Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01397/04.9BEPRT |
Data do Acordão: | 07/01/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PAULO ANTUNES |
Descritores: | DIVIDENDOS BENEFÍCIOS FISCAIS LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO QUESTÃO PREJUDICIAL |
Sumário: | I - Impõe-se submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da UE, a apreciação da seguinte questão, a título prejudicial, nos termos do art. 267.º do Tratado de Funcionamento da U.E.: É violador da liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E., que, nos termos dos artigos 31.º e 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), liquidado à recorrente quanto a 1999 e 2000, sejam dedutíveis a 50% os dividendos obtidos nas bolsas nacionais (portuguesas) e entender-se excluído da dita dedução os dividendos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia? II - Nos termos dos artigos 269.º e 272.º do C.P.C., resulta, em consequência, a suspensão dos autos. |
Nº Convencional: | JSTA000P26150 |
Nº do Documento: | SA22020070101397/04 |
Data de Entrada: | 01/07/2019 |
Recorrente: | A............, SA |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório I.1. …………, S.A., sinalizada nos autos, com tendo sede no Porto, vem interpor recurso da sentença proferida do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada em 29/06/2018, na parte em que a sua impugnação foi julgada improcedente – a aceitação de dividendos auferidos com acções estrangeiras como custo fiscal, a título de benefício fiscal, no valor de € 10.196,54 (exercício de 1999) e € 13.406,62 (exercício de 2000), mantendo-se nessa parte (parcial) a liquidação adicional de IRC do exercício de 1999 e 2000. i. Sem prejuízo de a Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial da impugnação judicial em apreço, importa salientar o seguinte: ii. O presente recurso pretende contestar a decisão do Tribunal a quo por erro de julgamento na matéria de Direito apenas relativamente à questão da dedução ao resultado líquido respeitante aos períodos de 1999 e 2000 de dividendos auferidos com as ações estrangeiras, nos termos do artigo 31º do EBF, com a redação à época dos factos, nomeadamente, porque considerou que a dedutibilidade aí prevista apenas se aplica aos dividendos auferidos com ações admitidas à negociação de bolsa portuguesa, excluindo a dedução aos dividendos auferidos com ações admitidas à negociação de bolsa estrangeira; iii. As normas fiscais devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais da hermenêutica jurídica, isto é, aplicando os critérios previstos no artigo 9º do Código Civil; iv. O que significa que a letra da Lei tem de ser a principal referência e ponto de partida de (qualquer) intérprete e que nas Leis há uma racionalidade operante que o intérprete deve esforçar-se por reconstruir: v. Na interpretação não se pode transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado ou destrinça que não se encontra expressa; vi. Neste sentido, se na norma e no seu preâmbulo não existe qualquer referência à origem dos dividendos (ações nacionais ou estrangeiras), não pode o intérprete efetuar tal distinção; vii. Além do mais, qualquer distinção nesse sentido mostrar-se-ia contrária ao Direito da União Europeia, no caso de ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa comunitários, viii. Pois, faz depender a aplicação do benefício fiscal da origem nacional da ação em clara violação do princípio da livre circulação de capitais (artigos 63° e seguintes do TFUE), ix. Bem como em clara violação do princípio da neutralidade na exportação de capitais, pois estar-se-ia a privilegiar fiscalmente o residente fiscal que obtém rendimentos em território nacional em detrimento daquele que obtém rendimentos no exterior; x. Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida não fez um correto enquadramento das normas que constituem o fundamento jurídico aqui em causa (artigo 31° do EBF), pois o Tribunal a quo concluiu que o benefício fiscal previsto no artigo 31° do EBF apenas é aplicável aos dividendos auferidos em ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacional, sem que da letra da Lei e do seu preâmbulo decorra esse sentido; xi. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, por conseguinte, o pedido subjacente à impugnação judicial em apreço, relativamente a esta questão, deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais. Pedido: Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada totalmente procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA! I.3. Não foram produzidas contra-alegações. I.4. O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, tendo em conta que a “(…) “ratio legis” que norteia o disposto no artigo 31º do E.B.F. consiste em estabelecer uma medida que visa incentivar o mercado de capitais, na bolsa portuguesa.” I.5. Foram colhidos vistos dos exm.ºs Conselheiros adjuntos, mas tendo cessado funções na secção o exm.º 1.º adjunto, intervém a actual exm.ª 1.ª adjunta do relator. 1.6. De acordo com as conclusões do recurso que, nos termos do artigo 635.º n.ºs 3 e 4 do C.P.C., servem para delimitar o objecto do recurso, resulta que para decidir se, ao contrário do decidido na sentença recorrida, é de proceder à dedução, para efeitos de IRC, do resultado líquido dos dividendos auferidos com acções estrangeiras no que respeita aos períodos de 1999 e 2000, nos termos do art. 31.º do E.B.F.. 7. Impõe-se ainda conhecer se com o entendimento tido a respeito do art. 31.º do E.B.F. ocorre a violação do princípio da liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º e segs. do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - T.F.U.E.), conforme foi ainda invocado no recurso interposto. E como a violação do dito princípio da liberdade de circulação de capitais é susceptível de conduzir a que se tenha de apresentar pedido de reenvio prejudicial, nos termos do art. 267.º do T.F.U.E. (a menos que se entenda ser clara já a tomada de posição do Tribunal de Justiça da União Europeia -T.J.U.E.), conhecer-se-á ainda oficiosamente dessa matéria, nos termos do art. 608.º n.º 2 do CPC, aplicável por força do art. 663.º n.º 2 do mesmo diploma. Já quanto à violação do princípio da neutralidade na exportação de capitais, é de apreciar a mesma à luz das incumbências do Estado, previstas no art. 81.º, f), da C.R.P.. II. Fundamentação. II. 1.De facto. A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria factual: 1) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção efetuada em cumprimento das ordens de serviço nº 02/01/273 e 02//1/274, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto relativa ao exercício de 1999 e 2000, da qual resultaram correções ao resultado fiscal desse exercício, no montante de € 5.055,88 (ano de 1999) e € 15.816,85 (ano de 2000), no total de € 20.872,73 – fls 45 e seguintes dos autos; Na medida em que a recorrente invoca que com o entendimento tido a respeito desta norma ocorre a violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, bem como o da neutralidade na exportação de capitais, importa conhecer destas questões, cuja receção automática decorre do art. 8.º n.º 3 da C.R.P., e de cuja solução depende aquela outra questão. II.2.De direito: Na sentença recorrida decidiu-se no que respeita aos pontos III-1.1.1 e III-2.1.1 do relatório de inspeção acima reproduzido na matéria de facto fixada na sentença recorrida, no sentido da aplicação do benefício fiscal previsto no art. 31.º do E.B.F. quanto a dividendos distribuídos de acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacionais, que não dos demais países da União Europeia. A redacção dessa norma era a seguinte: “Os dividendos distribuídos das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa contam apenas por 50% do seu quantitativo para fins de IRS ou de IRC”. Em abono do entendimento tido, fundamentou-se que com a dita disposição se visou incentivar ou desenvolver o mercado de capitais, ou seja, haver relevante interesse público, nomeadamente, de ordem económica, tido como de valor superior ao objectivo da tributação, a atender ainda de acordo com a lei de autorização legislativa e conforme ficou ainda expresso no art. 2.º n.º 1 do E.B.F.. Esta disposição tem a seguinte redacção: - “Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”. O entendimento tido levou ainda em conta um critério lógico (art. 9.º n.º 3 do C. Civil), segundo o qual se com o dito art. 31.º do E.B.F. se visou desenvolver o mercado bolsista nacional, não faz sentido aplicar o mesmo aos dividendos de acções representativas de capital de empresas cotadas em bolsas no mercado dos demais países da União Europeia. A recorrente invoca que a letra do dito art. 15.º do E.B.F. não comporta tal distinção e, principalmente, que a distinção efetuada é contrária ao Direito da União Europeia, considerando clara a violação do princípio da livre circulação de capitais – art. 63.º e ss. do T.F.U.E., bem como do princípio da neutralidade na exportação de capitais. Ora, das regras hermenêuticas ao caso aplicáveis, resulta ser sobretudo de atender à unidade do sistema jurídico – artigos 11.º n.º 1 da L.G.T. e 9.º n.º 1 do C. Civil-, o que faz depender o entendimento tido a respeito do dito benefício do que possa resultar do princípio e normas ao caso aplicáveis. Com efeito, o tratamento fiscal de dividendos distribuídos de acções admitidas à negociação nas bolsas nacionais e nos demais países da União Europeia trata-se de matéria que pode ser vista como interferindo com a liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E. (anteriormente, o art. 56.º e segs. do Tratado da Comunidade Europeia -T.C.E.), invocados pelo respeito a respeito do respectivo princípio. Quanto à liberdade de circulação de capitais encontra-se previsto serem “proibidas todas as restrições” (art. 63.º). Tal previsão sofre derrogações, entre as quais a das “disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em situação idêntica no que se refere ao lugar da residência ou ao local em que o capital é investido”, bem como ainda outras, entre as quais as de serem “medidas justificadas por razões de ordem pública” - art. 65.º n.º 1, a) e b), do T.F.U.E. (anterior art. 58.º do T.C.E.). A aplicação de derrogação depende ainda de não ocorrer uma “discriminação arbitrária”, ou uma “restrição, ainda que dissimulada, à circulação de capitais”, condições que o n.º 3 do dito art. 65.º refere como aplicáveis aos casos do n.º 1, alíneas a) ou b). A doutrina, ainda que tenha procurado uma linha comum na evolução na jurisprudência do T.J.U.E., manifesta-se no sentido de nem sempre ser claro o entendimento tido a respeito dessas normas - assim, entre outros, João Sérgio Ribeiro, em Direito Fiscal da União Europeia. Tributação Direta, 2.ª ed. Almedina, 2019, págs. 55 e segs.. Conforme este autor refere a pág. 56, “o TJ tem decidido que podem ser de reconduzidos aos movimentos de capitais, no contexto do art. 63.º do TFUE, nomeadamente, os investimentos ditos “diretos”, a saber, os investimentos sob a forma de participação numa empresa que conferem a possibilidade de participar efectivamente na sua gestão e no seu controlo; assim como os ditos “de carteira”, isto é, os investimentos sob a forma de aquisição de títulos no mercado de capitais com o único objectivo de realizar uma aplicação financeira sem intenção de influir na gestão e no controlo da empresa” – tal o que consta do acórdão proferido no caso Comissão Europeia v. República Portuguesa de 8 de julho de 2010, no proc. 171/08, n.º 49, citando vários acórdãos anteriores. Acresce que de consulta efetuada em «www.curia.europa.eu/juris/», não consta que a jurisprudência do T.J.U.E. se tenha já pronunciado quanto à violação do dito princípio da livre circulação de capitais, ou do princípio da neutralidade, no caso a que se refere o art. 31.º do E.B.F., no entendimento tido na sentença recorrida ora em análise, ou seja, como forma de limitar a dedução, para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), a 50% dos dividendos das acções transaccionados apenas nas bolsas nacionais, excluindo-se da dita limitação os dividendos líquidos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia. Finalmente, ponderando o que deriva dos princípios do primado do direito comunitário e da interpretação conforme, de que o reenvio prejudicial é um instrumento essencial, de molde a assegurar a pretendida uniformidade de interpretação e de aplicação do Direito da União em todos os seus Estados-Membros, bem como a coesão do sistema de proteção jurisdicional da União e o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares, tem-se como útil e necessário solicitar ao T.J.U.E que se pronuncie sobre a seguinte questão prejudicial, nos termos dos artigos 267.º do T.F.U.E.: - É violador da liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E., que, nos termos dos artigos 31.º e 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), liquidado à recorrente quanto a 1999 e 2000, sejam dedutíveis a 50% os dividendos obtidos nas bolsas nacionais (portuguesas) e entender-se excluído da dita dedução os dividendos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia? Nos termos dos artigos 269.º e 272.º do C.P.C., resulta, em consequência, a suspensão dos autos. III. Decisão: Os Juízes Conselheiros da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia questão prejudicial acima enunciada e, em consequência, suspender os autos. Diligências necessárias, a cumprir pela Secretaria do S.T.A., incluindo a instrução com observância das recomendações do T.J.U.E. (2019/C 380/01, relativas à sua apresentação/envio e que se mostram publicadas no J.O.U.E. de 08.11.2019). Não são devidas custas. Lisboa, 1 de julho de 2020. - Paulo Antunes (relator) – Paula Cadilhe Ribeiro – José Gomes Correia. |