Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0361/14.4BEVIS 0344/18
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:INSOLVÊNCIA
REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
INSUFICIÊNCIA DE BENS
Sumário:I - O n.º2 do art. 23.º da L.G.T., em que se prevê genericamente a reversão na dependência de “fundada insuficiência de bens”, no entendimento tido de que, constando a declaração de insolvência da executada em execução fiscal já instaurada, ser ainda ónus da A.T. comprovar essa insuficiência, não é ao presente caso aplicável;
II – A reversão podia ter fundamento na norma contida no artigo 23.º n.º7 da L.G.T., no qual se previu estar contido no n.º3 um “dever de reversão”, aplicável no caso de insolvência da executada e remessa à mesma do processo de execução fiscal;
III – Desta última norma resulta ainda a interpretação da execução, após o termo do prazo de oposição, ter de ficar sustada, até à completa excussão do património da executada no processo de insolvência, bem como de apenas posteriormente a tal poder prosseguir.
Nº Convencional:JSTA000P26136
Nº do Documento:SA2202007010361/14
Data de Entrada:12/04/2018
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………………….
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório.

I.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (A.T.) vem interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do C.P.T.A., para o Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.) do acórdão do Tribunal Central Administrativo (T.C.A.) Norte que negou provimento ao recurso que por aquela tinha sido interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (T.A.F.) de Viseu que julgara procedente a oposição deduzida por A……….., com os sinais dos autos, à execução fiscal n.º 2542200901002805 e apensos, instaurada no Serviço de Finanças de Lamego contra a sociedade B………….., Lda., e contra aquele revertida por dívidas de IRS, retenções na fonte de dezembro de 2008 e janeiro de 2009, IMI de 2008 e IVA de 2009.

I.2. O recurso de revista foi admitido por acórdão do S.T.A. de 7 de novembro de 2018, importando agora relembrar as conclusões de recurso, com os seguintes termos:

“1. O presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

2. Efetivamente, o acórdão em recurso contradiz a jurisprudência do STA vertida em diversos acórdãos, entre os quais o acórdão de 17.12.2014, processo 01199/13.

3. O art. 23.º, n.º 2 da LGT prevê que a AT deve, em caso de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário e ainda que não esteja definido com precisão o valor da insuficiência, reverter a execução contra os responsáveis subsidiários.

4. O art. 23.º, n.º 7 do mesmo diploma estende esse dever de reversão aos casos em que haja declaração de insolvência e tenha sido solicitada a avocação dos processos ao abrigo do art. 181.º, n.º 2 do CPPT.

5. Da conjugação das citadas normas decorre que, da declaração de insolvência da pessoa colectiva, emergem fortes indícios de insuficiência de bens penhoráveis.

6. Em caso de insolvência da devedora originária, e no que ao requisito da “fundada insuficiência de bens penhoráveis” diz respeito, só não deverá ser efectivada a reversão, se existirem elementos nos autos que, comprovadamente, demonstrem a existência de bens penhoráveis da devedora originária suficientes para fazer face às quantias exequendas reclamadas nos respectivos processos executivos, como será o caso de existirem bens hipotecados a favor da Fazenda Nacional.

7. Se assim não fosse, a utilidade prática do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT seria totalmente nula.

8. Ao decidir em sentido contrário, o acórdão em recurso violou o disposto no n.º 2, 3 e 7 do art. 23.º da LGT.

Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Ex.ªs suprirão, se requer o provimento do presente recurso com as legais consequências.”

I.2. O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso ou, a proceder, terem os autos de baixar a fim de que se conheça de outras questões invocadas na oposição.

I.3. A exm.ª Procuradora-Geral-Adjunta junto deste Tribunal teve vista dos autos, pugnando pela improcedência do recurso.

II. Objeto do recurso:

De acordo com o acórdão que admitiu a revista, o objecto do recurso consiste em apreciar o decidido pelo T.C.A. Norte, que julgou procedente oposição apresentada por responsável subsidiário.

No acórdão proferido pelo T.C.A. Norte entendeu-se que, pese embora a primitiva executada tivesse sido declarada insolvente, competia ainda, à A.T., “a verificação do pressuposto da reversão respeitante à fundada insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, previsto no art. 23.º/2 da LGT”.

De acordo com o acórdão que admitiu a revista, importa apreciar a aplicação ao caso do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da L.G.T..

III. Fundamentação.

III.1. De facto.

Remete-se para a matéria de facto dado como assente na sentença proferida em 1.ª instância – art. 663.º, n.º 6, do C.P.C.-, aliás, já reproduzida no acórdão que admitiu a revista.

III.2. De direito.

Vai seguir-se de perto a fundamentação constante do acórdão do S.T.A. de 20-4-2020, proferido no processo n.º 0362/14.2BEVIS, acessível em www.dgsi.pt, proferido em recurso de revista, também admitida de acórdão proferido pelo T.C.A. Norte.

No caso ora apreciação, resulta do probatório que o despacho de reversão teve lugar a 21-2-2014, em execução instaurada anteriormente à declaração de insolvência da executada.

No dito despacho consta ter sido fundada na situação líquida negativa (S.L.N.), em face da declaração de insolvência da executada sociedade B………….., Lda., a qual foi decretada a 29-1-2014.

Conforme se fundamenta naquele acórdão:

“O entendimento tido no acórdão recorrido de fazer depender a reversão da “fundada insuficiência de bens”, não é de acolher por várias razões.

Adianta-se agora que a referida “fundada insuficiência de bens”, prevista “sem prejuízo do benefício de excussão”, levou a que no n.º3 se previsse o seguinte: “Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados pelo montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso até ao termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado (…)”.
No dito art. 23.º veio a ser introduzido o n.º 7, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, para produzir efeitos desde 1-1-2012, em termos complementares ao previsto nesse n.º3: “o
dever de reversão previsto no n.º 3 desta artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º n.º 2 do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal(…)”.

Ou seja, o legislador quis deixar claro haver um “dever de reversão”, não só no “caso” de impossibilidade da execução prosseguir por não ser possível apurar a suficiência de bens por não estar definida com segurança a parte a pagar pelo responsável subsidiário, bem como ainda nas “situações” de avocação de processos de execução fiscal do insolvente ou do responsável subsidiário.

A previsão do dever do administrador de insolvência ter de solicitar tal apensação, sob pena de ele próprio poder ser revertido, constante do art. 181.º n.º 2 do C.P.P.T., em alteração introduzida pela já referida Lei n.º 64-B/2011, vai nesse sentido.

De acordo ainda com a norma ora em análise, resulta que o legislador pretendeu mesmo definir “o momento” em deve ter lugar a reversão no caso do processo de execução fiscal ter de ser enviado para o processo de insolvência: “após o despacho do órgão de execução fiscal”.

O S.T.A. tem também considerado, em circunstâncias semelhantes, que a referência à declaração de insolvência em despacho de reversão basta para que a execução fiscal possa ser revertida contra responsável subsidiário – assim, e para além dos acórdãos citados pelo Exm.º PGA, o decidido recentemente no acórdão proferido a 12-2-2020, no proc. 0105/15.3BESNT, acessível em www.dgsi.pt (que o ora relator subscreveu como adjunto), e de que se transcreve o seguinte passo por elucidativo do demais regime aplicável:

Quanto à possibilidade de ser praticado o acto de reversão do processo de execução fiscal sobre o revertido em processo de execução fiscal iniciado antes de uma declaração de insolvência do devedor originário, mas sendo este acto praticado após a mesma, rege actualmente (desde a entrada em vigor da alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) o disposto o n.º 7 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária, onde se afirma expressamente que: “[O] dever de reversão previsto no n.º 3 deste artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis”. Segundo esta norma, quando existe uma declaração de insolvência do devedor originário, os processos de execução fiscal pendentes são sustados e avocados pelo Tribunal judicial, para que os créditos tributários possam ser reclamados na insolvência pelo Ministério Público e aí satisfeitos (artigo 180.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT), porém, em termos tributários, aquela declaração é também um fundamento válido para que opere a reversão da execução fiscal sobre o responsável subsidiário (artigo 23.º, n.º 7 da LGT)”.

Desta norma resulta, pois, a interpretação de que, pese embora a reversão deva ter lugar com fundamento em declaração de insolvência, a execução tem de ficar sustada após o termo do prazo de oposição, até à completa excussão do património da executada, só podendo prosseguir posteriormente.

Assim, em conclusão:

I - O n.º2 do art. 23.º da L.G.T., em que se prevê genericamente a reversão na dependência de “fundada insuficiência de bens”, no entendimento tido de que, constando a declaração de insolvência da executada em execução fiscal já instaurada, ser ainda ónus da A.T. comprovar essa insuficiência, não é ao presente caso aplicável;

II – A reversão podia ter fundamento na norma contida no artigo 23.º n.º7 da L.G.T., no qual se previu estar contido no n.º3 um “dever de reversão”, aplicável no caso de insolvência da executada e remessa à mesma do processo de execução fiscal;

III – Desta última norma resulta ainda a interpretação da execução, após o termo do prazo de oposição, ter de ficar sustada, até à completa excussão do património da executada no processo de insolvência, bem como de apenas posteriormente a tal poder prosseguir.”

Impõe-se, tal como no acórdão acabado de citar, revogar o decidido.

Contudo, os autos têm de baixar ao T.A.F. de Viseu, a fim de que se conheça do demais invocado na oposição, matéria tida por prejudicada na sentença recorrida.

V. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, em revogar o decidido e em mandar baixar os autos ao T.A.F. de Viseu, a fim de que se conheça do demais invocado na oposição, matéria tida por prejudicada na sentença recorrida.

Custas pelo recorrido – art. 527.º n.ºs 1 e 2 do C.P.C..

Lisboa, 1 de julho de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.