Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0706/16
Data do Acordão:02/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
FUNDAMENTOS
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I - Tendo o executado sido citado pessoalmente, o prazo para deduzir oposição à execução fiscal é de 30 dias, a contar da citação, e o excesso desse prazo determina a rejeição liminar da petição inicial, tudo como decorre dos arts. 203.º, n.º 1, alínea a), e 209.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.

II - A intempestividade da oposição implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na respectiva petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, sem prejuízo destas poderem ser suscitadas perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial, ao abrigo do art. 276.º do CPPT, de eventual decisão desfavorável.

Nº Convencional:JSTA000P21514
Nº do Documento:SA2201702220706
Data de Entrada:06/02/2016
Recorrente:A........., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão de indeferimento liminar proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 7/16.6BEVR.

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…….., S.A.” (a seguir Executada, Oponente ou Recorrente) vem recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho liminar proferido pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, com fundamento em caducidade do direito de acção, lhe indeferiu a petição inicial de oposição a uma execução fiscal que corre termos contra ela pelo Serviço de Finanças de Aveiro 2.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A- As questões suscitadas, portanto, o pressuposto processual (ilegitimidade) e as excepções peremptórias são susceptíveis de serem invocadas a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão que declarar extinta a instância e, aliás, são de conhecimento oficioso do Tribunal.

B- O único meio admissível para a sua invocação, teria de ser na sequência da notificação dos ofícios da AT, por meio de oposição dirigida ao Tribunal para que delas pudesse conhecer, já que a entidade titular da execução, confrontada com a sua invocação, não acolheu a pretensão da recorrente.

C- Como se decidiu já neste STA por Aresto de 16/12/2015 no Processo 0281/15, disponível em www.dgsi.pt, “Constitui fundamento de oposição à execução fiscal a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida. Apesar de não ser possível discutir a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda em sede de oposição à execução fiscal, admite-se que seja questionada a legalidade da liquidação quanto à sua incidência subjectiva, uma vez que a administração tributária apenas efectua a liquidação a partir do conhecimento da qualidade de proprietário que consta dos seus registos, não recolhendo qualquer informação do contribuinte através de declaração, nem indagando sobre quem é o real proprietário, fruidor ou possuidor dos bens. Ora, uma das situações em que a propriedade de determinados bens é pressuposto da incidência do tributo em causa é o Imposto Único de Circulação, pelo que a alegação da executada de que vendeu o veículo em 2006 e não lhe pode ser assacada responsabilidade pelo pagamento do IUC de 2009 porque nessa data já não era a proprietária, integra uma situação susceptível de constituir fundamento de oposição à execução fiscal. Deste modo, justifica a prossecução do processo, a fim de averiguar se se comprova tal alegação”.

D- A presente oposição é, desse modo tempestiva, por ser o único meio de reacção possível contra o prosseguimento da execução e, poderem as ditas questões ser suscitadas a todo o tempo, enquanto não existir trânsito em julgado da decisão de extinção da execução, e, aliás, de conhecimento oficioso do Tribunal, em conformidade com o que dispõem os arts. 578.º e 579.º do CPC, normas jurídicas que o Tribunal postergou.

E- É, desse modo tempestiva a peça processual deduzida pela oponente e, como tal, se impõe a sua admissibilidade, seguindo os autos os seus subsequentes termos legais.

Termos em que, nos melhores de direito cujo proficiente suprimento desse colendo tribunal se invoca, deverá o presente recurso merecer total provimento, assim se fazendo Justiça».

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…]
A recorrente invoca como fundamentos de oposição a ilegitimidade por não ser proprietária do veículo no ano a que respeita a dívida, o pagamento parcial da obrigação e a prescrição da dívida.
A prescrição é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto, nos termos do estatuído no artigo 175.º do CPPT.
O prazo para deduzir oposição é de 30 dias, contados da citação ou, não a tendo havido, da primeira penhora ou data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado (artigo 103.º do CPPT).
A recorrente foi citada em 14/04//2014 e a PI de Oposição deu entrada em juízo em 14/10/2015.
O processo de execução fiscal é um processo de natureza judicial, nos termos do disposto no artigo 103.º/1 da LGT.
A contagem do prazo de propositura da oposição faz-se de forma contínua, suspendendo-se, todavia, durante as férias judiciais, atento o disposto no artigo 138.º/1 do CPC, ex vi do artigo 20.º/2 do CPPT.
As férias judiciais da Páscoa decorreram entre 13 e 21 de Abril de 2014 (artigo 12.º da Lei 52/2008, de 28 de Agosto).
Nos termos do estatuído no artigo 139.º/5 do CPC a oposição poderia ser apresentada nos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao prazo de 30 dias, mediante pagamento de multa.
Assim, o prazo para intentar a oposição terminou 26 de Maio de 2014.
Tendo a oposição sido intentada em 14/10/2015 é, pois, incontornável o facto de se mostrar caducado o direito de deduzir oposição.
A caducidade do direito de oposição é fundamento de rejeição liminar da oposição, nos termos do disposto no artigo 209.º/1/ a) do CPPT.
É manifesto que, uma vez rejeitada a oposição por caducidade do direito de acção não pode o tribunal conhecer do mérito da causa ainda que estejam em discussão questões de conhecimento oficioso.
Aliás, a recorrente sempre poderá requerer ao OEF a apreciação da alegada prescrição, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 175.º do CPPT, cabendo reclamação para o tribunal tributário do acto de indeferimento da pretensão, nos termos do disposto no artigo 276.º do CPPT».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.7 Cumpre apreciar e decidir


* * *

2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

A decisão recorrida é uma rejeição liminar, ou seja, uma decisão que não entrou no mérito da causa, motivo por que também não entrou na apreciação e discussão da matéria de facto, designadamente com a produção de prova sobre os fundamentos que poderiam relevar para a decisão de fundo, o que a dispensa da fixação da matéria de facto provada. Em todo o caso, a decisão recorrida integra a referência a factualidade e circunstâncias processuais, que se nos afiguram pertinentes para a decisão da causa, a saber:

«o agora Oponente foi pessoalmente citado para a execução fiscal em 14/4/2014»;

«a presente oposição […] foi apresentada em 14/10/2015».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, com fundamento em caducidade do direito de acção, por estar ultrapassado o prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 203.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e ao abrigo do disposto no art. 209.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, rejeitou liminarmente a petição inicial de oposição apresentada pela ora Recorrente, em 14 de Outubro de 2015, a uma execução fiscal para cujos termos foi citada pessoalmente em 14 de Abril de 2014.
A Recorrente não discute a factualidade em que assentou esse julgamento, nem sequer discute que apresentou a petição inicial para além do termo do prazo fixado na alínea a) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT, mas considera que os fundamentos de oposição à execução fiscal por ela invocados – que considerou serem a “ilegitimidade processual da Executada”, o pagamento e a prescrição –, «são susceptíveis de serem invocados a todo o tempo e, aliás, são do conhecimento oficioso», podendo ser suscitados enquanto não houver decisão de extinção da execução fiscal transitada em julgado, sendo a oposição «o único meio admissível para a sua invocação», motivo por que a oposição é tempestiva.
Assim, a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se na decisão recorrida se fez correcto julgamento quanto à caducidade do direito de acção, o que passa por saber se os fundamentos de oposição à execução fiscal invocados pela ora Recorrente podem ser conhecidos em sede de oposição à execução fiscal quando esta é apresentada para além do termo do prazo para o efeito fixado pela alínea a) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT, ou seja, mais de trinta dias após a citação pessoal.

2.2.2 DO PRAZO PARA DEDUZIR OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL QUANDO SÃO INVOCADOS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO OFICIOSO

A petição inicial por que o executado venha deduzir oposição à execução fiscal deve ser apresentada no prazo fixado pela alínea a) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT, ou seja, no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ( A lei, no mesmo artigo, prevê que o dies a quo possa ser outro quando não tenha havido citação – caso em que o prazo se conta da primeira penhora [mesma alínea a), in fine] – ou quando a oposição seja deduzida com fundamento em facto superveniente – caso em o prazo se conta da data em que tiver ocorrido esse facto ou que o executado dele tenha tomado conhecimento [alínea b)], situações de que ora não cumpre cuidar.).
A Oponente sustenta que esse prazo não é aplicável quando os fundamentos invocados sejam do conhecimento oficioso, mas salvo o devido respeito, não tem razão.
Previamente, cumpre ter presente que, contrariamente ao que parece supor a Recorrente, dos fundamentos invocados na petição inicial, só a prescrição e o pagamento ( Este, apenas se ocorrido antes da instauração da execução fiscal constitui fundamento de oposição à execução fiscal, previsto na alínea f) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT; se o pagamento for ulterior à instauração da execução fiscal e não for oficiosamente declarada a extinção da execução fiscal, o meio adequada para o executado reagir é o requerimento ao órgão da execução fiscal com possibilidade de reclamação judicial, nos termos do art. 276.º do CPPT, de eventual decisão desfavorável. Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 9 c) ao art. 175.º, págs. 288/289 e anotação 35 ao art. 204.º, págs. 492 a 494. ) são fundamentos de conhecimento oficioso (cfr. art. 175.º do CPPT). Já a invocada ilegitimidade por não ser a proprietária dos bens (veículos automóveis) sobre os quais incidiu o imposto (IUC) que está na origem da dívida exequenda, fundamento abstractamente subsumível à alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT – ilegitimidade substantiva que, sempre salvo o devido respeito, a Oponente confunde com a ilegitimidade adjectiva, a qual constitui um pressuposto processual, que aqui não está em causa – não é do conhecimento oficioso.
Por outro lado, cumpre também notar que a prescrição é fundamento que não faz sentido invocar quando se invoca o pagamento da obrigação tributária.
Seja como for, como a jurisprudência tem vindo a dizer repetida e uniformemente ( Entre muitos outros, vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 30 de Janeiro de 2013,proferido no processo n.º 820/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 357 a 360, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ae17a3ec725462ef80257b18004f8874;
- de 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 742/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 877 a 883, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a55d006132893a8880257b2b003b5e71;
- de 6 de Março de 2013, proferido no processo n.º 1494/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 1156 a 1158, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/642a82075dfa500980257b41004fe26b;
- de 10 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 1681/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Outubro de 2015 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32230.pdf), págs. 2872 a 2879, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0a97ac33f91e221d80257d6b004d9403.), a intempestividade do meio processual utilizado tem como consequência o indeferimento liminar da respectiva petição inicial, impossibilitando o conhecimento quanto ao mérito da causa de pedir. Ou seja, a apreciação da questão da caducidade do direito de acção deve preceder a apreciação da questão da prescrição e do pagamento da obrigação tributária e a eventual intempestividade do meio processual em causa impede o início da respectiva lide e a discussão, nesta sede, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso. O facto de o pagamento e a prescrição poderem ser conhecidos oficiosamente e a todo o tempo – quer pelo juiz quer pelo órgão da execução fiscal (cfr. art. 175.º do CPPT) – não significa que a oposição à execução fiscal deduzida com aqueles fundamentos não esteja sujeita a prazo.

Como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «a invocação, através deste meio processual, de fundamentos de oposição que sejam de conhecimento oficioso, está sujeita ao prazo previsto no art. 203º, sob pena de rejeição, por intempestividade» ( Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, III volume, anotação 4 c) ao art. 203.º, págs. 431/432.).
Foi nesse sentido que decidiu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, cujo despacho se mostra exemplarmente fundamentado, com correcta interpretação e aplicação das pertinentes disposições legais e com referências doutrinais e jurisprudenciais.
Em todo o caso, contrariamente ao que parece supor a Recorrente, sempre poderá fazer valer a sua pretensão mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal com possibilidade de fazer sindicar judicialmente eventual decisão desfavorável, através do meio processual denominado reclamação judicial e previsto no art. 276.º e segs. do CPPT.
No entanto, não é de ponderar a convolação da petição inicial em requerimento de extinção da execução dirigido ao órgão da execução fiscal, uma vez que a Oponente alegou, igualmente, outros fundamentos (nomeadamente a respectiva ilegitimidade) para os quais o presente meio processual seria adequado.
Por tudo o que ficou dito, o recurso não pode ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Tendo o executado sido citado pessoalmente, o prazo para deduzir oposição à execução fiscal é de 30 dias, a contar da citação, e o excesso desse prazo determina a rejeição liminar da petição inicial, tudo como decorre dos arts. 203.º, n.º 1, alínea a), e 209.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.

II - A intempestividade da oposição implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na respectiva petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, sem prejuízo destas poderem ser suscitadas perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial, ao abrigo do art. 276.º do CPPT, de eventual decisão desfavorável.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 22 de Fevereiro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.