Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0547/17.0BEPRT
Data do Acordão:06/17/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:ILEGITIMIDADE
FUNDAMENTO A OPOSIÇÃO
Sumário:I – A ilegitimidade da pessoa citada, por não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, a possuidora do bem que a originou, constituindo embora fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 204º do C.P.P.T., só pode verificar-se em relação aos tributos incidentes sobre o uso ou fruição dos bens.
II – A instauração da execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de insolvência, como são os créditos exequendos, encontra expresso apoio legal no disposto no n.º 6 do artigo 180.º do C.P.P.T., pelo que não se verifica o fundamento a oposição previsto na al. i) do dito art. 204.º, ainda que aquele preceito haja de ser interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de insolvência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo.
Nº Convencional:JSTA000P26062
Nº do Documento:SA2202006170547/17
Data de Entrada:06/14/2019
Recorrente:A........... E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. A………. e B……….., melhor identificados nos autos, vêm interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 13/02/2019, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia de € 35.729,96 referente a liquidação adicional de IRS de 2012.
I.2. Formularam alegações que concluíram nos seguintes termos:
A. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal “a quo” que julgou a Oposição à execução apresentada pelos Oponentes improcedente.
B. Em sede de Oposição à execução, os Oponentes pugnaram pela sua ilegitimidade para a execução, por entenderem que competia à massa insolvente o pagamento das mais-valias decorrentes da venda dos imóveis de sua pertença, e que foram apreendidos no processo de insolvência.

C. Mais alegaram a ilegalidade da instauração da execução, uma vez que os mesmos foram declarados insolventes com exoneração do passivo restante, não adquiriam quaisquer bens após a declaração de insolvência pelo que, mesmo sendo a dívida em causa posterior à declaração de insolvência, a execução não poderia ter sido instaurada.

D. Assim, e quanto à invocada ilegitimidade, vieram os Oponentes alegar que os valores apurados pela AT, em sede de mais-valias resultantes da venda pelo Administrador de Insolvência dos imóveis integrados na massa insolvente, deveriam ser considerados dívidas da massa e não dívidas dos insolventes.

E. Mais alegaram que tais valores não poderiam ser exigidos aos Oponentes, uma vez que não estamos perante dívidas dos insolventes, mas sim perante dívidas da massa insolvente, sendo, assim, parte ilegítima na execução.

F. Considerou, todavia, o Tribunal “a quo” que a operação em causa configurou a alienação de dois imóveis que, embora integrando a massa insolvente, não inviabiliza a tributação dos ganhos daí advenientes na esfera dos seus proprietários, pelo que eram dívidas dos insolventes e, consequentemente, eram os Oponentes parte ilegítima na presente execução.

G. Com a devida vénia, não podem os Recorrentes concordar com a posição vertida pelo Douto Tribunal.

H. Com efeito, dispõe o artigo 204º n.º1 al. b) do CPPT que é fundamento da Oposição à execução: b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;

I. Ora, tal como resultou da factualidade provada:

- Por sentença proferida a 18 de Junho de 2010, proferida no processo 5940/10.6TBVNG que correu termos no 2º juízo cível do extinto Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, os Oponentes foram declarados insolventes;
- No âmbito do processo de insolvência foram apreendidos todos os bens pertencentes aos Oponentes nomeadamente, bens imóveis;

- Através de escrituras públicas de compra e venda celebradas em 28-03-2012 e 22-05- 2012, outorgadas pelo Dr. C…………, na qualidade de administrador da insolvência de pessoa singular no processo n.º 5940/10.6TBVNG, os imóveis foram vendidos pelo preço de € 202.700,00 e de € 94.900,00, respectivamente;

- A dívida exequenda é proveniente de uma liquidação oficiosa de IRS n.º 2016 5005319970 relativa ao ano de 2012, que tem subjacente a informação ínsita na declaração Modelo 11, comunicada pelos notários em virtude das escrituras de compra e venda referidas em D).

J. Ora, tal como decorre supra, à data da venda dos imóveis, já não eram os Oponentes os seus possuidores, não estando estes na posse dos referidos bens desde a data da declaração de insolvência.

K. Com efeito, os referidos imóveis, por força da declaração de insolvência, passaram a constituir uma “massa de bens” afecta ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas.

L. Nesta conformidade, entendem os Oponentes que sempre seriam parte ilegítima na execução, uma vez que à data no período que respeita a dívida exequenda, não eram os possuidores dos bens que a originaram. (204º al.b) do CPPT).

ACRESCE QUE:

M. A venda dos imóveis, sendo tal acto praticado pelo AI no decurso da sua administração, concretamente, no decurso da liquidação dos bens da massa insolvente, o imposto a que a mais-valia dá lugar deve ser pago por aquela massa de bens destinada ao pagamento dessas dívidas (artigo 51º nº1 al. c) do CIRE.

N. Aliás, o disposto no artigo 51º nº1 al. c) do CIRE é claríssimo, não deixando margem para dúvidas de que deve ser a massa insolvente a suportar a dívida de mais-valias.

O. Tal como aduzido no Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18/04/2018, proferido no âmbito do Processo n.º 01171/17, disponível em www.dgsi.pt.:
A venda efectuada em processo de insolvência, que gerou mais-valias, é um acto de liquidação da massa insolvente e não um acto de disposição praticado voluntariamente pelos insolventes.; Até ao término do processo de insolvência, apenas o administrador de insolvência tem o poder de efectuar pagamentos de dívidas da massa insolvente; Assim, a dívida é da responsabilidade dos insolventes, mas só o administrador de insolvência, enquanto pender o processo de insolvência, pode proceder ao seu pagamento; No caso concreto, foram os devedores insolventes citados para pagarem aquilo que estão impossibilitados de pagar, por estarem privados do poder de disposição dos seus bens, daí emergindo a sua legitimidade para deduzirem oposição, como fizeram; O que está em causa nestes autos é, apenas, saber quem responde pelo imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação de um imóvel que integra a massa insolvente, e, concluímos já que quem responde é o administrador de insolvência e não os insolventes que foram citados.
P. Saliente-se ainda o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/07/2015, processo n.º 8729/12.4TBVNG-G.P1, disponível em www.dgsi.pt., de acordo com o qual:
“Quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação [art. 10/1a) do CIRS] é uma dívida da massa insolvente [art. 51/1c) do CIRE].”
Q. Assim, mesmo concedendo a legitimidade dos Oponentes na presente execução, (o que não se concebe), sempre seriam os mesmos parte ilegítima na execução por não serem os responsáveis pelo pagamento da dívida em causa, tal como alegado em sede de Oposição à execução.

R. Nesta conformidade, entendem os Oponentes que a Sentença em causa violou o preceituado no artigo (204º al. b) do CPPT ao julgar os mesmos parte legítima na execução.

S. Por outro lado, e no que tange à invocada ilegalidade da instauração da execução, alegaram os Oponentes que, face à declaração de insolvência e posterior Despacho de Exoneração do Passivo Restante proferido em 18/03/2011 e respectivo encerramento do processo de insolvência a 03/08/2016, encontrava-se a decorrer o período de cessão (5 anos), pelo que a instauração da presente execução foi ilegal.

T. Todavia, considerou o Tribunal “a quo” que a instauração da execução não se mostrou ilegal, resultado de imperativos legais.

U. Com efeito, entendeu o Tribunal que os presentes autos foram instaurados após a declaração de insolvência e, assim, nos termos do artigo 180º, nº 6 do (CPPT) os créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento de acção de recuperação da empresa, “seguirão os termos normais até à extinção da execução.”
V. Com a devida vénia por melhor entendimento, não podem os Recorrentes concordar com a fundamentação aduzida pelo Tribunal “a quo”, porquanto:

W. Os Oponentes foram declarados insolventes por Sentença proferida a 18/06/2010.

X. A 03/08/2016 foi declarado o encerramento do processo, iniciando-se, assim, o prazo de 5 anos da cessão.

Y. A dívida em causa venceu-se a 18/01/2017.

Z. Os Oponentes demonstraram nos autos não serem titulares de quaisquer bens móveis, imóveis ou rendimentos que pudessem ser penhorados nos presentes autos para satisfação do crédito peticionado pela Administração Tributária.

AA. Ora, ao abrigo do disposto no artigo 180º, nº 6 do CPPT, os créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento de acção de recuperação da empresa, “seguirão os termos normais até à extinção da execução.”

BB. Perfilhando, integralmente, a solução aventada pelo Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, a instauração de novos processos para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência só é possível se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.

CC. Ora, no caso sub judice, a execução foi instaurada, para cobrança coerciva de dívidas vencidas depois da insolvência dos Recorrentes, sem que se tivesse demonstrado que aqueles adquiriram bens depois da declaração de insolvência.

DD. Assim, a execução fiscal instaurada contra os Oponentes é ilegal, por não se verificar um dos pressupostos que a legitimam. (cfr., Ac. Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 17/07/2017), que ora se junta ao abrigo do disposto no artigo 651º do CPC).

EE. Entendem, assim, os Oponentes que o Douto Tribunal “a quo “fez uma errada interpretação do disposto no artigo 204º n.º1 al. B) do CPPT e do artigo 180º n.º6 do mesmo Diploma.

FF. Concluindo, o direito invocado pelos Recorrentes em sede Oposição não pode perecer pelo facto da Sentença recorrida ter feita uma errónea apreciação do direito, e em violação das disposições legais supra indicadas.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA, ASSIM SE FAZENDO, TÃO SOMENTE, A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA!
I.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

I.4. A exm.ª magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência, com a seguinte fundamentação:

“De facto, face ao conteúdo dos autos, nomeadamente dos pontos assentes no probatório, que não foi questionado, por outro caminho não era de enveredar.
A douta decisão recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada e apoiada em pertinente jurisprudência e doutrina a propósito citadas não sendo passível de quaisquer censuras.
Em abono da decisão sob recurso passamos a referir, ainda, conteúdo dos doutos Acórdãos deste STA, de 02.03.2011, in recurso nº 137/11 e de 31.01.2008, in recurso nº 887/07, da 2ª sec., proferidos em situações similares à aqui em apreço e nomeadamente do sumário do referido em 1º lugar” que a seguir cita.

I.5. Das conclusões de recurso apresentadas, resulta para apreciação se se verifica erro no decidido quanto aos fundamentos para oposição previstos no art. 208.º, alíneas b) e i) do art. 204.º do C.P.P.T., ou seja, respectivamente, quanto à ilegitimidade, bem como quanto à ilegalidade da instauração da execução, ao abrigo do art. 180.º, n.º 6 do mesmo diploma.

I. 6. Foram colhidos vistos dos adjuntos, mas, tendo entretanto cessado funções o exm.º 1.º adjunto, intervém a actual 1.ª adjunta do ora relator, a que teve “vista” dos autos através do S.I.T.A.F..

II. Fundamentação

II. 1. A sentença recorrida reputou como relevante a seguinte matéria factual:

A) Em 13-01-2017 foi instaurado no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, o processo de execução fiscal nº 3204201701008943, por dívida relativa a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referente ao ano de 2012, no montante global de € 35.729,96, com data de limite de pagamento ocorrida em 26-12-2016 – cfr fls informação de fls 134 e certidão de dívida junta ao PEF;
B) Por sentença proferida a 18 de junho de 2010, proferida no processo 5940/10.6TBVNG que correu termos no 2º juízo cível do extinto Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, os oponentes foram declarados insolventes – cfr informação de fls 134 dos autos;
C) No âmbito do processo de insolvência referido em B), foram apreendidos todos os bens pertencentes aos oponentes nomeadamente os seguintes imóveis:
- Prédio urbano sito na freguesia de ……, inscrito na matriz predial sob o artigo nº 1573, concelho de S. Pedro do Sul;
- Fracção autónoma designada pela letra “B”, sita na freguesia de …………, inscrita na matriz predial sob o artigo 1955, concelho de Vila Nova de Gaia;
- cfr Doc nº 8 e 9 juntos com a p.i.;
D) Através de escrituras públicas de compra e venda celebradas em 28-03-2012 e 22-05-2012, outorgadas pelo Dr. C…………, na qualidade de administrador da insolvência de pessoa singular no processo n.º 5940/10.6TBVNG, pelo preço de € 202.700,00 e de € 94.900,00, respetivamente – Doc nº 8 e 9 juntos com a p.i;
E) A dívida exequenda é proveniente de uma liquidação oficiosa de IRS n.º 2016 5005319970 relativa ao ano de 2012, que tem subjacente a informação ínsita na declaração Modelo 11, comunicada pelos notários em virtude das escrituras de compra e venda referidas em D) – informação de fls 134 dos autos;
F) Os oponentes foram notificados da liquidação n.º 2016 5005319970 em 23-11-2016, com data limite de pagamento em 26-12-2016 – informação de fls 134 dos autos;
G) Findo o prazo de pagamento voluntário, foi extraída certidão de dívida, que serviu de base à instauração do processo de execução fiscal nº 3204201701008943 – informação de fls 134 dos autos;
H) A liquidação oficiosa n.º 2016 5005319970, alvo de correcção, devido a um erro no valor das deduções à colecta, o que motivou uma segunda liquidação nº 2016 5005354983.
I) Da correção oficiosa referida em H), resultou a nota de cobrança, no valor de € 44,07, que emerge da diferença entra a liquidação n.º2016 5005319970 e a liquidação n.º 2016.500537983 (cfr. doc.5 junto à P.I)
J) O processo referido em B) foi declarado encerrado por despacho proferido a 03 de agosto de 2016 e findo o rateio final – cfr. Doc. 15 e 16 junto com a p.i.
K) Os oponentes deduziram impugnação judicial das liquidações de IRS respeitantes ao ano de 2012, a qual corre termos neste Tribunal sob o nº 761/17.8BEPRT – por consulta do SITAF;”.

II. 2. De direito:

II. 2.A) Quanto à ilegitimidade a que se refere o art. 204.º, b), do C.P.P.T.:

Conforme decidido no acórdão de 8-6-2013, proferido no processo n.º 01276/12, acessível em www.dgsi.pt, a “ilegitimidade da pessoa citada, por não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, a possuidora do bem que a originou, constituindo embora fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 204º do CPPT, só pode verificar-se em relação aos tributos incidentes sobre o uso ou fruição dos bens”.

Tal não é o caso do IRS dado à execução, gerado em mais-valias pela venda de bens imóveis de sua propriedade, ainda que a sua venda tenha sido efetuada pelo administrador de insolvência, conforme decidido ainda no acórdão do S.T.A. de 21-11-2019, proferido no processo 01646/13.2.BELS, acessível na mesma base de dados.

Conforme no mesmo se fundamenta, “(…) apesar da declaração de insolvência, os recorrentes não deixaram de ser proprietários do prédio alienado e gerador das mais-valias que deram origem à liquidação de I.R.S. impugnada, situação que se verificou até à data da venda do mesmo imóvel (cfr.nºs.1 a 3 do probatório).( No presente caso, A) a D) da matéria de facto.

)

É que, quando uma pessoa, singular ou colectiva, é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens susceptíveis de penhora são apreendidos, de acordo com o artº.36, nº.1, al.g), do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo dec.lei 53/2004, de 18/03), passando a integrar um património autónomo e de afectação, uma vez que se destina à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominado massa insolvente. No entanto, a constituição do dito património autónomo não acarreta o aparecimento de uma nova subjectividade jurídica, distinta do devedor (insolvente) que lhe deu origem. O que significa que, com a declaração de insolvência, a massa insolvente não passa a ser um sujeito passivo de imposto distinto da pessoa insolvente, pois o sujeito passivo do imposto continua a ser apenas um: a pessoa insolvente. Ou seja, no processo de insolvência, tanto o devedor singular como o colectivo, mantêm a sua qualidade de sujeitos passivos da relação jurídica tributária. Por outras palavras, quando sobrevém a declaração de insolvência, apenas ocorre a transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, da pessoa insolvente para o administrador da insolvência, isto é, os bens não deixam de ser propriedade do insolvente, apenas se operando uma transferência daqueles poderes incidentes sobre os mesmos (cfr.artº. 81, nº.1, do CIRE; Bruno Santiago e Beatriz Capeloa Gil, A responsabilidade pelo imposto devido na liquidação dos bens que integram a massa insolvente, Cadernos de Justiça Tributária, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, nº.13, Julho/Setembro de 2016, pág.3 a 15; Sara Luís da Silva Veiga Dias, O Crédito Tributário e as Obrigações Fiscais no Processo de Insolvência, Abril de 2012, pág.121, dissertação de mestrado, no repositorium da Universidade do Minho, disponível em www.tributarium.net; Ana Prata e Outros, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág.716 e seg.).

No caso “sub judice”, o prédio alienado não deixou de ser propriedade dos impugnantes/recorrentes, mesmo após a declaração de insolvência, ou seja, não se verificou qualquer alteração da relação jurídica tributária, continuando os apelantes a ser os proprietários do prédio e sujeitos passivos do imposto até ao momento em que ocorreu a venda do mesmo, mais sendo irrelevante o destino dado ao produto da venda, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu - valores estes já supra identificados e que não foram colocados em causa nos presentes autos.

Nesse sentido, vai, de resto, a jurisprudência actual e uniforme deste Tribunal (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 31/05/2017, rec.1410/16; ac.S.T.A-2ª.Secção, 11/10/2017, rec.504/17; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/05/2018, rec.144/17; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/04/2019, rec.260/15.2BEFUN).”

No caso do acórdão do S.T.A. citado pelo recorrente, conheceu-se de questão diversa daquela que ora resulta para apreciação, a qual consistiu em saber quem tem de pagar o IRS na pendência do processo de insolvência, conforme, aliás, está expresso na parte final da reprodução efetuada do mesmo pelos recorrentes.

Assim sendo, e estando encerrada a insolvência, conforme consta da al. J) da matéria de facto, não há como deixar de considerar os ora recorrentes partes legítimas também por serem responsáveis pelo seu pagamento.

II. 2. B. Quanto ao fundamento do art. 204.º n.º 1, i), do C.P.P.T. - ilegalidade da instauração da execução, ao abrigo do art. 180.º, n.º 6 do mesmo diploma.

De acordo ainda com a jurisprudência do S.T.A., “a instauração da execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência, como são os créditos exequendos, encontra expresso apoio legal no disposto no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, preceito que há-de ser, contudo, interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo.”- tal o que foi decidido, entre outros, nos acórdãos de 6-4-2011, no processo n.º 0981/10, de 6-6-2018 no processo 01342/17 e no de 4-3-2020 no processo n.º 0410/14.6BELRA.

É entendimento que ora se reitera e do qual resulta não ser de afastar o decidido quanto a não se verificar esse fundamento.

III. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 17 de Junho de 2020. – Paulo Antunes (relator) – Paula Cadilhe Ribeiro – José Gomes Correia.