Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0236/09.9BEFUN
Data do Acordão:04/07/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTOS
ILEGALIDADE
Sumário:O Tribunal tem de apreciar, sob pena de nulidade da decisão por omissão de pronúncia, os fundamentos autónomos em que o A. sustenta a ilegalidade do acto impugnado.
Nº Convencional:JSTA000P29254
Nº do Documento:SA1202204070236/09
Data de Entrada:09/01/2021
Recorrente:A......., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO FUNCHAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A……….., S.A., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAF do Funchal), em 21 de Outubro de 2009, acção administrativa comum, contra o Município do Funchal, na qual formulou o seguinte pedido: “[…] Nestes termos, e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 86.873,80 (oitenta e seis mil, oitocentos e setenta e três euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento, tudo com as legais e devidas consequências […]».

2 – Por sentença de 12 de Maio de 2012 foi a acção julgada procedente e a Entidade Demandada condenada a pagar à A., a título de indemnização por responsabilidade civil contratual, o montante de €86.873,80, acrescido de juros de mora à taxa anual de 4% desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

3 – Inconformado o Município do Funchal recorreu daquela decisão para o TCA Sul, que por acórdão de 12 de Novembro de 2015 anulou a sentença por omissão de pronúncia, conheceu do objecto da causa em substituição e julgou a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido.

4 – Inconformada com o acórdão, a. arguiu a respectiva nulidade por omissão de pronúncia e interpôs recurso de revista para o STA. O TCA Sul, por acórdão de 16 de Janeiro de 2020, conheceu da alegada nulidade, considerando que a mesma não se verificava.

5 – Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Junho de 2021, o recurso de revista foi admitido.

6 – A. e aqui Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

I. Salvo melhor opinião, estão integralmente reunidos os requisitos de admissão do presente Recurso de Revista Excepcional, tal como fixados nos n.ºs 1 e 2 do art. 150.º do Código Civil [sic].

II. Com efeito, a questão cuja apreciação a ora Recorrente suscita no âmbito do presente recurso, ou seja, a validade de uma estipulação regulamentar e/ou contratual que restrinja e limite a responsabilidade civil contratual de uma das partes de um contrato público, bem como a respectiva obrigação de indemnizar, reveste-se de importância fundamental, comportando um interesse prático e objectivo que ultrapassa os limites da situação singular a proferir, e podendo originar uma controvérsia que se pode expandir à execução de qualquer contrato público e a todos os casos de responsabilidade contratual de um contraente público.

III. Para além do mais, o Douto Acórdão recorrido adaptou uma posição juridicamente insustentável relativamente às regras do ónus da prova, "transformando" uma excepção e um facto impeditivo do direito invocado pela Autora, numa condição de procedibilidade do pedido e num facto constitutivo desse direito, assim invertendo a regra legal do ónus da prova, e impondo a quem invoca um direito que faça prova da não verificação de um facto impeditivo do mesmo, com a consequente violação dos n.ºs 1 e 2 do art. 342.º do Código Civil.

IV. Por outro lado, o Douto Acórdão recorrido, não interpretou, nem aplicou correctamente, as regras relativas à resolução de um contrato, sujeitando o (posterior) exercício do direito à compensação por uma alegada resolução ilícita ao cumprimento e/ou observância do estipulado no contrato (previamente) resolvido, assim violando, de forma manifesta, os arts. 436.º e 434.º do Código Civil.

V. Ora, para além das 2 questões anteriormente referidas também revestirem importância fundamental, comportando um interesse prático e objectivo que ultrapassa os limites da situação singular a proferir, e podendo originar uma controvérsia que se pode expandir a qualquer contrato e/ou acção judicial, a intervenção deste Venerando Tribunal afigura-se essencial (e necessária) para garantir uma melhor aplicação do direito.

VI. Apesar da questão da invalidade da Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos do procedimento pré-contratual em causa ter sido expressamente suscitada pela Autora, e ora Recorrente, quer na sua Réplica (cfr. arts. 11.º a 14.º da mesma), quer nas suas Contra-Alegações de Recurso (cfr. Conclusões F. e G.), e ter influência sobre a decisão a proferir, a mesma não foi apreciada no Douto Acórdão recorrido, que assim apreciou a excepção deduzida pelo Réu sem apreciar a correspondente (contra) excepção deduzida pela ora Recorrente, e incorreu no vício de nulidade por omissão de pronúncia, tal como previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

VII. Designadamente, tal Cláusula do Caderno de Encargos:

a. Estabelece, ao arrepio das disposições legais aplicáveis à execução do contrato dos autos, e ao procedimento administrativo, uma forma de reclamação administrativa imperativa e prévia, e que viola, ostensivamente, a regra de que as reclamações e os recursos administrativos têm sempre caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários;

b. É contrária à lei e à ordem pública, usurária, visa facilitar as condições em que à caducidade e a presunção dos direitos operam, alterando matéria subtraída à disponibilidade das partes e que defrauda as regras legais e gerais da prescrição; e/ou,

c. Viola, de forma manifesta, os princípios da proporcionalidade e da justiça e da razoabilidade, configurando ainda uma limitação, abusiva e injustificada, do direito de acesso à justiça e aos tribunais, bem como do princípio da tutela jurisdicional efectiva, colocando nas mãos e à mercê da Administração o direito de efectivar a responsabilidade civil da mesma.

VIII. Desta forma, a mesma, que foi adaptada no exercício dos poderes regulamentares do Recorrido, viola os arts. 161.º a 164.º do CPA de 1991, os arts. 280.º, 282.º, n.º 1, 300.º, 330.º, n.º 1, todos do Código Civil, bem como os arts. 5.º e 6.0 do CPA de 1991 e os arts. 20.º e 22.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser declarada nula e desaplicada do caso sub judice.

IX. O não cumprimento do disposto na referida cláusula configura uma excepção, designadamente da caducidade do direito, e que, aliás, foi invocada como tal pelo Réu em sede de Contestação, pelo que nos termos do art. 342.º, n.º 2 do Código Civil, cabia a este a prova da mesma.

X. Dos factos provados (e não impugnados ou alterados) resulta que a ora Recorrente, comunicou, por 2 vezes, ao Recorrido, e, em qualquer dos casos, dentro do prazo de 8 dias a contar do facto relevante, que não se conformava com a cessação do contrato dos autos, e que se encontrava no direito de continuar a prestar os serviços objecto do mesmo, recebendo o respectivo valor, pretensão que corresponde ao pedido deduzido nos presentes autos.

XI. Assim, ao considerar que cabia à ora Recorrente alegar e demonstrar o cumprimento da Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos, bem como ao assumir/concluir, sem qualquer sustentação nos (ou atenção aos) factos provados, pelo respectivo incumprimento, o Douto Acórdão recorrido interpretou e aplicou incorrectamente, e violou, os n.ºs 1 e 2 do art. 343.º do Código Civil.

XII. Não está em causa um litígio ou uma pretensão relativa ao modo de (e/ou à) execução das prestações contratuais, ou ao cumprimento defeituoso das mesmas, mas sim um litígio emergente da alegada resolução ilícita, pela Entidade Adjudicante, do contrato dos autos, resolução que produz efeitos a partir da recepção da respectiva comunicação, e tem eficácia retroactiva.

XIII. Desta forma, ao considerar aplicável a Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos ao exercício de um direito emergente da resolução do contrato dos autos, e constituído em momento posterior à mesma, o Douto Acórdão recorrido violou os arts. 436.º, n.º 1 e 434.º, n.0 1 do Código Civil, prolongando a vigência e a eficácia do contrato para além do seu termo legal.

Nestes termos, e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista ser admitido, e julgado procedente, e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido, julgando-se improcedente a excepção da caducidade do direito de indemnização invocada pelo Réu e, ora Recorrido, com as legais e devidas consequências,

Assim se fazendo JUSTIÇA.

[…]».



7 – Notificado para contra-alegar, o Município do Funchal apresentou as seguintes conclusões:
«[…]

5º Na verdade, não há, sequer, questão: o Município Recorrido comunicou a caducidade do contrato avulso 24/2005 aqui em apreço e a ora Recorrente, entendendo que lhe era devida uma indemnização por alegado incumprimento contratual (fundamentado numa alegada e nunca verificada ou provada resolução contratual injustificada e abusiva), não cumpriu o prazo estipulado na referida cláusula 5.4 do Caderno de Encargos do concurso que conduziu à celebração do referido contrato - que estabelecia um prazo de caducidade de 8 dias (a contar da verificação do facto que lhe deu origem) para o adjudicatário requerer, fundamentadamente, o pagamento de qualquer indemnização contratual.

A cláusula em apreço foi introduzida no Caderno de Encargos de um determinado contrato, celebrado na sequência de um específico concurso público, pelo que muito dificilmente poderá ultrapassar os limites da situação do caso concreto.

7º A questão dos autos - a admitir-se a existência de questão para efeitos deste recurso de revista: (in)validade da Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos - é juridicamente pacífica e a socialmente mais aceitável e menos gravosa para os interesses gerais da comunidade (privilegiando a certeza e segurança em defesa do interesse público) e não assume uma importância jurídica ou social fundamental que legitime a admissão do presente recurso de revista, que, por isso, não deverá ser admitido, nos termos previstos no n.º 1, do artigo 150 do CPTA.

8º O que a Recorrente pretende é a (re)apreciação do caso concreto, pelo simples facto de não concordar com a decisão do Tribunal a quo (invocando, para tanto, exatamente os mesmos fundamentos que invocou em sede de contra-alegações no recuso interposto pelo Município Recorrido) - o que, salvo o devido respeito, não é o escopo do recurso de revista.

9º Quando assim não se entenda, certo é que o Tribunal a quo se pronunciou expressamente, em substituição do tribunal de 1.ª instância, sobre a validade e eficácia da referida cláusula 5.4 do Caderno de Encargos, pelo que o acórdão sub judice não padece de qualquer vício, muito menos do vício de omissão de pronúncia.

10º O direito à indemnização emergente de eventual responsabilidade civil contratual das entidades adjudicantes não é uma matéria subtraída à disponibilidade das Partes, pelo que as mesmas podiam, respeitando o regime legal da prescrição, convencionar um prazo de caducidade (artigo 330, n.º 1 do CC) - o que fizeram

11º A cláusula 5.4 do Caderno de Encargos é perfeitamente válida nos termos dos artigos 298, n.º 2 e 330, n.º 1 do CC e, tendo sido convencionado por ambas as Partes um prazo de caducidade de 8 dias para o adjudicatário requerer, fundamentadamente, o pagamento de qualquer indemnização contratual (cfr. Alínea DD) dos Factos Provados) o mesmo devia ser respeitado pela Recorrente - e não foi.

12º Assim, ainda que houvesse fundamento legal para pedir uma qualquer indemnização - que não há -, sempre teria que se considerar, como no acórdão recorrido, que o direito da Recorrente já havia caducado, nos termos da cláusula 5.4 do Caderno de Encargos, perfeitamente válida e eficaz.

13º A exceção perentória de caducidade do direito à indemnização, com fundamento no não cumprimento pela Recorrente do prazo estipulado na Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos, é um facto extintivo do direito do Autor (Recorrente), competindo, por isso, ao Réu (Recorrido) a sua alegação e prova.

14º O Município Recorrente invocou a caducidade do direito indemnizatório da Recorrente e provou esse facto extintivo na medida em que lhe era permitido fazê-lo, considerando a dificuldade de prova de um facto negativo, o que não eximia, nos termos da lei (art. 342, n.º 1 do CC) a ora Recorrente de fazer prova dos factos constitutivos do seu direito.

15º Só decorrido cerca de mais de um ano sobre a data em que teve conhecimento de que não iria continuar a fazer a manutenção dos espaços verdes do concelho do Funchal é que a Recorrente interpôs a presente ação para obter o pagamento dos alegados lucros cessantes provenientes de uma (também alegada) resolução antecipada do contrato.

16º Ao ter intentado a presente ação, depois de ter concorrido a um novo concurso lançado com o mesmo objeto e (apenas por o) não ter ganho, a Recorrente atuou em manifesto abuso de direito, na forma de venire contra factum proprium, isto é, em contradição com uma conduta por si anteriormente assumida (apresentar-se a concurso para o mesmo objeto contratual, demonstrando não poder deixar de saber que o seu contrato já havia caducado).

17º O Tribunal a quo não se absteve de atender aos factos, que estavam provados e que eram relevantes, tendo feito uma correta interpretação e aplicação das normas, nomeadamente as relativas ao ónus da prova e, assim, a prevista no artigo 342, n.º 1 e 2 do CC.

18º A Recorrente nunca questionou a validade da referida cláusula e, pelo menos desde 5 de Março de 2008, data em que foi publicado o anúncio do novo concurso com objeto exatamente idêntico, para a adjudicação da "Manutenção dos espaços verdes públicos no concelho do Funchal" - ao qual concorreu - a Recorrente não podia razoavelmente deixar de conhecer a intenção do Município Recorrido de celebrar um novo contrato com objeto idêntico ao do celebrado consigo (contrato 24/2005).

19º A Recorrente sempre agiu como se soubesse - e sabia - que o seu contrato já havia caducado e que a prestação dos serviços se mantinha, provisoriamente, enquanto estivesse a decorrer o referido (novo) concurso público e até o mesmo se concluir, pelo que o acórdão recorrido não viola nenhuma das normas invocadas pela Recorrente, nomeadamente as constantes dos artigos 436, n.º 1 e 434, n.º 1 do CC.

20º A Recorrente, por não ter reclamado oportunamente no prazo contratualmente previsto para o efeito, não tem o direito à indemnização contratual, que judicialmente aqui reclama (artigo 330, n.º 1 do CC) e o motivo pelo qual existe o direito, constitucional e legalmente garantido, de acesso aos tribunais não é o de se fazerem valer direitos que inexistem, em manifesto abuso do exercício de tais alegados direitos e em violação clara do princípio da boa-fé.

21º Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, fazendo uma correta interpretação dos factos e uma não menos correta aplicação do Direito, pelo que deve ser mantido.

Nestes termos, e nos mais de Direito:

(i) não deve ser admitido o presente recurso excecional de revista, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legais de que depende a sua admissibilidade (artigo 150, n.º 1 do CPTA), ou, caso assim não se entenda,

(ii) deve ser negado provimento ao presente recurso e ser o douto acórdão recorrido confirmado, assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA!

[…]».

8 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.




II – FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto
No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
«[…]

Na fase do saneador

A) Na data de 06/05/2005, e na sequência do respectivo procedimento pré-contratual, as partes celebraram um "Contrato de fornecimento de mão-de-obra para a manutenção dos espaços verdes da área urbana do concelho do Funchal" (Doc. 1 da p.i., doravante abreviadamente designado por "Contrato").

B) Relativamente ao prazo de vigência do Contrato, a sua cláusula 3.ª dispõe que: "A

duração do contrato é de 1 ano e produzirá efeitos a partir do dia 1 do mês seguinte contados de hoje, data da assinatura do contrato, considerando-se automaticamente renovado por iguais períodos, se não for rescindido, inequivocamente, e por escrito por carta registada com aviso de recepção, por quaisquer das partes, até 90 dias do termo do período em curso, até ao limite de 1 ano."

C) Em consonância com o estipulado, o Contrato iniciou a sua vigência no dia 01/06/2005 (Doc. 1 da p.i., cláusula 3.ª).

D) Por intermédio de comunicação expedida na data de 11/06/2008, o R. procedeu à denúncia/resolução unilateral do contrato, invocando, para o efeito, que o mesmo havia caducado pelo decurso do prazo (Doc. 2 da p.i.).

E) Por intermédio de comunicação datada de 19/06/2008, a A. transmitiu ao R. que não aceitava a denúncia do contrato e que considerava que o mesmo se encontrava em vigor (Doc. 3 da p.i.).

F) O R. respondeu à A., por intermédio de comunicação expedida na data de 04/07/2008, invocando que, afinal, e uma vez que a supra cláusula 3.ª apenas admitia uma renovação contratual, o contrato havia caducado em Junho de 2007 (Doc. 4 da p.i.),

G) Pelo que, desde então, a A. "continuou a prestar serviços cujas facturas são pagas com a justificação de estar a decorrer um concurso público" (Doc. 4 da p.i.).

H) Concurso esse que, no entanto, apenas foi lançado na data de Março de 2008.

I) Dá-se por reproduzidos os pressupostos referidos no Doc. 4 da petição inicial.

J) A A. comunicou, de imediato, ao R. que os meios afectos à execução do Contrato continuavam disponíveis para prestar os serviços contratados (Doc. 5 da p.i.).

K) No entanto, a partir do final do mês de Junho de 2008, o R. deixou de aceitar os serviços prestados pela A., tendo impedido esta de os prestar.

L) O contrato avulso 24/2005 foi celebrado na sequência de um procedimento de concurso público (doc. n.° 1 da contestação, que se dá por reproduzido).

M) O programa do concurso previa que "o prazo do contrato de manutenção e limpeza dos espaços verdes é de um ano" (ponto 18 do doc. n.° 2 da contestação, que se dá por reproduzido).

N) Dá-se por reproduzidas as cláusulas 3.2.2 e 5.4 do Caderno de Encargos, junto como Doc. n.° 3 da contestação, bem como a cláusula 3.ª do Contrato.

O) Já quanto à possibilidade de fixação e pagamento de indemnização ao adjudicatário, estabelecia a cláusula 5.4 do caderno de encargos do concurso que esta "depende de requerimento do interessado, acompanhado dos elementos justificativos, a apresentar num prazo não superior a 8 dias a contar da verificação do facto que lhe deu origem" (doc. 3 da contestação).

P) A 05/03/2008, foi publicado no Diário da República, 2.a Série, n.° 46, um novo anúncio para a adjudicação da "Manutenção dos espaços verdes públicos no concelho do Funchal" (doc. n.° 4 da contestação, que se dá por reproduzido).

Q) Nos termos da secção II.1.1), o objecto do contrato era idêntico ao contrato avulso 24/2005, celebrado em 2005 entre o Município Réu e a A. (doc. n.° 4 da contestação e doc. n.° 1 da p.i.).

R) O referido concurso era dividido em 5 lotes, podendo cada concorrente apresentar propostas para um ou mais lotes (cfr. secção 11.1.8 e anexo B do doc. 4 da contest.).

S) O critério de adjudicação, previsto no concurso, era exclusivamente o do preço mais baixo (cfr. secção IV.2) do doc. 4 da contestação).

T) A 21/04/2008, a A. apresentou a sua proposta para execução do mencionado contrato (doc. n.° 5 da contestação, que se dá por reproduzido).

U) A 22/04/2008, o júri do concurso procedeu à abertura das propostas (doc. n.° 6 da contestação, que se dá por reproduzido).

V) A 09/05/2008, o júri procedeu à análise das propostas apresentadas a concurso (doc. n.° 7 da contestação, que se dá por reproduzido).

W) A 14/05/2008, o Município Réu notificou a A. para efeitos de audiência prévia (doc. n.° 8 da contestação, que se dá por reproduzido).

X) A A. não exerceu o seu direito de audiência.

Y) A 23/05/2008, o júri elaborou o relatório final de análise de propostas, propondo a adjudicação do contrato, por lotes, aos concorrentes que apresentaram propostas de preço mais baixo, nos quais não se incluía a A. (doc. n.° 9 da contestação, que se dá por reproduzido).

Z) A 05/06/2008, o Município Réu notificou à A. a decisão de adjudicação a outros concorrentes (doc. n.° 10 da contestação, que se dá por reproduzido).

AA) O Município Réu pagou à A. as facturas correspondentes aos serviços prestados por esta até 30/06/2008 (docs. 11 a 16 da contestação).

BB) Dão-se por reproduzidos os Documentos 11 a 16 da contestação.

CC) A presente acção deu entrada no tribunal em 21/10/2009.

DD) A cláusula 5.4 do caderno de encargos do concurso que conduziu à celebração com a A. do contrato avulso 24/2005 estabelecia um prazo de caducidade de 8 dias (a contar da verificação do facto que lhe deu origem) para o adjudicatário requerer o pagamento de indemnização.

EE) A vontade real do Município Réu era a de celebrar o referido contrato por um prazo de um ano (cfr. anúncio do concurso de 2005 e respectivo programa).

Das respostas à b.i.

FF) A A. nunca aceitou ou presumiu prestar os serviços objecto do contrato nos termos e nos
pressupostos referidos na comunicação do Réu.
GG) Em virtude da resolução antecipada do contrato pelo R., a A. deixou de auferir a quantia total de 86.873,80 (oitenta e seis mil, oitocentos e setenta e três euros e oitenta cêntimos),
HH) Correspondente à soma do valor mensal que seria devido pela prestação de serviços no período compreendido entre os meses de Julho de 2008, inclusive, e Maio de 2009, inclusive,
II) Valor esse calculado com base nos valores, devidamente actualizados, previstos na Proposta da ora A. e no Contrato (cfr. folha demonstrativa junta como Doc. 6 da p.i.)
JJ) Para além de ter deixado de auferir tal quantia (oitenta e seis mil, oitocentos e setenta e três euros e oitenta cêntimos), a A. continuou a suportar os custos e encargos relativos a algum do pessoal afecto à prestação de serviços.

[…]».



2. Enquadramento e enunciado das questões
2.1. A A. propôs a acção peticionando uma indemnização de €86.873,80 por danos emergentes do que qualificou como resolução antecipada do contrato de fornecimento de mão de obra para a manutenção dos espaços verdes na área urbana do concelho do Funchal, que celebrara com a Entidade Demandada em 2005. O montante indemnizatório pedido correspondia ao valor mensal que seria devido desde o final de Junho de 2008 (data em que a Entidade Demandada deixou de aceitar os serviços por ela prestados) até Maio de 2009 (data em que a A. considerava o contrato extinto por efeito da respectiva denúncia pelo Município do Funchal).

2.2. Na contestação, a Entidade Demandada, além de impugnar os fundamentos da acção, deduziu as excepções da caducidade do direito à indemnização e da caducidade do contrato.

2.3. Na réplica, a A. alegou, no essencial, que “a cláusula 5.4 do Caderno de Encargos não regula nem podia regular a caducidade e/ou prescrição de eventuais indemnizações” e que esta questão teria de ser regulada pelo artigo 309.º do C. Civ.; e que, mesmo que se entendesse que a referida cláusula pretendia regular aquela matéria, então a mesma teria de ter sido invocada pelo R., o que não sucedeu.

2.4. No despacho saneador de 30 de Abril de 2010, pode ler-se com relevância para o que aqui nos cumpre decidir o seguinte:

«[…]

Quanto à caducidade do direito à indemnização, que o Réu remete para a cláusula 5.4 do Caderno de Encargos do Concurso que conduziu ao contrato aqui em causa, estando nós em sede de responsabilidade civil contratual, compulsado o contrato constante como Doc. 1 da petição inicial, celebrado naturalmente entre os ora litigantes, entendemos que devemos chamar à colação o disposto no art. 41° do CPTA.

O n.º 1 do art.º 41.º citado dispõe que "a acção administrativa comum pode ser proposta a todo o tempo, sem prejuízo no disposto na lei substantiva".

Este último aspecto refere-se, em regra, à responsabilidade civil extra-contratual, que aqui não se discute.

Neste termos, respeitando o contrato e o art.º 41°citado, entendemos que esta acção é tempestiva, pelo que improcede esta excepção.

[…]».

2.5. Na sentença proferida em 12 de Junho de 2012, o TAF do Funchal julgou a acção procedente e condenou o Município no pagamento da indemnização de € 86.873,80, a título de responsabilidade civil contratual, acrescida de juros de mora.

2.6. O TCA Sul, por acórdão de 12 de Novembro de 2015, anulou a sentença, com fundamento em omissão de pronúncia, por nela (ou melhor, no despacho saneador que antecedeu) não se ter conhecido correctamente da questão suscitada pela Entidade Demandada na excepção relativa ao que qualificou como condição de procedibilidade da acção, ou seja, o (in)cumprimento do disposto na referida cláusula 5.4 do contrato.

E considerou que tinha havido incumprimento daquela obrigação de apresentação de requerimento pelos interessados perante a entidade demandada no prazo de 8 dias a contar da verificação do facto, e que a mesma era obrigatória apesar de não estar prevista no contrato, mas apenas nas peças processuais, mais concretamente, no caderno de encargos. E, com este fundamento, julgou improcedente a acção.

2.7. Nas alegações do recurso de revista, a A. e Recorrente suscita as seguintes questões: i) a nulidade do acórdão recorrido, alegando que, não obstante ter suscitado expressamente na réplica e nas contra-alegações que apresentara perante o TCA a questão da invalidade da cláusula 5.4 do caderno de encargos, o tribunal não conheceu desta questão; ii) erro de julgamento relativamente às regras do ónus da prova, por ter "transformado" uma excepção e um facto impeditivo do direito invocado pela A., numa condição de procedibilidade do pedido e num facto constitutivo desse direito, invertendo a regra legal do ónus da prova, e impondo a quem invoca um direito que faça prova da não verificação de um facto impeditivo do mesmo, com a consequente violação dos n.ºs 1 e 2 do art. 342.º do Código Civil; e iii) erro de julgamento na interpretação e aplicação das regras relativas à resolução do contrato.

2.8. Por acórdão de 16 de Janeiro de 2020, o TCA Sul veio sustentar a decisão e afastar a existência da alegada nulidade por omissão de pronúncia, considerando que estava em causa apenas uma alegada desconsideração de fundamentos que a A. tinha apresentada na réplica para suportar a invalidade da cláusula 5.4. do caderno de encargos, mas não questões autónomas que tivessem ficado por responder.

2.9. Assim, o objecto do presente recurso centra-se na determinação da existência ou não da alegada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e no conhecimento dos referidos erros de julgamento.

3. De Direito

3.1. Da alegada omissão de pronúncia

Compulsado o teor da réplica, verificamos que a A. tinha alegado, para afastar a invocada excepção de caducidade do direito à indemnização, o seguinte: i) que a cláusula se limitava a regular o pagamento administrativo, contratual e voluntário de eventuais indemnizações que viessem a ser requeridas e não o exercício judicial do direito, pelo que não pode considerar-se uma condição de caducidade ou prescrição do direito; ii) que a lei substantiva (o CPA) não contempla qualquer disposições sobre a prescrição ou a caducidade da responsabilidade civil contratual da Administração, pelo que valeriam neste âmbito as regras do Código Civil; iii) que, de qualquer forma, ainda que se entendesse que aquele era um elemento de regulação da caducidade/prescrição do direito de indemnização, a mesma tinha um teor “abusivo” e, como tal, era inválida.

No acórdão de 12 de Novembro de 2015 o TCA Sul não conheceu de nenhum daqueles fundamentos. No trecho que enfrenta o teor da réplica afirma-se apenas o seguinte:

«[…]

E nem se diga, como sustenta a autora na réplica, que a cláusula em causa se limitava a regular a fixação e o pagamento administrativo, contratual e voluntário de eventuais indemnizações que fossem requeridas pela autora no âmbito da execução do contrato, já que a inserção sistemática de tal cláusula, no final do articulado do caderno de encargos, denuncia que a indemnização nela prevista cobria toda e qualquer responsabilidade resultante do não cumprimento de qualquer das cláusulas contratuais a que a entidade adjudicante se encontrava vinculada.

Por conseguinte, não tendo a autora alegado que deu cumprimento ao disposto na cláusula 5.4 do caderno de encargos, no prazo nela previsto, não podia o pedido ser julgado procedente, por não estar verificada a condição de procedibilidade necessária para a respectiva apreciação.

E, sendo assim, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nas conclusões a alegação do recorrente, nomeadamente a que se prende com a interpretação da cláusula 3.ª do contrato avulso n.º 24/2005.

[…]».

O TCA Sul foi confrontado com a alegada omissão de pronúncia vertida nas conclusões recursivas, nas quais se pode ler o seguinte:

“(…) Apesar da questão da invalidade da Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos do procedimento pré-contratual em causa ter sido expressamente suscitada pela Autora, e ora Recorrente, quer na sua Réplica (cfr. arts. 11.º a 14.º da mesma), quer nas suas Contra-Alegações de Recurso (cfr. Conclusões F. e G.), e ter influência sobre a decisão a proferir, a mesma não foi apreciada no Douto Acórdão recorrido, que assim apreciou a excepção deduzida pelo Réu sem apreciar a correspondente (contra) excepção deduzida pela ora Recorrente, e incorreu no vício de nulidade por omissão de pronúncia, tal como previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC (…)”.

O Tribunal a quo procurou sustentar a inexistência da referida omissão de pronúncia com base no seguinte argumento: “ (…) Ora, a resposta só pode colher-se na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter", ou seja, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, no fundo, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções, mas não já os argumentos ou as motivações produzidas pelas partes (vd., neste sentido, os acórdãos do STA, de 7-4-2005 e de 14-4-2005, proferidos respectivamente nos processos n.ºs 733/05 e 734/05).

(…)

Independentemente da maior ou menor validade da argumentação expendida no acórdão de fls. 344/360, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia, mas apenas e tão só em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso, sob a Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos, concluindo-se que a mesma era condição de procedibilidade necessária à apreciação da presente acção.

A "A……….., SA" pode não concordar com a decisão - o que justificou a interposição do recurso de revista. Porém, como decorre do trecho do discurso jurídico fundamentador, acima transcrito, o acórdão sob recurso pronunciou-se expressamente sobre a Cláusula 5.4 do Caderno de Encargos e a sua validade, razão pela qual não existe a invocada nulidade por omissão de pronúncia (…)”.

Ora, não podemos concordar com a “definição de questões” que é adoptada pelo Tribunal Central Administrativo. As “questões” sobre as quais o juiz se tem de pronunciar [artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC e 94.º, n.º 2 e 95.º, n.º 1 do CPTA] são todas aquelas que vêm enunciadas nos articulados (p.i., contestação e réplica) e que podem fundamentar a procedência ou improcedência do pedido ou de uma excepção. E o tribunal só fica “dispensado” de analisar aquelas questões que fiquem prejudicadas pela decisão dada a outras no contexto da aplicação de regras lógicas do funcionamento interno de um processo decisório (por exemplo, se dá procedência a um pedido principal, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário).

Ora, no caso dos autos, o Tribunal a quo considera que a questão da validade da cláusula 5.4. do caderno de encargos - cláusula que o mesmo considerou estar na origem do que qualificou como falta de uma condição de procedibilidade da acção na qual fundamentou a procedência da excepção processual – era uma única questão e que ao conhecer da sua validade por constar do caderno de encargos, ficava prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de invalidade da mesma que tinham sido colocados pela A. na réplica.

Mas não tem razão.

A questão da ilegalidade daquela cláusula por ser usurária ou por não ser compatível com o direito administrativo constituem dois fundamentos autónomos que poderiam conduzir à improcedência da excepção e sobre os quais o Tribunal a quo não se pronunciou. Estamos perante – repetimos – dois fundamentos autónomos de ilegalidade da cláusula em que se sustenta a excepção e não perante dois meros argumentos de uma mesma causa de invalidade daquela. Era obrigação do Tribunal recorrido tomar posição na decisão sobre estes dois fundamentos de invalidade daquela cláusula do caderno de encargos, o que não fez.

E também não se pode afirmar que estas duas questões ficaram prejudicadas pela decisão proferida, pois da circunstância de o Tribunal ter concluído que aquela cláusula poderia constar validamente do caderno de encargos e que não precisava de constar do contrato para vincular a A. não se consegue retirar qualquer decorrência lógica para a solução da questão de saber se o seu teor é usurário ou não e se a mesma é ou não compatível com as regras do direito administrativo. Quer isto dizer que o conhecimento daquelas questões também não se pode considerar prejudicado pela resposta dada à questão da validade da cláusula apesar da sua inclusão no caderno de encargos e não no contrato.

Assim, cabe concluir pela existência de omissão de pronúncia, que leva à anulação da decisão recorrida e à baixa dos autos para que a decisão seja reformulada nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 684.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular o acórdão recorrido com fundamento em omissão de pronúncia e ordenar a baixa dos autos nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 684.º do CPC, aplicável ex vi do artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Custas pela Entidade Recorrida.

Lisboa, 7 de abril de 2022. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.