seguro mantém-se de igual modo vigente, donde se conclui que não se está em presença de créditos de cobrança duvidosa quando o mediador não entrega à seguradora os prémios cobrados.
Assim, como os referidos créditos não pertencem aos tomadores de seguro da ……….., não podem os mesmos integrar a base de cálculo da provisão para créditos de cobrança duvidosa, por contrariarem o preceituado legal referido, pelo que se corrige o montante de 1.256,35€ (251.274$00), nos termos da alínea h) do n° 1 do artigo 23° do CIRC.
(...)
III - 2 - Exercício de 2000
III - 2.1 - Correcções à matéria tributável - IRC
III - 2.1.1 - Benefícios Fiscais
Da análise efectuada à base de cálculo dos rendimentos que beneficiam da dedução prevista para as acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa, nos termos do artigo 31.º do EBF, verificou-se que o sujeito passivo considerou os dividendos brutos auferidos com acções portuguesas e com acções estrangeiras.
No entanto, tendo em consideração o conceito de benefício fiscal, e uma vez que o benefício em causa foi criado com o objectivo de dinamizar o mercado bolsista nacional, só deveriam ter sido considerados os dividendos auferidos com as acções admitidas à negociação na bolsa de valores nacional, pelo que se procedeu à correcção do montante de 13.406,62 € (2.687.785$80), ao abrigo do preceito legal citado. - Ver Anexo 7
III - 2.1.2 - Eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos
O sujeito passivo levou em conta no cálculo da dedução para eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos Imposto sobre Sucessões e Doações (ISD) e dividendos distribuídos por entidades não residentes.
Como, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 45.º do CIRC, a eliminação prevista tem por base lucros distribuídos por entidades com sede e direcção efectiva em território nacional líquidos de ISD reapurou-se o seu cálculo ascendendo a 3.477.090$00.
Assim, o benefício a que o sujeito passivo tem direito é no montante de 3.303.235$50 e não de 6.690.284$37, pelo que, nos termos do preceito legal citado corrigiu-se a diferença no montante de 16.894,53 € (3.387.048$87). - Ver Anexo 7
III - 2.1.3 - Reintegrações e amortizações do exercício
Da análise efectuada ao Mapa de Reintegrações e Amortizações do Exercício mod. 32 constatou-se que o sujeito passivo não acresceu no Q07 da Decl. Rend. mod. 22 o montante de 14,95 € (2.997$00). Este valor refere-se ao apuramento de reintegrações praticadas para além do período máximo de vida útil, relativamente a máquinas não especificadas (código 2295 da Tabela II do Dec. Reg. 2/90, de 12 de Janeiro) pertencentes ao imobilizado corpóreo do sujeito passivo, procedendo-se, deste modo, ao acréscimo ao resultado fiscal declarado o montante citado nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 32.° do CIRC. - Ver Anexo 2
III - 2.1.6 - Erros efectuados pelo Sujeito Passivo no preenchimento da Decl. Rendim. Mod. 22
O sujeito passivo inscreveu no Q07/C237, incorrectamente o montante de 105.045.593$00, referente ao apuramento das valias potenciais e dos contratos de locação financeira. O valor correcto a inscrever é de 104.775.593$00, conforme justificação apresentada pelo Sujeito Passivo, pelo que foi acrescido ao lucro tributável declarado o montante de 1.346,75 € (270.000$00) nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do CIRC.
III - 2.1.7 - Patrocínios e Eventos
Da análise efectuada à conta 6811411 - Patroc./Eventos, verificou-se não existir suporte documental legal para o montante de 374,10 € (75.000$00) referente a um patrocínio. Deste modo, o montante citado por se tratar de despesas não documentadas, conforme previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, foi acrescido ao resultado tributável declarado, nos termos do artigo 23.º do mesmo código. - Ver Anexo 5
III - 2.2 - Imposto em falta - IRC
III - 2.2.1 - Tributação Autónoma
III - 2.2.1.1 - Despesas não documentadas
Da correcção efectuada no ponto 2.1.7 deste relatório no montante de 75.000$00, por consubstanciar-se com despesas confidenciais fica sujeito à tributação autónoma de 32% nos termos do Decreto-lei n.º 192/90, de 9 de Junho, actualizado pela Lei n.º 3-B/00, de 4 de Abril (OE para 2000), pelo que se apurou imposto em falta no valor de 119,71 € (24.000$00).
III - 2.2.1.2 - Encargos com viaturas ligeiras de passageiros
Foram validados os saldos, constantes no balancete sintético, das contas referentes a viaturas ligeiras de passageiros, tendo sido detectado que o sujeito passivo não levou em conta para o apuramento da tributação autónoma dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros o valor de - 1.955.492$00, relativo a “rendas e alugueres de automóveis” contabilizado na conta 68108200 (saldo 14.523.727$00), contrariando o disposto no DL n.º 192/90, de 9.06, actualizado pela Lei n.º 3-B/00, de 04.04 (OE 2000).
Assim, foi reapurado o cálculo da tributação autónoma dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, obtendo-se o valor de 2.704.376$96, pelo que existe uma correcção a favor da Administração Fiscal no montante de 624,26 € (125.151$96), nos termos do preceito legal citado, uma vez que o sujeito passivo apenas acresceu, o montante de 2.579.225$00, no Q10/C365 da Declaração de Rendimentos Mod.22. - Ver Anexo 8
(..)”
relatório de fls 45 e seguintes dos autos;
4) Através do ofício nº 2596 de 11-06-2003 o impugnante foi notificado do relatório de inspeção tributária – fls 44 dos autos;
5) No seguimento, a Administração Fiscal emitiu a liquidação de IRC nº 2003 8310011058 e 2003 8310011056, referentes ao ano de 1999 e 2000, de que resultou um valor de imposto a reembolsar de € 92.107,83 - cfr. fls. 26 e 27 dos autos.
6) A impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações indicadas em 5) em 25-09-2003 – fls 28 dos autos;
7) A presente impugnação foi apresentada em 21-06-2004 – fls 2 dos autos.

Na medida em que a recorrente invoca que com o entendimento tido a respeito desta norma ocorre a violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, bem como o da neutralidade na exportação de capitais, importa conhecer destas questões, cuja receção automática decorre do art. 8.º n.º 3 da C.R.P., e de cuja solução depende aquela outra questão.

II.2.De direito:

Na sentença recorrida decidiu-se no que respeita aos pontos III-1.1.1 e III-2.1.1 do relatório de inspeção acima reproduzido na matéria de facto fixada na sentença recorrida, no sentido da aplicação do benefício fiscal previsto no art. 31.º do E.B.F. quanto a dividendos distribuídos de acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacionais, que não dos demais países da União Europeia.

A redacção dessa norma era a seguinte:

Os dividendos distribuídos das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa contam apenas por 50% do seu quantitativo para fins de IRS ou de IRC”.

Em abono do entendimento tido, fundamentou-se que com a dita disposição se visou incentivar ou desenvolver o mercado de capitais, ou seja, haver relevante interesse público, nomeadamente, de ordem económica, tido como de valor superior ao objectivo da tributação, a atender ainda de acordo com a lei de autorização legislativa e conforme ficou ainda expresso no art. 2.º n.º 1 do E.B.F..

Esta disposição tem a seguinte redacção:

- “Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.

O entendimento tido levou ainda em conta um critério lógico (art. 9.º n.º 3 do C. Civil), segundo o qual se com o dito art. 31.º do E.B.F. se visou desenvolver o mercado bolsista nacional, não faz sentido aplicar o mesmo aos dividendos de acções representativas de capital de empresas cotadas em bolsas no mercado dos demais países da União Europeia.

A recorrente invoca que a letra do dito art. 15.º do E.B.F. não comporta tal distinção e, principalmente, que a distinção efetuada é contrária ao Direito da União Europeia, considerando clara a violação do princípio da livre circulação de capitais – art. 63.º e ss. do T.F.U.E., bem como do princípio da neutralidade na exportação de capitais.

Ora, das regras hermenêuticas ao caso aplicáveis, resulta ser sobretudo de atender à unidade do sistema jurídico – artigos 11.º n.º 1 da L.G.T. e 9.º n.º 1 do C. Civil-, o que faz depender o entendimento tido a respeito do dito benefício do que possa resultar do princípio e normas ao caso aplicáveis.

Com efeito, o tratamento fiscal de dividendos distribuídos de acções admitidas à negociação nas bolsas nacionais e nos demais países da União Europeia trata-se de matéria que pode ser vista como interferindo com a liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E. (anteriormente, o art. 56.º e segs. do Tratado da Comunidade Europeia -T.C.E.), invocados pelo respeito a respeito do respectivo princípio.

Quanto à liberdade de circulação de capitais encontra-se previsto serem “proibidas todas as restrições” (art. 63.º).

Tal previsão sofre derrogações, entre as quais a das “disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em situação idêntica no que se refere ao lugar da residência ou ao local em que o capital é investido”, bem como ainda outras, entre as quais as de serem “medidas justificadas por razões de ordem pública” - art. 65.º n.º 1, a) e b), do T.F.U.E. (anterior art. 58.º do T.C.E.).

A aplicação de derrogação depende ainda de não ocorrer uma “discriminação arbitrária”, ou uma “restrição, ainda que dissimulada, à circulação de capitais”, condições que o n.º 3 do dito art. 65.º refere como aplicáveis aos casos do n.º 1, alíneas a) ou b).

A doutrina, ainda que tenha procurado uma linha comum na evolução na jurisprudência do T.J.U.E., manifesta-se no sentido de nem sempre ser claro o entendimento tido a respeito dessas normas - assim, entre outros, João Sérgio Ribeiro, em Direito Fiscal da União Europeia. Tributação Direta, 2.ª ed. Almedina, 2019, págs. 55 e segs..

Conforme este autor refere a pág. 56, “o TJ tem decidido que podem ser de reconduzidos aos movimentos de capitais, no contexto do art. 63.º do TFUE, nomeadamente, os investimentos ditos “diretos”, a saber, os investimentos sob a forma de participação numa empresa que conferem a possibilidade de participar efectivamente na sua gestão e no seu controlo; assim como os ditos “de carteira”, isto é, os investimentos sob a forma de aquisição de títulos no mercado de capitais com o único objectivo de realizar uma aplicação financeira sem intenção de influir na gestão e no controlo da empresa” – tal o que consta do acórdão proferido no caso Comissão Europeia v. República Portuguesa de 8 de julho de 2010, no proc. 171/08, n.º 49, citando vários acórdãos anteriores.

Acresce que de consulta efetuada em «www.curia.europa.eu/juris/», não consta que a jurisprudência do T.J.U.E. se tenha já pronunciado quanto à violação do dito princípio da livre circulação de capitais, ou do princípio da neutralidade, no caso a que se refere o art. 31.º do E.B.F., no entendimento tido na sentença recorrida ora em análise, ou seja, como forma de limitar a dedução, para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), a 50% dos dividendos das acções transaccionados apenas nas bolsas nacionais, excluindo-se da dita limitação os dividendos líquidos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia.

Finalmente, ponderando o que deriva dos princípios do primado do direito comunitário e da interpretação conforme, de que o reenvio prejudicial é um instrumento essencial, de molde a assegurar a pretendida uniformidade de interpretação e de aplicação do Direito da União em todos os seus Estados-Membros, bem como a coesão do sistema de proteção jurisdicional da União e o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares, tem-se como útil e necessário solicitar ao T.J.U.E que se pronuncie sobre a seguinte questão prejudicial, nos termos dos artigos 267.º do T.F.U.E.:

- É violador da liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E., que, nos termos dos artigos 31.º e 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), liquidado à recorrente quanto a 1999 e 2000, sejam dedutíveis a 50% os dividendos obtidos nas bolsas nacionais (portuguesas) e entender-se excluído da dita dedução os dividendos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia?

Nos termos dos artigos 269.º e 272.º do C.P.C., resulta, em consequência, a suspensão dos autos.

III. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia questão prejudicial acima enunciada e, em consequência, suspender os autos.

Diligências necessárias, a cumprir pela Secretaria do S.T.A., incluindo a instrução com observância das recomendações do T.J.U.E. (2019/C 380/01, relativas à sua apresentação/envio e que se mostram publicadas no J.O.U.E. de 08.11.2019).

Não são devidas custas.

Lisboa, 1 de julho de 2020. - Paulo Antunes (relator) – Paula Cadilhe Ribeiro – José Gomes Correia.