Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0677/20.0BELRS |
Data do Acordão: | 09/30/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | FALTA DE CITAÇÃO NULIDADE DE CITAÇÃO |
Sumário: | I - A falta de citação só ocorre nas situações expressamente previstas, à data dos factos, no art. 195.º, n.º 1 (actual art. 188.º, n.º 1), do CPC. II - É de considerar imputável ao citando a não recepção da carta que lhe foi remetida ao abrigo do disposto, à data dos factos, no art. 241.º do CPC (actual art. 233.º), se, apesar de avisado para o efeito, aquele não a levantou no posto dos correios onde ficou depositada. III - A arguição de nulidade da citação está sujeita a prazo [cfr. art. 191.º (actual 198.º), n.º 2, 1.ª parte, do CPC e 203.º, n.º 1, do CPPT]. IV - Os tribunais estão obrigados a desaplicar as normas que considerem não se conformarem com a Lei Fundamental (cfr. art. 204.º da CRP), mas não se lhes impõe que, oficiosamente, se debrucem sobre a questão da constitucionalidade das normas aplicáveis se a mesma não lhes suscitar dúvidas e se quem invoca a inconstitucionalidade se dispensa de a substanciar. |
Nº Convencional: | JSTA000P26408 |
Nº do Documento: | SA2202009300677/20 |
Data de Entrada: | 09/01/2020 |
Recorrente: | A......... |
Recorrido 1: | AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de intimação para prestação de informação com o n.º 677/20.0BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente (adiante também denominado Executado) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgando improcedente a reclamação judicial por ele deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), manteve a decisão administrativa de indeferimento da arguida “nulidade insanável” do processo de execução fiscal – em virtude quer da falta de citação quer da falta de requisitos essenciais da citação, que obstam a que esta se possa ter como validamente efectuada –, apresentando para o efeito alegações que contém as seguintes conclusões: «A) O Recorrente viu contra si, ilicitamente, operar uma presunção de citação em reversão, sem que tivesse tido conhecimento do acto, o que lhe coarctou os seus direitos de defesa e o acesso à justiça, ficando impedido de utilizar os meios de defesa que a lei prevê em concreto para esse efeito, nomeadamente de se defender em sede de oposição à execução – nulidade insanável que, não podendo ser suprida, obriga à anulação integral do processo de execução. B) A douta Sentença em recurso, julgando improcedente a Reclamação, entende, todavia, não ter ocorrido no PEF 3107200501076566 a falta de citação do Reclamante, nem se verificando a falta de requisitos essenciais do título executivo; não se verifica a nulidade insanável do mesmo, nem o mesmo se encontra, portanto, ferido de inconstitucionalidade. Não se verificando igualmente, a nulidade da citação, a decisão reclamada que decidiu neste sentido, não padece de qualquer nulidade que determine a sua anulação. (cf. fls. 17 da sentença recorrida) C) É, porém, patente o equívoco judicial, pelas três ordens de razão em seguida expostas. D) Primeiro, labora em erro de metodologia, nos Factos Provados elencados nas alíneas L) e M), apesar de provado ter sido “não conseguida” a entrega da carta com o registo postal R0353485026PT, enviada para a morada do Recorrente, é imputável apenas ao Recorrente, acrescentado que a não recepção dessa notificação não afectou nem prejudicou o seu direito de defesa nem de acesso à justiça, porque resulta provado que o Recorrente desencadeou os meios de defesa que configurou adequados a essa defesa (cf. fls. 15 da sentença). E) Com efeito, o Recorrente em sua defesa, na sequência da primeira intervenção que teve no processo, desencadeou, no momento oportuno, os meios de defesa que estavam ao seu alcance, por questões de tempestividade, arguindo a nulidade em sede de reclamação e a ilegalidade em sede de impugnação (cf. alíneas N) e P) dos Factos Provados), todavia, como resulta do processo, nunca veio deduzir oposição à execução fiscal, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento, por, sem citação, se encontrar impedido de se defender nesta sede – porquanto, atenta a norma que fixa o prazo de oposição (artigo 203.º do CPPT), os seus termos iniciais e finais há muito se encontravam ultrapassados, ficando excluída essa possibilidade de defesa. F) Na sentença recorrida não se faz qualquer referência à efectivação da citação, nem tal facto consta do elenco do probatório, somente que, em concreto das alíneas A), J) e Y), em 13/03/2006 foi emitida a Nota de citação com hora certa, que foi fixada na residência do Recorrente – não se sabendo, todavia, em que dia, por não resultar do processo esse facto! G) Não pode, por conseguinte, o Tribunal dar como não ocorrida, e/ou sanada, a falta de citação, sem que esta seja efectuada nos termos legalmente previstos. H) Segundo, perante o expresso regime jurídico da notificação por carta registada sem aviso de recepção, bem como o da perfeição das notificações (artigos 38.º e 39.º do CPPT) e tendo presente que, no caso vertente, foi esta a formalidade utilizada pelo Serviço de Finanças na remessa ao Recorrente do correio mencionado na alínea L), como referido supra e em conformidade com o disposto no artigo 38.º n.º 3 do CPPT, por não ter a referida notificação sido recebida e tendo sido o objecto postal devolvido ao remetente, não há lugar ao funcionamento de qualquer presunção (artigo 39.º n.º 2 do CPPT), pelo que há que concluir: (i) verificada a falta de notificação do Recorrente de tal correspondência (neste sentido, o Acórdão do TCAN de 26-03-2015, Proc. n.º 00640/11.2BEAVR, disponível em www.dgsi.pt) e (ii) que a não recepção da notificação em questão afectou e prejudicou a defesa do Recorrente bem como o seu direito de acesso à justiça. I) Raciocínio e conclusão que se aplica à remessa postal mencionada na alínea B) do probatório, referente à expedição da notificação para o exercício de direito de audição prévia, devolvida ao remetente – havendo que concluir que não foi o Recorrente eficazmente notificado para exercer o direito de audição, nos termos do artigo 23.º n.º 4 da LGT e artigo 38.º n.º 3 do CPPT, pelo que, ocorre a invalidade do despacho de reversão proferido, por preterição de formalidade essencial, determinante da sua anulação. J) O mesmo se diga quanto às remessas postais com aviso de recepção, mencionadas nas alíneas D) e E) referente à expedição do despacho de reversão, devolvida ao remetente com a menção “não reclamado”, e a comprovação nos autos do não envio de nova carta nos 15 dias seguintes à devolução, em clara violação do disposto na parte final do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT. K) Logo, o Tribunal recorrido ao ter feito uso, para julgamento da matéria de facto, de presunção que, todavia, não tem base nos factos, errou quanto à metodologia de juízo, o que corresponde a um erro de Direito. L) Também sem suporte factual para tal presunção judicial, inferiu a Mma. Juiz [do Tribunal] a quo ser a não recepção da notificação referida nas alíneas L) e M) imputável ao seu destinatário. M) Cumpre, por conseguinte, pela sua capital importância para a boa decisão da causa, dar destaque à exigência normativa da citação pessoal, imposta pelo n.º 3 do artigo 191.º do CPPT, transcrito na sentença recorrida a fls. 9. N) Não pode, nem se admite que o Recorrente, na qualidade de potencial responsável subsidiário, possa ser colhido de surpresa, nem sequer por uma ficção judiciária, nem, por outro lado, vale como prova o certificar de uma dificuldade/ineficiência interna dos serviços postais, a qual não poderá ter relevância oficial sem que tenha sido seguido ao formalismo processual imposto pela lei, nomeadamente através do contacto com pessoa diversa do citando e da certificação da recusa de assinatura ou recebimento pelo terceiro. O) Em suma: é patente a situação de défice instrutório e manifesto que se demitiu o tribunal a quo da sua actividade instrutória pertinente e necessária para apuramento da veracidade de tais factos, laborando em erro, ao considerar perante a factualidade dos autos não ocorrer falta de citação, devendo a sentença recorrida ser revogada, por vício de nulidade insanável, em virtude da omissão do acto de citação do Recorrente, com o consequente prejuízo para a defesa deste que ficou impossibilitado de utilizar os meios de defesa que a lei prevê para o efeito – impondo-se a declaração daquela nulidade insanável, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (n.º 2 do art. 165.º do CPPT) (cf. sumário do Acórdão do STA de 30-11-2011, proferido no Proc. n.º 0915/11, disponível em www.dgsi.pt). P) Por fim, erra o tribunal a quo na aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT, ao entender que a falta de citação apenas constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal “quando possa prejudicar a defesa do interessado”, não considerando que o mesmo se encontra “portanto, ferido de inconstitucionalidade” (cf. fls. 16 e 17 da sentença recorrida). Q) Porquanto, devendo ser, e sendo, o direito de defesa um direito efectivo, e não uma mera possibilidade, tal norma de sanação do vício da falta de citação ao dispor “quando possa prejudicar a defesa do interessado” abre campo para violação do due process of law, infringindo o artigo 20.º n.º 4 da CRP- inconstitucionalidade material que aqui se deixa expressamente arguida para pronúncia por parte de V. Exas. e, sendo caso disso, de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º n.º 1 alínea b), da respectiva Lei. R) Todas as presentes conclusões, não podendo deixar de se sublinhar a última de inconstitucionalidade, correspondem a um julgamento de Direito sendo, por conseguinte, admissível o recurso jurisdicional per saltum para o STA. Vossas Excelências, contudo, farão a melhor JUSTIÇA, com a aplicação exacta do Direito do caso». 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Chegados os autos a este Supremo Tribunal, foram os mesmos ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, após enunciar o objecto do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] III. DELIMITAÇÃO E APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES SUSCITADAS. 1. Nas conclusões das suas alegações [alíneas I) e J)], o Recorrente pretende aparentemente questionar a regularidade do procedimento de reversão ao invocar que não foi regularmente notificado para o exercício do direito de audição e do teor do despacho de reversão, por a correspondência ter sido devolvida ao remetente com a menção de “não reclamado” e, no que respeita ao despacho de reversão, não ter sido remetida nova carta nos 15 dias seguintes à devolução, nos termo do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT. 2. Ora, entende o Recorrente que aquele acto de comunicação e chamamento à execução padece do vício de nulidade insanável, cuja declaração entende que o tribunal “a quo” devia ter reconhecido e declarado, por não funcionar qualquer presunção, por a correspondência remetida ao abrigo do disposto no artigo 240.º do CPC não ter sido entregue pelos CTT. IV. CONCLUSÃO. Tendo os trâmites legais para a citação do Recorrente sido observados pelo Serviço de Finanças, designadamente os previstos nos artigos 240.º e 241.º do CPC (na versão então em vigor) referentes à modalidade de citação com hora certa, e não tendo ficado demonstrado qualquer impedimento do Recorrente que obstasse ao conhecimento dos actos praticados, não se verifica a nulidade insanável do processo por falta de citação. 1.5 Cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade: «A) Em 28/06/2005 foi autuado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, o PEF n.º 3107200501076566, instaurado contra a sociedade ………… LDA., para cobrança de dívida relativa a IRC do exercício de 2000, no montante de € 163.352,36 - cfr. fls. 1 e 2 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”); B) Por despacho datado de 19/08/2005, foi preparada a reversão do PEF referido em A) contra o ora Reclamante, através da expedição de notificação para exercício do direito de audição prévia, sob o registo postal n.º RO 440036300PT, datado de 22/08/2005, o qual foi devolvido ao remetente - cfr. fls. 10 a 13 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; C) Em 17/10/2005 foi proferido despacho de reversão da dívida do PEF referido em A) contra o ora Reclamante - cfr. fls. 15 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; D) Em 18/10/2005, sob o registo postal n.º RO 353006825PT, com aviso de recepção, foi remetida ao ora Reclamante, citação no PEF referido em A) - cfr. fls. 17 e 18 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”); E) A correspondência indicada em D) foi devolvida ao remetente, com a menção “não reclamado” - cfr. fls. 18 do documento sob o registo 006883851 (Processo Administrativo “instrutor”); F) Em 18/01/2006, foi emitido mandado de citação, do ora Reclamante, no PEF referido em A) - cfr. fls. 41 e 42 do documento sob o registo 006883855 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; G) Em 30/01/2006 foi lavrado relativamente ao PEF referido em A), “Aviso de citação com hora certa”, ora a fls. 2 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e se destaca o seguinte: «Deixei o presente AVISO DE CITAÇÃO COM HORA CERTA, afixado na porta do domicílio indicando que no dia 2 de Fevereiro de 2006, pelas 11.30 horas, ali voltarei para efectuar a diligência que fui incumbido. // Lavrado em duplicado, tendo o original sido afixado na porta supra em 30 de Janeiro de 2006»; H) Em 14/02/2006 foi elaborada a informação a fls. 1 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; I) Em 10/03/2006 e na sequência da certidão de diligências a fls. 5 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), foi lavrado relativamente ao PEF referido em A), “Aviso de citação com hora certa”, ora a fls. 4 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e se destaca o seguinte: «Deixei o presente AVISO DE CITAÇÃO COM HORA CERTA, afixado na porta do domicílio indicando que no dia 13/03/2006, pelas 15h, ali voltarei para efectuar a diligência que fui incumbido. // Lavrado em duplicado, tendo o original sido afixado na porta da morada supra, em 10/03/2006, pelas 11,20.» J) Em 13/03/2006 foi emitida relativamente ao PEF referido em A), a “Nota de citação com hora certa” ora a fls. 6 a 8 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; K) Em 13/03/2006, foi lavrada “certidão de verificação de citação com hora certa”, a fls. 5 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e se destaca a seguinte menção, subsequente à data e assinatura: «Foi enviada carta registada nos termos do artigo 241 do CPC no dia 14/03/2006 - registo n.º conforme cópia que se junta»; L) Em 15/03/2006 foi expedido o registo postal RO353485026PT, relativo ao ofício a fls. 9 e 10 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 10 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”); M) Relativamente ao registo postal referido em L) constou do sítio informático dos CTT a seguinte informação: «2006/03/16 10:00 Entrega não conseguida (Dificuldades em localizar destinatário, Avisado na estação BENFICA (Lisboa))» - cfr. fls. 1 e 2 do documento sob o registo 006883817 (PI); N) Em 02/06/2006, foram entregues ao Reclamante, documentos anexos aos mandados de citação por reversão, num total de 3200 folhas, numeradas e rubricadas, respeitantes aos PEF 3107200101100017 e aps., 3107200201535790 e aps., 3107200301045466 e 3107200501076566, relacionados a fls. 14 e 15 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 13 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”); O) Em 04/07/2006, foi consultado o PEF referido em A), por Mandatário do Reclamante - cfr. fls. 11 e 12 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”); P) Em 12/07/2006, o ora Reclamante apresentou reclamação graciosa, a qual foi instaurada sob o n.º 3107200604001044, e indeferida liminarmente em 10/01/2007 - cfr. fls. 19 e 20 do documento sob o registo 006883858 (Processo Administrativo “instrutor”), e fls. 2 a 8 do documento sob o registo 006883865 (Processo Administrativo “instrutor”); Q) Da decisão referida em P), o ora Reclamante interpôs recurso hierárquico, o qual foi indeferido em 30/04/2008 - cfr. fls. 1 do documento sob o registo 006883871 (Processo Administrativo “instrutor”) e fls. 1 a do documento sob o registo 006883904 (Processo Administrativo “instrutor”); R) Da decisão referida em Q), o ora Reclamante deduziu impugnação judicial, a qual foi instaurada sob o n.º 1820/08.3 BELRS - cfr. fls. 1 a 25 do documento sob o registo 06883908 (Processo Administrativo “instrutor”); S) Em 03/10/2012, o Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8, e no âmbito do PEF referido em A), o requerimento a fls. 1 a 13 do documento sob o registo 006883805 (PI) e a fls. 26 a 35 do documento sob o registo 006883912 (Processo Administrativo “instrutor”), e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, “a arguir a nulidade insanável do processo”; T) No processo de impugnação judicial referido em R), foi proferida sentença em 07/11/2013, da qual foi interposto recurso, que se encontra pendente de decisão - cfr. consulta SITAF; U) Dá-se por integralmente reproduzido o teor da sentença referida em T) - cfr. documento sob o registo 005528776, no processo de impugnação 1820/08.3BELRS e respectiva consulta através do SITAF; V) O requerimento referido em S) foi indeferido em 01/04/2015 - cfr. fls. 30 do documento sob o registo 006883921 (Processo Administrativo “instrutor”); W) Da decisão referida em V), foi deduzida a presente reclamação em 23/04/2015 - cfr. fls. 1 do documento sob o registo 006883804 (PI); X) A correspondência postal referida nos factos provados anteriores foi enviada para a morada do Reclamante - alegado e não contestado (cfr. artigo 19.º da PI) e confronto com a morada com que se identifica na PI; Y) A nota de citação referida em J) foi afixada na residência do Reclamante - alegado e não contestado (cfr. artigo 6.º da PI)». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR 2.2.1.1 O ora Recorrente, enquanto executado por reversão, suscitou junto do órgão da execução fiscal a «nulidade insanável do processo» de execução fiscal com dois fundamentos: i) falta de citação e ii) preterição de formalidades essenciais da citação, que obstam a que esta possa considerar-se validamente efectuada. 2.2.1.2 O Serviço de Finanças de Lisboa 8 indeferiu o pedido de declaração de nulidade da citação, porque entendeu, em síntese, que a citação foi efectuada nos termos da lei. 2.2.1.3 Inconformado com essa decisão, o Executado por reversão dela reclamou para o Tribunal Tributário de Lisboa ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT. Em síntese, o Executado afirmou: que foi surpreendido pela afixação no dia 15 de Maio de 2006 à sua porta de diversas notas de citação com hora certa, em que era referida a data de 13 de Março do mesmo ano; que, para além disso, essa nota de citação não continha os elementos essenciais da liquidação do IIRC que deu origem à dívida exequenda, designadamente a fundamentação desse acto, nem qualquer referência aos pressupostos de facto e direito da reversão da execução fiscal contra ele, nem cópia do título executivo, o que tudo constitui preterição de formalidades legais essenciais da citação, tal como definidas pelo art. 163.º, n.º 1 do CPPT em conjugação com o art. 190.º, n.º 1, do mesmo Código, bem como violação do disposto no n.º 4 do art. 22.º da Lei Geral Tributária (LGT); que se deslocou ao serviço de finanças em 2 de Junho de 2006 e aí lhe foi entregue a documentação; que consta do processo ter-lhe sido enviada em 15 de Março de 2006 carta registada, mas a mesma não serve para que se dê como cumprido o disposto no art. 233.º (antes 241.º) do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que do site dos CTT consta, relativamente à mesma, a menção “entrega não conseguida”, o que obsta o funcionamento da presunção de recebimento; que a recepção da nota de citação com hora certa no dia 15 de Maio de 2006, quando dela consta a data de 15 de Março de 2006, o impediu de deduzir oposição à execução fiscal; que as referidas irregularidades constituem falta de citação e nulidade insanável do processo de execução fiscal, conforme decorre do n.º 1 do art. 165.º do CPPT. 2.2.1.4 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a reclamação. 2.2.1.5 O presente recurso vem interposto dessa sentença. 2.2.1.6 Antes do mais, há que salientar que nas conclusões I) e J), o Recorrente, para além do mais, suscita duas questões, quais sejam a da irregularidade da notificação para o exercício do direito de audiência prévia à reversão e a da nulidade, por preterição de formalidade legal (decorrente da falta de remessa de nova carta, nos termos prescritos pelo n.º 5 do art. 39.º do CPPT) de uma eventual citação por via postal, que não podem ser conhecidas nesta sede. i) quando considerou que não se verifica a falta de citação e que a citação não enferma de irregularidade que determine a sua nulidade; e de saber ii) se a interpretação das normas relativas à citação adoptada pelo Tribunal a quo enferma de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). 2.2.2 DA CITAÇÃO – FALTA DE CITAÇÃO E NULIDADE DA CITAÇÃO Como bem ficou dito na sentença recorrida e no parecer proferido neste Supremo Tribunal pelo Procurador-Geral-Adjunto, a falta de citação não se confunde com a nulidade da citação: aquela só ocorre nas situações expressamente previstas, à data dos factos, no art. 195.º, n.º 1, (actual art. 188.º, n.º 1) do CPC, ou seja, «a) Quando o acto tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável»; esta ocorre quando o acto tenha sido praticado com inobservância de formalidades prescritas na lei [n.º 1 do art. 198.º do CPC, à data dos factos, a que hoje corresponde o art. 191.º] e «a falta cometida puder prejudicar a defesa do citando» (n.º 4 do mesmo artigo). 2.2.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO ADOPTADA NA SENTENÇA Finalmente, o Recorrente alega que a interpretação do art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT adoptada pela sentença, «ao entender que a falta de citação apenas constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal “quando possa prejudicar a defesa do interessado”», viola o art. 20.º, n.º 4, da CRP, na sua vertente do due process of law. 2.2.4 CONCLUSÕES Por tudo o que deixámos dito, o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - A falta de citação só ocorre nas situações expressamente previstas, à data dos factos, no art. 195.º, n.º 1 (actual art. 188.º, n.º 1), do CPC. II - É de considerar imputável ao citando a não recepção da carta que lhe foi remetida ao abrigo do disposto, à data dos factos, no art. 241.º do CPC (actual art. 233.º), se, apesar de avisado para o efeito, aquele não a levantou no posto dos correios onde ficou depositada. III - A arguição de nulidade da citação está sujeita a prazo [cfr. art. 191.º (actual 198.º), n.º 2, 1.ª parte, do CPC e 203.º, n.º 1, do CPPT]. IV - Os tribunais estão obrigados a desaplicar as normas que considerem não se conformarem com a Lei Fundamental (cfr. art. 204.º da CRP), mas não se lhes impõe que, oficiosamente, se debrucem sobre a questão da constitucionalidade das normas aplicáveis se a mesma não lhes suscitar dúvidas e se quem invoca a inconstitucionalidade se dispensa de a substanciar. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente, que ficou vencido no recurso [cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT]. * Lisboa, 30 de Setembro de 2020. - Francisco Rothes (relator) - Joaquim Condesso - Paulo Antunes. |