Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0103/20.5BEPDL
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECLAMAÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
CADUCIDADE
CPPT
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - A penhora, equiparada a garantia, pelo art. 199.º n.º 4 do CPPT (para efeitos, em primeira linha, de pagamento de dívida exequenda em prestações), pela sua própria natureza e objectivos, não pode ser tratada como as garantias prestadas (ou constituídas), nos termos e para os efeitos do art. 183.º-B do CPPT.
II - A garantia constituída coercivamente pela AT com a penhora destina-se à efectiva cobrança do crédito, enquanto a garantia prestada pelo executado é feita voluntariamente para suspender o processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P27299
Nº do Documento:SA2202103100103/20
Data de Entrada:02/01/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………….
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 15-12-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que julgou procedente a reclamação judicial intentada pelo A………., melhor identificado nos autos, e anulou o despacho do Chefe da Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direção de Finanças de Ponta Delgada de 31 de agosto de 2020, que indeferira o pedido de anulação da penhora do prédio inscrito sob o artigo ….. da matriz predial rústica da freguesia de …….. (……), município de Ponta Delgada, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 29922010 01004387 do Serviço de Finanças de Ponta Delgada.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões:

“A) O Tribunal a quo, ao determinar a aplicação nos autos do artigo 183.º-B do CPPT, salvo o devido respeito, incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito, devendo antes ter atendido ao facto de o ordenamento jurídico-tributário estar construído no sentido de a penhora apenas ser de levantar com o trânsito em julgado da sentença, coisa que não ocorreu ainda, por o processo de impugnação judicial n.º 134/17.2BEPDL se encontrar na fase de recurso, tendo ambas as partes (AT e responsável subsidiário) interposto os competentes recursos;

B) Em primeiro lugar, estabelece o n.º 1 do artigo 183.º-B do CPPT que «se na ação de impugnação judicial ou de oposição o garantido obtiver decisão integralmente favorável em 1.ª instância» (sublinhado nosso), poderá haver caducidade da garantia, facto que não se verifica, uma vez que houve interposição de recurso por parte da Fazenda Pública e, igualmente, por parte do impugnante (responsável subsidiário), o que implica a necessidade de existir discordância deste no ganho de causa que obteve para fundamentar o seu recurso, significando isto que decisão de 1.ª instância não lhe é integralmente favorável;

C) Apenas por esta situação já não seria aplicável o artigo 183.º-B do CPPT, pelo que a penhora não poderia ser levantada, por não ter operado a caducidade desta;

D) Por outro lado, entende a Fazenda Pública que, anteriormente à entrada em vigor do artigo 183.º-B, já o legislador distinguia entre as garantias que poderiam caducar, e a penhora, que apenas poderia ser levantada, não caducando;

E) E era assim porque o n.º 1 do artigo 183.º-A determinava que «1 - A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação», enquanto o n,º 1 do artigo 235.º do CPPT estabelecia que «A penhora pode ser levantada verificados os pressupostos previstos no artigo 183.º-A, aplicando-se os termos aí estatuídos, com as necessárias adaptações» (sublinhado nosso);

F) Constata-se imediatamente que o artigo 183.º-A era devotado à caducidade da garantia, mas que a penhora não era considerada nessas garantias que poderiam caducar, tendo um preceito que lhe era exclusivamente dedicado, o artigo 235.º, pretendendo o legislador incutir na Administração Tributária uma tramitação célere do processo, daí sendo consideradas todas as garantias, com exceção da penhora, que apenas poderia ser levantada nos termos do artigo 235.º do CPPT;

G) Com a revogação do artigo 235.º do CPPT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, ficou afastada a penhora do regime de caducidade de garantia em vigor,

H) A penhora é um ato da Administração Tributária que visa a satisfação da dívida exequenda e que, apesar de valer como garantia do pagamento da dívida, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 199.º do CPPT, consiste numa apreensão de bens judicialmente ordenada, mesmo contra a vontade do titular do direito sobre os bens, enquanto que a caducidade prevista no artigo 183.º-B do CPPT, tem em vista a não penalização do contribuinte com os custos de uma garantia prestada voluntariamente;

I) Transitou-se de um regime de caducidade da garantia e de levantamento da penhora – desde que verificados os respetivos pressupostos legais – para um sistema que prevê, exclusivamente, a caducidade da garantia prestada, pois quando o legislador recorre à expressão constante do n.º 1 do artigo 183.º-B do CPPT, de «garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal», não pode esta abranger as medidas coercivas desenvolvidas pela AT em momento anterior à intenção de o executado recorrer à via contenciosa, e que não tinham como objetivo suspender o Processo de Execução Fiscal (PEF), mas sim garantir o crédito tributário através de posterior satisfação da dívida;

J) Não se olvide que a formulação do n.º 1 do artigo 183.º-B do CPPT, quando refere que «A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca», está a referir-se exatamente à garantia prestada voluntariamente com o intuito de suspender o processo de execução fiscal, e não à garantia constituída coercivamente para garantir o pagamento da dívida em execução;

K) Na tramitação do PEF, o órgão de execução fiscal constitui, com uma medida coerciva, uma garantia de que o seu crédito irá ser pago, pelo que, posteriormente, se o executado colocar em crise a dívida, irá aproveitar, nos termos do n.º 4 do artigo 199.º, o facto de a AT já ter forma de assegurar o seu crédito;

L) Existe, efetivamente, uma diferença de natureza nestas duas garantias: a garantia constituída coercivamente pela AT com a penhora destina-se à efetiva cobrança do crédito, enquanto que a garantia prestada pelo executado é feita voluntariamente «para suspender o processo de execução fiscal»;

M) Com uma decisão de primeira instância integralmente favorável ao executado, entendeu o legislador devolver ao executado aquilo que tinha disponibilizado voluntariamente, sem, no entanto, abranger os bens objeto de medida coerciva, ou seja, a garantia já existente no processo e que precedeu qualquer contencioso por parte do executado;

N) Com a interposição do recurso, o processo executivo não é extinto, pois a decisão de 1.ª instância não é definitiva, não tendo, igualmente, havido extinção da dívida, pelo que o credor tributário é colocado na posição que assumia antes do início do contencioso;

O) Se a decisão da instância de recurso for favorável à AT, não se afigura plausível que o legislador tenha querido que a Administração Fiscal fique sem qualquer forma de cobrança, se se aplicasse a interpretação que se encontra a ser imprimida ao n.º 1 do artigo 183.º-B do CPPT.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo substituída por outra que determine a manutenção da penhora no âmbito dos processos executivos em causa e a condenação em custas do ora recorrido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

O recorrido A…………… veio apresentar contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

“a) Conforme se demonstrará, a sentença em crise não merece qualquer reparo ou censura, tendo feito escorreita e inatacável interpretação e aplicação do Direito no caso concreto.
b) Por outro lado, ainda, é indubitável que o presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de Direito, razão pela qual se deverá ter a factualidade assente pela 1 ª Instância como incontrovertida e plena, posto que a própria Fazenda Pública não a questiona minimamente, antes a aceitando.
c) Na verdade, mais parece que a Fazenda Pública litiga contra norma expressa e meridiana, desobrigando-se outrossim ao sucessivo acatamento de decisões jurisdicionais revogatórias das suas prévias decisões administrativas em matéria tributária e atos de liquidação, mas sem esgrimir verdadeira e fundamentante posição digna de tutela jurídica.
d) Com efeito, a douta sentença de 15.12.2020 entendeu, e bem, julgar totalmente procedente a presente reclamação judicial porquanto o despacho do Chefe de Divisão de Tributação e Justiça Tributária da D.F. de Ponta Delgada, datado de 31.08.2020 foi proferido em manifesta violação de lei, ao denegar o pedido de anulação da penhora.
e) Na verdade, o Tribunal considerou que tendo o sujeito passivo obtido decisão inteiramente favorável (dado que foram anuladas, em sede de impugnação judicial, as liquidações de IRC (tal como constava do petitório) subjacentes aos processos de execução fiscal instaurados para cobrança daquela alegada dívida de imposto), a garantia neles prestada (penhora de imóvel) caducava ope legis por força do disposto no artigo 183.º-B do CPPT.
f) E note-se que a intenção do legislador foi clara e suficientemente impositiva, prescindindo inequivocamente (inclusive) de qual seria a decisão final do processo (que até poderia reverter, em instância recursória, a decisão jurisdicional primeira), conquanto a decisão de 1.ª instância fosse favorável ao sujeito passivo.
g) Procura, mas de forma assaz inglória, a Fazenda Pública opor-se à estatuição do disposto no artigo 183.º-B do CPPT agitando para o efeito dois argumentos: a) que o sujeito passivo não teria almejado decisão integralmente favorável e b) que a penhora não equivalia a garantia prestada pelo sujeito passivo para efeitos da aplicação do regime legal da caducidade.
h) Em primeiro lugar, é indubitável que o sujeito passivo obteve decisão jurisdicional (prolatada no âmbito do processo cuja sentença foi oportunamente junta nestes autos) integralmente favorável pois que a sua pretensão (declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IRC em causa) foi efetiva e totalmente atendida.
i) Destarte, tendo a sentença da impugnação judicial concluído pela anulação das liquidações de IRC atenta a ofensa e violação de lei de que padeciam, julgando procedente o pedido, dúvidas não restam que estamos perante uma decisão (na ótica do sujeito passivo) integralmente favorável.
j) Por outro lado, litiga a Fazenda Pública contra lei expressa e jurisprudência reiterada e uniforme no sentido em que defende que a penhora (ou garantia constituída pela Administração Tributária) não segue o mesmo regime da garantia (quanto à caducidade) se constituída por iniciativa do sujeito passivo.
k) Constituída/ Prestada voluntariamente pelo sujeito passivo ou constituída coercivamente pela Administração Tributária (através de um ato coercivo – penhora), a sua função e regime são idênticos, desfazendo a lei quaisquer dúvidas sobre tal homologia, nos termos, inter alia, do disposto no n.º 4 do artigo 199.º do CPPT.
l) Nesta conformidade, é mister reconhecer-se que não assiste qualquer razão à Fazenda Pública quando busca a aplicação de um regime especial de levantamento/caducidade da penhora, dado que nenhuma distinção conceitual e legal subsiste para a garantia quando constituída por raiz voluntária e impulso do sujeito passivo.
m ) Relevante para o levantamento da penhora/garantia vem a ser assim a obtenção da dita decisão jurisdicional favorável, tal como nos ensina este alto tribunal: “Para que a recorrente possa obter o levantamento da garantia que prestou para o efeito de suspender a execução fiscal, tem que previamente obter uma decisão judicial que lhe seja favorável e que contenda directamente com a eficácia e validade dessa mesma garantia prestada, quer por via da anulação do acto de liquidação, quer por via da expressa extinção da execução fiscal” – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 09.10.2019, Processo n.º 0170/19.4BEPRT.
n) E no caso sub iudicio, como bem sabe (embora não queira reconhecer) a Fazenda Pública, tendo ocorrido a anulação judicial das liquidações, fica imediatamente ferida de validade a correspetiva (e dela consequente) cobrança do imposto em processo de execução fiscal,
o) Sob pena de total esvaziamento da função judicial soberana dos tribunais, da obliteração do princípio da separação de poderes e do atropelo à tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados, com entendimento completamente rebelde e subversivo do que seja (possa ser) o princípio da autotutela declarativa e privilégio de execução prévia.
p) Em rigor, pois, o regime fixado no artigo 183.º-B do CPPT é aquele que melhor harmoniza o feixe dos vários direitos e interesses em conflito e contenda,
q) Pois que se o sujeito passivo vê o Tribunal dar-lhe razão, anulando um ato liquidatário da Administração Tributária, então a esta não pode mais assistir a faculdade de manter uma garantia para cobrança de um montante que deixa de poder valer-se enquanto tal (devido e executoriamente devido).
r) O contrário seria advogar a prevalência das decisões da Autoridade Tributária sobre as decisões revogatórias/anulatórias dos Tribunais, ideia indefensável no Estado de Direito Democrático, sendo que a opção do legislador acolhida no inciso normativo citado é ostensiva quanto ao predomínio e prevalência da decisão jurisdicional (e no caso apenas a da 1.ª instância),
s) E tanto o é assim que inclusivamente o legislador até admite a possibilidade de tal decisão judicial de 1.ª instância anulatória (não ser definitiva e certa) podendo vir a ser revogada pelo tribunal superior, repondo-se, em consequência, a legalidade do ato de liquidação e sua plena conformação ao Direito e à lei, mas sem que tal importe para efeitos da caducidade da garantia prestada.
t) Trata-se assim de norma especial e com acentuado regime garantístico, o único também que se compatibiliza com a executoriedade das decisões judiciais e o regime regra do efeito devolutivo dos recursos (em contencioso tributário).
u) Na verdade, anuladas judicialmente as liquidações, a execução em apreço fica irremediavelmente destituída da existência do pressuposto imposto.
v) Na verdade, não é possível conceber que as liquidações tenham sido eliminadas da ordem jurídica (única decisão que subsiste no presente, a despeito da sua eventual alteração no futuro) e os atos coercitivos e instrumentais da cobrança daquela dívida (entretanto) anulada, possam, pelo contrário, e enquanto atos consequentes ou executórios, subsistir na ordem jurídica!
w) Pois que anuladas as liquidações desaparece o fundamento da sua cobrança coerciva e consequentes atos executórios, de que a penhora é expoente máximo.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto amparo de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente recurso, atenta a sua total falta de procedência, confirmando-se integralmente o decidido pela douta sentença, com todas as legais consequências.”

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso, no seguinte parecer:

A Fazenda Pública veio recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo TAF de Ponta Delgada que julgou procedente a Reclamação ao abrigo do disposto no artigo 276º do CPPT que A………….. apresentou do despacho proferido em 31-10-2020 pelo Chefe da Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Ponta que indeferiu o seu pedido de anulação da penhora do prédio inscrito sob o artigo ….. da matriz predial rústica da freguesia de ………. (…….), município de Ponta Delgada, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 29922010 01004387 do Serviço de Finanças de Ponta Delgada.
Dão-se aqui por reproduzidos, para todos os legais efeitos, os termos conclusivos da Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente.
A Recorrida apresentou Contra-Alegações, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, tendo defendido a manutenção do decidido.
A questão a apreciar consiste em saber se a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito na aplicação e interpretação do disposto no nº1 do artigo 183º-B do CPPT ao ter concluído pela anulação da penhora.
A douta sentença em crise fundamentou a aplicação daquele preceito legal da seguinte forma:
“ …. é irrelevante que a garantia seja oferecida pelo executado ou seja promovida pelo órgão de execução fiscal, como aliás se retira da letra do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, ao remeter para o artigo 195.º, qua consagra a constituição de hipoteca legal ou penhor por iniciativa do órgão de execução fiscal ou quando se refere à existência de penhora.
E neste sentido podemos concluir que, no caso dos autos, tendo o PEF n.º 2992201001004387 sido instaurado em 20 de janeiro de 2010 (facto A do probatório) e a penhora em crise sido registada em 19 de maio de 2011 (B do probatório), a execução fiscal se suspendeu por via da impugnação judicial materializada no processo n.º 134/17.2BEPDL, que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada e pela existência da penhora do prédio do Reclamante.
Na verdade, da posição assumida, quer na informação oficial junta aos autos, quer na contestação apresentada pela Fazenda Pública e bem assim do sentido da doutrina citada em ambos os documentos, resulta que o PEF 2992201001004387 se encontra suspenso por via da impugnação judicial que se encontra em recurso. Assim, atento o regime do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT que ficou exposto, necessariamente, a penhora em crise, encontra-se a garantir a suspensão daquele processo executivo.
E assim sendo, como é, a norma a mobilizar para enquadrar a questão dos autos não é a do n.º 2 do artigo 183.º do CPPT, constante do despacho impugnado, mas antes a do n.º 1 do artigo 183.º-B do mesmo código, que estatui que “A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se na ação de impugnação judicial ou de oposição o garantido obtiver decisão integralmente favorável em 1.ª instância”.
Resulta do acervo factual que resultou provado nos presentes autos que a penhora em crise foi constituída no PEF n.º 2992201001004387 e que este havia sido instaurado para cobrança dos créditos decorrentes das liquidações adicionais de IRC n.ºs 2009.8310019335 e 2009.8310019385, relativas ao período de 01-01-2007 a 30-06-2008 e respetivos juros compensatórios (A e B do probatório).
Mais resulta que, por sentença proferida no processo de impugnação judicial que correu termos sob o n.º 134/17.2BEPDL, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, foram anulados os atos de liquidação de IRC n.º 2009.8310019335 e n.º 2009.8310019385, relativos ao período de 01-01-2007 a 30-06-2008 e respetivos juros compensatórios (C do probatório).
Donde, tem que se concluir que, em ação de impugnação judicial, foi prolatada decisão integralmente favorável ao garantido, pelo que a penhora que estava a assegurar a suspensão do PEF caduca com a sentença proferida em primeira instância.
E como decorre do n.º 2 do artigo 183-B do CPPT, este cancelamento da garantia deve ser oficiosamente promovido pelo órgão de execução fiscal no prazo de 30 dias após a notificação da decisão de 1.ª instância favorável ao garantido.
Assim, existindo norma expressa que determina a caducidade da garantia com a sentença de primeira instância, irrelevante se torna a questão dos efeitos do recurso interposto…”.
Afigura-se-nos, salvo melhor juízo, ter a douta sentença incorrido em erro de julgamento de direito, porquanto:
O artigo 169º do CPPT dispõe nos seus nºs 1 a 7 que:
“ 1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
3 - O requerimento a que se refere o número anterior dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.
4 - Extinto o procedimento referido no número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 200.º
5 - A execução fica ainda suspensa até à decisão que venha a ser proferida no âmbito dos procedimentos a que se referem os artigos 90.º e 90.º-A.
6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efectiva prestação.
7 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reacção previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora…”
Assim, logo no seu nº1 o artigo 169º do CPPT estabelece que a execução fica suspensa até à decisão do pleito, nomeadamente, no caso de impugnação judicial.
Por outro lado, estabelecem os artigo 270º e 271 do CPPT que:
Artigo 270.º
Extinção da execução por anulação da dívida
1 – O órgão da execução fiscal onde correr o processo deverá declarar extinta a execução, oficiosamente, quando se verifique a anulação da dívida exequenda.
2 – Quando a anulação tiver de efectivar-se por nota de crédito, a extinção só se fará após a sua emissão.
Artigo 271.º
Levantamento da penhora e cancelamento do registo
Extinta a execução por anulação da dívida, ordenar-se-á o levantamento da penhora e o cancelamento do seu registo, quando houver lugar a ele.
Também o artigo 235º do CPPT, sob a epígrafe “levantamento da penhora”, na redacção aplicável - um vez que a penhora foi objecto de registo em 2011- estabelece que “ A penhora não será levantada qualquer que seja o tempo por que se mantiver parada a execução, ainda que o motivo não seja imputável ao executado.”
Do confronto daqueles preceitos legais com o teor do nº1 do artigo 183º-B do CPPT – “ 1 - A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se na ação de impugnação judicial ou de oposição o garantido obtiver decisão integralmente favorável em 1.ª instância.” - parece ter de se concluir que o mesmo não se aplicará no caso de ser a penhora a garantir da divida, como acontece no caso em apreço, atenta a factualidade assente no probatório.
Com efeito, afigura-se-nos assistir razão à Recorrente quando refere “A penhora é um ato da Administração Tributária que visa a satisfação da dívida exequenda e que, apesar de valer como garantia do pagamento da dívida, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 199.º do CPPT, consiste numa apreensão de bens judicialmente ordenada, mesmo contra a vontade do titular do direito sobre os bens, enquanto que a caducidade prevista no artigo 183.º-B do CPPT, tem em vista a não penalização do contribuinte com os custos de uma garantia prestada voluntariamente.”
E, se assim se entender, no caso em análise, a decisão do pleito só se verificará com o trânsito em julgado do processo de impugnação judicial.
Mas, mesmo que se entenda ser aplicável o artigo 183º-B do CPPT por a penhora valer como garantia, como estabelece o nº4 do artigo 199º do CPPT, haverá que convocar na sua interpretação o que dispõe o artigo 183º sob a epígrafe “Garantia. Local da prestação. Levantamento”, no seu nº2:
“…2 - A garantia poderá ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado, logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida.”
Acresce, em nosso entender, que na situação atrás referida sempre teria que relevar o disposto nos artigos 628º do CPC “ A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.”
Quanto à questão do efeito dos recursos constantes de D- do probatório, revemo-nos no expêndido no Parecer emitido pelo Magistrado do Ministério Público na 1ª instância, cujo teor aqui se reproduz para todos os legais efeitos.
Pelo exposto, emito parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A- Em 20 de janeiro de 2010, em nome do Reclamante, pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada, foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 2992201001004387, para cobrança dos créditos decorrentes das liquidações adicionais de IRC n.ºs 2009.8310019335 e 2009.8310019385, relativas ao período de 01-01-2007 a 30-06-2008 e respetivos juros compensatórios.
(Informação oficial não contestada - Documentos da PI (46909) Documentos da PI (004227770) de 14/10/2020 19:56:43)

B- Através da apresentação 3592, de 19 de maio de 2011, na Conservatória de Registo Predial de Ponta Delgada, foi registada a penhora, a favor da Reclamada, do prédio urbano inscrito, sob o artigo ……., na matriz predial rústica da freguesia de …….. (…….), município de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o n.º 1949/20080811, propriedade do Reclamante, no âmbito do PEF n.º 2992201001004387.

(Documento 2 da petição inicial - Documentos da PI (46909) Documentos da PI (004227771) Pág. 7 de 14/10/2020 19:56:43)

C- Por sentença proferida no processo de impugnação judicial que correu termos sob o n.º 134/17.2BEPDL, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, foram anulados os atos de liquidação de IRC n.º 2009.8310019335 e n.º 2009.8310019385, relativos ao período de 01-01-2007 a 30-06-2008 e respetivos juros compensatórios.

(Sentença do processo 134/17.2BEPDL)

D- Da sentença referida no ponto anterior foi interposto recurso pelos ora Reclamante e Reclamada, aos quais foi atribuído efeito devolutivo e os quais não se mostram ainda decididos.

(Processo 134/17.2BEPDL)

E- O Reclamante dirigiu requerimento ao chefe do Serviço de Finanças de Ponta Delgada, requerendo a anulação da penhora, que se dá por integralmente reproduzido e de que se destaca o seguinte:





F- Por despacho de 31 de agosto de 2020, o Chefe da Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direção de Finanças de Ponta Delgada, no exercício de poderes delegados, indeferiu o pedido de anulação da penhora, nos termos que se dão por reproduzidos e dos quais se destaca o seguinte:

*
2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a reclamação intentada pelo então recorrente, ora recorrido, contra o indeferimento do pedido de anulação da penhora de prédio, padece de erro de julgamento de direito na aplicação e interpretação do disposto no nº1 do artigo 183º-B do CPPT, ao ter concluído pela anulação da penhora, porquanto a formulação desta norma “(…) quando refere que «A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca», está a referir-se exatamente à garantia prestada voluntariamente com o intuito de suspender o processo de execução fiscal, e não à garantia constituída coercivamente para garantir o pagamento da dívida em execução.”.
Em abono dessa tese, aduziu-se ainda no discurso fundamentador do aresto reprovado que “… é irrelevante que a garantia seja oferecida pelo executado ou seja promovida pelo órgão de execução fiscal, como aliás se retira da letra do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, ao remeter para o artigo 195.º, que consagra a constituição de hipoteca legal ou penhor por iniciativa do órgão de execução fiscal ou quando se refere à existência de penhora.
E neste sentido podemos concluir que, no caso dos autos, tendo o PEF n.º 2992201001004387 sido instaurado em 20 de janeiro de 2010 (facto A do probatório) e a penhora em crise sido registada em 19 de maio de 2011 (B do probatório), a execução fiscal se suspendeu por via da impugnação judicial materializada no processo n.º 134/17.2BEPDL, que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada e pela existência da penhora do prédio do Reclamante.
Na verdade, da posição assumida, quer na informação oficial junta aos autos, quer na contestação apresentada pela Fazenda Pública e bem assim do sentido da doutrina citada em ambos os documentos, resulta que o PEF 2992201001004387 se encontra suspenso por via da impugnação judicial que se encontra em recurso. Assim, atento o regime do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT que ficou exposto, necessariamente, a penhora em crise, encontra-se a garantir a suspensão daquele processo executivo.
E assim sendo, como é, a norma a mobilizar para enquadrar a questão dos autos não é a do n.º 2 do artigo 183.º do CPPT, constante do despacho impugnado, mas antes a do n.º 1 do artigo 183.º-B do mesmo código, que estatui que “A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se na ação de impugnação judicial ou de oposição o garantido obtiver decisão integralmente favorável em 1.ª instância”.
Resulta do acervo factual que resultou provado nos presentes autos que a penhora em crise foi constituída no PEF n.º 2992201001004387 e que este havia sido instaurado para cobrança dos créditos decorrentes das liquidações adicionais de IRC n.ºs 2009.8310019335 e 2009.8310019385, relativas ao período de 01-01-2007 a 30-06-2008 e respetivos juros compensatórios (A e B do probatório).
Mais resulta que, por sentença proferida no processo de impugnação judicial que correu termos sob o n.º 134/17.2BEPDL, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, foram anulados os atos de liquidação de IRC n.º 2009.8310019335 e n.º 2009.8310019385, relativos ao período de 01-01-2007 a 30-06-2008 e respetivos juros compensatórios (C do probatório).
Donde, tem que se concluir que, em ação de impugnação judicial, foi prolatada decisão integralmente favorável ao garantido, pelo que a penhora que estava a assegurar a suspensão do PEF caduca com a sentença proferida em primeira instância.
E como decorre do n.º 2 do artigo 183-B do CPPT, este cancelamento da garantia deve ser oficiosamente promovido pelo órgão de execução fiscal no prazo de 30 dias após a notificação da decisão de 1.ª instância favorável ao garantido.
Assim, existindo norma expressa que determina a caducidade da garantia com a sentença de primeira instância, irrelevante se torna a questão dos efeitos do recurso interposto…”.

Aquilatando.
Dispõe o artigo 52º da LGT, sobre a Garantia da cobrança da prestação tributária, no seu nº 1, que a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.
Decorre por sua vez do nº 2 que a suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
No entanto, há ainda que convocar o disposto no artigo 169º do CPPT em que se determina:
“ 1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
3 - O requerimento a que se refere o número anterior dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.
4 - Extinto o procedimento referido no número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 200.º
5 - A execução fica ainda suspensa até à decisão que venha a ser proferida no âmbito dos procedimentos a que se referem os artigos 90.º e 90.º-A.
6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efectiva prestação.
7 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reacção previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora…”
Do bloco normativo transcrito sobressai imediatamente do nº1 do artigo 169º do CPPT e com interesse primordial para a composição da lide, que a execução fica suspensa até à decisão do pleito, nomeadamente, no caso de impugnação judicial.
Mas essa conclusão tem de ser encadeada como o estatuído nos artigos 270º e 271º do CPPT que regulam as matérias neles epigrafadas nos seguintes moldes:
Artigo 270.º
Extinção da execução por anulação da dívida
1 – O órgão da execução fiscal onde correr o processo deverá declarar extinta a execução, oficiosamente, quando se verifique a anulação da dívida exequenda.
2 – Quando a anulação tiver de efectivar-se por nota de crédito, a extinção só se fará após a sua emissão.
Artigo 271.º
Levantamento da penhora e cancelamento do registo
Extinta a execução por anulação da dívida, ordenar-se-á o levantamento da penhora e o cancelamento do seu registo, quando houver lugar a ele.
Pontifica a respeito do levantamento da penhora, o preceituado no artigo 235º do CPPT, na redacção aplicável e dado que a penhora foi objecto de registo em 2011, que “ A penhora não será levantada qualquer que seja o tempo por que se mantiver parada a execução, ainda que o motivo não seja imputável ao executado.”
Essa normação, em vista da pretensão recursória e da solução ditada na sentença, tem de ser concatenada com o regime legal a que obedece a caducidade da garantia por decisão em 1.ª instância ínsito no artigo 183.º-B em que se estabelece que:
“1 - A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se na ação de impugnação judicial ou de oposição o garantido obtiver decisão integralmente favorável em 1.ª instância.
2 - O cancelamento da garantia cabe ao órgão de execução fiscal, oficiosamente, no prazo de 30 dias após a notificação da decisão a que se refere o número anterior.”
Ora, na esteira do douto Parecer do EPGA que secunda a posição da recorrente AT, num plano lógico-sistemático e teleológico da conjugação daqueles preceitos legais com o teor do nº1 do artigo 183º-B do CPPT, é forçoso concluir que este não se aplicará no caso de ser a penhora a garantir a dívida, como acontece no caso em apreço, perante a factualidade fixada no probatório.
Como enfatiza a recorrente com o beneplácito do Ministério Público, “A penhora é um ato da Administração Tributária que visa a satisfação da dívida exequenda e que, apesar de valer como garantia do pagamento da dívida, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 199.º do CPPT, consiste numa apreensão de bens judicialmente ordenada, mesmo contra a vontade do titular do direito sobre os bens, enquanto que a caducidade prevista no artigo 183.º-B do CPPT, tem em vista a não penalização do contribuinte com os custos de uma garantia prestada voluntariamente.”
Vale isto por dizer que a penhora, equiparada a garantia, pelo art. 199.º n.º 4 do CPPT (para efeitos, em primeira linha, de pagamento de dívida exequenda em prestações), pela sua própria natureza e objectivos, não pode ser tratada como as garantias prestadas (ou constituídas), nos termos e para os efeitos do art. 183.º-B do CPPT.
Como lucidamente assevera a recorrente AT, quando o legislador recorre à expressão constante do n.º 1 do artigo 183.º-B do CPPT, de «garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal», não visa abranger as medidas coercivas desenvolvidas pela AT em momento anterior à intenção de o executado recorrer à via contenciosa, e que não tinham como objectivo suspender o Processo de Execução Fiscal (PEF), mas sim garantir o crédito tributário através de posterior satisfação da dívida.
Dito de outro modo: a enunciação do n.º 1 do artigo 183.º-B do CPPT, quando menciona que «A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca», está a referir-se exactamente à garantia prestada voluntariamente com o intuito de suspender o processo de execução fiscal, e não à garantia constituída coercivamente para garantir o pagamento da dívida em execução. E é essa a razão que justifica que na tramitação do PEF, o órgão de execução fiscal constitui, com uma medida coerciva, uma garantia de que o seu crédito irá ser pago, pelo que, posteriormente, se o executado colocar em crise a dívida, irá aproveitar, nos termos do n.º 4 do artigo 199.º, o facto de a AT já ter forma de assegurar o seu crédito.
Continuando a seguir a argumentação da recorrida, é patente a diferença de natureza nestas duas garantias: a garantia constituída coercivamente pela AT com a penhora destina-se à efetiva cobrança do crédito, enquanto a garantia prestada pelo executado é feita voluntariamente «para suspender o processo de execução fiscal»;
Com uma decisão de primeira instância integralmente favorável ao executado, entendeu o legislador devolver ao executado aquilo que tinha disponibilizado voluntariamente, sem, no entanto, abranger os bens objeto de medida coerciva, ou seja, a garantia já existente no processo e que precedeu qualquer contencioso por parte do executado;
Com a interposição do recurso, o processo executivo não é extinto, pois a decisão de 1.ª instância não é definitiva, não tendo, igualmente, havido extinção da dívida, pelo que o credor tributário é colocado na posição que assumia antes do início do contencioso;
Se a decisão da instância de recurso for favorável à AT, não se afigura plausível que o legislador tenha querido que a Administração Fiscal fique sem qualquer forma de cobrança, se se aplicasse a interpretação que se encontra a ser imprimida ao n.º 1 do artigo 183.º-B do CPPT.”
Como já vimos, o CPPT regula o modo da produção dos efeitos que os diversos procedimentos têm sobre a marcha do processo de execução fiscal, estabelecendo, ao que ao caso importa, que “a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de […] impugnação judicial […] que tenha […] por objecto a legalidade da dívida exequenda” (cfr. o acima transcrito art.º 169º n.º 1 do diploma).
Por força desse normativo, fica apartada a produção de qualquer efeito que a regra geral do efeito suspensivo do recurso poderia ter sobre a marcha do processo executivo tributário, o que o mesmo é dizer, que o efeito devolutivo do recurso apenas se produz no âmbito do próprio processo de impugnação. Quer dizer, a pendência do processo de impugnação, que ainda se manterá até ao trânsito em julgado da sentença nele proferida, originou a suspensão da execução, mas isso não acarreta qualquer prejuízo para o recorrido, mormente o decorrente da venda do bem penhorado que não poderá ocorrer por virtude daquela suspensão legalmente imposta; e, num justo equilíbrio de posições, também a penhora se mantém intocada, não havendo lugar ao seu levantamento até que ocorra decisão do pleito para salvaguarda do interesse público.
Sendo assim, no caso em exame, a decisão do pleito só se verificará com o trânsito em julgado do processo de impugnação judicial, já que, como antedito, a penhora vale como garantia, de harmonia com o disposto no nº4 do artigo 199º do CPPT conjugado com o que determina o nº 2 do artigo 183º sob a epígrafe “Garantia. Local da prestação. Levantamento”:
“2 - A garantia poderá ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado, logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida.”
Equivale isso a dizer que o levantamento da garantia ocorrerá, oficiosamente ou a pedido, logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável, conclusão reforçada pelo ordenado no artigo 628º do CPC ao estabelecer que “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.”
Contudo, não há dúvida, porque está provado, que foi interposto recurso da sentença que determinou a anulação das liquidações pelo que ainda se mantêm as liquidações e a execução, não havendo notícia de que até ao momento uma ou outra hajam sido anuladas ou extintas visto que o recurso ainda não foi decidido.
E, assim sendo, mantendo-se pendente o processo executivo, sem que haja qualquer decisão judicial que tenha determinado a sua extinção, também se terá que manter a penhora em causa, uma vez que face aos termos da lei não pode, nem deve, ser levantada.
Por esse prisma, o presente recurso deve ser provido, revogada a sentença e ser julgada improcedente a reclamação.

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3. – Decisão:

Pelo que fica exposto, acordam os juízes que compõem a Secção Tributária do Supremo tribunal Administrativo em julgar conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a improcedente presente reclamação mantendo o despacho reclamado.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

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Lisboa, 10 de Março de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.