Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0677/20.0BELRS
Data do Acordão:09/30/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE DE CITAÇÃO
Sumário:I - A falta de citação só ocorre nas situações expressamente previstas, à data dos factos, no art. 195.º, n.º 1 (actual art. 188.º, n.º 1), do CPC.
II - É de considerar imputável ao citando a não recepção da carta que lhe foi remetida ao abrigo do disposto, à data dos factos, no art. 241.º do CPC (actual art. 233.º), se, apesar de avisado para o efeito, aquele não a levantou no posto dos correios onde ficou depositada.
III - A arguição de nulidade da citação está sujeita a prazo [cfr. art. 191.º (actual 198.º), n.º 2, 1.ª parte, do CPC e 203.º, n.º 1, do CPPT].
IV - Os tribunais estão obrigados a desaplicar as normas que considerem não se conformarem com a Lei Fundamental (cfr. art. 204.º da CRP), mas não se lhes impõe que, oficiosamente, se debrucem sobre a questão da constitucionalidade das normas aplicáveis se a mesma não lhes suscitar dúvidas e se quem invoca a inconstitucionalidade se dispensa de a substanciar.
Nº Convencional:JSTA000P26408
Nº do Documento:SA2202009300677/20
Data de Entrada:09/01/2020
Recorrente:A.........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de intimação para prestação de informação com o n.º 677/20.0BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente (adiante também denominado Executado) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgando improcedente a reclamação judicial por ele deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), manteve a decisão administrativa de indeferimento da arguida “nulidade insanável” do processo de execução fiscal – em virtude quer da falta de citação quer da falta de requisitos essenciais da citação, que obstam a que esta se possa ter como validamente efectuada –, apresentando para o efeito alegações que contém as seguintes conclusões:

«A) O Recorrente viu contra si, ilicitamente, operar uma presunção de citação em reversão, sem que tivesse tido conhecimento do acto, o que lhe coarctou os seus direitos de defesa e o acesso à justiça, ficando impedido de utilizar os meios de defesa que a lei prevê em concreto para esse efeito, nomeadamente de se defender em sede de oposição à execução – nulidade insanável que, não podendo ser suprida, obriga à anulação integral do processo de execução.

B) A douta Sentença em recurso, julgando improcedente a Reclamação, entende, todavia, não ter ocorrido no PEF 3107200501076566 a falta de citação do Reclamante, nem se verificando a falta de requisitos essenciais do título executivo; não se verifica a nulidade insanável do mesmo, nem o mesmo se encontra, portanto, ferido de inconstitucionalidade. Não se verificando igualmente, a nulidade da citação, a decisão reclamada que decidiu neste sentido, não padece de qualquer nulidade que determine a sua anulação. (cf. fls. 17 da sentença recorrida)

C) É, porém, patente o equívoco judicial, pelas três ordens de razão em seguida expostas.

D) Primeiro, labora em erro de metodologia, nos Factos Provados elencados nas alíneas L) e M), apesar de provado ter sido “não conseguida” a entrega da carta com o registo postal R0353485026PT, enviada para a morada do Recorrente, é imputável apenas ao Recorrente, acrescentado que a não recepção dessa notificação não afectou nem prejudicou o seu direito de defesa nem de acesso à justiça, porque resulta provado que o Recorrente desencadeou os meios de defesa que configurou adequados a essa defesa (cf. fls. 15 da sentença).

E) Com efeito, o Recorrente em sua defesa, na sequência da primeira intervenção que teve no processo, desencadeou, no momento oportuno, os meios de defesa que estavam ao seu alcance, por questões de tempestividade, arguindo a nulidade em sede de reclamação e a ilegalidade em sede de impugnação (cf. alíneas N) e P) dos Factos Provados), todavia, como resulta do processo, nunca veio deduzir oposição à execução fiscal, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento, por, sem citação, se encontrar impedido de se defender nesta sede – porquanto, atenta a norma que fixa o prazo de oposição (artigo 203.º do CPPT), os seus termos iniciais e finais há muito se encontravam ultrapassados, ficando excluída essa possibilidade de defesa.

F) Na sentença recorrida não se faz qualquer referência à efectivação da citação, nem tal facto consta do elenco do probatório, somente que, em concreto das alíneas A), J) e Y), em 13/03/2006 foi emitida a Nota de citação com hora certa, que foi fixada na residência do Recorrente – não se sabendo, todavia, em que dia, por não resultar do processo esse facto!

G) Não pode, por conseguinte, o Tribunal dar como não ocorrida, e/ou sanada, a falta de citação, sem que esta seja efectuada nos termos legalmente previstos.

H) Segundo, perante o expresso regime jurídico da notificação por carta registada sem aviso de recepção, bem como o da perfeição das notificações (artigos 38.º e 39.º do CPPT) e tendo presente que, no caso vertente, foi esta a formalidade utilizada pelo Serviço de Finanças na remessa ao Recorrente do correio mencionado na alínea L), como referido supra e em conformidade com o disposto no artigo 38.º n.º 3 do CPPT, por não ter a referida notificação sido recebida e tendo sido o objecto postal devolvido ao remetente, não há lugar ao funcionamento de qualquer presunção (artigo 39.º n.º 2 do CPPT), pelo que há que concluir: (i) verificada a falta de notificação do Recorrente de tal correspondência (neste sentido, o Acórdão do TCAN de 26-03-2015, Proc. n.º 00640/11.2BEAVR, disponível em www.dgsi.pt) e (ii) que a não recepção da notificação em questão afectou e prejudicou a defesa do Recorrente bem como o seu direito de acesso à justiça.

I) Raciocínio e conclusão que se aplica à remessa postal mencionada na alínea B) do probatório, referente à expedição da notificação para o exercício de direito de audição prévia, devolvida ao remetente – havendo que concluir que não foi o Recorrente eficazmente notificado para exercer o direito de audição, nos termos do artigo 23.º n.º 4 da LGT e artigo 38.º n.º 3 do CPPT, pelo que, ocorre a invalidade do despacho de reversão proferido, por preterição de formalidade essencial, determinante da sua anulação.

J) O mesmo se diga quanto às remessas postais com aviso de recepção, mencionadas nas alíneas D) e E) referente à expedição do despacho de reversão, devolvida ao remetente com a menção “não reclamado”, e a comprovação nos autos do não envio de nova carta nos 15 dias seguintes à devolução, em clara violação do disposto na parte final do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT.

K) Logo, o Tribunal recorrido ao ter feito uso, para julgamento da matéria de facto, de presunção que, todavia, não tem base nos factos, errou quanto à metodologia de juízo, o que corresponde a um erro de Direito.

L) Também sem suporte factual para tal presunção judicial, inferiu a Mma. Juiz [do Tribunal] a quo ser a não recepção da notificação referida nas alíneas L) e M) imputável ao seu destinatário.

M) Cumpre, por conseguinte, pela sua capital importância para a boa decisão da causa, dar destaque à exigência normativa da citação pessoal, imposta pelo n.º 3 do artigo 191.º do CPPT, transcrito na sentença recorrida a fls. 9.

N) Não pode, nem se admite que o Recorrente, na qualidade de potencial responsável subsidiário, possa ser colhido de surpresa, nem sequer por uma ficção judiciária, nem, por outro lado, vale como prova o certificar de uma dificuldade/ineficiência interna dos serviços postais, a qual não poderá ter relevância oficial sem que tenha sido seguido ao formalismo processual imposto pela lei, nomeadamente através do contacto com pessoa diversa do citando e da certificação da recusa de assinatura ou recebimento pelo terceiro.

O) Em suma: é patente a situação de défice instrutório e manifesto que se demitiu o tribunal a quo da sua actividade instrutória pertinente e necessária para apuramento da veracidade de tais factos, laborando em erro, ao considerar perante a factualidade dos autos não ocorrer falta de citação, devendo a sentença recorrida ser revogada, por vício de nulidade insanável, em virtude da omissão do acto de citação do Recorrente, com o consequente prejuízo para a defesa deste que ficou impossibilitado de utilizar os meios de defesa que a lei prevê para o efeito – impondo-se a declaração daquela nulidade insanável, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (n.º 2 do art. 165.º do CPPT) (cf. sumário do Acórdão do STA de 30-11-2011, proferido no Proc. n.º 0915/11, disponível em www.dgsi.pt).

P) Por fim, erra o tribunal a quo na aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT, ao entender que a falta de citação apenas constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal “quando possa prejudicar a defesa do interessado”, não considerando que o mesmo se encontra “portanto, ferido de inconstitucionalidade” (cf. fls. 16 e 17 da sentença recorrida).

Q) Porquanto, devendo ser, e sendo, o direito de defesa um direito efectivo, e não uma mera possibilidade, tal norma de sanação do vício da falta de citação ao dispor “quando possa prejudicar a defesa do interessado” abre campo para violação do due process of law, infringindo o artigo 20.º n.º 4 da CRP- inconstitucionalidade material que aqui se deixa expressamente arguida para pronúncia por parte de V. Exas. e, sendo caso disso, de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º n.º 1 alínea b), da respectiva Lei.

R) Todas as presentes conclusões, não podendo deixar de se sublinhar a última de inconstitucionalidade, correspondem a um julgamento de Direito sendo, por conseguinte, admissível o recurso jurisdicional per saltum para o STA.

Vossas Excelências, contudo, farão a melhor JUSTIÇA, com a aplicação exacta do Direito do caso».

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Chegados os autos a este Supremo Tribunal, foram os mesmos ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, após enunciar o objecto do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

III. DELIMITAÇÃO E APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES SUSCITADAS.

1. Nas conclusões das suas alegações [alíneas I) e J)], o Recorrente pretende aparentemente questionar a regularidade do procedimento de reversão ao invocar que não foi regularmente notificado para o exercício do direito de audição e do teor do despacho de reversão, por a correspondência ter sido devolvida ao remetente com a menção de “não reclamado” e, no que respeita ao despacho de reversão, não ter sido remetida nova carta nos 15 dias seguintes à devolução, nos termo do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT.
Importa desde logo referir que no que respeita ao exercício do direito de audição, eventual preterição de formalidade legal na notificação do responsável subsidiário e aqui Recorrente, não tem quaisquer repercussões na validade do acto de citação, mas tão só no procedimento de reversão, questão que não está em causa nestes autos (e que deve ser objecto de apreciação em sede de oposição à execução), nem foi objecto de apreciação em sede de sentença recorrida.
Quanto à notificação do despacho de reversão, a sua comunicação é efectuada no âmbito da citação para os termos da execução fiscal, altura em que o responsável subsidiário é chamado à execução para responder por dívida alheia e em que lhe é dado conhecer os termos da reversão.
Nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 191.º do CPPT, a referida citação é pessoal, sendo que este tipo de citação é efectuado nos termos do Código de Processo Civil (n.º 1 do artigo 192.º do CPPT).
Ora, nesta parte se é certo que o Serviço de Finanças optou inicialmente pela sua comunicação através de correspondência registada, mas em face da sua devolução ao remetente, com a menção de não ter sido reclamada, o Serviço de Finanças optou pela citação através de funcionário (art. 231.º, n.º 1, do CPC) pelo que carece de pertinência o facto de não ser sido remetida nova carta registada, nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT (aplicável às notificações pessoais via postal).
E na sequência do cumprimento desse mandado de citação, não tendo o Recorrente sido encontrado no seu domicílio, foi deixado em 10/03/2006, aviso para citação a hora certa (pontos G e I) do probatório), nos termos do artigo 240.º do CPC 1 [1 “4 - Não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação no local mais adequado da nota de citação, contendo indicação dos elementos referidos no artigo 235.º e declarando-se que o duplicado e documentos anexos ficam à sua disposição na secretaria judicial”.] (anterior versão). Como no dia indicado no aviso – 13/03/2006 – não foi igualmente encontrado o Recorrente (ponto K) do probatório), foi remetida correspondência registada a dar conta da pendência do processo e do depósito dos documentos relativos à citação (ponto L) do probatório), observando-se o disposto no artigo 241.º do CPC 2 [2 Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado nos artigos 236.º, n.º 2, e 240.º, n.º 2, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do artigo 240.º, n.º 3, será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.].
Posteriormente, em 02/06/2006, a referida correspondência foi levantada pelo Recorrente (ponto N) do probatório).
Constata-se, assim, que foram observados pelo Serviço de finanças todos os trâmites legais conducentes à realização da citação do Recorrente, a qual foi efectivamente concretizada.

2. Ora, entende o Recorrente que aquele acto de comunicação e chamamento à execução padece do vício de nulidade insanável, cuja declaração entende que o tribunal “a quo” devia ter reconhecido e declarado, por não funcionar qualquer presunção, por a correspondência remetida ao abrigo do disposto no artigo 240.º do CPC não ter sido entregue pelos CTT.
Ora, afigura-se-nos que é manifesta a falta de razão do Recorrente.
Desde logo porque só a “falta de citação” e na medida em que possa prejudicar a defesa do executado configura a nulidade insanável prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT. E não é este seguramente o caso, uma vez que não é invocado qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 195.º do Código de Processo Civil (na versão então em vigor), designadamente a omissão do acto ou o seu desconhecimento por facto não imputável ao executado (cfr. n.º 6 do art. 190.º do CPPT), uma vez que é o próprio Recorrente que admite a ocorrência desse acto, com o levantamento de toda a documentação junto do Serviço de Finanças.
Por outro lado é despiciendo que a correspondência remetida ao abrigo do disposto no artigo 240.º do CPC tenha sido devolvida ao remetente por não reclamada na estação de correios onde ficou depositada. Na verdade, o Recorrente não alega e muito menos ficou demonstrado qualquer facto impeditivo do recebimento dessa correspondência. Por outro lado a afirmação nas suas alegações que costuma estar sempre em sua casa ao pôr em causa a data da aposição do aviso de citação a hora certa, embora contrastem com as devoluções da correspondência registada ao remetente e as frustradas tentativas de contacto com o Recorrente no seu domicílio, só pode significar que o Recorrente evitou sempre esse contacto, assim como o levantamento da correspondência.
Assim e não tendo ficado comprovado qualquer impedimento do Recorrente ou a sua ausência noutro local que não o seu domicílio (factualidade que é expressamente afastada pelo Recorrente), tanto basta para que o tribunal “a quo” desse como suficientes os trâmites legais para o seu chamamento à execução e concluir pela regularidade da citação, por os actos praticados terem aptidão para produzir os efeitos visados pelo legislador.
Temos, assim, que concluir, tal como na sentença recorrida, que não ocorre falta de citação susceptível de configurar nulidade insanável do processo, uma vez que não se mostra verificada qualquer das situações expressamente previstas no artigo 195.º do CPC (versão em vigor à data), designadamente as situações previstas nas alíneas a) ou e), ou seja, que o acto tenha sido completamente omitido ou que tenha ficado demonstrado que o Recorrente não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que lhe não seja imputável.
Por outro lado eventual nulidade do acto por falta de observância das formalidades prescritas na lei (artigo 198.º, n.º 1, do CPC) mostra-se neste caso impertinente, uma vez que a mesma se encontraria sanada à data em que foi apresentado o requerimento dirigido ao senhor chefe de finanças (03/10/2010).
Alega igualmente o Recorrente que a interpretação do tribunal “a quo”, com base no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT, de que a falta de citação apenas constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal quanto possa prejudicar a defesa do interessado está ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República.
Todavia, não especifica o Recorrente em que termos é que no caso concreto tal interpretação viola a referida norma constitucional. Na verdade, o tribunal “a quo” decidiu-se pela não verificação da nulidade insanável ao concluir que tinham sido respeitados todos os trâmites legais e que o acto tinha chegado ao conhecimento do executado e aqui Recorrente. E embora invocasse igualmente que para a verificação daquela nulidade insanável a lei exigia também o prejuízo na defesa do interessado, que no caso concreto não ocorria, certo é que tal entendimento não é decisivo para o tribunal “a quo” se ter decidido pela improcedência da reclamação.
Carece, assim, de pertinência o invocado vício de inconstitucionalidade.

IV. CONCLUSÃO.

Tendo os trâmites legais para a citação do Recorrente sido observados pelo Serviço de Finanças, designadamente os previstos nos artigos 240.º e 241.º do CPC (na versão então em vigor) referentes à modalidade de citação com hora certa, e não tendo ficado demonstrado qualquer impedimento do Recorrente que obstasse ao conhecimento dos actos praticados, não se verifica a nulidade insanável do processo por falta de citação.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são assacados pelo Recorrente, atento que fez uma correcta interpretação e aplicação das normas legais, designadamente as atinentes às formalidades a observar nas citações em processo de execução fiscal, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

«A) Em 28/06/2005 foi autuado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, o PEF n.º 3107200501076566, instaurado contra a sociedade ………… LDA., para cobrança de dívida relativa a IRC do exercício de 2000, no montante de € 163.352,36 - cfr. fls. 1 e 2 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”);

B) Por despacho datado de 19/08/2005, foi preparada a reversão do PEF referido em A) contra o ora Reclamante, através da expedição de notificação para exercício do direito de audição prévia, sob o registo postal n.º RO 440036300PT, datado de 22/08/2005, o qual foi devolvido ao remetente - cfr. fls. 10 a 13 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

C) Em 17/10/2005 foi proferido despacho de reversão da dívida do PEF referido em A) contra o ora Reclamante - cfr. fls. 15 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

D) Em 18/10/2005, sob o registo postal n.º RO 353006825PT, com aviso de recepção, foi remetida ao ora Reclamante, citação no PEF referido em A) - cfr. fls. 17 e 18 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”);

E) A correspondência indicada em D) foi devolvida ao remetente, com a menção “não reclamado” - cfr. fls. 18 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”);

F) Em 18/01/2006, foi emitido mandado de citação, do ora Reclamante, no PEF referido em A) - cfr. fls. 41 e 42 do documento sob o registo 006883855 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

G) Em 30/01/2006 foi lavrado relativamente ao PEF referido em A), “Aviso de citação com hora certa”, ora a fls. 2 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e se destaca o seguinte: «Deixei o presente AVISO DE CITAÇÃO COM HORA CERTA, afixado na porta do domicílio indicando que no dia 2 de Fevereiro de 2006, pelas 11.30 horas, ali voltarei para efectuar a diligência que fui incumbido. // Lavrado em duplicado, tendo o original sido afixado na porta supra em 30 de Janeiro de 2006»;

H) Em 14/02/2006 foi elaborada a informação a fls. 1 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

I) Em 10/03/2006 e na sequência da certidão de diligências a fls. 5 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), foi lavrado relativamente ao PEF referido em A), “Aviso de citação com hora certa”, ora a fls. 4 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e se destaca o seguinte: «Deixei o presente AVISO DE CITAÇÃO COM HORA CERTA, afixado na porta do domicílio indicando que no dia 13/03/2006, pelas 15h, ali voltarei para efectuar a diligência que fui incumbido. // Lavrado em duplicado, tendo o original sido afixado na porta da morada supra, em 10/03/2006, pelas 11,20.»

J) Em 13/03/2006 foi emitida relativamente ao PEF referido em A), a “Nota de citação com hora certa” ora a fls. 6 a 8 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

K) Em 13/03/2006, foi lavrada “certidão de verificação de citação com hora certa”, a fls. 5 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e se destaca a seguinte menção, subsequente à data e assinatura: «Foi enviada carta registada nos termos do artigo 241 do CPC no dia 14/03/2006 - registo n.º conforme cópia que se junta»;

L) Em 15/03/2006 foi expedido o registo postal RO353485026PT, relativo ao ofício a fls. 9 e 10 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 10 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”);

M) Relativamente ao registo postal referido em L) constou do sítio informático dos CTT a seguinte informação: «2006/03/16 10:00 Entrega não conseguida (Dificuldades em localizar destinatário, Avisado na estação BENFICA (Lisboa))» - cfr. fls. 1 e 2 do documento sob o registo 006883817 (PI);

N) Em 02/06/2006, foram entregues ao Reclamante, documentos anexos aos mandados de citação por reversão, num total de 3200 folhas, numeradas e rubricadas, respeitantes aos PEF 3107200101100017 e aps., 3107200201535790 e aps., 3107200301045466 e 3107200501076566, relacionados a fls. 14 e 15 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 13 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”);

O) Em 04/07/2006, foi consultado o PEF referido em A), por Mandatário do Reclamante - cfr. fls. 11 e 12 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”);

P) Em 12/07/2006, o ora Reclamante apresentou reclamação graciosa, a qual foi instaurada sob o n.º 3107200604001044, e indeferida liminarmente em 10/01/2007 - cfr. fls. 19 e 20 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), e fls. 2 a 8 do documento sob o registo 006883865 (Processo Administrativo “instrutor”);

Q) Da decisão referida em P), o ora Reclamante interpôs recurso hierárquico, o qual foi indeferido em 30/04/2008 - cfr. fls. 1 do documento sob o registo 006883871 (Processo Administrativo “instrutor”) e fls. 1 a do documento sob o registo 006883904 (Processo Administrativo “instrutor”);

R) Da decisão referida em Q), o ora Reclamante deduziu impugnação judicial, a qual foi instaurada sob o n.º 1820/08.3 BELRS - cfr. fls. 1 a 25 do documento sob o registo 06883908 (Processo Administrativo “instrutor”);

S) Em 03/10/2012, o Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8, e no âmbito do PEF referido em A), o requerimento a fls. 1 a 13 do documento sob o registo 006883805 (PI) e a fls. 26 a 35 do documento sob o registo 006883912 (Processo Administrativo “instrutor”), e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, “a arguir a nulidade insanável do processo”;

T) No processo de impugnação judicial referido em R), foi proferida sentença em 07/11/2013, da qual foi interposto recurso, que se encontra pendente de decisão - cfr. consulta SITAF;

U) Dá-se por integralmente reproduzido o teor da sentença referida em T) - cfr. documento sob o registo 005528776, no processo de impugnação 1820/08.3BELRS e respectiva consulta através do SITAF;

V) O requerimento referido em S) foi indeferido em 01/04/2015 - cfr. fls. 30 do documento sob o registo 006883921 (Processo Administrativo “instrutor”);

W) Da decisão referida em V), foi deduzida a presente reclamação em 23/04/2015 - cfr. fls. 1 do documento sob o registo 006883804 (PI);

X) A correspondência postal referida nos factos provados anteriores foi enviada para a morada do Reclamante - alegado e não contestado (cfr. artigo 19.º da PI) e confronto com a morada com que se identifica na PI;

Y) A nota de citação referida em J) foi afixada na residência do Reclamante - alegado e não contestado (cfr. artigo 6.º da PI)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 O ora Recorrente, enquanto executado por reversão, suscitou junto do órgão da execução fiscal a «nulidade insanável do processo» de execução fiscal com dois fundamentos: i) falta de citação e ii) preterição de formalidades essenciais da citação, que obstam a que esta possa considerar-se validamente efectuada.

2.2.1.2 O Serviço de Finanças de Lisboa 8 indeferiu o pedido de declaração de nulidade da citação, porque entendeu, em síntese, que a citação foi efectuada nos termos da lei.

2.2.1.3 Inconformado com essa decisão, o Executado por reversão dela reclamou para o Tribunal Tributário de Lisboa ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT. Em síntese, o Executado afirmou: que foi surpreendido pela afixação no dia 15 de Maio de 2006 à sua porta de diversas notas de citação com hora certa, em que era referida a data de 13 de Março do mesmo ano; que, para além disso, essa nota de citação não continha os elementos essenciais da liquidação do IIRC que deu origem à dívida exequenda, designadamente a fundamentação desse acto, nem qualquer referência aos pressupostos de facto e direito da reversão da execução fiscal contra ele, nem cópia do título executivo, o que tudo constitui preterição de formalidades legais essenciais da citação, tal como definidas pelo art. 163.º, n.º 1 do CPPT em conjugação com o art. 190.º, n.º 1, do mesmo Código, bem como violação do disposto no n.º 4 do art. 22.º da Lei Geral Tributária (LGT); que se deslocou ao serviço de finanças em 2 de Junho de 2006 e aí lhe foi entregue a documentação; que consta do processo ter-lhe sido enviada em 15 de Março de 2006 carta registada, mas a mesma não serve para que se dê como cumprido o disposto no art. 233.º (antes 241.º) do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que do site dos CTT consta, relativamente à mesma, a menção “entrega não conseguida”, o que obsta o funcionamento da presunção de recebimento; que a recepção da nota de citação com hora certa no dia 15 de Maio de 2006, quando dela consta a data de 15 de Março de 2006, o impediu de deduzir oposição à execução fiscal; que as referidas irregularidades constituem falta de citação e nulidade insanável do processo de execução fiscal, conforme decorre do n.º 1 do art. 165.º do CPPT.

2.2.1.4 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a reclamação.
Para tanto, em ordem ao enquadramento legal da situação sub judice, começou por se referir ao regime legal da citação em sede de processo de execução fiscal: sua finalidade e formalidades a que deve obedecer, designadamente no caso de se destinar a efectivar a responsabilidade subsidiária, bem como às respectivas modalidades, com especial incidência sobre a citação por contacto pessoal e na modalidade de hora certa; depois, distinguiu criteriosamente entre falta de citação e nulidade deste acto por preterição de formalidades legais; finalmente, expôs o regime legal das nulidades insanáveis da execução fiscal.
Subsumindo os factos provados ao direito, considerou que o órgão da execução fiscal recorreu à citação na modalidade de contacto pessoal através de funcionário – o que respeita a exigência de citação pessoal decorrente do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 191.º do CPPT (À data da citação, no n.º 3 do mesmo art. 191.º do CPPT.) – e que esse acto cumpriu com as formalidades prescritas no art. 240.º do CPC, destacando a ulterior remessa da carta registada ao citando, nos termos do disposto no art. 241.º do mesmo Código e desvalorizando a não entrega da mesma carta, que considerou imputável ao Executado, pois o funcionário postal deixou aviso para levantamento da mesma na estação dos correios, onde ficou depositada.
Depois, salientando que o Reclamante e Executado por reversão não «coloc[ou] em causa a autenticidade de qualquer dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal», que a invocação de que «só no dia 15/05/2006, viu afixado na sua porta, nota de citação com hora certa […], que referia a data de 13/03/2006» e a conclusão que dela extraiu, de que «que como está regularmente em casa, só no dia 15/05/2006 é que lhe foi afixada a nota de citação», não está demonstrada e, mesmo que o estivesse, não determinaria a falta de citação.
Referiu ainda que, no caso, o Reclamante não se viu privado dos meios de defesa, como o comprovam a dedução da reclamação e de impugnação judicial contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, sendo que não pode sequer concluir-se que ficou impedido de deduzir oposição, pelo menos desde a data em que lhe foram entregues no órgão da execução fiscal todos os elementos respeitantes ao processo, em 2 de Junho de 2006.
Ou seja e em síntese, a sentença considerou que não se verificava a falta de citação nem sequer a nulidade desta.

2.2.1.5 O presente recurso vem interposto dessa sentença.
O Reclamante e Executado por reversão assaca à sentença erro de julgamento por não ter reconhecido e declarado a nulidade insanável da execução fiscal; se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, por três ordens de razões, que ele mesmo enunciou, resumidamente, nos seguintes termos:
- primeira, não pode considerar-se imputável ao Recorrente o facto de não ter sido conseguida a entrega da carta que lhe foi remetida ao abrigo do disposto no 241.º (actual art. 233.º) do CPC nem que a não recepção dessa notificação não afectou nem prejudicou o Recorrente uma vez que este desencadeou meios de defesa, pois, se é certo que arguiu a nulidade da citação em sede de reclamação e deduziu impugnação judicial contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, «nunca veio deduzir oposição à execução fiscal, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento, por, sem citação, se encontrar impedido de se defender nesta sede – porquanto, atenta a norma que fixa o prazo de oposição (artigo 203.º do CPPT), os seus termos iniciais e finais há muito se encontravam ultrapassados, ficando excluída essa possibilidade de defesa», não podendo dar-se como não ocorrida a falta de citação [cfr. conclusões D), E) e G)]; ademais, na sentença «não se faz qualquer referência à efectivação da citação, nem tal facto consta do elenco do probatório, somente que, em concreto das alíneas A), J) e Y), em 13/03/2006 foi emitida a Nota de citação com hora certa, que foi fixada na residência do Recorrente – não se sabendo, todavia, em que dia, por não resultar do processo esse facto» [cfr. conclusão F)];
- segunda, tendo sido devolvida ao remetente a carta que lhe foi remetida ao abrigo do disposto no art. 241.º (actual art. 233.º) do CPC, não pode fazer-se funcionar a presunção de recepção prevista no n.º 2 do art. 39.º do CPPT, sendo que a não recepção dessa carta «afectou e prejudicou a defesa da Recorrente bem como o seu direito de acesso à justiça» [cfr. conclusão H)]; igual «[r]aciocínio e conclusão» se aplica às notificações postais em ordem à sua notificação para o exercício do direito de audiência prévia à reversão e «à expedição do despacho de reversão» (leia-se citação), porque ambas foram devolvidas e esta última, com aviso de recepção, porque não se lhe seguiu a remessa de segunda carta, em 15 dias, como prescreve o n.º 5 do art. 39.º do CPPT; não pode considerar-se, por falta de prova de factualidade que o autorize, que a não recepção dessa correspondência lhe seja imputável [cfr. conclusões I) a O)];
- terceira, o Tribunal a quo erra «ao entender que a falta de citação apenas constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal “quando possa prejudicar a defesa do interessado”, não considerando que o mesmo se encontra “portanto, ferido de inconstitucionalidade”», «[p]orquanto, devendo ser, e sendo, o direito de defesa um direito efectivo, e não uma mera possibilidade, tal norma de sanação do vício da falta de citação [art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT] ao dispor “quando possa prejudicar a defesa do interessado” abre campo para violação do due process of law, infringindo o artigo 20.º n.º 4 da CRP» [cfr. conclusões P) e Q)].

2.2.1.6 Antes do mais, há que salientar que nas conclusões I) e J), o Recorrente, para além do mais, suscita duas questões, quais sejam a da irregularidade da notificação para o exercício do direito de audiência prévia à reversão e a da nulidade, por preterição de formalidade legal (decorrente da falta de remessa de nova carta, nos termos prescritos pelo n.º 5 do art. 39.º do CPPT) de uma eventual citação por via postal, que não podem ser conhecidas nesta sede.
Na verdade, como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no parecer acima transcrito (em 1.5), eventual preterição de formalidade legal na notificação do responsável subsidiário para o exercício do direito de audição, ora Recorrente, não tem repercussão na validade do acto de citação, mas tão só no procedimento de reversão; e é questão que não está em causa nestes autos, pois nem é de conhecimento oficioso, nem foi suscitada na petição inicial, nem foi objecto de apreciação em sede de sentença recorrida, pelo que não pode agora ser apreciada em sede de recurso jurisdicional, cujo propósito é o de sindicar as decisões proferidas por tribunais situados num patamar hierarquicamente inferior e não de proferir decisões sobre questões novas.
Já quanto à denominada “notificação do despacho de reversão”, esta é feita mediante citação (pois é através da citação que a reversão é comunicada ao executado, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art. 22.º da LGT), de citação pessoal, como impõe a alínea b) do n.º 3 do art. 191.º do CPPT, e a efectuar nos termos do CPC, como prescreve o n.º 1 do art. 192.º do CPPT. No caso, se é certo que o órgão da execução fiscal tentou inicialmente a citação por via postal, após a devolução da carta remetida para o efeito optou pela citação através de contacto pessoal, a efectuar pelo funcionário (art. 231.º, n.º 1, do CPC, ex vi do n.º 1 do art. 192.º do CPPT) pelo que não tem relevância alguma o facto invocado pelo Recorrente, de não ser sido remetida nova carta registada, nos termos do n.º 5 do art. 39.º do CPPT (aliás, aplicável às notificações pessoais via postal e não à citação por via postal).
Assim, as questões que ora cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença fez errado julgamento

i) quando considerou que não se verifica a falta de citação e que a citação não enferma de irregularidade que determine a sua nulidade;

e de saber

ii) se a interpretação das normas relativas à citação adoptada pelo Tribunal a quo enferma de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

2.2.2 DA CITAÇÃO – FALTA DE CITAÇÃO E NULIDADE DA CITAÇÃO

Como bem ficou dito na sentença recorrida e no parecer proferido neste Supremo Tribunal pelo Procurador-Geral-Adjunto, a falta de citação não se confunde com a nulidade da citação: aquela só ocorre nas situações expressamente previstas, à data dos factos, no art. 195.º, n.º 1, (actual art. 188.º, n.º 1) do CPC, ou seja, «a) Quando o acto tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável»; esta ocorre quando o acto tenha sido praticado com inobservância de formalidades prescritas na lei [n.º 1 do art. 198.º do CPC, à data dos factos, a que hoje corresponde o art. 191.º] e «a falta cometida puder prejudicar a defesa do citando» (n.º 4 do mesmo artigo).
Note-se também que só a falta de citação (e já não a nulidade da citação) e na medida em que possa prejudicar a defesa do executado configura a nulidade insanável prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 165.º do CPPT, invocada pelo Recorrente. A nulidade da citação tem como consequência, em princípio, a anulação dos ulteriores termos processuais que dela dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos, como decorre do disposto no n.º 2 do art. 165.º do CPPT.
Começando pela falta de citação, é manifesto que a mesma se não verifica: o acto foi efectivamente praticado. Apesar de o Recorrente pretender que não chegou a ter conhecimento do acto, que não foi praticado na sua pessoa, e por facto que lhe não é imputável (cfr. art. 190.º, n.º 6, do CPPT), a factualidade provada desmente essa pretensão. Aliás, o próprio Recorrente admite que teve conhecimento do acto e pleno conhecimento do seu conteúdo, com o levantamento de toda a documentação que lhe respeita junto do órgão da execução fiscal em 2 de Junho de 2006 [cfr. facto provado sob a alínea N)].
É certo que o Recorrente alega também que não teve conhecimento da citação – que foi efectuada por hora certa – na data que consta da certidão ter sido afixada na sua porta, mas ulteriormente. Na verdade, afirma que só no dia 15 de Maio de 2006, viu afixado na sua porta, nota de citação com hora certa, referindo-se nesta a data de 13 de Março de 2006 e que, porque estava em casa, só naquela data terá sido afixada a nota de citação.
No entanto, como bem ficou referido na sentença, tal alegação – que nunca poderia ser atendida sem que o Recorrente tivesse deduzido a falsidade da certidão de afixação (Tal certidão é um documento autêntico, nos termos do art. 369.º, n.º 1, do CC, pelo que faz prova plena dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, designadamente a data da afixação, por força do estatuído no art. 371.º, n.º 1, do mesmo Código. Por isso, a sua força probatória só poderia ser ilidida com base na sua falsidade, de harmonia como disposto no art. 372.º, n.º 1, ainda do mesmo Código.) – não se mostra apta a sustentar a invocada falta de citação. Essa desconformidade, ainda que, a verificar-se, pudesse integrar uma nulidade da citação, já não poderia ser atendida, por estar precludido o prazo a sua arguição, como veremos adiante.
Também a alegada devolução ao remetente da carta que o órgão da execução fiscal lhe endereçou ao abrigo do disposto no 241.º (actual art. 233.º) do CPC em nada releva para efeitos de falta de citação.
Poderia relevar, quando muito, como nulidade da citação, caso se demonstrasse a existência de uma irregularidade na citação susceptível de prejudicar a defesa do interessado (cfr. n.ºs 1 e 4 do art. 198.º do CPC, a que hoje corresponde o art. 191.º).
Mas nem isso. Desde logo, porque, como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto, há muito estava esgotado o prazo para arguição de eventual nulidade da citação quando o ora Recorrente, em 3 de Outubro de 2010, apresentou o requerimento no órgão da execução fiscal pedindo o reconhecimento da mesma [cfr. facto provado sob a alínea S)]. Note-se que, pelo menos desde 2 de Junho de 2006 [cfr. facto provado sob a alínea N)] ou, o mais tardar, desde 4 de Julho de 2006 [cfr. facto provado sob a alínea O)], o ora Recorrente estava em condições de arguir a invocada nulidade. Se não o fez dentro do prazo que a lei lhe concede para o efeito – que é de trinta dias, nos termos do disposto no art. 191.º (actual 198.º), n.º 2, 1.ª parte, do CPC e 203.º, n.º 1, do CPPT –, a eventual nulidade sanou-se.
Em todo o caso, se houve devolução ao remetente da carta enviada ao ora Recorrente pelo órgão da execução fiscal ao abrigo do disposto no 241.º (actual art. 233.º) do CPC, não pode a mesma deixar de considerar-se imputável ao próprio Recorrente. É que a carta não foi recebida porque o seu destinatário, o ora Recorrente, apesar de avisado para o efeito, a não foi levantar ao posto dos correios onde ficou depositada [cfr. facto provado sob a alínea M)] e, como bem salientaram a Juíza do Tribunal a quo e o Procurador-Geral-Adjunto, o ora Recorrente não só não alegou qualquer impedimento desse levantamento, designadamente a sua ausência noutro local que não o seu domicílio, como até afastou essa possibilidade, alegando expressamente que usualmente está em casa.
Seja como for, também nunca se verificaria o requisito de que «a falta cometida puder prejudicar a defesa do citando» (n.º 4 do art. 198.º do CPC, à data dos factos, a que hoje corresponde o art. 191.º), para que se pudesse dar como verificada a nulidade da citação. Na verdade, como também salientou a Juíza do Tribunal recorrido, o ora Recorrente, do mesmo modo como deduziu reclamação graciosa e ulteriores recurso hierárquico e impugnação judicial [cfr. factos provados sob as alíneas P) a R)], poderia ter exercido qualquer das faculdades que lhe são abertas pela citação, designadamente deduzir oposição à execução, requerer a dação em pagamento e formular o pedido de pagamento em prestações. Se não o fez, sibi imputet; não pode é, mais de seis anos volvidos sobre a citação, sobre o levantamento no órgão da execução fiscal de toda a documentação respeitante à citação e de o seu mandatário judicial ter consultado o processo de execução fiscal [cfr. factos provados sob as alíneas I) a M), N) e O), respectivamente], vir arguir a nulidade da citação [cfr. facto provado sob a alínea S)].
Por tudo o que ficou dito, concluímos que a sentença andou bem ao julgar inverificada a falta de citação e ao considerar que também não ocorria a nulidade da citação.

2.2.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO ADOPTADA NA SENTENÇA

Finalmente, o Recorrente alega que a interpretação do art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT adoptada pela sentença, «ao entender que a falta de citação apenas constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal “quando possa prejudicar a defesa do interessado”», viola o art. 20.º, n.º 4, da CRP, na sua vertente do due process of law.
Como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto, diremos que ao Recorrente não basta invocar a inconstitucionalidade, dispensando-se de qualquer esforço no sentido de concretizar a invocada violação da norma constitucional. Sendo certo que os tribunais estão obrigados a desaplicar as normas que considerem não se conformarem com a Lei Fundamental (cfr. art. 204.º da CRP), não se lhes impõe que, oficiosamente, se debrucem sobre a questão da constitucionalidade das normas aplicáveis se a mesma não lhes suscitar dúvidas e se quem invoca a inconstitucionalidade se dispensa de a substanciar.
Em todo o caso, sempre diremos que o motivo por que a sentença entendeu que não se verificava a invocada falta de citação não se relaciona de modo algum com a inobservância do requisito fixado na parte final da alínea a) do n.º 1 do art. 165.º do CPPT, mas antes com a não verificação de nenhuma das hipóteses elencadas, à data dos factos, no n.º 1 do art. 195.º (actual art. 188.º) do CPC.

2.2.4 CONCLUSÕES

Por tudo o que deixámos dito, o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A falta de citação só ocorre nas situações expressamente previstas, à data dos factos, no art. 195.º, n.º 1 (actual art. 188.º, n.º 1), do CPC.

II - É de considerar imputável ao citando a não recepção da carta que lhe foi remetida ao abrigo do disposto, à data dos factos, no art. 241.º do CPC (actual art. 233.º), se, apesar de avisado para o efeito, aquele não a levantou no posto dos correios onde ficou depositada.

III - A arguição de nulidade da citação está sujeita a prazo [cfr. art. 191.º (actual 198.º), n.º 2, 1.ª parte, do CPC e 203.º, n.º 1, do CPPT].

IV - Os tribunais estão obrigados a desaplicar as normas que considerem não se conformarem com a Lei Fundamental (cfr. art. 204.º da CRP), mas não se lhes impõe que, oficiosamente, se debrucem sobre a questão da constitucionalidade das normas aplicáveis se a mesma não lhes suscitar dúvidas e se quem invoca a inconstitucionalidade se dispensa de a substanciar.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, que ficou vencido no recurso [cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].

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Lisboa, 30 de Setembro de 2020. - Francisco Rothes (relator) - Joaquim Condesso - Paulo Antunes.