Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0969/18.9BELRS
Data do Acordão:01/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA DE VENCIMENTOS
Sumário:I - Nos termos do n.º 1 do art. 738.º do CPC, «são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado» e o n.º 3 do mesmo artigo delimita essa impenhorabilidade, prescrevendo-lhe «como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional».
II - Para efeitos de determinação da parte penhorável do vencimento apenas há que considerar «os descontos legalmente obrigatórios» (cfr. n.º 2 do art. 738.º do CPC) e não pode deduzir-se ao vencimento líquido qualquer outra prestação a que o executado esteja legal ou contratualmente obrigado.
Nº Convencional:JSTA000P24037
Nº do Documento:SA2201901090969/18
Recorrente:A..................
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a reclamação deduzida, ao abrigo do art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho por que o Chefe do Serviço de Finanças de Loures - 4 ordenou a penhora de 1/6 do seu vencimento.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões (Corrigidas após convite nesse sentido, mediante promoção do Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal. ) que são do seguinte teor:

«A) A douta sentença, de que ora se recorre, julgou improcedente a reclamação apresentada contra o acto (despacho) do órgão de execução fiscal, (Chefe do Serviço de Finanças de Loures-4), de ordem de penhora de um sexto do vencimento no âmbito da execução fiscal 3492200901015605 e apensos.

B) Entendeu a Meritíssima Juiz do tribunal “a quo” que, no caso concreto, a penhora não atinge o valor correspondente ao salário mínimo nacional, considerando que os encargos com as suas filhas não podem ser deduzidos no rendimento penhorável para apurar o valor líquido desse rendimento.

C) Consta dos factos provados que: o recorrente tem duas filhas, uma menor, B………….. e uma maior C………………., esta estudante universitária (cfr. pontos C) e D) dos factos provados); Está obrigado a pagar alimentos à sua filha menor no valor de € 100,00, mensais, acrescido de despesas de saúde e escolares (cfr. ponto E dos factos provados); No ano de 2017 despendeu em relação à sua filha menor um valor médio mensal de € 153,00 (cfr. ponto F dos factos provados); O recorrente efectua transferências mensais no valor de € 200,00 para a sua filha C............... (cfr. ponto I dos factos provados); Contraiu um crédito no valor de € 10.000,00, e que a primeira mensalidade ascendeu a € 214,02 (cfr. ponto H dos factos provados); Em Janeiro de 2018 auferiu um rendimento líquido de € 951,00, em Fevereiro de 2018 auferiu € 798,84 líquidos e em Março de 2018 o rendimento líquido foi de € 903,99. (cfr. ponto G dos factos provados).

D) A douta sentença diz que “tendo em conta os rendimentos globais do executado, a penhora não atinge o valor correspondente ao salário mínimo nacional” efectuando os cálculos relativos ao mês de Janeiro e Fevereiro, entendimento com o qual o recorrente não concorda, vejamos:

E) Em Janeiro de 2018 o recorrente auferiu vencimento líquido de € 951,00 (após desconto IRS, ADSE e CGA), a penhora de 1/6 do vencimento corresponde a € 158,50, ficando o recorrente com um rendimento de € 792,50, a este montante são deduzidos os valores pagos mensalmente às suas filhas, decorrentes das responsabilidades parentais, que ascendem a € 353,00, o recorrente sobeja a quantia de € 439,50, valor que é manifestamente inferior ao salário mínimo nacional.

F) Em Fevereiro de 2018 o recorrente auferiu vencimento líquido de € 798,84, (após desconto IRS, ADSE e CGA), a penhora de 1/6 do vencimento corresponde a € 133,14, ficando o recorrente com um rendimento de € 665,70, a este montante são deduzidos os valores pagos mensalmente às suas filhas, decorrentes das responsabilidades parentais, que ascendem a € 353,00, o recorrente sobeja a quantia de € 312,70, valor que é manifestamente inferior ao salário mínimo nacional.

G) O rendimento do recorrente após a penhora e o pagamento das responsabilidades parentais nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2018, foi respectivamente de € 439,50 e de € 312,70, rendimento que servirá para fazer face ao seu próprio sustento (habitação, alimentação, saúde e vestuário) e ainda ao cumprimento da obrigação perante a instituição de crédito “Cetelem”, sobejando-lhe, assim, um rendimento muito inferior ao salário mínimo nacional, penhora que viola, assim, o disposto no n.º 3 do artigo 738.º do CPC.

H) A ratio legis, da norma relativa à impenhorabilidade reside, ou tem como finalidade assegurar um mínimo de subsistência, que garanta a dignidade pessoal do devedor, ora a manutenção da penhora de 1/6 do vencimento ofende quer a subsistência e dignidade pessoal do recorrente, quer a das suas próprias filhas, viola grosseiramente o disposto no artigo 738.º do CPC, contrariado aquela que foi a intenção do legislador garantir um salário mínimo ao devedor para sua subsistência.

I) Se as responsabilidades parentais visam, essencialmente, proteger o superior interesse dos filhos, interesse superior que passa necessariamente pelo pagamento das prestações de alimentos, a manutenção da penhora colide com as suas obrigações parentais, ao ponto de as mesmas deixarem de ser cumpridas pontualmente, para satisfação de créditos fiscais.

J) A Ex.ma Senhora Procuradora da República emitiu parecer, favorável ao recorrente, o qual não foi considerado pela Meritíssima Juíza entendeu ficar garantida a satisfação das necessidades do recorrente e dos seus filhos menores, o que no entender do recorrente não corresponde à verdade, uma vez que descontada a penhora e pagas as despesas às suas filhas, ao recorrente resta apenas a quantia de € 239,50 e de € 112,70 (valores após o pagamento do crédito) valores que impossibilitam o recorrente de viver com dignidade.

L) Em suma, a penhora de 1/6 do vencimento do recorrente, viola o disposto no n.º 3 do artigo 738.º do CPC.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, determinando-se a anulação do acto de penhora de 1/6 do vencimento do recorrente, com efeito à data do despacho que ordenou a penhora, fazendo-se assim, a acostumada JUSTIÇA!».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 O Representante da Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, com a seguinte fundamentação:

«[…] inconformado com a sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente reclamação, vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo com conclusões de que, após convite, resulta para apreciação se com a penhora de 1/6 do seu vencimento viola o disposto no n.º 3 do artigo 738.º do C.P.C.
Segundo o recorrente, haveria de se considerar, para efeitos da impenhorabilidade prescrita no n.º 1, os valores pagos a suas 2 filhas, cujo total foi apurado ascendem a € 353,00 – o que foi corroborado pela sr.ª Procuradora da República em anterior parecer emitido nos autos –, bem como o crédito de € 214,02 que tem com a “Cetelem”, de que resultaria afectado o salário mínimo nacional.
Resulta da parte final do n.º 3 do artigo 738.º do C.P.C., que a impenhorabilidade da penhora da parte líquida de vencimento do executado tem como limite mínimo “montante equivalente ao salário mínimo nacional”.
Tal foi consagrado na sequência de vários acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional relativamente ao inicialmente previsto no artigo 824.º do C.P.C., quanto à penhora em vencimento, baseando-se na dignidade da pessoa humana, nos termos do artigo 1.º da Constituição – nos acórdãos do T. C. n.ºs 318/99, 177/02 e 657/06.
É de admitir quanto aos acima referidos valores, que pelo menos os pagos às filhas, se integrem na dignidade da pessoa humana, constituindo, aliás, obrigação legal prevista no art. 1905.º n.º 2 do Código Civil.
No entanto, obtendo tutela como “necessidades do agregado familiar” não repugna considerar que obtenham uma diferente protecção.
Estas apenas permitem que ocorra a suspensão da penhora por período razoável ou a sua isenção da penhora por período superior a um ano, o que é de considerar a título excepcional, e mediante requerimento nesse sentido do executado, nos termos da parte final do art. 738.º n.º 6 do C.P.C.
E o requerimento que foi apresentado, a 20-4-2018, não formula estes pedidos».

1.6 Com dispensa dos vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

«A) Contra a sociedade denominada D……………., Lda., foram instaurados no Serviço de Finanças de Loures 4, os PEF’s n.ºs 34922009001015605 e apensos, por dívidas no montante de € 58.643,68;

B) As dívidas em execução fiscal foram revertidas contra A…………….. (ora reclamante);

C) O reclamante é pai de C…………., nascida em 07-04-1998 [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se 2018 onde se queria dizer 1998 (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial).)] e de B…………, nascida em 10-04-2002 (doc n.º 5 da petição);

D) Conforme comprovativo da Universidade de Évora a filha maior do reclamante encontrava-se, no ano lectivo de 2016/2017, matriculada na Universidade de Évora (doc n.º 6 da petição);

E) Em acta de conferência para Regulação do exercício das Responsabilidade Parentais de 21-12-2016, da filha menor do reclamante ficou este, nomeadamente obrigado:

- O pai entregará a título de alimentos devidos à jovem a quantia mensal de 100,00 €, por transferência bancária para a conta com o IBAN – PT…………………., até ao último dia de cada mês;
- A quantia ora acordada será actualizada anualmente, no montante de 1,00 €, com início em Janeiro de 2018;
- As despesas de saúde e educação da B......... serão suportadas por ambos os pais, em partes iguais, mediante apresentação dos documentos comprovativos dessas despesas;
- As despesas com actividades extracurriculares serão acordadas por ambos, e o seu custo repartido em partes iguais, com início em Dezembro de 2016, dando ambos o acordo à manutenção das actividades extracurriculares em curso.

F) No ano de 2017 o reclamante despendeu em relação à sua filha menor um valor médio mensal de € 153,00;

G) Dos recibos de vencimento do reclamante emitidos pela Câmara Municipal de Leiria, consta, designadamente (docs. n.ºs 1, 2 e 3 da reclamação):

J) Em 11-04-2018 o Chefe do SF de Loures 4 proferiu despacho de penhora de 1/6 do vencimento do reclamante;

K) A reclamação deu entrada em 20-04-2018.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.

Não resultou provado ou não provado qualquer outro facto».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

No âmbito de uma execução instaurada para cobrança de dívidas provenientes de tributos liquidados a uma sociedade e que reverteram contra o ora Recorrente, o órgão da execução fiscal ordenou a penhora de 1/6 do vencimento.
O Executado reclamou judicialmente da penhora, ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT. Considerou, em síntese, que a penhora era ilegal, na medida em que, depois de descontado do seu vencimento os montantes pagos a títulos de alimentos às suas duas filhas (no total de € 353,22), bem como a prestação mensal para pagamento de um empréstimo que contraiu (€ 200,37), o montante sobrante é inferior ao salário mínimo nacional, motivo por que, a admitir-se a penhora de 1/6 do seu vencimento, estaria a violar-se a regra de impenhorabilidade prevista nos n.ºs 1 e 3 do art. 738.º do Código de Processo Civil (CPC).
A reclamação subiu de imediato a juízo e foi proferida sentença pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. No que ora nos interessa, e em resumo, entendeu a Juíza daquele Tribunal que, sendo certo que não é permitida a penhora do vencimento quando este constitua o único rendimento do executado, se resultar que o rendimento disponível após a mesma é inferior ao salário mínimo nacional, como decorre do n.º 3 do art. 738.º do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, este cálculo do rendimento penhorável deve efectuar-se com referência à totalidade do vencimento e não à parte sobrante deste após o Executado cumprir com outras obrigações legais, designadamente os encargos com as responsabilidades parentais e com o empréstimo contraído. Mais salientou que «quando o n.º 2 do art. 738.º do CPC se refere a valor líquido dos rendimentos, está-se a referir ao valor daqueles, após os descontos legalmente obrigatórios», sendo que «o legislador não pretende aqui apontar para “… um valor líquido no plano pessoal, i. e., depois de deduzidas as despesas pessoais”».
Assim, e considerando que após a penhora de 1/6 do vencimento do Executado, a parte sobrante é superior ao salário mínimo nacional (à data, fixado em € 580) – o que significa que, «ainda assim [apesar da penhora] fica garantida a satisfação das suas necessidades (e dos seus filhos menores)», o que salvaguarda os princípios constitucionais vertidos nos arts. 1.º, 59.º, n.º 2, alínea a) e 63.º, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), que, de acordo com a jurisprudência constitucional só serão atingidos caso seja atingido o valor da retribuição mínima mensal garantida – concluiu que o despacho reclamado não enferma de qualquer ilegalidade.
Por isso, indeferiu a reclamação.
O Reclamante não se conformou com a sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal, sustentando que a sentença não fez a melhor interpretação quanto à regra da impenhorabilidade do vencimento quando a parte sobrante após a penhora seja inferior ao salário mínimo nacional, prevista no n.º 3 do art. 738.º do CPC.
Mantém que para calcular a parte penhorável do seu vencimento há, primeiro, que deduzir os montantes que paga às suas duas filhas, bem como a prestação mensal que suporta com um empréstimo que contraiu; assim, porque a parte restante do seu vencimento é inferior ao salário mínimo nacional, não é possível a penhora, sob pena de se pôr em causa o seu “mínimo de subsistência” e o cumprimento das suas responsabilidades parentais, violando assim o disposto no n.º 3 do art. 738.º do CPC.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que as prestações efectuadas pelo Executado às suas filhas e para pagamento do empréstimo que contraiu não podem ser deduzidas previamente para efeitos de cálculo da impenhorabilidade da parte líquida de vencimento do Executado, que tem como limite mínimo o montante equivalente a um salário mínimo nacional.

2.2.2 DA IMPENHORABILIDADE DO VENCIMENTO QUANDO DA PENHORA RESULTE QUE O RENDIMENTO DO EXECUTADO SE SITUARÁ EM MEDIDA INFERIOR À DA REMUNERAÇÃO MÍNIMA GARANTIDA

Pelas dívidas tributárias o devedor responde com o seu património, nos termos do disposto no art. 50.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Por isso, a lei admite a penhora do vencimento do executado (cfr. arts. 224.º e 227.º do CPPT). Não obstante, por razões que se prendem a dignidade da pessoa – que mereceu consagração na CRP – e na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional (Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 318/99, de 26 de Maio de 1999, proferido no processo n.º 855/98, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19990318.html;
- n.º 177/2002, de 23 de Abril de 2002, proferido no processo n.º 546/01, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020177.html,
que decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição»;
- n.º 96/2004, de 11 de Fevereiro de 2004, proferido no processo n.º 423/2003, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040096.html.), o legislador, depois de no n.º 1 do art. 738.º do CPC impor a impenhorabilidade de «dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado», no n.º 3 do mesmo artigo delimita essa impenhorabilidade, prescrevendo-lhe «como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional».
No caso, interessa-nos esse limite mínimo: com excepção que ora não cumpre apreciar, o legislador não permite a penhora do vencimento quando, sendo ele o único rendimento do executado, dela resulte que o rendimento disponível seria inferior ao montante do salário mínimo nacional, por entender que esse é o valor mínimo para garantir ao executado a subsistência em nível adequado à sua dignidade de pessoa.
Até aqui, não há controvérsia nos autos. A divergência surge quanto ao valor sobre o qual se há-de verificar a impenhorabilidade: com base no montante líquido do vencimento, como sustentam a Fazenda Pública e a sentença recorrida, ou com base no montante que resulta da subtracção ao vencimento líquido das prestações que o Executado efectua a suas filhas e à instituição de crédito junto da qual contraiu um empréstimo?
Como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, o n.º 2 do art. 738.º do CPC, indica-nos o modo como deve ser calculado o rendimento líquido para efeitos de averiguar da fracção impenhorável: «Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios».
As prestações a que Executado esteja obrigado, legal ou contratualmente, devem sair da parte impenhorável do seu vencimento líquido e não da parte penhorável do mesmo, que não pode ser diminuída pelo pagamento dessas prestações.
Ou seja, não pode proceder a única pretensão do Executado e ora Recorrente, de que, para efeitos do cálculo da parte penhorável do seu vencimento, ao montante deste devam ser deduzidos os montantes que despende com os pagamentos às suas filhas, ainda que a título de alimentos, e com o pagamento da prestação mensal pelo crédito que contraiu.
Assim, o recurso não pode ser provido.
Dito isto, tendo em conta que o salário mínimo nacional (denominado pelo legislador retribuição mínima mensal garantida) se encontra presentemente – desde 1 de Janeiro de 2019 –, fixado em 600 € (Cfr. arts. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 117/2018, de 27 de Dezembro
(ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/117/2018/12/27/p/dre/pt/html).), há que ter presente que é esse o valor mínimo que deve ficar intocado após a penhora do vencimento do Executado, que o órgão da execução fiscal determinou fosse de 1/6 desse rendimento.
Mais nos permitimos salientar, na esteira do parecer do Procurador-Geral Adjunto transcrito em 1.6, que, ainda que a penhora não infrinja o limite mínimo de impenhorabilidade do vencimento previsto no n.º 3 do art. 738.º do CPC, o Executado, se considerar verificadas as condições que permitem, excepcionalmente, a suspensão da penhora do vencimento, ou mesmo a isenção da mesma, esta por período não superior a um ano, poderá formular o respectivo requerimento, nos termos da parte final do n.º 6 do mesmo art. 738.º.

2.2.3 CONCLUSÕES

Por tudo quanto ficou dito, o recurso não merece provimento e, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do n.º 1 do art. 738.º do CPC, «são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado» e o n.º 3 do mesmo artigo delimita essa impenhorabilidade, prescrevendo-lhe «como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional».
II - Para efeitos de determinação da parte penhorável do vencimento apenas há que considerar «os descontos legalmente obrigatórios» (cfr. n.º 2 do art. 738.º do CPC) e não pode deduzir-se ao vencimento líquido qualquer outra prestação a que o executado esteja legal ou contratualmente obrigado.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do decidido quanto ao apoio judiciário.


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Lisboa, 9 de Janeiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.