Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:055/18
Data do Acordão:03/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23003
Nº do Documento:SA220180307055
Data de Entrada:01/19/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A……….., com os demais sinais dos autos, apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra recurso judicial do acto da Senhora Directora da Direcção de Finanças de Lisboa que, para efeitos de IRS, determinou a fixação por avaliação indirecta do rendimento tributável referente a 2011, em conformidade com o disposto na alínea f) do art.º 87º, conjugado com o nº 5 do art.º 89º-A, ambos da Lei Geral Tributária.

Por sentença datada de 18/11/2016 foi julgado procedente o recurso judicial e anulado o despacho recorrido.

Inconformada, a Autoridade Tributária interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que, por acórdão de 29/06/2017, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.

1.1. É desse aresto que a Autoridade Tributária interpõe o presente recurso de revista excepcional, que rematou com as seguintes conclusões:

«a) Vem o presente recurso interposto contra o acórdão do TCA Sul, de 29/06/2017, que julgou totalmente improcedente o recurso interposto contra a sentença proferida a 18/11/2016 que julgou procedente o recurso intentado por A………. contra a decisão da Directora de Finanças de Lisboa que, por despacho de 21/11/2014, fixou a matéria colectável com recurso a métodos indirectos relativamente a IRS de 2011 no montante de € 336.106,54, ao abrigo da al. f) do nº 1 do art.º 87º e do nº 5 do art.º 89º-A da LGT e alínea d) do nº 1 do art.º 9º do CIRS.

1. Recurso por omissão de pronúncia

b) O acórdão ora recorrido circunscreveu o recurso quanto aos factos a uma impugnação da matéria de facto que a sentença considerou provada por falta de força probatória dos documentos e dos depoimentos testemunhais prestados.

c) Não obstante alguma confusão da AT na classificação dos vícios que motivaram a apresentação do recurso na vertente da matéria de facto, resulta explícito do teor da sua exposição, quer em sede de alegações de recurso, quer em sede das respectivas conclusões, que os vícios assacados à sentença são o de erro notório na apreciação da prova e insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, questões que se situam a jusante do erro de julgamento quanto aos factos.

d) Justamente, conforme teor das alegações de recurso e respectivas conclusões, a AT não impugnou quaisquer dos factos enunciados no probatório nem a força probatória da prova realizada mas antes a circunstância de os mesmos, pela sua insuficiência e incoerência, não serem susceptíveis de sustentar a conclusão a que chegou o Tribunal de P instância de que não se verifica na esfera do contribuinte qualquer acréscimo de património para efeitos do art.º 89º-A da LGT.

e) Mais, sem colocar em causa a força probatória dos documentos apresentados e dos depoimentos prestados, a AT entendeu ainda que a motivação quanto aos mesmos, nos moldes em que se encontra explicitada na sentença proferida em 1ª instância, não é suficiente para sustentar a motivação do Tribunal.

f) E porque assim é, não seria exigível à AT, até por se afigurar impossível, “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda” ou os meios de prova “que infirmem as conclusões do recorrente” uma vez que o probatório sofre da ausência de prova suficiente, omitindo, quer nos depoimentos das testemunhas, quer nos documentos juntos aos autos, factos que permitam concretizar e justificar os movimentos financeiros em causa, não sendo de aplicar, por conseguinte, o disposto no art. 640º do CPC.

g) Veja-se que os fundamentos do recurso na vertente da matéria de facto constam das alíneas E) a K) das conclusões das alegações de recurso e que nesta parte apenas o ponto a) da alínea al. F) e o ponto a) da alínea G) referem a prova documental prestada para dizer, num caso que ela é inexistente e no outro que é insuficiente ou idónea à prova pretendida, sem nunca por em causa a sua força probatória.

h) Sucintamente, o que se diz nas conclusões é que o probatório da sentença, no seu ponto 14 e 15 dá como provado que o Banco da China exige uma conta com pelo menos quatro titulares para a saída de capitais e que por essa razão as transferências são realizadas para uma conta pessoal em nome dos sócios em vez da conta bancária da B……………

i) O que se encontra em clara contradição com o probatório no seu ponto 12 ao dar como provado que um dos sócios recebeu na sua conta pessoal, sem carecer dos aludidos quatro sócios, a importância de 195.000,00 ao abrigo do aludido “help family”,

j) Mais resultando que o probatório é omisso relativamente à razão porque as importâncias referidas no ponto 9 (por mão própria, provenientes de Angola), no ponto 10 (provindo de um banco da Hungria) e do ponto 12 (a partir da conta pessoal do Sr. C…………) do probatório foram depositadas na conta da CGD em nome de quatro particulares em vez da conta bancária titulada pela sociedade B……………,

k) Para além de ser inteiramente omisso no que respeita à transferência de 07/02/2011, do D………… no montante de € 25.000,00, cedido ao pai para fazer face a uma situação de emergência (cfr. fls. 12 da P1, ponto 47).

l) Sem colocar em causa a força probatória dos documentos apresentados e dos depoimentos prestados a AT entendeu ainda que a motivação quanto aos mesmos, nos moldes em que se encontra explicitada no probatório da sentença, não é suficiente para sustentar a motivação do Tribunal,

m) Pois o facto de os documentos juntos ao autos não terem sido impugnados (conforme referido na sentença) não os transforma em prova documental suficiente para efeitos de demonstração do alegado quanto aos fluxos financeiros em apreciação, sobretudo no que respeita à origem ou proveniência dos mesmos,

n) E, quanto à prova testemunhal a qualidade de quem prestou os depoimentos não foi devidamente contextualizada pois embora C……….. tinha conhecimento pessoal e directo dos factos, a sentença omite o interesse da testemunha quanto à decisão final por se encontrar pendente no mesmo Tribunal quanto a uma decisão em tudo idêntica à ora em crise um recurso judicial em seu nome,

o) Mais se constatando que o depoimento de E……….., embora fosse considerado claro, apenas consistiu em afirmar, conforme se transcreve da sentença, “que o dinheiro utilizado para a compra da fábrica de «/010 foi cedido à sociedade pelos seus dois sócios, que para o efeito recorreram a empréstimos de amigos e familiares “factos de que a testemunha não tem quaisquer conhecimento directo por não ter, de alguma forma, participado deles, limitando-se a reproduzir de uma forma clara aquilo que ouviu dizer.

p) Tanto assim é que o próprio Tribunal acaba por acusar a fragilidade do probatório concluindo, a final, que a prova apresentada nos autos suscita uma fundada dúvida quanto às operações em causa.

q) Sem por em causa a convicção do julgador quanto aos factos que entendeu provados, uma análise crítica da prova reunida nos autos, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência, não permitem concluir pela razoabilidade da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

r) Por conseguinte, o acórdão ora recorrido, ao concluir que não estão preenchidos os pressupostos formais de admissibilidade do recurso na vertente respeitante aos factos, por entender tratar-se de uma impugnação da matéria de facto, incorreu numa errada delimitação do objecto do recurso e, por conseguinte, numa omissão de pronúncia.

s) Aqui chegados, importa atentar nas conclusões das alegações de recurso por se entender que as mesmas reflectem um objecto distinto daquele que veio a ser recortado pelo TCA Sul.

t) Que assim é resulta, desde logo, da alínea B) das conclusões do recurso por se entender que em face da prova produzida, efectivamente plasmada na sentença, não é possível decidir como o Tribunal decidiu, ou seja, não é possível concluir que não se verifica na esfera jurídica do Recorrente qualquer acréscimo de património.

u) A insuficiência e contradição dos factos fixados no contraditório da sentença foi devidamente explicitadas nas alíneas E), F), G), H), I) e J) das conclusões,

v) Tal como se disse na alínea K) das conclusões do recurso, a sentença não cuidou de justificar por que razão foi constituída a conta na CGD, quando existe a obrigação legal de as sociedades movimentarem os seus fluxos financeiros através de uma conta bancária em seu nome, sendo que o argumento do “help family” não colhe para os depósitos em numerário e para as transferências bancárias, inclusive as provenientes da China.

w) A motivação quanto à matéria de facto, plasmada na sentença, está também ela fragilizada com os factos de as testemunhas não terem sido devidamente contextualizadas ao omitir, por um lado, que C………., na qualidade de sócio da B…………… Lda., tem pendente no mesmo Tribunal quanto a uma decisão em tudo idêntica à ora em crise um recurso judicial em seu nome, e que E……………. no seu depoimento se limitou a reproduzir, ainda que de uma forma clara, o que ouviu dizer por não ter qualquer participação ou conhecimento directo dos movimentos financeiros efectuados pelos amigos e familiares dos outros sócios.

x) O próprio Tribunal vem corroborar o supra exposto ao dizer, conforme se transcreve de fls. 10 da sentença, que “Todavia, quer da prova documental junta aos autos, nomeadamente, os documentos bancários que comprovam as transferências provindas da China a título de auxílio à família, quer da prova testemunhal produzida, surge firmada a fundada dúvida da materialidade de tais operações, não obstante inexistir o documento inidóneo que as comprove”.

y) Nos termos supra expostos, conclui-se que o acórdão ora recorrido não conheceu do objecto do recurso que lhe foi submetido para apreciação, devendo o vício de omissão de pronúncia ser julgado procedente com as devidas consequências legais.

II. Recurso excepcional de revista

z) Subsidiariamente, caso aquele recurso por omissão de pronúncia não seja considerado procedente, é interposto recurso excepcional de revista ao abrigo do art.º 150º do CPTA.

aa) A sentença proferida em 1ª instância concluiu que “não se verifica na esfera do Recorrente qualquer acréscimo de património que legitime à AT a tributação através da avaliação indirecta da sua matéria colectável”, não porque o contribuinte tenha comprovado que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte do acréscimo de património manifestada, como o impõe o nº 3 do art.º 89º-A da LGT, mas porque a prova apresentada pelo contribuinte suscita uma fundada dúvida quanto às operações em causa para efeitos do art. 100º n° 1 do CPPT.

bb) O TCA Sul acompanhou este entendimento ao considerar que a existência de fundada dúvida sobre a existência e a quantificação do facto tributário é determinante da anulação do acto, por força do nº 1 do artº 100º do CPPT.

cc) Para efeitos de admissibilidade do recurso excepcional de revista, invoca-se a relevância jurídica da questão de direito ora controvertida, pois a aplicação do instituto da “fundada dúvida” do art.º 100º à avaliação indirecta prevista do art.º 89º-A da LGT, no caso dos autos o nº 5 do art.º 89º-A da LGT, produz uma alteração do ónus probatório consignado no nº 3 do art.º 89º-A da LGT, mais se invocando a necessidade da presente revista para uma melhor aplicação do direito pois a jurisprudência dos tribunais superiores não é consentânea com o acórdão ora recorrido.

dd) Quanto ao mérito do presente recurso, está em causa a aplicabilidade do art. 100º do CPPT aos acréscimos de património com enquadramento no nº 5 do art.º 89º-A da LGT quando o sujeito passivo não faça a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.

ee) Entende a AT que o art.º 100º do CPPT não tem aplicação à situação em apreço nos autos pois os pressupostos em que assenta a avaliação indirecta da matéria colectável consignada no art.º 89º-A da LGT residem, justamente, em factos expressamente previstos pelo legislador como justificando uma séria dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário declarado pelo sujeito passivo, com a consequente inversão do ónus da prova quanto ao declarado, nos termos expressamente do consignado no nº 3 do art.º 89º-A da LGT.

ff) Desde logo, existe uma importante distinção entre a avaliação indirecta efectuada ao abrigo do art.º 89º-A da LGT, e que compreende as situações previstas na alínea d) e na alínea f) do art. 87º da LGT, e as restantes situações, designadamente as previstas nas alíneas b) e c) daquele art.º 87º cujo tratamento é efectuada ao abrigo dos art.º 88º, 89º e art.º 90º e seguintes.

gg) A diferença de regimes jurídicos é evidente e ressalta, por exemplo, do facto de o ónus probatório consignado no nº 3 do art.º 89º-A da LGT só se aplicar às situações aí previstas, o facto de a competência para a decisão de avaliação indirecta constante deste art.º 89º-A ser da competência do director de finanças da área do domicílio fiscal do contribuinte, sem possibilidade de delegação, conforme respectivo nº 6, e o facto de não lhe ser aplicável o procedimento constante dos art.º 91º e seguintes conforme expressamente no respectivo nº 7.

hh) Na verdade, as manifestações de fortuna consignadas no art.º 89º-A da LGT têm um tratamento diferenciado dos restantes mecanismos de avaliação indirecta, resultado do papel específico que ocupam no combate à elisão e fraude fiscais.

ii) Se é certo que a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (art.º 85º nº 1 da LGT), pode-se ainda dizer que dentro da avaliação indirecta as manifestações de fortuna ocupam um lugar especial, meramente residual.

jj) Do entendimento subjacente à jurisprudência produzida a propósito do art. 89º-A da LGT resulta, quanto à repartição do ónus da prova relativamente à avaliação indirecta da matéria colectável efectuada ao abrigo do disposto no nº 5 do art.º 89º-A da LGT, que uma vez comprovados os respectivos pressupostos, a avaliação indirecta apenas pode ser afastada mediante justificação, ainda que parcial, do “acréscimo de património”, ou seja, mediante a ilisão da presunção contida no nº 3 do art.º 89º-A da LGT e não através da criação de uma dúvida fundada.

kk) O nº 3 do art.º 89º-A da LGT, aplicável às situações do nº 5 do mesmo normativo legal, contém uma presunção ilidível cujo alcance tem de ser apurado no quadro do combate à evasão e fraude fiscais em que se insere aquele normativo legal.

ll) Nestes termos, o ónus probatório que impende sobre o ora Recorrido por se verificarem relativamente a ele os pressupostos da al. f) do nº 1 do art.º 87º e do nº 5 do art.º 89º-A da LGT tem como único limite a exigência de uma eventual prova diabólica, o que não é de todo o caso dos autos,

mm) Não podendo qualquer fundada dúvida quanto à origem ou proveniência dos fluxos financeiros em análise ser valorada a seu favor sob pena de se esvaziar o conteúdo útil dos normativos legais relativos à avaliação indirecta da matéria colectável ora em causa.

nn) Por fim, veja-se que o acórdão do STA, de 01/06/2011, proferido no processo nº 211/11, bem como o acórdão do TCA Norte de 26/02/2015, proferido no processo nº 235/2003, que o acórdão recorrido invoca, respeitam ambos, justamente, a situações com enquadramento no art.º 88º da LGT e não no art.º 89º-A da LGT, não lhes sendo aplicável, por conseguinte, a presunção contida no nº 3 do art. 89º-A da LGT e o ónus probatório aí consignado.

oo) Nos termos supra expostos, deve ser admitido o recurso excepcional de revista, anulando-se o acórdão recorrido com as devidas consequências legais.

Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso por omissão de pronúncia ser julgado procedente, com as devidas consequências legais.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve o recurso excepcional de revista ser admitido e considerado procedente, com as devidas consequências legais.».


1.2. O Recorrido apresentou contra-alegações para sustentar, em suma, que «não há qualquer erro notório na apreciação da prova e não houve, sequer, omissão de pronúncia por parte do Acórdão de 29.06.2017, razão pela qual deve ser negado provimento ao incidente de nulidade, tanto mais, que como se esclareceu e como confessa a AT, ela própria contribuiu com a sua “confusão” na definição do objecto do recurso, pelo que o incidente nem sequer deve ser admitido.». E, quanto ao recurso de revista excepcional, defendeu que ele não deve ser admitido, dada a falta de verificação dos pressupostos a que se refere o art.º 150º do CPTA, e, se o for, não deve obter provimento, por não merecer qualquer censura o acórdão recorrido.


1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que não devia ser admitido o presente recurso, por falta de verificação dos requisitos contidos no art.º 150º do CPTA, tendo em conta, essencialmente, que «Não se afigura, pois, que a aplicação efetuada do art. 100.º nº 1 do CPPT seja de considerar como tendo “importância fundamental”, ou “claramente necessária para a melhoria do direito.».

2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, “das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Tal preceito prevê, assim, a possibilidade de recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Trata-se, por conseguinte, de uma válvula de segurança do sistema, que só deve ser accionada nos estritos limites do preceito, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.

No caso vertente, as questões que a recorrente coloca reconduzem-se a saber se o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia e, bem assim, de erro de julgamento na medida em que se julgou aplicável o instituto da “fundada dúvida” contido no art.º 100º do CPPT à avaliação indirecta dos rendimentos tributáveis prevista no nº 5 do art.º 89º-A da LGT. Na sua óptica, verificam-se os requisitos para a admissibilidade do recurso, na medida em que a questão que pretende ver (re)apreciada – e traduzida na aplicabilidade do art.º 100º do CPPT aos acréscimos de património com enquadramento no nº 5 do art.º 89º-A da LGT – tem importância jurídica fundamental e o seu conhecimento é claramente necessário para a melhoria da aplicação do direito.

Vejamos.

2.1. Quanto à primeira questão – nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia – consideramos que a sua invocação é inadmissível em sede de recurso de revista excepcional.

Como tem sido repetidamente salientado por este Tribunal, embora se trate de um recurso ordinário, ele tem natureza excepcional e o seu objecto não comporta tal arguição. Em tal circunstancialismo, a nulidade podia e devia ter sido invocada perante o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615º, nº 4, do CPC, como acontece, aliás, no caso semelhante da oposição de acórdãos – neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 26/05/2010, no recurso nº 097/10, de 12/01/2012, no recurso nº 0899/11, de 8/01/2014, no recurso nº 01522/13, de 29/04/2015, no recurso nº 01363/14, de 11/05/2016, no recurso nº 0831/15, de 24/05/2016, no recurso nº 01117/15, e de 17/05/2017, no recurso nº 0541/16, cuja motivação jurídica aqui se renova e reitera.

Não será, pois, admitida a revista relativamente a esta questão.

2.2. Quanto ao erro de julgamento imputado ao acórdão recorrido.

Na perspectiva da Autoridade Tributária, ora recorrente, o acórdão incorreu em erro de julgamento no que toca à aplicabilidade do instituto da “fundada dúvida” contida no art.º 100º do CPPT à avaliação indirecta prevista no nº 5 do art.º 89º-A da LGT. Advoga que o art.º 100º não tem aplicação à situação em apreço, porquanto os pressupostos da avaliação indirecta contidos nesse art.º 89º-A residem em factos já legalmente previstos como justificadores de uma séria dúvida sobre a verificação e quantificação do facto tributário declarado pelo sujeito passivo, o que justifica a inversão do ónus da prova nos termos previstos no nº 3 do art.º 89º-A da LGT, não podendo, assim, a “fundada dúvida” quanto à origem ou proveniência dos fluxos financeiros ser valorada a favor do sujeito passivo, sob pena de se esvaziar o conteúdo útil dos normativos relativos à avaliação indirecta da matéria colectável aqui em causa.

Vejamos.

O acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto da sentença que julgara procedente a impugnação judicial e que se sustentava, essencialmente, no julgamento de que a impugnante comprovara a inexistência de acréscimo de património que legitimasse a Administração Tributária a proceder à tributação através da avaliação indirecta da sua matéria tributável.

Como se pode ler no acórdão recorrido, Fazenda Pública entendia que «a matéria de facto elencada no probatório e a apreciação crítica da mesma não permite alcançar a decisão proferida a final, isto é, que ficou comprovado que não houve qualquer acréscimo de património que legitime a AT a proceder à tributação através da avaliação indirecta da matéria colectável (…). Já o recorrido entendia que «a matéria de facto sustenta em absoluto a decisão, já que no probatório ficou vertido não só a origem ou proveniência dos valores depositados em conta de que é co-titular (…) como o enquadramento factual capaz de fazer luz quanto aos motivos que estão subjacentes à totalidade dos depósitos e transferências, bem como o destino de aplicação desses valores e a relação entre o recorrente e os demais investidores ou mutuantes.
E, no confronto destas duas posições, julgou-se que não assistia razão à Fazenda Pública, com a seguinte argumentação:
«Como se disse na sentença recorrida, a avaliação indirecta da matéria tributável em caso de acréscimo de património não justificada, efectuada ao abrigo da al. f) do nº 1 do art.º 87º e do nº 5 do art.º 89º-A da LGT, e alínea d) do nº 1 do art.º 9º do CIRS, só pode ser afastada pelo contribuinte quando este comprove que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património manifestada, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 89º-A da LGT.

Em suma, o que releva para efeitos de ser aferida a verificação ou não de um acréscimo patrimonial é a prova que seja feita quanto à origem dos fundos e no seu destino ou aplicação, ainda que se possa reconhecer que a prova desses factos “instrumentais”, isto é, no caso concreto, do contexto de realização dos investimentos/mútuos e a sua aplicação, podem auxiliar o julgador a encontrar a base necessária de sustentação para decidir num ou noutro sentido.

Ora, atentando no probatório que temos como apurado, não cremos que possam subsistir dúvidas quanto a efectivamente ter resultado provado, como alegado pelo recorrido no seu articulado inicial, que aquele (com outros co-titulares) constituíram uma conta bancária para a qual, de forma quase absoluta, canalizaram – por depósitos e transferências – os montantes apurados nos autos, provindos de diversos investidores (maiores e menores), tendo em vista a aquisição de uma fábrica de tijolo por parte da sociedade “B…….., Lda”.
Mais ficou apurado que a necessidade do recuso a esse investimento resultou do facto de nem a sociedade “B………….., Lda” nem o recorrido ou os seus sócios possuírem o capital necessário para a referida aquisição, que só foi possível de concretizar precisamente através daqueles mútuos/investimentos, assumindo ainda relevância no pagamento do preço de compra o valor adiantado pela sociedade chinesa que viria a ser a adquirente da fábrica.
Em suma, tendo o recorrido alegado e comprovado a origem dos valores que foram detectados em conta bancária de que é titular resultaram de empréstimos/ investimentos/antecipação do preço do futuro negócio, e que por essa razão não traduzem acréscimos patrimoniais nos termos em que juridicamente foram relevados pela Administração Fiscal, é forçoso concluir que não se verificavam os pressupostos para que a fixação por métodos indirectos tivesse sido realizada e, consequentemente, que o acto que a traduz deve ser anulado.».

Por conseguinte, o motivo determinante para o TCA Sul negar provimento ao recurso assentou na circunstância de se ter concluído, como se concluíra na sentença recorrida, que o impugnante comprovara a origem dos valores detectados em conta bancária de que era titular – empréstimos/ investimentos/ antecipação do preço do futuro negócio – e que, por essa razão, tais valores não traduziam acréscimos patrimoniais nos termos em que juridicamente foram relevados pela Autoridade Tributária.

É certo que depois de assim se ter concluído que não se verificavam os pressupostos para a avaliação indirecta dos rendimentos tributáveis do impugnante, o que justificava, por si só, a anulação do acto tributário impugnado, acrescentou-se no acórdão recorrido que «mesmo que assim não fosse, e como muito bem foi salientado na sentença recorrida, sempre se haveria de concluir, face aos factos apurados, pela existência de fundada dúvida sobre a existência e a quantificação do facto tributário, igualmente determinante da anulação do acto, nos termos do artigo 100º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário», a que se seguiu a argumentação jurídica de suporte a esta asserção.

Trata-se, todavia, de uma argumentação que o colectivo de juízes que subscreveu o acórdão aduziu de forma complementar, acessória e secundária, que não desempenha um papel fundamental na formação do julgado, já que a sua supressão nunca prejudicará o comando de anular o acto impugnado pelo primeiro motivo jurídico enunciado, isto é, pela falta de verificação dos pressupostos legais para a avaliação indirecta dos rendimentos tributáveis do impugnante.

Por outras palavras, trata-se de um argumento jurídico acessório à ratio decidendi, cuja supressão não prejudica a decisão anulatória proferida, a qual se manterá na íntegra ainda que se venha a julgar que o argumento acessório aduzido é juridicamente incorrecto.

Razão por que este recurso de revista não pode ser admitido, pois que, ainda que procedesse, nunca poderia conduzir à revogação do acórdão recorrido, tendo em conta que a recorrente não ataca o primeiro e autónomo motivo determinante da procedência da impugnação (nem o poderia fazer neste recurso, na medida em que constitui uma questão de facto, subtraída ao conhecimento deste tribunal à luz do disposto no nº 4 do art.º 150º do CPTA, a interpretação dos factos dados como provados e as ilações que as instâncias deles retiraram para concluírem que o impugnante comprovou a origem dos valores detectados em conta bancária de que era titular).

3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Março de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – António Pimpão.