Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01/20.2BECBR
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO
AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
MINISTÉRIO PÚBLICO
TRIBUNAL SUPERIOR
Sumário:Não se apresenta manifestamente necessário à melhoria na aplicação do direito o recurso interposto ao abrigo do artigo 73.º, n.º 2, do RGCO e com fundamento em erro claro, se se não se evidencia que o entendimento jurisprudencial da questão de direito em causa já foi clarificado e a decisão recorrida afronta claramente esse entendimento.
Nº Convencional:JSTA000P26928
Nº do Documento:SA22020121601/20
Data de Entrada:10/08/2020
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
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Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

O Ministério Público, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 01-03-2020, que julgou procedente a pretensão deduzida por “ A…………., Lda.” no presente processo de Recurso de Contraordenação relacionado com a decisão pela qual, no âmbito do processo de contraordenação (PCO) n.º 30502019060000068766, lhe foi aplicada coima no valor de €302,10, acrescida de custas no valor de €76,50, tendo, em substituição da decisão de aplicação de coima recorrida, condenado a arguida numa sanção de admoestação nos termos descritos na mencionada decisão, mais referindo não haver lugar a custas por delas estar isento o Ministério Público.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1. O presente recurso é interposto com base no preceituado nos artigos 83º nº 2, RGIT, e 73º nº 2, do DL 433/82, visando a melhoria do direito (2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência).

2. Na decisão recorrida, que aplicou uma pena de admoestação à arguida, não condenou a recorrente em custas, atento o preceituado no art. 94º nº 3, RGCO.

3. Tal decisão viola o preceituado no artigo 8º, nº 7 a 9 do RCP, conjugado com o preceituado nos art. 41º, 93º, 94º, RGCO, 513º nº 4, CPP, ex vi art. 3 b), do RGIT.

4. Desde logo porque na decisão recorrida foi aplicada uma sanção à arguida – pena de admoestação, o tem como consequência dever a mesma também ser condenada em custas, nos termos dos preceitos legais referidos.

5. Esta é a melhor interpretação a fazer do regime legal em causa, atento o preceituado no artigo 9º, do Código Civil.

6. Resulta, assim, ter sido violado, na decisão recorrida, o preceituado nos artigos 8º, nº 7 a 9 do RCP, conjugado com o preceituado nos art. 41º, 93º, 94º, RGCO, 513º nº 4, CPP, ex vi art. 3 b), do RGIT.

Deve, assim, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a recorrente “A………….., LDA.ˮ em custas

Assim se fazendo

JUSTIÇA!”

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Previamente às questões que constituem o objecto do presente recurso jurisdicional o qual se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, importa apreciar a questão prévia da admissibilidade do recurso, tendo em conta que foi interposto ao abrigo do artigo 73º nº 2 do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Em 01-07-2019 a arguida procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao ano de 2018 – cf. descrição sumária dos factos na decisão de fixação da coima de fls. 9 dos autos; confissão no artigo 6.º das alegações de recurso;

2. Em 10-09-2019 a AT emitiu “Notificação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima (Artigo 70.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias – RGIT)” com o seguinte teor:

(…)” – cf. Doc. de fls. 8 dos autos;

3. Em 02-10-2019 foi emitida pelo Serviço de Finanças (SF) de Coimbra-2 a “Decisão de Fixação da Coima” no PCO n.º 30502019060000068766, com o seguinte teor:

“(…)

(…)” – cf. doc. de fls. 9 e 11 dos autos;

4. A decisão a que aludimos no ponto que antecede foi remetida à ora Recorrente por Via CTT, tendo sido disponibilizada na sua caixa postal em 29-10-2019 - cf. fls. informação de fls. 30 dos autos;

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Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
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A matéria de facto provada resultou da convicção do Tribunal fundada na análise crítica e conjugada de todos os elementos constantes dos autos, nomeadamente a prova documental junta aos autos, bem como a decisão proferida e sua fundamentação.”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa, antes de mais, de apreciar a questão prévia que se consubstancia na possibilidade de dedução do presente recurso ao abrigo da norma constante do art. 73º nº 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (R.G.C.O.), aprovado pelo D.L. nº 433/82, de 27-10, até porque que este Tribunal não se encontra vinculado à decisão proferida pelo Juiz "a quo" que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, atento o preceituado no art. 414º nº 3 do C.P.P., aplicável “ex vi” dos arts. 3º al. b) do R.G.I.T. e 41º nº 1, do R.G.C.O. - Ac. deste Tribunal de 08-01-2020, Proc. nº 287/16.7BEMDL, www.dgsi.pt.

Com efeito, a lei admite que, em casos legalmente justificados, se deduza o recurso ao abrigo do art. 73º nº 2 do R.G.C.O., aplicável "ex vi" do art. 3º al. b) do R.G.I.T., quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.

Desde logo, diga-se que o presente recurso não tem cabimento no artigo 83º do RGIT, na medida em que o valor da coima aplicada é muito inferior ao valor da alçada fixado na segunda parte do nº 1 daquele artigo 83º e não foi aplicada qualquer sanção acessória, do mesmo modo que não se enquadra na alínea d) do nº 1 do artigo 73º do RGCO, pois que está em causa a decisão que anulou a decisão recorrida e não uma decisão de rejeição da impugnação dessa decisão, o que significa que cabe apenas ponderar se pode ser admitido ao abrigo do nº 2 daquele artigo 73º.

Como se aponta no Ac. deste Tribunal de 16-09-2020, Proc. nº 0436/17.8BECBR 01466/17, www.dgsi.pt, “… Entende que sim o Recorrente Ministério Público, por a sua admissão se lhe afigurar manifestamente necessária à «melhoria da aplicação do direito».

No entanto, a razão concreta que invoca para a sua admissão é manifestamente improcedente, visto que se limita a consignar que «está em causa a aplicação do direito».

Se tivesse cabimento este entendimento, os recursos para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo eram sempre admissíveis a coberto deste dispositivo legal, desde que o erro na aplicação do direito fosse a única questão a decidir.

Porque, como é óbvio, nos recursos para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo está sempre em causa aplicação do direito e a sua finalidade é sempre a de obter uma melhor aplicação o direito.

Parece, no entanto, que o Recorrente disse menos do que pretendia e que pretendia invocar o erro manifesto da decisão recorrida.

É, pelo menos, o que entende o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal. Ao concluir que se justifica a admissão do recurso porque existe «erro claro na decisão recorrida», isto é, erro evidenciado na própria decisão de aplicação da coima e no facto de dela constarem, de forma patenteada, os factos integradores da infração em causa.

Na prática, apela-se ao entendimento adotado no acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de junho de 2007 (no processo n.º 411/07) que, por remissão para a doutrina, concluiu que o recurso deve ser admitido quando se detetem «erros claros na decisão judicial», designadamente quando «se esteja perante uma manifesta violação do direito».

Sucede que o conceito de «erros claros na decisão judicial» veio a ser posteriormente densificado no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 25 de março de 2009 (no processo n.º 106/09), no sentido de que se consideram como tal os «erros jurisprudencialmente inadmissíveis» por estarem «à margem de qualquer corrente jurisprudencial».

Ou seja, os erros não são claros porque decorram instantaneamente da decisão, mas porque o entendimento jurisprudencial da questão de direito em causa já foi clarificado e a decisão recorrida afronta (claramente) esse entendimento.

O que bem se compreende se levarmos em conta que um conceito de erro claro que não fosse balizado nestes dados objetivos conduziria à admissão de recursos para dirimir bagatelas num tribunal vocacionado sobretudo para a função de uniformizar jurisprudência. E, ainda por cima, para a resolução de erros que, por serem manifestos, não se apresentam com complexidade bastante para se justificar a intervenção do tribunal de cúpula da jurisdição.

Ora, o Recorrente não invoca nenhum entendimento jurisprudencial firmado sobre a questão. As longas citações inseridas nas doutas alegações foram tiradas da doutrina e dizem respeito à interpretação das normas penais em geral e não a algum entendimento firmado a respeito nas normas concretamente aplicadas. E os dois acórdãos citados também não incidiram sobre estas normas, até porque foram tirados em tribunais da outra jurisdição.

Termos em que se conclui que não estão reunidos os requisitos para a admissão do recurso. …”.

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, até porque as alegações do Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito no aresto apontado, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em não tomar conhecimento do recurso.

Sem custas.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.