Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0514/10
Data do Acordão:11/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IVA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REENVIO PREJUDICIAL
DIREITO COMUNITÁRIO
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
MÉTODO PRO RATA
Sumário:Suscitada em processo que corra na jurisdição nacional questão de interpretação de normas da União Europeia, cumpre ao tribunal nacional decidir da pertinência das questões levantadas e da necessidade de decisão prejudicial do Tribunal de Justiça das Comunidades, a provocar nos termos do processo de reeenvio prejudicial.
Nº Convencional:JSTA00066682
Nº do Documento:SA2201011100514
Data de Entrada:06/17/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:SUSPENSÃO INST.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Área Temática 2:DIR COMUN.
Legislação Nacional:CIVA88 ART23.
DL 275/2001 DE 2001/10/17 ART5.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388/CEE DE 1977/05/17 ART17 N2 N5 ART99.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra os actos das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, relativos aos anos de 2002, 2003 e 2004, no montante de €496.697,14, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.ª A primeira dedução em litígio nos autos encontra-se prevista no n.° 1, do artigo 5° do Decreto-Lei n.° 275/2001, de 17 de Outubro, com plena correspondência com o primeiro parágrafo da alínea f), do n.° 2, da cláusula 4ª do contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo da Póvoa de Varzim.
2.ª A segunda dedução em discussão nos autos, por sua vez, vem estabelecida nos n.° 2 e n.° 3, do já referido artigo 5° do Decreto-Lei n.° 275/2001, de 17 de Outubro, obrigação que tem plena correspondência com os segundo e terceiro parágrafos da alínea f), do n.° 2, da cláusula 4ª do contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo da Póvoa de Varzim, celebrado com a A....
3.ª A matéria de direito em discussão no presente recurso reporta-se à qualificação jurídica-tributária dessas duas deduções previstas na lei e no contrato de concessão como sendo (ou não) subsídios à exploração não tributados e, mesmo admitindo ser essa a correcta qualificação em sede de IVA, se tais subsídios condicionam a existência de pro ratas específicos nos sectores sujeitos e não isentos da A... (i.e., nos sectores da Animação e Restauração), como concluiu a Inspecção Tributária e a Douta Sentença recorrida.
4.ª A qualificação jurídico-tributária correcta para as referidas deduções será a de considerar as mesmas completamente fora do campo de Imposto, pois são meras “deduções” às contrapartidas devidas pelo contrato de concessão, ou seja, são uma forma de pagamento do preço/remuneração inerente a um contrato administrativo oneroso, no qual as partes expressaram uma (e não outra) vontade de contratar.
5.ª O “contrato de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar” é um contrato administrativo expressamente elencado na alínea f), do n.° 2, do artigo 178.° do Código do Procedimento Administrativo, nos termos do qual o Estado concede essa exploração, de forma exclusiva, a determinada entidade, assumindo a concessionária A..., como contrapartida de tal contrato, um conjunto de obrigações que o Estado lhe impõe.
6.ª Tais contraprestações/contrapartidas são coactivas, devidas a um ente público para a satisfação de necessidades públicas, faltando apenas a “unilateralidade” de tal prestação para estarmos inquestionavelmente perante um imposto, dado que a concessionária recebe uma contrapartida: o direito à concessão, de forma exclusiva, na área em questão.
7.ª Sem prejuízo da falta de tal “unilateralidade”, uma vez que as contrapartidas previstas na lei e no contrato de concessão destinam-se, não só a compensar o Estado pelo uso ou exploração dos seus bens, como também, neste caso concreto dos jogos de fortuna ou azar, a compensar o Estado pelos proveitos obtidos por essa actividade, a fórmula utilizada contratualmente para determinar as contrapartidas devidas segue uma filosofia muito próxima à dos impostos sobre o rendimento, sendo, na prática, o seu substituto (pois há rendimentos auferidos pela concessionária a tributar pelo Estado).
8.ª A concessão desse monopólio é devidamente remunerada, não só através de rendas “fixas”, quanto aos bens objecto de concessão, como também através de componentes variáveis próximas à de um imposto sobre o rendimento, ao serem aferidas directamente em função dos proveitos/resultados obtidos no âmbito das actividades concessionadas.
9.ª Concretizando: a contrapartida referida no n.º 1, da cláusula 4ª do contrato de concessão reveste a natureza de renda patrimonial fixa e, já a contrapartida referida no n.º 2, dessa cláusula, reveste a natureza de semelhante à de um imposto (sendo, na prática, e incontestavelmente, o seu substituto), ao operar da seguinte forma:
Incide sobre as receitas brutas de jogo (rendimento), com a expressa indicação, não só de uma colecta mínima (valor fixado no quadro anexo a um diploma legal), como também de uma taxa de tributação máxima - 50% das receitas brutas de jogo. Por fim, no cálculo anual da contrapartida devida ao Estado (de natureza obviamente pecuniária) concorrem ainda uma série de deduções ao respectivo valor tributário/preço devido a final (incluindo-se nas mesmas as duas deduções cumulativas enunciadas na respectiva alínea f), do n.° 2, da cláusula 4ª e que são o objecto mais directo da presente discussão).
10.ª Deduções essas — saliente-se, assim exactamente denominadas no contrato de concessão e na própria Lei do Jogo - que não perdem a natureza intrínseca de abatimento ou dedução ao valor da contrapartida pecuniária anual (remuneração), apenas porque são prestadas em “espécie” - como é manifestamente a situação das duas deduções em discussão.
11.ª Daí que não faz qualquer sentido qualificarem-se estas deduções como “subsídios à exploração”, quando são, pelo contrário, formas historicamente “típicas” de pagar a contraprestação/preço ao Estado pela concessionária, ou seja, são apenas e exclusivamente componentes negativas de determinação exacta da contrapartida anual pecuniária devida ao Estado (i.e., do pagamento devido ao Estado pela concessão e pelos proveitos que retira da mesma).
12.ª Como reforço da fundamentação supra, valore-se ainda que as subvenções implicam, no respectivo conceito, uma entrega pecuniária directa (ou indirecta) à entidade subsidiada (ou seja, o conceito de subsídio esgota-se na entrega de quantias monetárias por entes públicos a determinadas entidades), quando nas deduções sub judice existirão, não proveitos - como no caso de subsídios -, antes e só uma forma (ainda que complexa, inquestionavelmente obrigatória) de pagamento ao Estado.
13.ª Mais: conceptualmente, os subsídios ao investimento ou à exploração têm necessariamente uma natureza extracontratual, ao serem sempre atribuídos por terceiros, o que manifestamente não sucede na presente situação, ao estarmos perante um contrato administrativo; tal implicaria que a entidade que contrata, i.e., a entidade que atribui a concessão, fosse, simultaneamente, a entidade que subsidia a actividade concessionada, o que não cabe manifestamente no conceito invocado.
14.ª Sem prejuízo da clareza das conclusões supra expostas, admitindo que as duas deduções em análise devem ser antes qualificadas como “subsídios à exploração não tributados”, também neste caso, deverá concluir-se que tal qualificação jurídico tributária não sustenta a legalidade das correcções em sede de IVA que foram realizadas, contrariamente ao sufragado pela Inspecção Tributária e confirmado pela Douta Sentença aqui recorrida.
15.ª Desde logo, mesmo admitindo que tais deduções devem ser classificadas como “subsídios à exploração”, então respeitariam, prima facie, exclusivamente ao sector do jogo, bastando, para tanto, aferir que os montantes dos alegados “subsídios” não são calculados com base no volume de “encargos” que a A... suporta directa ou indirectamente na área da animação ou restauração, antes com base no volume das receitas brutas do jogo.
16.ª Por outras palavras, o elemento fundamental na determinação da referida dedução é a receita bruta do jogo, pois apenas se se verificar um crescimento desta verificar-se-á, com a mesma proporcionalidade/representatividade, o aumento do referido “subsídio”.
Ou, em sentido contrário, mesmo que a A... realize um enorme esforço suplementar com mais encargos elegíveis nesses sectores da animação e restauração, tal esforço não terá qualquer efeito na sua esfera patrimonial (dedução à contrapartida anual devida) se não se verificar um efectivo crescimento anual das receitas dos jogos.
17.ª Por fim, admitindo ainda, no limite, que tais deduções são efectivamente subsídios à exploração e que se destinam à realização de actividades que se relacionam com os sectores tributados, sujeitos e não isentos de IVA — i. e., com os sectores de Animação e Restauração -, nessa situação dever-se-á concluir, de igual forma, que a posição defendida pela Inspecção Tributária e sufragada na Douta Sentença aqui recorrida, conduz a uma distorção em matéria de dedução de imposto, em clara violação da 6.ª Directiva de IVA, aliás conforme entendimento uniforme do TJCE (vd. Acórdão de 10 de Março de 2005, Processo C-204/03, Comissão das Comunidades Europeias contra Reino de Espanha e Acórdão de 10 de Março de 2005, Processo C-243/03, Comissão das Comunidades Europeias contra a República Francesa).
18.ª Decorre da legislação comunitária, conforme interpretação uniforme do TJCE, que os subsídios não tributados não têm quaisquer consequências no tocante à limitação do direito à dedução dos sujeitos passivos que realizem exclusivamente operações tributadas, influenciando apenas o pro rata de sujeitos passivos mistos.
19.ª Tal interpretação uniforme já foi expressamente acolhida na legislação nacional, pela expressa revogação do n.° 7, do artigo 16.° do CIVA, operada pela Lei n.° 67- A/2007, 31.12, ou seja, em fase posterior aos ajustamentos aqui realizados, os quais, ao serem inquestionavelmente contrários à mesma, são desconformes e violadores do estatuído nos artigos 17°, n.°s 2 e 5, e 19.° da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977.
20.ª Dado que a A... optou por claramente autonomizar, nos termos do artigo 23.° do CIVA, os seus sectores, isentos e tributáveis, pelo método de dedução por afectação real a cada um desses sectores - opção essa que não conheceu quaisquer limitações por parte da Administração Fiscal e, saliente-se, é absolutamente conforme à lei comunitária, mormente ao artigo 17.° n.° 5 da 6.ª Directiva de IVA - tal autonomia tributária determina ser inadmissível a limitação ao direito à dedução de sectores sujeitos, com dedução integral, como a que foi realizada e se encontra em litígio nos presentes autos.
21.ª Ou, dito de outra forma, atenta a legislação comunitária e a jurisprudência do TJCE uniforme nessa matéria, resulta que as subvenções não tributados destinadas aos “inputs” de actividades tributadas em sede IVA, apenas poderão influenciar o pro rata de dedução que a empresa definiu para o sector comum — sector administrativo e financeiro -, não podendo ter como efeito limitar o direito à dedução nos sectores da A... em que, utilizando o método de afectação real, realizam exclusivamente operações tributáveis, com dedução integral do IVA suportado.
22.ª Mais: na eventualidade do Douto Tribunal considerar que o litígio sub judice deve ser decidido de acordo com as normas comunitárias supra referidas e que estas não são (ainda) suficientemente claras para sua decisão, solicita-se a suspensão da instância até que o TJCE decida sobre a questão de reenvio prejudicial apresentada a esse propósito e com tal conteúdo específico.
23.ª Pelo que, qualquer que seja o itinerário cognitivo técnico que se considere correctamente aplicável às duas deduções supra, as correcções sub judice não têm fundamento para a respectiva manutenção pois, qualquer das qualificações jurídico-tributárias que se aponte, conclui-se que a dedução de IVA praticada pela RECORRENTE nos anos de 2002 a 2004 foi totalmente correcta.
Termos em que dever-se-á sempre concluir que as correcções realizadas não têm fundamento juridico-tributário para a respectiva manutenção, por a dedução de IVA realizada pela A... ter sido absolutamente correcta nos anos de 2002 a 2004 sub judice.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, em concordância com as razões invocadas pela impugnante e parecer junto aos autos, da autoria de consultor fiscal.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
a) Em 14/12/2001 foi outorgado o contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da Póvoa de Varzim pelo Governo Português à A…, nos termos e com as cláusulas que constam de fls. 220 a 226 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
b) Segundo a cláusula quarta do referido contrato de concessão, a concessionária [impugnante] obrigou-se, nos termos do DL 275/2001 e Decreto Regulamentar 29/88, a:
1. Prestar uma contrapartida inicial, no montante global de 58.359.353,96 euros (11 700 000 000$00), a preços de 31 de Dezembro de 2000, a pagar do seguinte modo:
(...)
2. Para além da contrapartida referida no número anterior, prestar, em cada ano, contrapartida do valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino; todavia, em caso algum a contrapartida prestada nos termos deste número poderá ser inferior aos valores indicados no anexo ao Decreto - Lei n.° 275/2001, de 17 de Outubro, depois de serem previamente convertidos em euros correntes do ano a que respeitam, nos termos do n° 3 do art° 20 do mesmo diploma legal
A contrapartida referida neste número realiza-se pelas seguintes formas:
a) (...)
b) Através da dedução, até 1% das receitas brutas dos jogos, dos encargos relativos ao cumprimento das obrigações previstas nas alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 16° do Decreto - Lei n° 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto - Lei n° 10/95, de 19 de Janeiro, encargos que não poderão ser inferiores a 3% das receitas brutas dos jogos. Caso estes encargos, adicionados aos custos líquidos com animação e restauração e aos encargos com publicidade e marketing, ultrapassem um valor correspondente a 3% das receitas brutas dos jogos, a concessionária tem, adicional e complementarmente, direito a deduzir 50% dos encargos em excesso do referido mínimo exigível, não podendo esta dedução suplementar exceder 3% das receitas brutas dos jogos.
Esta última dedução só será exequível na medida e dentro dos limites de 25% do acréscimo de receitas brutas dos jogos de cada exercício, relativamente ao exercício anterior.”
c) Ao abrigo do referido contrato de concessão, a impugnante exerce a actividade de exploração de jogos de fortuna ou de azar no casino existente na zona de jogo da Póvoa de Varzim.
d) A impugnante está enquadrada para efeitos de IVA como sujeito passivo misto, com operações sujeitas, não isentas (art. 3° e 4° do CIVA), isentas (art. 9° do CIVA) e fora do campo do imposto, com dedução parcial e periodicidade mensal.
e) Na sequência de uma acção de fiscalização a que procederam os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção do Porto, foram efectuadas correcções à impugnante, em sede de IVA, relativamente aos anos de 2002, 2003 e 2004 - cfr. relatório de fls. 52/127 dos autos.
f) Do relatório de inspecção subjacente às correcções efectuadas cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta designadamente o seguinte:”(...)3. ENQUADRAMENTO EM SEDE DE IVA DAS “DEDUÇÕES ANUAIS DE EXPLORAÇÃO” (previstas na alínea f) da Cláusula 4ª do contrato de concessão).
3.1.) Enquadramento conceptual
Nos termos do contrato de concessão a A... está obrigada a efectuar anualmente o pagamento de contrapartidas ao estado Português pela actividade de exploração de jogo. A essa contrapartida anual de exploração pode deduzir parte dos encargos que suporta directamente nos sectores de animação e restauração (alínea f) da cláusula 4ª do contrato de concessão), como sejam:
(…)
Como refere o próprio Decreto-Lei n° 275/2001 de 17/10 (preâmbulo), as deduções em análise têm o objectivo de estimular as concessionárias da actividade de jogo para o investimento nas áreas culturais e de animação, de modo a reforçar a promoção turística local e regional. Também no preâmbulo da Lei do Jogo, o legislador acentua a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração rentável, factor que beneficia, designadamente, a animação e equipamento turístico das regiões, bem como a respectiva promoção.
Por outro lado, o art. 16° da Lei do Jogo refere que para o cumprimento dessas obrigações, a concessionária deverá afectar uma verba não inferior a 3% das receitas brutas de jogo apuradas no ano anterior. O fim de interesse público que a dedução para manifestações culturais e desportivas assume (a qual é inerente ao conceito de subsídio) e a finalidade de compensação de prejuízos de exploração (dos sectores de animação e restauração) qualificam as deduções como subsídios à exploração (...).
3.3.) Procedimento adoptado pela contribuinte
Relativamente à dedução prevista na alínea f) da cláusula 4ª do contrato de concessão, o sujeito passivo adopta os seguintes procedimentos: - qualifica-a contabilisticamente como um subsídio à exploração, que regista na conta 74 - subsídios à Exploração - Do Estado e Outros Entes Públicos; - considera-a no denominador da percentagem de pro rata geral que aplica às deduções do IVA nos encargos do sector comum; - contudo, não o considera para efeitos da dedução do IVA exactamente nos sectores respectivos de animação e restauração, fazendo uma dedução total do IVA (em activo imobilizado e em custos correntes).
3. 4). Qualificação como subsídio à exploração não tributado
3.4.1.) Informação nº 2035 de 07/12/2005 da DSIVA
Perante a especificidade da actividade exercida pela A... e pretendendo-se a qualificação da dedução anual de exploração, foi solicitado parecer à DSIVA que, através da Informação n° 2035 de 07/12/2005, com despacho do Exmo Sr. Sudirector Geral datado de 09/12/2005, sancionou o seguinte: - as subvenções do tipo “à exploração” atribuídas para melhorar a posição económica da empresa (cobertura de deficits, responsabilização em parte das despesas de funcionamento, participação à “forfait” em certo tipo de despesas, as quais não sendo calculadas em função de preços ou quantidades vendidas, integram a categoria de subvenções não tributadas (n° 16); - assim, …, estamos perante subsídios à exploração e, como tal, não tributadas em IVA (n° 17); - estes sectores (animação e restauração) podem de facto, nalguns casos realizar simultaneamente operações que não conferem direito à dedução (“subsídios à exploração não tributáveis” por força do n° 5). Caso isto aconteça, deverão aqui seguir o mesmo regime do pro rata geral aplicável ao sector comum, ou um pro rata específico (n°. 21); - poderá, em alternativa, o sujeito passivo aplicar aos referidos sectores de animação e restauração pro ratas específicos (n°. 35). (...)
3.5.) Implicação no direito à dedução
A qualificação das deduções anuais de exploração como subsídio à exploração, tem implicações no exercício do direito à dedução do imposto suportado, nos termos do art. 23° do CIVA, que refere: (...). Assim, a A... realiza, nos sectores de animação e de restauração, conjuntamente com operações que não conferem direito à dedução, outras operações que conferem esse direito, pelo que fica obrigada à disciplina do referido art. 23°. Refira-se que, da análise efectuada à contabilidade, se conclui que grande parte dos custos/encargos suportados pela empresa, que sustentam a possibilidade de dedução nos termos do art. 5.º do DL n.° 275/2001 de 17/10, estão relacionados com ambos os sectores de animação e restauração, havendo interligação dos espectáculos/animação com os restaurantes e bares. Ainda de referir que, para efeitos da dedução, a IGJ verifica, por amostragem, os documentos de custos/encargos, não existindo uma elegibilidade por documento, mas sim por totais de encargos suportados.
4) CÁLCULO DAS PERCENTAGENS DE PRO RATA ESPECÍFICO E COMUM
(…)
4.4. Regularizações anuais do activo imobilizado, prevista no art. 24° do CIVA
(…)
g) No seguimento das referidas correcções, a Administração Tributária emitiu as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios constantes de fls. 128 a 200 dos autos, que constituem o objecto da presente impugnação, cujo teor se dá por reproduzido e cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 31/10/2006.
h) Em 31/10/2006, a impugnante procedeu ao pagamento das liquidações constantes de fls. 184 a 200 dos autos, no valor total de 301.332,23 euros - cfr. fls. 236 dos autos.
i) A presente impugnação foi apresentada em 30/1/2007 - cfr. fls. 3 dos autos.
j). Dá-se por reproduzido o teor da informação n° 2035 da DSIVA de 7/12/2005 junta a fls. 201 a 207 dos autos.
k) Dá-se por reproduzido o teor das conclusões do parecer junto a fls. 227/233 dos autos.
1) A actividade da impugnante desenvolve -se em 4 sectores e com o seguinte enquadramento em sede de IVA: a) sector do jogo (actividade isenta de IVA, com afectação real dos respectivos custos e sem qualquer dedução do IVA suportado); b) sector da restauração (actividade sujeita a IVA à taxa intermédia de 12%, com afectação real dos respectivos custos, com dedução integral do IVA suportado); c) sector de animação (actividade sujeita a IVA à taxa reduzida de 5%, com afectação real dos respectivos custos, com dedução integral do IVA suportado); d) sectores comuns - administrativo e financeiro - (actividade sem receitas associadas, com dedução parcial do IVA nos inputs, com base em percentagem do pro rata apurado com base nas receitas totais da actividade, ou seja, tendo em conta quer as actividades isentas, quer as actividades tributadas).
m) Inicialmente, os contratos de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar previam apenas contrapartidas em espécie, designadamente construção de equipamentos hoteleiros e de várias infraestuturas.
1’) Só mais recentemente é que as contrapartidas em espécie evoluíram para contrapartidas monetárias.
m’) No inicio de cada ano, a impugnante elabora um plano de actividades (de animação, culturais e promocionais da zona em que o casino se insere) que apresenta ao Instituto de Turismo de Portugal para aprovação.
n) Dá-se por reproduzido o teor dos contratos de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da Póvoa de Varzim pelo Governo Português em 3/12/1975 e em 20/12/1988, constantes de fls. 209/220 dos autos.
o) Na liquidação correctiva referente ao período de Maio de 2002 (n° 06213078), no valor de € 144.618,74, a Administração Tributária utilizou o crédito da impugnante no montante de € 44.425,80, resultando o valor a pagar de € 35.144,45 (depois de deduzido o crédito de € 44.425,80 e o valor da liquidação anterior de € 64.948,49) - cfr. fls. 128 dos autos.
p) Na liquidação adicional de juros compensatórios referentes ao período de Maio de 2002 (n° 06213077) foi aplicada uma taxa de juro sobre imposto no valor de € 35.144,45, relativamente ao período de 10/7/2002 a 10/8/2006 - cfr. fls. 129 dos autos.
q) No anexo 24 do relatório de inspecção referente ao resumo mensal das correcções de IVA - 2003”, a impugnante surge, no mês de Dezembro, com uma posição credora perante o Estado no valor de € 44.525,80 - cfr. fls. 124 dos autos.
r) A impugnante encontrava-se numa situação de crédito acumulado desde Dezembro de 2000, tendo solicitado, por referência ao período de Julho de 2004, um pedido de reembolso de IVA no valor de € 367.065,46.
3 – Nas conclusões da sua motivação do recurso, a recorrente suscita a questão da conformidade do artº 23º do CIVA com os artºs 17º, nºs 2 e 5 e 19º da 6ª Directiva do Conselho de 17/5/77 (77/388/CEE).
Comecemos, então, pela apreciação desta questão, por que prejudicial.
Sustenta a recorrente que a correcta interpretação do artº 23º do CIVA deve ser no sentido “das subvenções não tributadas não poderem influenciar a dedução do IVA de sujeitos passivos que, por afectação real, apenas realizem operações tributadas e não isentas, que conferem direito à dedução do imposto suportado”.
Contudo, na sentença recorrida escreveu-se que as deduções previstas no artº 5º do Decreto-lei nº 275/01 de 17/10 e na al. f) da cláusula 4ª do contrato de concessão de exploração do Casino da Póvoa de Varzim devem qualificar-se como subsídio à exploração não tributado, com as consequentes repercussões ao nível do direito à dedução do IVA, nos termos do artº 23º do CIVA, considerando que devem influenciar, para além do pro rata do sector comum, também o pro rata dos sectores específicos da animação e restauração
Sendo assim e na prática, o que se pretende saber é se, ao limitar o direito de dedução do imposto sobre o valor acrescentado dos sujeitos passivos que recebem subvenções com vista a financiar as suas actividades, nos termos do disposto no artº 23º do CIVA, tal limitação é conforme com os artºs 17º, nºs 2 e 5 e 19º da 6ª Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977.
Daqui resulta que se questiona a interpretação de preceitos comunitários, concretamente, dos preditos artigos da citada Directiva.
Entende-se, por isso, necessário pronúncia do Tribunal de Justiça das Comunidades, nos termos do disposto no artº 234º do Tratado de Roma, sendo o reenvio obrigatório, uma vez que da decisão deste Tribunal não cabe recurso.
Impõe-se, pois, a formulação da seguinte questão ao Tribunal da Justiça das Comunidades:
“- O artº 23º do CIVA é compatível com os artºs 17º, nºs 2 e 5 e 19º da Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977;
- Caso afirmativo, é conforme aos artºs 17º, nºs 2 e 5 e 19º da citada Directiva o estabelecimento de um pro rata específico de dedução do imposto sobre o valor acrescentado suportado pelos sujeitos passivos que apenas efectuem operações tributáveis, ainda que por afectação real, com base na existência de subvenções não tributadas a esse sector (“inputs”), nos termos do predito artº 23º”.
4 – Nestes termos, acorda-se em decidir suspender a instância até à pronúncia do TJUE e ordenar a passagem de carta, a dirigir pela Secretaria deste STA à daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da impugnante e todas as peças processuais posteriores, bem como fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão.
Custas a considerar a final.
Lisboa, 10 de Novembro de 2010. - Pimenta do Vale (relator) – Jorge Lino - Casimiro Gonçalves.