Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01432/17
Data do Acordão:07/04/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRC
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS
LEGALIDADE
Sumário:I - Por força do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do Código do IRC, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento.
II - Todavia, como também explicita o n.º 2 desse artigo 18.º, as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis a esse período de tributação quando na data de encerramento das contas do exercício a que respeitam eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
III - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar a indispensabilidade de um gasto (cfr. artigo 23.º do Código do IRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
IV - Os subsídios à exportação concedidos pela EU não podem influenciar os custos da actividade da impugnante por via de relativamente ao seu valor pagar uma comissão a uma outra sociedade com a qual efectuou um contrato de prestação de serviços no âmbito do qual ficou determinado que lhe pagaria um por cento sobre a facturação líquida.
V - A correcção efectuada pela AT mostra-se correcta e fundamentada e é legal à luz das restrições quanto a gastos que o artº 23º do CIRC, encerra.
Nº Convencional:JSTA000P23495
Nº do Documento:SA22018070401432
Data de Entrada:12/14/2017
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1- Relatório:

A…………………, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 26 de Junho de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, na parte referente à liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e derrama, relativa ao exercício de 2001 e no valor de € 115.226,16, apresentando para tal as seguintes conclusões:


1. O presente recurso visa a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no processo de impugnação judicial nº 231/04.4BEPRT da Unidade da Orgânica 5 que julgou esta impugnação improcedente na parte relativa às liquidações, efetuadas pela AT, de IRC e de Derrama, ambos no valor de € 115.226,16 e relativos ao exercício o período de 2001

De facto:

2. Tais liquidações resultaram de em Inspecção Tributária (IT) que a AT efetuou à ora recorrente, na qual, entre outros, não considerou fiscalmente aceites no apuramento do lucro tributável em IRC, de 2001, que a recorrente efetuou, os valores de € 202.895,00 e de € 124.452,70€, que o respetivo Relatório designou, respetivamente por “I – 2.1.3.1 – Periodização do Lucro Tributável (art.º 18º do CIRC)” e “I – 2.1.3.2 – Custos não indispensáveis para a realização dos proveitos (art. 23.º do CIRC)”.

Vejamos, porém, cada uma destas correções.

3. No que à correção referente à Periodização do Lucro Tributável respeita, resulta que a douta sentença de 1ª instância resulta concordou com a AT quando esta não considerou gasto (custo) fiscal, de 2001, a quantia de € 282.813,00 que a impugnante pagou nesse ano de 2001, por ser devida aos países ACP (África, Caraíbas e Pacífico), por força do Regulamento Comunitário e dos Acordos a que o relatório se refere.

4. Trata-se de matéria que tem a ver com o denominado princípio da especialização dos exercícios ou princípio da periodização dos gastos ou custos (nº 2 art. 18º do Código do IRC), segundo o qual “As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

5. Era à Fazenda Pública que competia provar que, no caso em apreço, o procedimento que a recorrente assim adotou, foi incorreto e ilegal, uma vez que, não se verificavam, os requisitos mencionados no nº 2 do art. 18º, prova que devia fundamentar devidamente, o que, quanto a nós não fez.

6. Porém, conforme a impugnante alegou e provou através do documento que sob o nº 4 juntou à petição da impugnação e evidenciam os factos 1, 2 e 3 que a douta sentença considerou provados, a ora recorrente provou que a verificação do condicionalismo previsto no nº 2 do art. 18º do Código do IRC, o mesmo é dizer, o conhecimento do montante que efetivamente a impugnante teria de pagar, apenas em 2001 podiam ser verificados. Antes de 2001, o valor que correspondia a cada um dos anos anteriores ao de 2001 era manifestamente desconhecido.

7. Acresce que também não acompanhamos a douta sentença recorrida quando, para fundamentar a sua douta decisão, menciona o que transcreve do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20 de janeiro de 2012, processo 03877/10, mais concretamente quanto ao que refere a propósito do prejuízo da AT ou à “transferência de resultados”, visto que em parte alguma dos autos é feita qualquer menção às referidas “transferências”.

8. Assim, face ao anteriormente exposto, a douta sentença de 1ª instância não devia ter considerado legal a correção de € 202.895,00 que a AT efetuou, e as consequentes liquidações de IRC e de Derrama, referentes a 2001, daí decorrentes.

9. Sobre os “Custos não indispensáveis para a realização dos proveitos (art. 23.º do CIRC)”, diga-se em resumo que a AT não considerou como custo fiscal em IRC do exercício de 2001 a quantia de € 124.452,70, por entender que este valor, que respeita a subsídios à exploração resultantes das vendas de açúcar para exportação, subsidiadas de acordo com a regulamentação da União Europeia, vendas sobre cujo total anual a ora recorrente estava contratualmente obrigada a pagar à A…………. Holding 1% do respetivo valor (fee), porque considerou que aquele valor dos subsídios não devia fazer parte do valor anual de tais vendas e, portanto, não devia ter sido objecto da incidência da dita percentagem de 1.

10. A douta sentença recorrida acompanhou este entendimento da AT, por entender que a impugnante não demonstrou a razão pela qual “alterou o seu entendimento relativo à “compreensão” do conceito contratualmente estabelecido de “facturação líquida” no exercício de 2001, relativamente aos exercícios de 1999 e 2000, considerando-o neste exercício mais abrangente do que nos antecedentes e ali incluindo o valor relativo ao subsídio de “restituição à exportação” já que, nesta parte, contratualmente nada foi alterado (a alteração contratual cingiu-se à redução da percentagem do “fee” de 1,5% para 1%)”.

11. No entanto, a nosso ver nada havia que demonstrar quanto à alteração da percentagem do valor anual (fee) a pagar pela recorrente à A………… Holding, tanto mais que estamos no domínio do princípio da liberdade contratual, sendo certo que o que importa é saber se o respetivo custo deve ou não ser qualificado como custo fiscal (art. 23º do Código do IRC).

12. Ora, a douta sentença recorrida reconhece que a AT não colocou em causa a indispensabilidade do custo à luz do disposto no art. 23º do Código do IRC, pelo que não nos parece que seja permitido ao Tribunal vir agora, na douta sentença sob recurso, aduzir, como fez, argumentos que levem a concluir o contrário, nomeadamente, a indispensabilidade do custo.

13. Aliás, de parte alguma dos autos não descortinamos que se possa admitir, como entende a referida douta sentença, que “o encargo foi determinado por outras motivações [interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.”], até porque ninguém o alegou nem nada a esse propósito a douta sentença deu como provado.

14. Face ao anteriormente exposto, a douta sentença de 1ª instância não devia ter considerado legal a correção de € 124.452,70 e as consequentes liquidações que a AT efetuou de IRC e de Derrama, referentes a 2001.

15. Ora, considerando todo o alegado supra, a douta sentença recorrida, devia ter decidido pela anulação total das liquidações de IRC e de Derrama, referentes ao exercício de 2001, no valor de € 115.226,16, e, portanto, devia ter decidido pela procedência total da impugnação judicial que a recorrente apresentou, mas porque não foi assim que decidiu, a douta sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos arts. 18º e 23º do Código do IRC.

Nestes termos,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, a douta sentença recorrida deve ser revogada apenas na parte em que julgou a impugnação improcedente e, consequentemente, substituída por outra que julgue a dita impugnação totalmente procedente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto neste STA emitiu o parecer de fls. 189 a 193 dos autos, pronunciando-se pelo provimento parcial do recurso e concluindo, consequentemente, que “a sentença impugnada deve ser:

- confirmada quanto à decisão de acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2001 da quantia de € 2092 895,00 (referenciada como periodização do lucro tributável)

- revogada quanto à decisão de acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2001 da quantia de € 124.452,70 (referenciada como custos não indispensáveis)”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Questão a decidir:

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que a liquidação adicional de IRC e derrama relativa ao exercício de 2001 deve ser mantida na ordem jurídica, ao considerar:

Por um lado, que o montante de € 202.895,00 pago em 2001 pela Recorrente aos países ACP a título de fee de gestão e calculado nos termos da “EU refiner’s letter” não podia ser aceite na sua globalidade, por não ser totalmente desconhecido ou imprevisível em exercícios precedentes (ao abrigo do princípio da especialização dos exercícios) e;


Por outro lado, que o montante de € 124.452,70 pago pela Recorrente à A………….. Holding em 2001 não podia ser aceite como custo indispensável para a manutenção da fonte produtora, por corresponder à aplicação da percentagem de 1% acordada entre aquelas duas entidades a uma realidade (subsídios de exploração) que não integra o conceito contabilístico de “facturação líquida”, efectuando-se por essa via uma transferência ilegítima de resultados entre as sociedades.

2- Fundamentação:

Matéria de facto:

É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:


1. “A Impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva, que incidiu sobre os exercícios de 1999 a 2001, credenciada pela ordem de serviço/despacho n.º 03/1/145-146-147, de onde resultaram correcções meramente aritméticas à matéria tributável, do exercício de 2001, para efeitos de IRC, com base no relatório inspectivo que apresenta o seguinte teor (cfr. relatório de fls. 43-72 do PA)”: (parcialmente reproduzido a fls. 113 a 115 da sentença recorrida)

2. “A “Carta de refinarias europeias (“EU refiner’s letter”), datada de 17/7/95” a que se refere o relatório inspectivo, assinada pelas refinarias B…………, SA, C………. SNC, A……………., SA, D………………, Ltd e E…………… Ltd, apresenta o seguinte teor [documento n.º 4 junto com a PI e certificado de tradução de fls. 59 a 69 do processo físico]:

“PARA: TODOS OS FORNECEDORES DOS ESTADOS DE ÁFRICA, DAS CARAÍBAS E DO PACÍFICO (ACP) SIGNATÁRIOS DO PROTOCOLO DE ACORDO DE 17 DE JULHO DE 1995.

Exmos. Senhores,

Considerando que o Regulamento n.º 1101/95 da UE concedeu aos nossos países as Necessidades Máximas de Abastecimento e que pretendemos usar essa possibilidade até ao limite máximo previsto no regulamento, confirmamos por este meio a nossa proposta de pagamento de um montante global como incentivo pelo fornecimento de açúcar em bruto para refinação, nos seguintes termos:

Será reservado todos os anos pelos signatários um montante global de 3 milhões de USD, em prestações anuais de 500 000 USD com juros, com início na campanha agrícola de 95 – 96. O Órgão de Supervisão dos Estados ACP receberá informação sobre os juros duas vezes por ano.

No final do período de 6 anos, os fundos reservados serão pagos pelos signatários de acordo com as instruções dos estados ACP acordadas por todos os fornecedores destes estados, desde que:

Em cada uma das campanhas agrícolas, entre 1 de Julho de 1995 e 30 de Junho de 2001, a quantidade de açúcar em bruto contratada pelos fornecedores dos estados ACP com os signatários totalize:

a) Um mínimo de 1 125400 MT WSE (equivalente de açúcar branco) + 68000 MTtq, correspondentes à tonelagem-base contratada em 94-95 com os signatários enquanto Protocolo sobre Açúcar para refinação.

b) As quantidades de ACP SPS (Açúcar Preferencial Especial dos estados ACP) previstas pelo Balanço para cada campanha agrícola.

Os signatários reconhecem que algumas circunstâncias técnicas, como o mecanismo de retribuição, poderão impedir os fornecedores dos estados ACP de cumprir a condição enunciada anteriormente. Nestes termos, esta condição será aplicada com uma franquia, num dado ano, de 1000 MT WSE”.

3. A folha de cálculo a que alude o relatório inspectivo como “documento registado na A………. Açúcar com o nº 0200001305, de 30/9/2001”apresenta o seguinte teor [documento n.º 6 junto com a PI e certificado de tradução de fls. 59 a 69 do processo físico]- reproduzido a fls. 115, verso, da sentença recorrida

4. A nota de débito n.º DN20705, de 12.09.2001, da F…………… Limited para a Impugnante, apresenta o seguinte teor [documento n.º 7 junto com a PI e certificado de tradução de fls. 59 a 69 do processo físico]:

“Na qualidade de agentes de cobranças relativamente à distribuição do montante global de incentivo mencionado na carta das empresas de refinação da EU de 17 de Julho de 1995, em nome de todos os fornecedores dos estados ACP signatários do protocolo de acordo de 17 de Julho de 1995, essa distribuição será efectuada nos termos do acordo de 14 de Agosto de 2001.

A seu débito: US$ 259,170,00.”

5. Em 25.09.2003, foi comunicado à Impugnante o relatório de inspecção referido no ponto 1 e o despacho de 18.09.2003, no mesmo exarado, que se dá por reproduzido [cfr. ofício n.º 3659, datado de 23.09.2003, a fls. 42 do PA anexo aos autos e 11 do processo físico e registo dos ctt e aviso de recepção de fls. 39 e 41 do PA].

6. Em 25.09.2003, foi emitida a liquidação n.º 2003 8310016704, com o valor de imposto a pagar de € 217.838,65 e juros compensatórios de € 17.835,86 [cf. nota demonstrativa da liquidação a fls. 13 do PA anexo aos autos e 12 do processo físico].

7. A demonstração da liquidação referida no ponto antecedente foi comunicada à Impugnante referindo que a respectiva fundamentação já havia sido remetida, integrando ao lado da referência a juros compensatórios a menção “art. 94.º CIRC” e especificando a data limite de pagamento de 10.11.2003 (cfr. nota demonstrativa da liquidação fls. 13 do PA anexo aos autos e 12 do processo físico].

8. Em 13.11.2003, a Impugnante pagou o valor de 84.776,63 relativo à liquidação n.º 2003 8310016704 [cfr. guia modelo 82 fls. 14 do PA anexo aos autos e 13 do processo físico].

9. A petição inicial desta impugnação foi apresentada em 09.02.2004 [cfr. carimbo de entrada 978, a fls. 2 do processo físico].

3- DO DIREITO:

Apreciando:

Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida quanto à correcção de € 202.895,00 (princípio da especialização de exercícios)

A sentença recorrida, a fls. 112 a 125 dos autos, julgou a impugnação judicial improcedente na parte correspondente à liquidação adicional de IRC e derrama no montante de € 202.895,00, por considerar que o valor pago pela Recorrente aos países ACP a título de incentivo pelo fornecimento de açúcar e calculado nos termos da “EU refiner’s letter” não podia ser aceite na sua globalidade, por não ser totalmente desconhecido ou imprevisível em exercícios precedentes. Entendeu a sentença recorrida que “a correcção determinada pela AT mostra-se conforme ao disposto no regime legal instituído para a periodização do lucro tributável, designadamente, por falta de demonstração dos requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 18.º do CIRC, ou seja, por falta de demonstração do manifesto desconhecimento ou imprevisibilidade, a justificar a correspondente consideração daquele custo, na íntegra, apenas no ano de 2001”. Ademais, a sentença invoca ainda a existência de uma transferência de resultados entre exercícios, contrária à jurisprudência emanada do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20 de Novembro de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 03877/10.

Discorda do decidido a Recorrente, alegando, em síntese, que “era à Fazenda Pública que competia provar que, no caso em apreço, o procedimento que a recorrente assim adotou, foi incorreto e ilegal, [por falta de verificação dos] requisitos mencionados no nº 2 do art. 18º” do Código do IRC, o que não fez. Em rigor, a Recorrente reitera que o exacto montante do incentivo pelo fornecimento de açúcar a pagar aos países ACP nos termos da “EU refiner’s letter” apenas foi conhecido em 2001, ano em que foi consequentemente registado como um gasto na sua contabilidade – não se verificando na questão sub judice, portanto, qualquer transferência de resultados entre exercícios fiscais com o propósito de prejudicar a AT.


A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos, pronuncia-se pela improcedência do recurso quanto a esta correcção.


Vejamos.

Ao abrigo do princípio da especialização dos exercícios, “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica” (n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC).

Do princípio da especialização dos exercícios resulta, assim, uma segmentação da vida das empresas em períodos relativamente independentes entre si – os exercícios económicos –, tendo em vista a tributação da riqueza gerada em cada um desses exercícios, independentemente do seu efectivo recebimento. Atende-se, pois, a um critério económico e não a um critério financeiro, pelo que devem ser considerados e contabilizados num determinado exercício todos os créditos e débitos respeitantes a esse exercício, e não somente os recebimentos e pagamentos que nele ocorram (neste sentido vide, entre outros, o Acórdão deste STA proferido a 3 de Abril de 2013 no âmbito do Processo n.º 0963/12 e a 2 de Março de 2016 no âmbito do Processo n.º 01204/13).

Explicitando o princípio em análise, prevê o n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

E foi precisamente assim que a Recorrente procedeu no caso sub judice.

Se bem entendemos os factos que nos foram trazidos a conhecimento, a Recorrente e outros fornecedores de açúcar dos estados ACP (África, Caraíbas e Pacífico) assinaram a 17 de Julho de 1995 um acordo, designado de “EU refiner’s letter”, nos termos do qual se obrigaram ao pagamento de um incentivo àqueles estados pelo fornecimento de açúcar em bruto para refinação. Para o efeito, os signatários acordaram em reservar um montante global de USD 3 milhões, em prestações anuais de USD 500.000 com juros (com início na campanha agrícola do ano 1995 – 1996), devendo este valor ser pago no final do período de 6 anos, ou seja, em 2001 (vide os Factos n.º 1 e 2 da matéria de facto dada como provada). A parcela do incentivo pelo fornecimento de açúcar concretamente imputável a cada uma das entidades signatárias foi calculada e cobrada em 2001 por um agente de cobranças designado para o efeito (“F………….. Limited”), tendo sido enviada a 12 de Setembro de 2001 uma nota de débito à Recorrente com o exacto valor a seu encargo (vide os Factos n.º 3 e 4 da matéria de facto dada como provada).

Face a esta factualidade, o procedimento contabilístico adoptado pela Recorrente foi o seguinte: em exercícios anteriores a 2001, a Recorrente registou nas suas contas uma provisão, cujo tratamento fiscal não foi questionado pela AT (conforme o Relatório de Inspecção Tributária reproduzido nos números 1 e 2 do probatório fixado). Em 2001, mediante a determinação da concreta parcela do incentivo pelo fornecimento de açúcar que lhe foi imputada, foi contabilisticamente anulada a provisão e efectuado o registo de um gasto (conforme o Relatório de Inspecção Tributária reproduzido no Facto n.º 1 e os Factos n.º 2 e 3 da matéria de facto dada como provada facto n.º 3 e RIT).

Portanto, e ao contrário do que pretende a AT (Administração Tributária) e do que se sancionou na sentença recorrida, a factualidade descrita demonstra o correcto e cabal cumprimento do princípio da especialização dos exercícios por parte da Recorrente, já que o gasto contabilizado em 2001 a título de incentivo pelo fornecimento de açúcar foi anteriormente provisionado pela empresa. Ou seja, antes de 2001, a Recorrente espelhou nas suas contas a obrigação decorrente da “EU refiner’s letter” assinada em 17 de Julho de 1995 – mas fê-lo a título de provisão, dada a incerteza sobre o respectivo montante concreto.

Nesta sede não nos cabe analisar a correcção do tratamento fiscal conferido à provisão em análise, na medida em que esse tratamento não foi corrigido por parte da AT e não constitui o objecto do presente processo. No entanto, na medida em que esse facto se encontra espelhado no probatório (vide o seu n.º 1) não podemos deixar de o relevar, uma vez que ele tem importantes consequências ao nível do princípio da especialização dos exercícios. Com efeito, e de forma a dar cabal cumprimento a este princípio, sempre que o sujeito passivo incorra num gasto certo mas de quantum ainda desconhecido (por se verificar que o valor exacto da obrigação apenas será determinado e concretizado no futuro), deverá registar nas suas contas uma provisão destinada a fazer face àquele gasto que, apesar de imputável ao exercício, é de montante incerto. Com efeito, e como se consignou no Acórdão deste STA de 28 de Janeiro de 2015, rec. n.º 0652/14, “o que determina a necessidade das empresas constituírem provisões, não é a incerteza da ocorrência futura de despesas ou perdas, mas antes a incerteza da sua exacta quantificação, ou seja, é a impossibilidade de determinar num dado exercício fiscal, aquele em que teve conhecimento da ocorrência da perda, despesa ou encargo – princípio da especialização dos exercícios –, o montante exacto dessa mesma despesa, perda ou encargo, que apenas será determinado e concretizado no(s) exercício(s) fiscal(is) seguinte(s)”.

O que a AT pretendeu – e a sentença recorrida validou – foi desconsiderar a totalidade do incentivo pelo fornecimento de açúcar registado posteriormente como gasto nas contas da Recorrente, pelo facto de esse gasto não ser totalmente desconhecido ou imprevisível nos exercícios anteriores a 2001 e operar uma alegada transferência de resultados entre exercícios fiscais.

Mas não podemos concordar. Porque foi exactamente por não ser totalmente desconhecido ou imprevisível para a recorrente que esse gasto foi registado nas suas contas a título de provisão. E foi também por esse motivo que, em 2001, sendo conhecido o valor certo e exacto do incentivo pelo fornecimento de açúcar imputável à Recorrente, que a provisão foi anulada e foi registado o gasto correspondente.

Ou seja, do procedimento adoptado pela Recorrente não decorre qualquer violação do princípio da especialização dos exercícios nem qualquer transferência ilícita de resultados entre anos fiscais. Em rigor, a adopção de um procedimento diferente é que teria espoletado tais violações. Como refere Rui Duarte Morais em “Apontamentos ao IRC”, Almedina, Novembro de 2017, p. 120, “a não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação d[o princípio da especialização dos exercícios], na medida em que terá por efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele”.

Pelo exposto, o recurso da Recorrente procede nesta parte, devendo ser revogada a sentença recorrida na parte em que considerou legal a correcção da AT no montante de € 202.895,00, por alegada violação do princípio da especialização dos exercícios.

Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida quanto à correcção de € 124.452,70 (custos não indispensáveis)

A sentença recorrida, a fls. 112 a 125 dos autos, julgou a impugnação judicial improcedente na parte correspondente à liquidação adicional de IRC e derrama no montante de € 124.452,70, o qual se refere a um valor facturado pela A………. Holding à Recorrente em 2001 que não podia ser aceite como custo indispensável para a manutenção da fonte produtora, por corresponder à aplicação da percentagem de 1% acordada entre aquelas duas entidades a uma realidade (subsídios de exploração) que não integra o conceito de “facturação líquida” que serve de base de aplicação daquela percentagem de 1%.

Para o Tribunal recorrido não resultou demonstrada a razão pela qual a Recorrente “alterou o seu entendimento relativo à “compreensão” do conceito contratualmente estabelecido de “facturação líquida” no exercício de 2001, relativamente aos exercícios de 1999 e 2000, considerando-o neste exercício mais abrangente do que nos antecedentes e ali incluindo o valor relativo ao subsídio de “restituição à exportação””, o que se repercutiu “no apuramento do valor do “fee” que paga à A……….. Holding, de forma a quase anular a redução da taxa decorrente da alteração introduzida no contrato de prestação de serviços” de 1,5% para 1%. Bem assim, e nos termos da sentença recorrida, “quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações [interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.], então tal custo não deve ser havido por indispensável”, aumentando neste caso “a intensidade de prova exigida por parte do contribuinte”.


Discorda do decidido a Recorrente, alegando, em síntese, que “nada havia que demonstrar quanto à alteração da percentagem do valor anual (fee) a pagar pela recorrente à A……….. Holding, tanto mais que estamos no domínio do princípio da liberdade contratual, sendo certo que o que importa é saber se o respetivo custo deve ou não ser qualificado como custo fiscal (art. 23º do Código do IRC)”, verificando-se neste conspecto que “a douta sentença recorrida reconhece que a AT não colocou em causa a indispensabilidade do custo à luz do disposto no art. 23º do Código do IRC, pelo que não nos parece que seja permitido ao Tribunal vir agora, na douta sentença sob recurso, aduzir, como fez, argumentos que levem a concluir o contrário, nomeadamente, a indispensabilidade do custo”. A este respeito, alega a Recorrente que dos autos é impossível descortinar “que se possa admitir, como entende a referida douta sentença, que “o encargo foi determinado por outras motivações [interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.”], até porque ninguém o alegou nem nada a esse propósito a douta sentença deu como provado”.

A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos, pronuncia-se pela procedência do recurso quanto a esta correcção.

Vejamos:.

A correcção à matéria colectável que serviu de base à liquidação impugnada resulta do facto de a AT ter considerado que o fee de gestão (honorários fixos, previamente estipulados contratualmente pela prestação de serviços de consultoria, assessoria, etc também estabelecidos contratualmente) o, etc. pago pela Recorrente à A………. Holding no exercício de 2001 não podia ser aceite como gasto fiscal na sua totalidade, por não se encontrar verificado um dos requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC, na redacção à data dos factos, para essa aceitação, exactamente a indispensabilidade do gasto. (negrito nosso).

Conforme se pode ler no Relatório de Inspecção Tributária (transcrito no ponto 1 da matéria de facto fixada na sentença recorrida), a AT considerou que a parcela de € 124.452,70 do fee de gestão não podia ser admitida como gasto fiscal “ao abrigo do nº 1 do artº 23º do CIRC (…) em virtude de o contrato de prestação de serviços celebrado com a A………. Holding prever como base de cálculo a facturação líquida, conceito no qual os subsídios destinados à exploração não se integram, suportando a A………… Açúcar um custo superior ao que estava contratualmente obrigada, não se mostrando tal custo, dessa forma, indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Ora, à data dos factos, a redacção do artigo 23.º n.º 1 do Código do IRC era a seguinte: “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…)”.

Como este Supremo Tribunal teve a oportunidade de recentemente se pronunciar (vide o Acórdão proferido a 28 de Junho de 2017 no âmbito do Processo 0627/16), “em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável (nos termos do n.º 1 do art. 17.º do CIRC (…)), tanto mais que, por imperativo constitucional [cfr. art. 104.º, n.º 2 (…) da Constituição da República Portuguesa (CRP)], a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.

Há, no entanto, que ter presente que o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes” não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais “e entendeu que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável «os [custos ou perdas] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC)”.

Neste contexto, “o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.). (…) Ou seja, a AT não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação economicamente infrutífera ou até ruinosa”.

Portanto, e de acordo com o entendimento reiterado deste STA, devem ser aceites para efeitos fiscais todos os gastos assumidos pelo sujeito passivo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social (vide, neste sentido e por todos, o Acórdão proferido a 30 de Novembro de 2011, rec. n.º 0107/11).

E é precisamente pelo facto de o fee de gestão se enquadrar no propósito empresarial quer da Recorrente, quer da A………. Holding que a AT não questionou a respectiva aceitação fiscal em termos gerais. Com efeito, e compulsados os autos, verificamos que a AT não colocou em causa a admissibilidade fiscal do fee de gestão em si mesmo considerado, aceitando os motivos subjacentes ao seu pagamento e aceitando a validade do contrato celebrado entre as duas empresas. Admitindo que o fee de gestão deveria ser aceite, de per se, como um gasto dedutível para efeitos fiscais ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC (à semelhança do que já havia acontecido nos exercícios de 1999 e de 2000), aquilo que a AT questionou foi o valor pelo qual o feefoi calculado e pago no exercício de 2001 (negrito nosso).

Ou seja, aquilo que a AT questionou foi a indispensabilidade de uma parcela do fee de gestão, por entender que tal parcela extravasa o contrato celebrado entre a Recorrente e a A………. Holding (na medida em que tal acordo fixava como base de cálculo a “facturação líquida” da primeira entidade, conceito no qual, de acordo com a AT, “os subsídios destinados à exploração não se integram”).

Cremos que lhe assiste razão.

E assiste-lhe razão porque para além da mera interpretação do conceito de facturação líquida, está em causa um gasto que a nosso ver não se demonstra como indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC).
Resulta dos autos que a impugnante celebrou com uma empresa sua participada um contrato de prestação de serviços segundo o qual esta lhe fornecia uma pluralidade de serviços administrativos, financeiros e de auditoria que seriam pagos na percentagem de 1,5% sobre a facturação liquida do ano anterior. Este valor veio a ser reduzido para 1% sobre a facturação líquida com aplicação no ano de 2001.

Ora, o que está em causa é o pagamento desta “comissão”, de um por cento relativamente a um determinado montante respeitante a subsídios recebidos pela ora impugnante pela sua actividade de exportadora de açúcar para determinados Países, pois que no mais não é corrigido pela AT o pagamento deste um por cento.

O custo aceite pela Administração Tributária é o que resulta do contrato de prestação de serviços cujo valor contratualmente estabelecido é de 1% sobre a facturação líquida. A facturação líquida integra o conjunto do valor das facturas emitidas pela impugnante pela venda dos bens e serviços que fornece o que é diverso dos subsídios que recebe, seja a que título for, e, particularmente os subsídios à exportação de açúcar recebidos da EU (União Europeia).

Nestas circunstâncias, em que a parcela de € 124.452,70 extravasava o âmbito do contrato celebrado e invocado pela impugnante como suporte desse custo, cabia à Sociedade impugnante demonstrar de forma inequívoca que a mesma parcela de € 124.452,70 era indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC. É que a consideração de tal valor como custo não decorre do contrato de prestação de serviços invocado pela impugnante, nem a sua enunciação teria força para tal uma vez que a aferição da indispensabilidade referida tem de se aferir objectivamente.

A AT trilhou o caminho certo pois que no caso não faria sentido fazer apelo ao regime dos preços de transferência pela singela razão de que não está em causa o valor de um custo que poderia ser diferente se praticado por uma outra empresa que pudesse praticar o mesmo serviço de X e que não tivesse relações especiais com a impugnante. E, de outro modo também não está em causa a percentagem alta ou baixa do fee ou comissão mas apenas o seu cálculo tendo por atenção uma quantia que não podia figurar, reitera-se, no numeradora porquanto não constitui uma facturação resultante das vendas de açúcar mas da obtenção de subsídios atribuídos por terceiros. Dito de outro modo: O pagamento da comissão em si própria não está em causa nem se mostra questionado que não devesse ser um custo suportado pela impugnante e é, a todos os títulos irrelevante, na presente situação, que o prestador de serviços seja uma entidade exterior ao grupo ou um elemento do grupo de empresas.
A argumentação da recorrente para contrariar a correcção efectuada pela AT é escassa e, praticamente reduz-se à invocação da liberdade contratual entre empresas (vide conclusão 11)) e contesta alguns excertos argumentativos da sentença mas que por serem localizados nunca podem contender com a resolução da questão essencial que se suscita nos autos relativa à consideração do valor de subsídios à exportação para cálculo da comissão paga à empresa do seu grupo. A título complementar oferece-se, ainda, dizer que para a obtenção de subsídios que são concedidos no âmbito de uma política europeia de fomento de exportação de açúcar para Países Terceiros a intervenção da beneficiária da comissão não se patenteia como essencial pois que os mesmos são concedidos a título objectivo em função das vendas efectuadas a esses mesmos países. Daí a correcção técnica efectuada pela AT na qual se verificou e não aceitou que a contabilização dos 1% fosse efectuada tendo por base um valor que se entendeu não caber no contrato de prestação de serviços que a impugnante indicou como sendo o seu fundamento, tal como consta do relatório de inspecção.
Acresce, ainda, reiterar que a nosso ver, e com todo o respeito por opinião diversa, não cabe no conceito de facturação um subsídio à exportação. É que, enquanto na facturação os fluxos monetários ocorrem do terceiro que adquire os bens e serviços para a empresa em contrapartida do fornecimento desses bens ou serviços, nos subsídios à exportação a empresa recebe da EU um capital não em contrapartida do fornecimento de bens ou serviços à própria UE mas devido ao fornecimento de bens e serviços a terceiros em condições pré estabelecidas pela UE e porque esta quer privilegiar esse fornecimento de bens e serviços. Na facturação há uma relação bilateral. No subsídio a relação é triangular. Aqui, a empresa candidata-se a um subsídio à exportação seguindo as formalidades previstas no regulamento comunitário previsto e comprovando o valor dos bens e serviços que exportou e relativamente aos quais teve que emitir factura para poder proceder ao regime aduaneiro de exportação. E, quando recebe o subsídio não emite relativamente ao mesmo uma factura a favor da UE, não se trata de uma compra e venda de bens ou serviços, ainda que possa ter que assinar documento comprovativo do recebimento do valor correspondente.

Assim, invocando que é um custo pagar 1% sobre a facturação liquida - o que a AT aceita - não pode fazer as contas desse custo adicionando ao que facturou o que recebeu de subsídio à exportação.
De regra a contabilização dos subsídios à exportação, como dos subsídios ao investimento ou qualquer outro subsídio não podem, atenta a sua natureza, ser contabilizados como vendas de produtos e bens. Ora é a contabilização de vendas de produtos e bens e serviços que indicará a facturação bruta e, a daí decorrente líquida reportadas ao volume de negócios. A diferença entre o volume de negócios e o lucro depende de muitas variáveis e os subsídios à exportação são uma dessas variáveis.
Acresce referir, ainda, que a impugnante não apresenta argumentação no sentido de afirmar que os subsídios à exportação são ou devem integrar a razão facturação líquida e esta é verdadeiramente a questão que importa equacionar pois que a AT não questiona de forma alguma o contrato de prestação de serviços efectuado entre a impugnante a sua associada nem os custos daí decorrentes, antes corrige o custo destes, com base nas clausulas contratuais firmadas pela impugnante e a sua prestadora de serviços, com base na argumentação de que na facturação líquida não cabem os subsídios à exportação, pelo que está erradamente calculado tal custo.

De facto, conforme decorre do teor do relatório da acção inspectiva, as correcções efectuadas tiveram por pressuposto e fundamento o facto de “o contrato de prestação de serviços celebrado com a A……….. Holding prever como base de cálculo a facturação líquida, conceito no qual os subsídios destinados à exploração não se integram, suportando a A………… Açúcar um custo superior ao que estava contratualmente obrigada, não se mostrando tal custo, dessa forma, indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Pelo que ficou dito podemos afirmar que, no caso dos autos, a questão dos subsídios à exportação coloca-se pois ao nível dos custos a que se refere o artº 23º do CIRC e não a outro nível designadamente o dos preços de transferência.
E estando bem situada como está a referida questão temos de considerar adequada e correcta a correcção técnica efectuada que desconsiderou o valor dos subsídios recebidos pela impugnante no ano de 2001 por considerar que não se integravam no conceito de facturação líquida previsto no contrato de prestação de serviços outorgado pela recorrente e daí resultando afastada a sua indispensabilidade para os efeitos do artº 23º do CIRC, indispensabilidade esta que no reverso a ora recorrente nem sequer esboçou demonstrar contrariando a AT na afirmação negativa da mesma.
Aqui chegados somos levados a considerar que nesta parte julgou bem a sentença recorrida ainda que não se acompanhem integralmente todos os dizeres da fundamentação expendida (os referidos em 7) e 9) das conclusões de recurso).
4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida em relação ao decidido quanto à verba de € 202.895,00 julgando-se ilegal a correcção efectuada no que respeita a esta verba com as respectivas consequências sobre as liquidações de IRC e de Derrama, referentes a 2001, daí decorrentes. No mais confirma-se a mesma sentença com a presente fundamentação.

Custas neste STA e na 1ª Instância a cargo da recorrente, na proporção do seu decaimento.

Lisboa, 4 de Julho de 2018. - Ascensão Lopes (relator por vencimento) - Ana Paula Lobo - Isabel Marques da Silva (Vencida, conforme declaração de voto anexa.)

VOTO DE VENCIDA

Como primitiva relatora, propus o provimento total do recurso, anulando também a correcção relativa ao “fee de gestão” pago pela A……… à A……….. HOLDING, na parte incidente sobre o “subsídio à exploração”, no valor de € 124.452,70.

A correcção à matéria colectável que serviu de base à liquidação impugnada resulta do facto de a AT ter considerado que o fee de gestão pago pela Recorrente à A………. Holding no exercício de 2001 não podia ser aceite como gasto fiscal na sua totalidade, por não se encontrar verificado um dos requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC, na redacção à data dos factos, para essa aceitação: a indispensabilidade do gasto.

Conforme se pode ler no Relatório de Inspecção Tributária (transcrito no ponto 1 da matéria de facto fixada na sentença recorrida), a AT considerou que a parcela de € 124.452,70 do fee de gestão não podia ser admitida como gasto fiscal “ao abrigo do nº 1 do artº 23º do CIRC (…) em virtude de o contrato de prestação de serviços celebrado com a A……… Holding prever como base de cálculo a facturação líquida, conceito no qual os subsídios destinados à exploração não se integram, suportando a A………… Açúcar um custo superior ao que estava contratualmente obrigada, não se mostrando tal custo, dessa forma, indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

A AT não colocou em causa a admissibilidade fiscal do fee de gestão em si mesmo considerado, aceitando os motivos subjacentes ao seu pagamento e aceitando a validade do contrato celebrado entre as duas empresas. Admitindo que o fee de gestão deveria ser aceite, de per se, como um gasto dedutível para efeitos fiscais ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC (à semelhança do que já havia acontecido nos exercícios de 1999 e de 2000), aquilo que a AT questionou foi o valor pelo qual o fee foi calculado e pago no exercício de 2001, ou seja, a indispensabilidade de uma parcela do fee de gestão, por entender que tal parcela extravasa o contrato celebrado entre a Recorrente e a A………. Holding (na medida em que tal acordo fixava como base de cálculo a “facturação líquida” da primeira entidade, conceito no qual, de acordo com a AT, “os subsídios destinados à exploração não se integram”).

Entendemos que, aquilo que está em causa nos presentes autos não é interpretar um conceito contabilístico (v.g., o conceito de facturação líquida) em sentido estrito, antes a interpretação de uma cláusula de um contrato celebrado entre duas entidades absolutamente providas de liberdade para a gestão dos seus negócios e dos seus interesses.

Ora, mantendo-se a presunção de veracidade das declarações da Recorrente (por não se ter verificado, no caso sub judice, qualquer situação que pudesse afectar tal presunção nos termos do artigo 75.º da LGT) e tratando-se da interpretação de um conceito integrado no âmbito de um contrato celebrado no contexto de uma relação empresarial, cabia à AT demonstrar de forma inequívoca que a parcela de € 124.452,70 extravasava o âmbito do contrato celebrado (ao abrigo do disposto no artigo 74.º da LGT e no artigo 100.º do CPPT).

Ou seja, se a AT tinha algum motivo para suspeitar que o valor do fee de gestão foi calculado com o intuito de manipular ilegitimamente a matéria tributável da recorrente (designadamente, operando uma transferência de resultados entre as duas sociedades em função das relações especiais existentes entre estas), deveria ter escolhido outro caminho que não o da desconsideração parcial do fee de gestão com fundamento na falta de verificação da indispensabilidade exigida pelo art. 23.º do CIRC. Para o efeito, deveria a AT ter aplicado o regime de preços de transferência em vigor à data dos factos (previsto no então artigo 57.º do Código do IRC) ou ter aplicado a norma geral anti-abuso que já se encontrava prevista no artigo 38.º n.º 2 da LGT, o que determinaria a abertura de um procedimento próprio para o efeito, nos termos do artigo 63.º do CPPT então em vigor.

Mas a AT não o fez. E não só não o fez como, em rigor, nunca fundamentou o acto de liquidação impugnado com base na existência de uma eventual transferência de resultados entre a A………. Açúcar e a A………. Holding.

É o Tribunal a quo que refere, na sentença recorrida, que “quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações [interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.], então tal custo não deve ser havido por indispensável [neste sentido, cfr. Rui Morais, Apontamentos IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 87]. (…) E, como se referiu (…), a intensidade dos deveres de prova do sujeito passivo varia com as circunstâncias do caso e, estando-se perante um custo que indicie confusão de esferas patrimoniais ou outro tipo de objectivos não conformes à legalidade da tributação, como seja o da transferência de resultados entre sociedades do mesmo grupo com vista à diminuição da respectiva tributação, a intensidade de prova exigida por parte do contribuinte é maior”.

Esquece-se, porém, o Tribunal a quo que o acto de liquidação de IRC impugnado não teve por suporte fundamentador a existência de uma transferência de resultados entre a A………. Açúcar e a A………. Holding, pois conforme decorre do teor do relatório da acção inspectiva, as correcções efectuadas tiveram por pressuposto e fundamento o facto de “o contrato de prestação de serviços celebrado com a A…….. Holding prever como base de cálculo a facturação líquida, conceito no qual os subsídios destinados à exploração não se integram, suportando a A…………. Açúcar um custo superior ao que estava contratualmente obrigada, não se mostrando tal custo, dessa forma, indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Daria, pois, total provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a impugnação.

Lisboa, 4 de Julho de 2018
Isabel Marques da Silva