Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01131/03
Data do Acordão:06/24/2004
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SANTOS BOTELHO
Descritores:BINGO.
JOGOS DE FORTUNA OU AZAR.
Sumário:I - A competência do Inspector-Geral de Jogos prevista no nº 2 do artigo 39° do Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo aprovado pelo D.L. 314/95, de 24/11, decorre das funções inspectiva e de fiscalização atribuídas à Inspecção-Geral de Jogos em matéria de cumprimento das obrigações assumidas pelos concessionários das salas de jogo do Bingo.
II - A multa a que alude o citado preceito legal reporta-se à punição de uma infracção administrativa.
Nº Convencional:JSTA00060687
Nº do Documento:SA12004062401131
Data de Entrada:06/16/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO TURISMO DE 2003/04/17.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - POLICIA ADM.
Legislação Nacional:REJB95 ART38 N3 H ART39 N1 C ART44 N3 ART31 N2 ART39 N2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – RELATÓRIO
1.1 A..., recorre do despacho nº 22/2003/SET, de 17 de Abril de 2003, do Secretário de Estado do Turismo, que negou provimento ao recurso que interpôs da decisão do Inspector-Geral de Jogos, de 2-12-02, que lhe aplicou a multa de 4.000 Euros.
Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
“- A Inspecção-geral de Jogos acusou, em processo administrativo com o nº 6.9.2.13.18/02 o recorrente da falta dos documentos comprovativos do pagamento mensal à segurança social referente ao mê de Abril de 2002, das dívidas ao Estado e ao CRSS que deveria ter sido efectuado até ao último dia do mês de Maio seguinte.
- A IGJ, em sede de decisão, entendeu que o recorrente, com tal omissão, cometeu uma infracção que consideraram como muito grave, foi o mesmo condenado ao pagamento de uma coima de € 4.000.
- Não conformado com tal decisão foi interposto recurso hierárquico para o ex. Sr. Secretário de Estado de Turismo que, por despacho 22/SET/03 de 1/04/03, concordou com os termos e com os fundamentos do parecer junto aos autos, não concedendo provimento aquele recurso.
- Desta decisão versa o presente recurso contencioso, na medida em que e salvo o devido respeito, entende o recorrente que não era competência da IGJ, a aplicação das coimas pelos factos vertentes na culpa de culpa.
- A nota de culpa constam factos em que o recorrente é acusado de não ter exibido os documentos comprovativos do pagamento mensal à segurança social referente ao mês de Abril de 2002, das dívidas ao Estado e ao CRSS que deveria ter efectuado até ao último dia do mês de Maio seguinte.
- A integração como infracção muito grave prevista na alínea H) do nº 3, do artigo 38º, dada pela entidade que aplicou a multa, diz respeito a matéria que agora está directamente atribuída à Direcção Geral de Finanças.
- Deste modo, ao condenar o arguido violou o disposto no artigo 31º do DL 314/95, em harmonia com o disposto no artigo 31º nº 2 do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (REJB).
- Ao aplicar sanções, através dos presentes processos, o recorrente está a ser penalizado duas vezes pela prática da mesma infracção.
- Isto porque as entidades que fiscalizam directamente o cumprimento das obrigações em causa, nomeadamente a Direcção Geral de Finanças, tem, como não poderia deixar de ser, a desencadear os respectivos, processos, tendentes à cobrança coerciva, por um lado, e por outra à respectiva penalização do recorrente pelo incumprimento.
- Conforme se descrimina extensivamente nas presentes alegações com a referência aos respectivos processos.
- Temos de considerar aqui os princípios básicos que nos levam aos institutos da litispendência e do caso julgado.
- Assim, como tem vindo a IGJ, a instaurar um processo administrativo, por cada mês, a que se reporta a nota de responsabilização, sem se contemplar as figuras do crime continuado e a conexão de processos.
- Todos estes factores devem ser considerados quando se está a aplicar, em média, por estes factos, uma multa de € 4.000 por mês, não tendo em consideração na aplicação desta pena o cumprimento da obrigação constante da acusação por parte do parte do arguido, na pendência deste processos.
- E muito principalmente porque o recorrente não é uma empresa com fins lucrativos, mas tão só uma agremiação desportiva com um fim eminentemente social.
- Factor que deve ser considerado por quem julga, para que o recorrente continue a cumprir com as suas obrigações, para assim poder cumprir com a sua finalidade de proporcionar aos adeptos do desporto a sua prática.
- Isto posto não resta alternativa ao recorrente a de apelar, como se disse, para a compreensão de quem de direito, para o ajudarem a fazer face a estes obstáculos, de forma a poder desempenhar na sociedade portuguesa o papel que vem desenvolvendo há muitas décadas.
Pedido:
Por tudo exposto, o recorrente vem por este requerer que se julgue o presente recurso procedente e por via disso ser anulada a decisão proferida pela IGJ e confirmada pelo Ex. Sr. Secretário de Estado do Turismo, acto esse que condenou o recorrente ao pagamento de uma coima de € 4.000, dando-se provimento ao recurso e por via disso ser declarada anulada a decisão proferida pela IGJ e confirmada pelo Ex. Sr. Secretário de Estado do Turismo, acto esse que condenou o recorrente ao pagamento de uma coima de € 4.000. “ – cfr. fls. 65/66.
1.2 A Entidade Recorrida, tendo alegado, apresentou as seguintes conclusões:
“1. O acto recorrido determinou a aplicação de uma coima ao recorrente, em processo de contra-ordenação.
2. Assim e nos termos do Dec.Lei nº 433/82, deveria o ora recorrente ter impugnado judicialmente a decisão que lhe aplicou a coima, através de recurso a ser julgado pelo tribunal judicial da comarca onde ocorreu a alegada infracção.
3. Há, pois, no presente recurso, erro na forma de processo e incompetência do Tribunal.
4. Pelo que nunca poderia proceder este recurso.
5. Não estamos no caso em apreço perante infracção sob a forma continuada, mas sim perante várias infracções justificativas da instauração de vários processos.
6. Não ocorrendo caso julgado nem litispendência.
7. Nunca podendo, pois, em qualquer caso ser dado provimento ao recurso.
8. Com o que se fará Justiça.” – cfr. fls. 73-74.
1.3 O Magistrado do M. Público, no seu Parecer de fls. 76/77, pronuncia-se pelo não provimento do recurso contencioso.
Por outro lado, no seu anterior Parecer de fls. 56 já tinha sustentado a improcedência das questões prévias levantadas na resposta da Entidade Recorrida.
1.4 Colhidos os vistos cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
2 – A MATÉRIA DE FACTO
Tendo em atenção ao que resulta dos autos e ao processo instrutor em apenso, dá-se como provado o seguinte:
a) Em 6-6-02, foi levantado o Auto de Notícia, que consta de fls. 3 do processos instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se refere, designadamente, que o agora Recorrente não tinha procedido à entrega na Inspecção-Geral de Jogos, “(…) nas condições no prazo estabelecido pelo despacho de 13 de Agosto de 1998, do Sr. Subinspector-Geral de Jogos… dos documentos relativos ao pagamento mensal, e referente ao mês de Abril de 2002, das dívidas ao Estado e à Segurança Social, o que devia ter feito até ao último dia do mês de Maio de 2002 (…).
b) Então, por despacho, de 19-6-02, do Inspector-Geral dos Jogos, foi mandado instaurar um processo administrativo ao Recorrente – cfr. o doc. de fls. 2, do processos instrutor.
c) Em 6-7-02, foi elaborada a “Nota de Responsabilização”, a que se reporta o documento de fls. 11 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nela se aludindo, designadamente, que o Recorrente “(..) não procedeu à entrega à Inspecção-Geral de Jogos, nas condições e no prazo estabelecido pelo Despacho de 13 de Agosto de 1998 (…) do (…) Subinspector-Geral (…), constante do ofício nº 6918, de 98-08-13, (…) de que lhe foi dado conhecimento pela notificação nº 96/98, de 98-08-17, dos documentos comprovativos do pagamento mensal, e referente ao mês de ABRIL de 2002, das dívidas ao Estado relativas a impostos e à Segurança Social, que devia ter feito até ao último dia do mês de Maio de 2002.
Com tal conduta, o Clube Concessionário incorreu na prática de infracção muito grave, ao violar as disposições conjugadas dos artigos 38º nº 3 alínea h) e 40º nº 1 alínea f), ambas do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (RELB), aprovado pelo decreto-lei nº 314/95, de 24 de Novembro, punível com multa de EUR 2.493,99 a 89.975,96, por aplicação do disposto no decreto-lei nº 136/2002, de 16 de Maio, e nos termos do artigo 39º nº 1 alínea c), actualizável de acordo com o artigo 37º nº 9, todos do citado REJB, e com o encerramento da sala do jogo, por um período de oito dias a seis meses, nos termos do nº 5 do artigo 39º do Regulamento que vem sendo referido.”
d) Notificado da dita “Nota de Responsabilização, o Recorrente respondeu pela forma que consta da peça processual de fls. 13 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se aceita como correspondendo à verdade “a matéria vertida na nota de culpa”, defendendo, porém, a suspensão do processo, por, alegadamente, já estar a ser objecto de fiscalização por parte do Instituto de Gestão Financeira de Segurança Social (delegação do Porto), em relação à falta de pagamento das dívidas em causa, situação que, na sua óptica, implicaria a existência de litispendência, nos termos do artigo 497º do CPC.
e) Em 25/7/02 a Instrutora elaborou o Relatório que consta de fls. 14/17, do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e onde se propõe a apreciação de uma multa no valor de 3.000 Euros, a qual, contudo, deveria ficar suspensa até ser decidido o “processo nº 583/02, da Direcção de Inspecção de Contribuintes do IGFSS, Delegação do Porto”.
f) Em 28-11-02, o Conselho Consultivo de Jogos emitiu Parecer, a que foi atribuído o nº 34/02, no sentido de ser aplicada ao Recorrente a multa de € 4.000 – cfr. o doc. de fls. 29-33 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido, sendo que, no dito Parecer se salienta, para além do mais, que o Recorrente “regularizou, entretanto (…) a dívida a que se refere o presente processo.” – cfr. fls. 33.
g) Em 12-2-02, o Inspector-Geral de Jogos proferiu o seguinte despacho, a que foi atribuído o nº 49/02:
“1 – Concordo com o Parecer nº 34/02 do Conselho Consultivo de Jogos, de 28 de Novembro, que aqui dou por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
2 – No presente processo não existem excepções, questões prévias ou incidentais, nulidades ou irregularidades de que cumpra conhecer.
3 – Tudo visto e ponderado, aplico ao concessionaria A... multa no valor de € 4 000 (quatro mil euros).
4 – A importância da multa, de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 39º do Regulamento do Jogo do Bingo (REJB), aprovado pelo Dec-Lei nº 314/95, de 24 de Novembro, reverte para o Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo (IFT) que sucedeu ao Fundo de Turismo na titularidade de todos os bens, direitos e obrigações (artigo 1º do Dec-Lei nº 308/99, de 10 de Agosto, que aprovou os Estatutos do IFT.
5 – Nos termos do nº 1 do art. 39º do REJB, da presente decisão cabe recurso para o Senhor Secretário de Estado do Turismo, a interpor no prazo de 30 dias.
Notifique-se” – cfr. o doc. de fls. 34, do processo instrutor.
h) Não conformado com a decisão transcrita em g) o Recorrente dela interpôs recurso para o Secretário de Estado e do Turismo, peticionado a sua absolvição – cfr. o doc. de fls. 37-46, do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
i) Com referência ao recurso hierárquico interposto pelo Recorrente foi elaborado o “Parecer” nº 28/GJ/03, de 8-4-03, do seguinte teor:
“ (…)
Em processo administrativo instaurado ao A..., foi aplicada a este, através de decisão proferida pelo Senhor Inspector-Geral de Jogos, a multa de Euros 4.000.
Daquela decisão foi interposto o presente recurso hierárquico para Sua Excelência o Secretário de Estado do Turismo.
Tendo sido determinado que este Gabinete Jurídico se pronunciasse, cumpre informar:
1 – Foram os seguintes os factos que levaram à instauração do mencionado processos administrativo:
- Falta de entrega pelo A... à IGJ, nas condições e no prazo estabelecidos pelo despacho de 13 de Agosto de 1998 do então Sub-Inspector-Geral, dos documentos comprovativos do pagamento mensal, referente ao mês de Abril de 2002, das dívidas ao Estado e à Segurança Social.
2 – Na sua petição de recurso, suscita o recorrente várias questões:
Analisemo-las, por forma a apurar-se se lhe assiste ou não razão.
Assim:
3 – Alega o Recorrente que:
a) A Inspecção-Geral “não está habilitada para saber quais as dívidas certas do concessionário ao Estado, muito menos quando existem impugnações a correr para apuramento dessas mesmas dívidas, na DGCI".
b) A integração dos factos de que vem acusado como infracção muito grave prevista na alínea h) do nº 3 do art. 38º do Decreto-Lei nº 314/95, de 24 de Novembro, dada pela entidade que aplicou a multa, diz respeito a matéria que agora está directamente atribuída ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, nos termos do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, e ainda à Direcção-Geral de Finanças e, consequentemente, o Recorrente está a ser penalizado duas vezes pela prática da mesma infracção uma vez que aquelas entidades instauraram os respectivos processos, tendentes à cobrança coerciva e à penalização do recorrente pelo incumprimento.
c) A situação controvertida integra as excepções de litispendência e caso julgado.
4 – Resulta dos autos de processo administrativo que se verificam os factos mencionados no nº 1 desta informação.
5 – Ora, de harmonia com o disposto no art. 40º, nº 1, alínea f) do Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo (REJB), aprovado pelo Decreto-Lei nº 314/95, de 24 de Novembro, constitui comportamento susceptível de determinar a rescisão do contrato de concessão a constituição em mora do concessionário, por dívidas ao Estado relativas a contribuições ou impostos ou à segurança social.
Não está em causa no processo administrativo onde foi proferida a decisão recorrida, apurar quais as dívidas certas do concessionário ao Estado e à Segurança Social. Mas sim a circunstância que deu azo a tal processo, de o recorrente não ter feito prova – como lhe competia – perante as inspecção-Geral de Jogos do pagamento de dívidas ao Estado e à Segurança Social.
Por outro lado, os montantes das dívidas são irrelevantes para se determinar a existência da infracção prevista na alínea f) do nº 1 do art. 40 do REJB; o que é essencial e determinante é que existam dívidas. E no caso em apreço elas existem.
Tão-pouco colhe o argumento usado pelo recorrente de que está a ser punido duas vezes pela prática do mesmo acto.
A verdade é que se trata de processos diferentes.
Num deles visa-se a cobrança coerciva dos valores em dívida; esse processo não é, obviamente, da competência da Inspecção-Geral de Jogos.
Outro é o processo que visa a aplicação da sanção prevista num diploma especifico – REJB – para o qual é competente a Inspecção-Geral de Jogos.
E é também por este motivo o que não se pode falar no caso em apreço em “caso julgado” ou em “litispendência”, pois estamos realmente perante processos distintos e, por outro lado, não se verifica que os factos objecto da decisão recorrida estejam a ser alvo de qualquer outro procedimento administrativo contra o ora recorrente a correr termos pela IGJ.
6 – Mais alega o recorrente que, repetindo-se a mora todos os meses, isso determinará a existência de uma infracção sob a forma continuada e não de várias infracções – uma por cada omissão de pagamento, como tem vindo a considerar a Inspecção-Geral de Jogos.
Todavia, também, aqui carece o recorrente de razão.
A verdade é que as infracções não foram cometidas com a mesma acção ou omissão nem na mesma ocasião, não sendo umas causa das outras. Estamos, pois, perante várias infracções justificativas da instauração de vários processos.
É, aliás, neste sentido que se tem vindo a orientar a Jurisprudência dominante (cfr. Conselheiro Alfredo José de Sousa, in Infracções Fiscais não Aduaneiras, 2ª Edição, pág. 106).
7 – Nos termos do disposto no art. 38º, nº 3, alínea h) do REJB, são consideradas infracções muito graves as previstas no nº 1 do artigo 40º do mesmo diploma, quando não se justifique a rescisão do contrato.
A decisão ora recorrida enquadrou a infracção em apreço no regime mais favorável ao recorrente, contido no art. 38º nº 3, alínea h), seria, contudo, indubitavelmente mais gravoso para o recorrente se lhe tivesse sido aplicado o art. 40º, pois isso determinaria a cessação do contrato de concessão.
8 – Até por tal motivo, somos de parecer que não deve ser dado provimento ao presente recurso hierárquico, mantendo-se a decisão recorrida.
(…) – cfr. o doc. de fls. 54-60 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
j) Na sequência do Parecer/Informação que se acabou de transcrever, o Secretario de Estado do Turismo proferiu, em 17-4-03, o despacho nº 22/2003/SET, que é do seguinte teor:
“1. Concordo com as conclusões da presente informação e com os respectivos fundamentos.
2. Consequentemente, nego provimento ao recurso interposto pelo A....” – cfr. o doc. de fls. 53 do processo instrutor.
3 – O DIREITO
3.1 Na sua resposta, de fls. 38-46, a Entidade Recorrida suscita aquilo que qualifica como sendo a questão prévia da incompetência deste Tribunal e de erro na forma do processo, uma vez que considera tratar-se, no caso em análise, da impugnação da decisão de uma autoridade administrativa que aplicou uma coima, sendo, por isso, aplicável o disposto nos artigos 59º e seguintes do Dec-Lei nº 433/82, de 27-10, incumbindo ao tribunal judicial da comarca onde ocorreu a infracção conhecer da pertinente impugnação.
Outra é, porém, a posição defendida pelo Recorrente, que se pronuncia pela improcedência das questões levantadas pela Entidade Recorrida (cfr. fls. 52).
O Magistrado do M. Público, no seu Parecer de fls. 56, também considera não se verificarem as invocadas questões prévias.
Ora, efectivamente, não assiste razão à Entidade Recorrida.
Na verdade, o Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo (REJB), aprovado pelo DL 314/95, de 24-11, no seu Capítulo VII, distingue expressamente as infracções administrativas, previstas na sua Secção II, - sujeitas ao regime dos artigos 38º e 40º -, das contra-ordenações, matéria a que se reportam os artigos 41º a 45º.
Sucede que, no caso em análise, o acto contenciosamente impugnado, ao negar provimento ao recurso hierárquico interposto pelo Recorrente, manteve o despacho do Inspector-Geral de Jogos, de 02-12-02, que tinha aplicado a multa de € 4.000, nos termos dos artigos 38º, nº 3, alínea h) e 39º, nº 1, alínea c) do já aludido Regulamento.
Trata-se, aqui, sem margem para dúvidas, de multa aplicada com base em infracção administrativa imputada ao Recorrente.
Ou seja, não estamos no âmbito de matéria de contra-ordenações, sendo que só para esta é que está prevista a impugnação judicial da decisão do Inspector-Geral – cfr. o nº 3, do artigo 44º do Regulamento.
Já, diversamente, no concernente às infracções administrativas, o nº 2, do artigo 39º do Regulamento prevê o seu sancionamento pelo Inspector-Geral de Jogos, com recurso para o membro do Governo responsável pela área do turismo, daí que, do acto deste último caiba recurso contencioso a ser apreciado pelos Tribunais Administrativos uma vez que se trata de uma relação jurídica administrativa, nos termos dos artigos 212º, nº 3 da CRP e 3º do ETAF.
Não se verifica, por isso, a arguida incompetência.
Por outro lado, estando em causa a impugnação de um acto administrativo, a saber: o despacho, de 17-4-03, do Secretário de Estado do Turismo, é patente que o Recorrente, tendo acedido à via contenciosa, mediante a interposição do presente recurso, o tenha feito pela forma adequada, tendo em vista aquilo que pretende obter (a anulação de tal decisão), consequentemente se não verificando o também invocado erro na forma de processo.
Improcedem, assim, as questões prévias suscitadas na resposta da Entidade Recorrida, nada obstando, por isso, ao conhecimento do mérito do recurso contencioso.
3.2 Como decorre do já exposto, em causa está despacho, de 17-4-03, do Secretário de Estado do Turismo, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo Recorrente do despacho, de 2-12-02, do Inspector-Geral de Jogos, que lhe aplicou a multa de € 4.000, por se ter entendido que o Recorrente incorreu na infracção muito grave prevista na alínea h), do nº 3, do artigo 38º do REJB, infracção essa que foi punida com a dita multa de € 4.000, nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 39º do REJB.
3.2.1 Contudo, o Recorrente sustenta que tal multa “diz respeito a matéria que agora está directamente atribuída à Direcção Geral de Finanças”, com o que, ao ter sido aplicada pelo Inspector-Geral de Jogos, se violou o disposto “no artigo 31º do DL 314/95, em harmonia com o disposto no artigo 31º, nº 2 do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (REJB)” – cfr. as conclusões da sua alegação, a fls. 63.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, a competência do Inspector-Geral de Jogos decorre, claramente, do nº 2, do artigo 39º do REJB, onde se refere, expressamente, que as multas referidas no número anterior (nela se incluindo as previstas para as infracções muito graves) serão aplicadas pela aludida Autoridade.
Trata-se, aqui, de competência que decorre das funções inspectiva e de fiscalização atribuídas à Inspecção-Geral de Jogos em matéria de cumprimento das obrigações assumidas pelos concessionários das salas de jogo do bingo, tudo isto, obviamente, sem prejuízo das competências próprias da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, designadamente no respeitante à cobrança coerciva dos valores em divida ao Estado e à Segurança Social.
Ou seja, a actuação da IGJ situa-se, apenas, ao nível do sancionamento de uma infracção administrativa imputada ao Recorrente, neste enquadramento improcedendo a arguida violação do artigo “31º do DL 314/95, em harmonia com o disposto no artigo 31º nº 2 do Regulamento de Exploração do Jogo do Bingo (REJB)”.
3.2.2 Considera, ainda, o Recorrente que acabou ser “penalizado duas vezes pela prática da mesma infracção”, já que a “Direcção Geral de Finanças, tem (…), a desencadear os respectivos processos, tendentes à cobrança coerciva, por um lado, e por outra à respectiva penalização do recorrente pelo incumprimento”, como, de resto se evidencia pela referência por si feita “aos respectivos processos, com o que se atenta contra “os princípios básicos que nos levam aos institutos da litispendência e do caso julgado” – cfr. as conclusões da sua alegação, a fls. 63.
Só que, mais uma vez não assiste razão ao Recorrente.
De facto, como, aliás, já decorre do exposto em 3.2.1, o acto objecto de impugnação contenciosa estatuiu, apenas, no âmbito do recurso hierárquico interposto pelo Recorrente do despacho do Inspector-Geral de Jogos, que lhe aplicou a multa de € 4.000, por se ter entendido que o mesmo tinha incorrido em infracção administrativa muito grave, resultante de o concessionário se ter constituído em mora, por dívidas ao Estado relativas ao pagamento mensal, e referente ao mês de Abril de 2002, das dívidas ao Estado e à Segurança Social, não tendo o Recorrente procedido à entrega na IGJ, nas condições e no prazo estabelecido pelo despacho, de 13-8-98, do Sub-Inspector de Jogos dos documentos relativos a tal pagamento.
Vê-se, assim, que a situação em análise se consubstancia, apenas na punição de uma infracção de natureza administrava, nos termos dos artigos 38º, nº 3, alínea h) e 39º, nº 1, alínea c), todos do REJB, não estando, por isso, em questão o sancionamento de uma qualquer infracção de natureza tributária, destarte se não verificando a invocada “dupla penalização”, com o que - para além do mais que a este propósito se poderia hipoteticamente aduzir, designadamente, quanto à pertinência e propriedade na sua invocação, reportada ao procedimento administrativo, de institutos típicos do processo - cai pela base a arguição de violação do caso julgado e da litispendência, já que o Recorrente não demonstrou que na IGJ tivesse sido decidido ou estivesse pendente um processo que almejasse à aplicação de uma sanção pela mesma infracção administrativa que motivou a abertura do processo que veio a culminar com a prática do acto recorrido, ao que acresce o facto de os outros processos levantados ao Recorrente por Entidades que não a IGJ se reportarem a realidades distintas, basicamente, por se mostrarem ligados à cobrança coerciva das dividas, matéria que, como já se viu, não constituiu objecto do processo onde se insere o acto recorrido, com o que improcede a arguição do Recorrente.
3.2.3 Para o Recorrente, o acto impugnado não teria atendido à circunstância de a sua actuação se enquadrar na figura do crime continuado, sem esquecer que têm vindo a ser instaurado um processo administrativo, por cada mês, impondo-se, por isso, dar o devido relevo à conexão de processos.
Acontece porém, que, no caso dos autos, se não pode chamar à colação a figura do “crime continuado”, na medida em que estamos em face de resoluções autónomas e independentes, não se indiciando um qualquer tipo de circunstancialismo externo susceptível de facilitar várias condutas ilícitas do Recorrente, não tendo as infracções sido cometidas com a mesma acção ou omissão nem na mesma ocasião, não se apresentando, por outro lado, umas como causa de outras, assim improcedendo a arguição do Recorrente.
3.2.4 Na óptica do Recorrente, o acto impugnado teria desconsiderado o facto de, na pendência do processo, já ter cumprido as “obrigações constantes da acusação” – cfr. as conclusões da sua alegação, a fls. 66.
Também quanto a esta questão se não pode subscrever a tese sustentada pelo Recorrente.
É que, contra o que refere na sua alegação, o acto que lhe aplicou a multa de € 4.000 teve, expressamente, em consideração o facto a que alude o Recorrente.
Na verdade, como resulta dos autos, o despacho, de 2.-12-02, do Inspector-Geral de Jogos, baseou-se no Parecer nº 34/02, de 28-11-02, elaborado pelo Conselho Consultivo dos Jogos.
Ora, o ponto 5 do dito Parecer reporta-se, precisamente, à questão que o Recorrente tem por não considerada, nele se concluindo que o “arguido regularizou, entretanto e por essa via, a dívida a que se refere o presente processo” – cfr. fls. 33 do processo instrutor.
Por outro lado, do ponto 6 do mencionando Parecer decorre que tal situação foi objecto de análise e ponderação, carecendo, por isso, de suporte factual a alegação do Recorrente, neste enquadramento improcedendo a conclusão aqui em apreciação.
3.2.5 Finalmente, nas demais conclusões da sua alegação faz o Recorrente apelo à sua natureza como agremiação desportiva, sem fins lucrativos.
Porém, tal alegação não constitui qualquer fonte de invalidade susceptível de levar à anulação do acto recorrido, não tendo o Recorrente logrado demonstrar, designadamente, a existência de erro manifesto ou grosseiro na graduação da multa, tanto mais que, sendo variáveis os montantes previstos para a multa na alínea c), do nº 1, do artigo 39º do REJB, o montante fixado (€ 4.000) se situa mais próximo do montante mínimo e, ainda assim, abaixo do montante médio.
3.2.6 Improcedem, por isso, todas as conclusões da alegação do Recorrente, não tendo o acto impugnado violado qualquer dos preceitos nelas invocados.
4 – DECISÃO
Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso contencioso.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em €400,00 e a procuradoria em €200,00.
Lisboa, 24 de Junho de 2004
Santos Botelho – Relator – Adérito Santos – Cândido de Pinho.