Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02778/11.7BEPRT 0443/17
Data do Acordão:01/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA
Sumário:Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.
Nº Convencional:JSTA000P24040
Nº do Documento:SA22019010902778/11
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Pedido de reforma quanto a custas do acórdão que decidiu o recurso jurisdicional da sentença proferida em processo de impugnação judicial

1. RELATÓRIO

1.1 O representante da Fazenda Pública (adiante Requerente), notificado do acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo no recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial supra referido, vem agora, invocando o disposto nos arts. 616.º, n.º 1 e 666.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a reforma do dito acórdão, na parte referente às custas, pedindo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância e em sede de recurso, à luz do disposto no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

1.2 Considerou a Requerente, em síntese, que estão verificados os dois requisitos – o primeiro, respeitante à complexidade da causa e, o segundo, à conduta processual das partes – que permitem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tanto mais que este ascende ao valor de € 8.721,00, que se manifesta manifestamente desproporcional aos custos em que o Estado incorreu.

1.3 A Requerida não se pronunciou.

1.4 Com dispensa de vistos, por haver critérios jurisprudenciais já firmados a este propósito, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

As circunstâncias processuais a atender resultam da consulta dos autos.

2.2 DE DIREITO

2.2.1 DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Pediu a Requerente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP, norma que dispõe: «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, o acórdão ocupou-se das questões, suscitadas pela Recorrente, a Impugnante, de saber se a sentença recorrida enfermava de i) nulidade por omissão de pronúncia (cfr. conclusões A. a C.), ii) nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito (cfr. conclusão F.), iii) erro de julgamento quanto à consequência jurídica decretada (extinção da instância) em razão da instauração simultânea da impugnação judicial e do pedido de pronúncia arbitral (cfr. conclusões D. a F.) e iv) erro de julgamento quanto à excepção de caso julgado (cfr. conclusões G. a K.).
As questões, pelo seu número e porque requereram estudo sobre a relação entre a impugnação contenciosa deduzida mediante impugnação judicial no tribunal tributário e mediante pedido de constituição de tribunal arbitral, não podem considerar-se de dificuldade inferior à média a justificar, com esse fundamento, a dispensa do pagamento da taxa de justiça. A tramitação do processo, pese embora não ter requerido a realização de diligências instrutórias, também justifica, por si só, essa dispensa.
No entanto, há que ter em conta que o valor do remanescente da taxa de justiça, tal como alega a Requerente, surge desproporcionado em face do serviço prestado. Na verdade, não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da LGT), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.
Recuperando o que deixámos já dito noutras ocasiões ( Designadamente, no seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 1 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 891/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bc712805391451a8802580c00036138a.) e constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal (Nesse sentido, a título exemplificativo e com citação de numerosa jurisprudência, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 221/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/251bdf3381d62ed580257d730037ac0d.), não se exige uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço, que, as mais das vezes, nem seria viável apurar com rigor. Assim, como afirmou já o Tribunal Constitucional, o legislador dispõe de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»; mas, como logo advertiu o mesmo Tribunal, é necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (Cfr. os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- de 28 de Março de 2007, com o n.º 227/2007, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070227.html;
- de 15 de Julho de 2013, com o n.º 421/2013, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130421.html.).
Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
Note-se, aliás, que foi para obviar à violação desses princípios constitucionais que o art. 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, aditou ao art. 6.º do RCP o n.º 7, que veio permitir (poder-dever) que se atenda ao referido limite máximo de € 275.000,00 e a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas situações também já referidas (Para maior desenvolvimento, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1319/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b9dbbe59c0cd923880257d16002f0290.
Como nesse aresto ficou dito, «No acórdão n.º 421/2013, de 15/7/2013, processo n.º 907/2012, in DR, 2.ª série - n.º 200, de 16/10/2013, pp. 31096 a 31098, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, as normas contidas nos arts. 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/4, (anteriormente, portanto, à alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/2) quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Neste mesmo sentido se decidira já nos acs. desta Secção do STA, de 31/10/12 e de 26/4/2012, nos procs. n.ºs 0819/12 e 0768/11, respectivamente».).
É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.
Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa e a complexidade das questões apreciadas, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000.

2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça formulado pela Requerente.

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Lisboa, 9 de Janeiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.