Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:015/21.5BECTB
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
ACTO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CITAÇÃO
Sumário:I - A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária) um duplo efeito: por um lado, a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil) e, por outro, o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil).
II - O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.
Nº Convencional:JSTA000P27633
Nº do Documento:SA220210512015/21
Data de Entrada:04/15/2021
Recorrente:A…………….
Recorrido 1:IGFSS CASTELO BRANCO – SECÇÃO DE PROCESSOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
1.1. A………….., com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a reclamação dos atos do órgão da execução fiscal, que deduziu com fundamento na prescrição das dívidas exequendas, concluindo da seguinte forma as suas alegações:
«A - Pelo alegado, andou mal o tribunal a quo em atribuir efeito interruptivo duradouro à citação promovida em sede de processo de execução fiscal, onde não houve fase declaratória por falta de oposição do executado à execução.
B - Só no caso de existência de oposição é que o evento que enquadraria a suscetibilidade de interrupção com efeito duradouro estaria concretizado.
C - Apenas com a oposição à execução e prosseguimento da ação para uma fase declarativa é que produziria uma decisão a transitar em julgado.
D - Sem a fase declarativa, não há enquadramento do caso em concreto no âmbito do artigo 237.º n.º 1 do CC, sob pena do Recorrente permanecer como executado até à sua morte, o que seria contrário ao espírito da lei (cfr supra exposto em 9 a 12), aos mais elementares princípios da segurança jurídica e proteção injustificada a inércia do titular do direito de crédito através da negação da repercussão do tempo nas situações jurídicas (cfr. Acórdão do STJ de 22-09-2016).
Por todo o exposto, julgando V. Exas. prescrita a dívida do Recorrente e, revogando a decisão do tribunal a quo, farão justiça.»

1.3. A Administração Tributária e Aduaneira não contra-alegou.

1.4. A Magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu o seguinte parecer que se transcreve na parte da respetiva fundamentação:
«Porque concordamos como os fundamentos das contra-alegações apresentadas, aderimos aos mesmos, por nos parecer que não podem proceder as razões apresentadas pela Recorrente.
Analisando os autos, entendemos que o presente recurso não deverá proceder. O exposto na douta sentença mostra-se-nos correto.
A douta sentença encontra-se bem fundamentada de facto e de direito. Entendemos ter feito uma correta e suficiente análise da matéria de facto e correta foi a sua subsunção jurídica.
Somos de opinião que o Recorrente carece de razão, pelo que emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.»

2. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida foram fixados os seguintes factos:
“A) Encontra-se a correr seus termos na Secção de Processo Executivo de Castelo Branco do IGFSS, contra a sociedade “B…………….., Lda.”, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0501200701013734 (e apenso 0501200701013742), para cobrança de dívidas de cotizações e contribuições dos períodos de 2006/05 a 2006/12, pela quantia exequenda global de 3.111,02€ e acrescido [cf. fls. 14 e 15 e 31 a 34 dos autos em suporte eletrónico].
B) Encontra-se a correr seus termos, na mesma Secção de Processo Executivo e contra a mesma sociedade, o PEF n.º 0501200701029169 (e apensos 0501200701029177, 0501200701037463 e 0501200701037471) para cobrança de dívidas de cotizações dos períodos de 2007/01 a 2007/09 e de contribuições dos períodos de 2004/12 e 2007/01 a 2007/09, pela quantia exequenda global de 2.646,15€ e acrescidos [cf. fls. 16 e 35 a 44 dos autos em suporte eletrónico].
C) Encontra-se a correr seus termos, na mesma Secção de Processo Executivo e contra a mesma sociedade, o PEF n.º 0501200801032496 (e apenso 0501200801032500) para cobrança de dívidas de cotizações e contribuições dos períodos de 2007/10 a 2008/02, pela quantia exequenda global de 1.626,52€ e acrescidos [cf. fls. 18 e 19 e 47 a 50 dos autos em suporte eletrónico].
D) Em 19/11/2009, por despacho da Coordenadora da Secção de Processo Executivo, foi determinada a reversão dos processos de execução fiscal mencionados nas alíneas anteriores contra o Reclamante [cf. fls. 72 e 73 dos autos em suporte eletrónico].
E) Em 19/11/2009, no processo de execução fiscal n.º 0501200701013734 e apensos, foi emitido ofício de «Citação (Reversão)» dirigido ao Reclamante, para, na qualidade de responsável subsidiário proceder ao pagamento da quantia exequenda de 3.111,02€ [cf. fls. 75 e 76 dos autos em suporte eletrónico].
F) Em 19/11/2009, no processo de execução fiscal n.º 0501200701029169 e apensos, foi emitido ofício de «Citação (Reversão)» dirigido ao Reclamante, para, na qualidade de responsável subsidiário proceder ao pagamento da quantia exequenda de 2.646,15€ [cf. fls. 77 e 78 dos autos em suporte eletrónico].
G) Em 19/11/2009, no processo de execução fiscal n.º 0501200801032496 e apensos, foi emitido ofício de «Citação (Reversão)» dirigido ao Reclamante, para, na qualidade de responsável subsidiário proceder ao pagamento da quantia exequenda de 1.626,52€ [cf. fls. 79 e 80 dos autos em suporte eletrónico].
H) O despacho de reversão e os ofícios de citação mencionados nas alíneas anteriores foram remetidos ao Reclamante, a coberto de ofício com o n.º 40, datado de 19/11/2009, expedido por correio registado e aviso de receção, recebido em 26/11/2009 [cf. fls. 74 e 81 dos autos em suporte eletrónico].
I) Em 06/04/2019 o Reclamante apresentou na Secção de Processo Executivo de Castelo Branco requerimento subscrito por mandatário, cujo teor aqui se dá como reproduzido, a solicitar o reconhecimento da prescrição das dívidas de cotizações e contribuições em cobrança nos processos de execução fiscal n.ºs 0501200701013734 e apensos, 050120071029169 e apensos e 0501200801032496 e apensos [cf. fls. 111 e 112 dos autos em suporte eletrónico].
J) Em 10/11/2020, e após informação de análise da prescrição, a Coordenadora da Secção de Processo Executivo proferiu despacho com o seguinte teor: «Os valores constantes dos processos 0501200701013734 e apenso, 0501200701029169 e apensos, 0501200801032496 e apenso, não se encontram prescritos atendendo a que o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, que se concretizou a 2009-11-26 (…)» [cf. fls. 114 a 116 dos autos em suporte eletrónico].
K) O Reclamante foi notificado do despacho mencionado na alínea anterior através de ofício dirigido ao seu mandatário, datado de 10/11/2020, expedido por correio registado [cf. fls. 12 e 13 dos autos em suporte eletrónico].
L) A presente reclamação foi remetida à Secção de Processo Executivo, por correio registado, em 20/11/2020 [cf. fls. 21 dos autos em suporte eletrónico].”

3. Fundamentação de Direito
3.1. O Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que, julgando improcedente a reclamação dos atos do órgão de execução fiscal, não reconheceu a prescrição das dívidas exequendas respeitantes a contribuições e cotizações devidas ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP., dos períodos de 2006/05 a 2006/12, 2007/01 a 2007/09, 2004/12, 2007/01 a 2007/09, 2007/10 a 2008/02.
A única questão que é colocada neste recurso respeita ao efeito duradouro da interrupção da prescrição operada pela citação do executado por reversão, ora Recorrente. Não se coloca em causa nem o prazo de prescrição, que é de cinco anos para todas as dívidas exequendas (artigo 49.º, n.º 1 da Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro: Lei de Bases da Segurança Social; artigo 60.º, n.º 3 da Lei n.º 04/2007, de 16 de janeiro: Bases Gerais da Segurança Social; artigo 187.º, n.º 1 da Lei n.º 110/2009: Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social), nem que o prazo de prescrição se interrompe pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (n.º 2 do artigo 187.º da Lei n.º 110/2009, à semelhança do n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 32/2002 e do n.º 4 do artigo 60.º da Lei n.º 04/2007), e que a interrupção aconteceu com a citação do executado.

O Tribunal recorrido, seguindo a jurisprudência deste Tribunal, plasmada no acórdão de 10/04/2019, proferido no processo 01437/18, entendeu que a interrupção da prescrição decorrente da citação inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente, de acordo com o artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil, mas também que o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo, atento o disposto no artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil.

O Recorrente defende que a citação, no seu caso, não produz aquele efeito interruptivo duradouro (de o novo prazo não começar a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo) porque o processo executivo não teve uma fase declaratória, por falta de oposição do executado à execução, não se enquadrando no artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil (que não no artigo 237.º, como por lapso, aduz o Recorrente na conclusão “D” do recurso), uma vez que não se pode falar em trânsito em julgado. E reforça este seu entendimento dizendo que, se assim não se entender, poderá permanecer para sempre como executado, o que seria contrário ao espírito da lei, aos mais elementares princípios da segurança jurídica e conduziria a uma proteção injustificada da inércia do titular do direito de crédito através da negação da repercussão do tempo nas situações jurídicas.

Vejamos.
A sentença recorrida seguiu, tal como é nela mencionado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, relativa ao efeito duradouro da interrupção do prazo de prescrição da obrigação tributária decorrente da citação do executado (cf. artigo 49.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária), mediante a aplicação do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil (o qual dispõe: “1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”).

Tal jurisprudência, para além de ter vindo a ser reiterada ao longo do tempo, mantém-se atual, sendo exemplos disso os mais recentes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02/09/2020, proferido no processo 0705/19.2BELLE, de 30/09/2020 proferido no processo 0672/20.0BELRS, de 18/11/2020 proferido no processo 0730/13.7BELRA, de 18/11/2020 proferido no processo 0730/13.7BELRA, de 16/12/2020 proferido no processo 01152/11.0BEBRG, de 13/01/2021 proferido no processo 02496/19.8BEBRG, de 03/02/2021 proferido no processo 0881/05.1BEPRT e de 10/03/2021 proferido no processo 03021/19.6BELRS.

Não trazendo a argumentação do Recorrente, aliás douta, razões novas que nos levem a divergir desse entendimento, também aqui o adotamos, reproduzindo a fundamentação do primeiro dos acórdãos mencionados, que responde à questão colocada no presente recurso e analisa, ainda, em particular, a violação do princípio da segurança, sustentada pelo Recorrente na conclusão “D” (ainda que o tenha feito sem qualquer referência normativa):

«2.2.2 DOS EFEITOS DA INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DECORRENTES DA CITAÇÃO

A LGT, enunciando os factos interruptivos da prescrição no n.º 1 do art. 49.º da LGT, não prevê directamente os efeitos da interrupção da prescrição. Como bem ficou explicado no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1437/18.4BELRS […] não fixando a LGT, na sua actual redacção e desde a alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, os efeitos dos actos interruptivos da prescrição das obrigações tributárias (Nem sempre foi assim: quer o art. 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, quer o art. 34.º do Código de Processo Tributário, quer o art. 48.º da LGT, até à alteração que lhe introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, previam que os factos que interrompiam a prescrição mantinham o efeito interruptivo, que só cessava se o processo que constituía a causa interruptiva ficasse parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte; ou seja, a lei tributária conferia efeito duradouro a todos os actos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses actos e só voltava a correr caso o processo viesse a parar nos referidos termos, hipótese em que se somava ao prazo que a partir daí se iniciava, todo o prazo que decorrera até à instauração do processo (motivo por que a jurisprudência, impressivamente, falava em desgraduação da interrupção em suspensão), designadamente não definindo nem esclarecendo se tais actos têm apenas efeito instantâneo ou se podem também ter efeito duradouro, essa regulamentação deve buscar-se no CC, de acordo com a regra estabelecida no art. 2.º, alínea d), da LGT, pois é naquele Código, depositário dos princípios gerais de direito e que tem um regime acabado da prescrição das obrigações, que encontramos resposta legislativa às questões que o regime da prescrição das obrigações tributárias consagrado na lei tributária não regulou directamente […].

Como ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 2016 proferido no processo com o n.º 1698/15 […], «[i]mporta lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem nomeação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficiosa da prescrição. // Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico». Note-se que não se trata de colmatar uma lacuna da legislação tributária por recurso à analogia (cfr. art. 10.º, n.º 1, do CC), mas tão-só de interpretar e aplicar a lei subsidiária, nos termos por aquela previstos (cfr. arts. 11.º, n.º 2 e 2.º da LGT, respectivamente) (Como dizem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, anotação 5 ao art. 2.º, pág. 66, «perante um caso não previsto na LGT, deverá procurar-se a solução, em primeira linha, na legislação subsidiária adequada, indicada neste art. 2.º» e «[s]ó na hipótese de, por esta via, não ser possível encontrar regulamentação adequada […] se poderá fazer apelo às regras gerais sobre integração de lacunas, previstas no art. 10.º do CC, se não houver proibição lega (como sucede no caso previsto no n.º 4 do art. 11.º da LGT)».).

Assim, quanto aos efeitos da citação enquanto facto interruptivo previsto no n.º 1 do art. 49.º da LGT, por falta de regulamentação dos respectivos efeitos na LGT, há que aplicar as normas contidas no CC, designadamente o n.º 1 do art. 326.º, que estabelece que «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte», bem como o n.º 1 do art. 327.º, que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo». Em conclusão: quando, como no caso sub judice, o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas […].

É essa a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal […] e não encontramos motivo para dela divergir: a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.

[…]

2.2.3 DA CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERPRETAÇÃO ADOPTADA PELA SENTENÇA RECORRIDA

2.2.3.1 O Recorrente sustenta que a interpretação adoptada na sentença – na medida em que, como vimos, reconheceu ao facto interruptivo decorrente da citação na execução fiscal o referido efeito duradouro por força da aplicação do art. 327.º, n.º1, do CC – enferma de inconstitucionalidade por violação dos arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, porque tal efeito não está previsto na lei tributária e a matéria da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente o regime da sua suspensão, se insere nas garantias dos contribuintes e, por isso, constituiu matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

Salvo o devido respeito, não tem razão. A sentença recorrida, apreciando a questão, acolheu a jurisprudência deste Supremo Tribunal […] cuja conformidade face à CRP foi sufragada pelo Tribunal Constitucional (Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:- acórdão n.º 441/2012, proferido em 26 de Setembro de 2012 no processo com o n.º 890/2011, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120441.html;- acórdão n.º 6/2014, proferido 7 de Janeiro de 2014 no processo com o n.º 905/2012, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140006.html;- acórdão n.º 122/2015, proferido 12 de Fevereiro de 2015 no processo com o n.º 179/2013, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150122.html.). Apenas não acompanhamos a afirmação aí formulada de que «quanto aos efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, não estamos no domínio estrito das “garantias dos contribuintes”» pois todo o regime da prescrição da obrigação tributária se insere no domínio das garantias dos contribuintes. A nosso ver, e como bem ficou dito no já referido acórdão de 6 de Dezembro de 2017, «[i]mporta lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto de direito comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem normação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficioso da prescrição. Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto em tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico».

Ou seja, o Tribunal a quo, seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, entendeu que se mostra justificado o recurso à lei civil (Código Civil) para esclarecer os efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, os quais não se mostram directamente regulados na lei tributária, bem como que não há motivo bastante para diferenciar neste aspecto as obrigações tributárias das obrigações civis. Por outro lado, como acima já assinalámos, a aplicação do disposto no art. 327.º do CC à obrigação tributária não resulta da colmatação de uma lacuna da legislação tributária por recurso à analogia (cfr. art. 10.º, n.º 1, do CC), mas tão-só da interpretação e da aplicação da lei subsidiária nos termos por aquela previstos (cfr. arts. 11.º, n.º 2 e 2.º da LGT, respectivamente). Assim, como ficou dito no já referido acórdão n.º 441/2012 do Tribunal Constitucional: «O que é relevante é que se não pode concluir, sem margem para dúvidas, que, in casu, o processo interpretativo seguido pelo tribunal a quo se terá traduzido na criação de uma “norma” por parte do juiz, com recurso aos instrumentos próprios do pensamento analógico, e, por isso, através do emprego de meios hermenêuticos que a Constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º inequivocamente proíbe». Concluímos, pois, que bem andou a sentença recorrida ao considerar que a interpretação nela adoptada não viola o princípio da legalidade consagrado no art. 103.º, n.º 2, da CRP.

2.2.3.2 O Recorrente sustenta ainda que a interpretação adoptada na sentença recorrida viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, decorrentes do princípio do Estado de Direito ínsito no art. 2.º da CRP, e dos princípios da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva, consagrados nos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP. Sempre salvo o devido respeito, também não tem razão quanto a este ponto, sendo que a sentença deu cabal resposta a essa alegação do ora Recorrente, designadamente citando o já referido acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1437/18.4BELRS, no qual ficou dito: «É certo que a prescrição da obrigação tributária se justifica pela necessidade da estabilização das relações jurídicas tributárias, de segurança e de paz jurídica, mas essa necessidade não confere ao respectivo devedor o direito a prazos de prescrição menores do que os previstos para o devedor de obrigação civil, ou o direito a enfrentar menos actos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição destas obrigações, ou, sequer, o direito a obter diferenciados efeitos (duradouros ou instantâneos) para os actos interruptivos relativamente ao devedor de obrigação civil, pois não existe regra ou princípio (legal ou constitucional) que o imponha».

Recordemos também as considerações efectuadas no já referido acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 6/2014: «[…] o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição que consta do n.º 1 do artigo 49 [da LGT] desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil). Isso porque a utilização pelo legislador tributário da figura da interrupção da prescrição sem qualquer outra especificação não pode deixar de ser entendida, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, como correspondendo a uma remissão para as disposições da lei civil que regulam o instituto, mormente no que se refere aos respectivos efeitos (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 405)».

Finalmente, diremos que não vislumbramos como as normas que disciplinam as causas da interrupção da prescrição e os seus efeitos possam contender com as garantias de defesa e protecção jurisdicional do Recorrente, pois não impedem o andamento de nenhum processo nem interferem com a prolação da decisão respectiva.

Afirma o Recorrente que a interpretação adoptada pela sentença recorrida «[s]eria permitir que o processo de execução fiscal ficasse indefinidamente pendente e os contribuintes à disposição das manobras coercivas do órgão da execução fiscal para todo o sempre» mas, a nosso ver, não é assim. Desde logo, a AT não tem interesse algum em protelar a cobrança das dívidas, antes pelo contrário, sendo que, em regra, a execução fiscal deverá estar concluída no prazo de um ano [cfr. art. 117.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]. Mas, ainda que, por absurdo, esse protelamento acontecesse, sempre o executado poderia reagir contra ele, designadamente, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT) solicitando a intervenção do juiz para pôr cobro a qualquer ilegalidade cometida, por acção ou por omissão, pelo órgão da execução fiscal [cfr. arts. 95.º, n.º 1, alínea j), e 103.º, n.º 2, da LGT e art. 276.º do CPPT].».

Em face da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo transcrita, podemos concluir que:

- A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária) um duplo efeito: por um lado, a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil) e, por outro, o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil).

- O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.

Acresce referir, ainda, que o efeito duradouro da interrupção da prescrição em resultado da citação tem lugar independentemente da natureza da ação judicial em que ela tem lugar, e, portanto, também no processo executivo. Na verdade, o artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil não distingue. Assim, se a citação tem lugar na execução fiscal, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo. E, como já foi explicitado em acórdãos desta Secção, designadamente nos proferidos em 05/04/2017, no processo 0304/17, e em 10/04/2019, no processo 01437/18.4BEBRG, deve equipar-se a essa decisão aquela que declare em falhas a execução fiscal (cf. artigo 272.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Ou seja, a lei prevê um mecanismo que impede que o processo executivo fique indefinidamente pendente, quando não se mostre viável a satisfação coerciva do direito do credor a ser ressarcido do montante que lhe é devido. E se é certo que a execução por dívida declarada em falhas pode prosseguir nas circunstâncias referidas no artigo 274.º do mesmo diploma legal, o certo é que, entretanto, o prazo de prescrição começou de novo a correr em favor do devedor e do direito que lhe assiste à segurança jurídica.

Resta, pois, negar provimento ao recurso.

4. Decisão
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 12 de maio de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.