Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:030/18.6BELLE
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27124
Nº do Documento:SA220210203030/18
Data de Entrada:11/12/2020
Recorrente:A............ OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………, e mulher, B…………, ambos com os sinais dos autos, vêm, ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4 de junho de 2020, que concedeu provimento ao recurso interposto pela AT da sentença do TAF de Loulé que julgara procedente a impugnação judicial por eles deduzida do indeferimento da reclamação graciosa deduzida da liquidação adicional de IRS e juros compensatórios relativos ao ano de 2014, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação.

Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

a) Os impugnantes, aqui recorrentes, A…………, e mulher, B…………, vieram impugnar a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios n.º 2017 4000001167, no valor total de € 19.064,37, referente ao ano de 2014, no seguimento da notificação do despacho de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra a mesma;

b) Alegaram, em síntese, que ao contrário do corrigido oficiosamente, no seguimento de procedimento de inspeção tributária, o rendimento que o Impugnante A………… recebeu de pensão provinda da Holanda e em que não é destrinçável a parte efetiva de capital, terá de ser abatido em 85% do valor total como desagravamento fiscal, nos termos do n.º 2 do artigo 54.º do Código do IRS;

c) Consideraram ainda que a declaração de rendimentos por eles apresentada goza da presunção de verdade, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à Autoridade Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar, nomeadamente provando a existência de facto tributário ou, ainda, que a dimensão do fato tributário é maior do que a declarada, o que não fez, não podendo assim proceder à correção da matéria tributável da declaração de rendimentos dos Impugnantes;

d) Pedindo, a final, a anulação da liquidação de IRS (e de juros compensatórios) impugnada, melhor identificada em a);

e) Por sua vez, a Fazenda Pública, na contestação apresentada, veio defender a legalidade da liquidação em causa, considerando, em síntese, que os Impugnantes não apresentaram a documentação necessária para a comprovação dos rendimentos declarados;

f) No dia 30 de Outubro de 2018, realizou-se a diligência para inquirição das testemunhas arroladas pelos impugnantes, tendo ambas as partes apresentado alegações, mantendo, no essencial, as posições vertidas nos respetivos articulados;

g) A Exma. Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé emitiu parecer no sentido da procedência da Impugnação, por erro nos pressupostos de facto da liquidação impugnada, considerando que ficou demonstrado, atenta a prova documental e testemunhal, que a parcela do rendimento de pensões do Impugnante A…………, recebida de fundo de pensões com origem na Holanda, que corresponde efetivamente ao capital não é suscetível de ser discriminada à totalidade da renda, por motivo não imputável aos Impugnantes, estando assim demonstrado o seu enquadramento no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS;

h) Considerou a douta sentença proferida em primeira instância que os factos dados como provados, os quais aqui se reproduzem para todos os devidos e legais efeitos, encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil], relevando igualmente a prova testemunhal produzida.

i) O MMº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé considerou que o “Fundo de Pensões Rabobank”, entidade que paga uma pensão ao Impugnante A………… em resultado de contribuições efetuadas pela entidade patronal ao longo da carreira profissional deste, até à sua reforma;

j) O MMº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, da prova testemunhal e documental produzida nos autos, formou a convicção de que a pensão é englobada no rendimento declarado como um todo, e que, assim, não é possível fazer a destrinça da parte que é capital e da que é renda, e bem assim que de que os rendimentos pagos ao Impugnante a título de pensões, não se encontram suficientemente descriminados, como se infere da análise da declaração emitida pelo “Fundo de Pensões Rabobank”, que constituiu o documento de fls. 81, bem como da análise do documento de fls. 127 a 132 dos autos, referidos nos pontos 14 dos factos dados como provados;

k) Considerou ainda o MMº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que os rendimentos auferidos pelo Impugnante A…………, no montante de € 56.861,00, são provenientes de pensões pagas pelo “Fundo de Pensões Rabobank”, na sequência de contribuições efetuadas pela anterior entidade patronal do Impugnante A………… para um fundo de pensões que não a segurança social Holandesa, ao longo da sua carreira contributiva e até à data da reforma do mesmo Impugnante;

l) Entendeu ainda resultar provado que os referidos rendimentos de pensões, oriundos de entidade pagadora na Holanda, são englobados em conjunto para feitos de tributação, não sendo possível fazer a destrinça das suas partes constituintes, nomeadamente qual a componente de capital e qual a componente de renda, isto é, não é possível determinar nos rendimentos da categoria H do Impugnante A………… a importância paga a título de reembolso de capital, para se deduzir a mesma na determinação do valor tributável, pelo que importa fazer uso do estabelecido no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS, e assim à totalidade dos rendimentos abater-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 % do valor total do valor das pensões, considerando-se, pois, como rendimento do Impugnante A…………, para o ano de 2014, em sede de Categoria H de IRS, 15 % do valor de € 56.861,00, o qual constituirá a componente de renda para efeitos de tributação;

m) Concluindo que assiste razão aos Impugnantes na invocada ilegalidade da liquidação, por erro nos pressupostos de facto, declarando procedente a presente Impugnação e anulando-se a liquidação impugnada;

n) Inconformada com a decisão, veio a Fazenda Pública recorrer, concluindo, em síntese, que a douta sentença recorrida decidiu pela procedência do pedido fundamentando de Direito que os rendimentos do Impugnante A…………provenientes de pensões pagos pelo “Fundo de Pensões Rabobank”, entidade sita no Reino da Holanda, no valor de € 56.861,00 são englobados em conjunto para efeitos de tributação, não sendo possível destrinçar as suas partes constituintes, concluindo pela aplicação do art.º 54º n.º 2 do CIRS, dando razão aos impugnantes e anulando a liquidação adicional de IRS do ano de 2014 impugnada;

o) Não pode a FP concordar com a decisão.

p) Na parte IIB do probatório, dá-se como não provado que as referidas pensões auferidas pelo impugnante tenham uma parte de capital e outra de renda;

q) Com efeito, os documentos constantes dos autos a fls 81 e também os de fls.127 a 132, não permitem tal afirmação;

r) A fundamentação utilizada pelo Mmº Juiz da 1ª instância no tocante à apreciação da prova testemunhal expressa-se de uma forma menos clara ao socorrer- se de uma sucessão de formas verbais negativas;

s) Mantendo a ideia que os documentos não se encontram suficientemente discriminados;

t) Porém, da conjugação dos dois segmentos da decisão ora sob recurso, entende-se que o julgador não ficou convencido que os referidos rendimentos tenham duas componentes;

u) A aplicação do n.º 2 do art.º 54º do CIRS estabelece uma presunção sobre a quantificação da renda tributável, afastando da tributação uma percentagem que o legislador considerou corresponder à do capital;

v) Tal presunção apenas terá aplicação quando não seja possível distinguir o valor de cada uma das componentes (capital e renda) das pensões ali legalmente previstas (n.º 1 do mesmo artigo e Código);

w) Porém, os pressupostos de aplicação da norma não são presumíveis;

x) Assim, é de aplicar o n.º 2 do art.º 54º do CIRS quando, ab initio, os rendimentos tenham essas duas componentes e só nesse caso e, partindo dessa realidade, não seja possível quantificar cada uma delas;

y) Ora, no caso concreto, tendo sido dado como não provada a existência daquelas duas componentes como integrantes no rendimento auferido pelo Impugnante, nunca será de aplicar o art.º 54º do CIRS pela não verificação dos seus pressupostos;

z) O sentido da decisão final entrou em contradição, na opinião da Fazenda Pública, com o probatório;

aa) Tendo decidido no sentido da procedência do pedido, incorreu o julgador da 1ª instância em erro de julgamento e violou as disposições aplicáveis constantes dos artigos 11º e 54º ambos do CIRS;

bb) Concluindo que deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que considere o pedido improcedente;

cc) O douto Acórdão agora recorrido veio entender que a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 125º do CPPT e no 615º, nº 1, alínea c) do CPC, apenas se verifica quando a construção da sentença é viciosa, no sentido de que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

dd) Entendeu ainda que, estabelecendo o artigo 54º, nº 1 do CIRS que, para efeitos da determinação do valor tributável, se deduz a parte correspondente ao reembolso do capital, quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada abate-se à totalidade da renda, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85% (artigo 54º, nº 2 do CIRS).

ee) Para concluir que só faz sentido pretender abater uma importância igual a 85% se o valor recebido a título de pensão compreende, além da renda, importâncias pagas a título de reembolso de capital, e bem assim que, no caso, não tendo resultado provado que os rendimentos de pensões pagos ao ora recorrente tenham uma componente de capital e uma componente de renda, não logra aplicação o disposto no artigo 54º, nº 2 do CIRS.

ff) O recurso de revista excecional regulado no artigo 285° do CPPT, pelo seu carácter excecional, estrutura e requisitos, não pode entender-se como de índole generalizada mas antes limitada, de modo a que funcione como uma válvula de escape do sistema, só sendo admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

gg) Assim sendo, este tipo de recurso justifica-se se estamos perante questão que é, manifestamente, suscetível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, se se verifica a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática, como se passará a demonstrar.

hh) Na realidade, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foram proferidas decisões noutros processos, já transitadas em julgado, no mesmo sentido da tese pugnada pelos Impugnantes aqui recorrentes e da sentença proferida em primeira instância por aquele Tribunal nos presentes autos.

ii) Veja-se o caso da douta sentença proferida no processo nº 474/15.5BELLE que foi Impugnante C………… e Impugnada a Fazenda Pública (vide doc. 1 que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido),

jj) E bem assim o da douta sentença proferida no processo nº 531/17.3BELLE em que foram Impugnantes D………… e outra, e Impugnada a Fazenda Pública (vide doc. 2 que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido).

kk) Tendo ambas decidido no sentido de que o art. 54º, nº 2 do CIRS aplica-se às situações de falta de discriminação do capital, que é precisamente o caso, pelo que, verificando-se erro sobre os pressupostos de facto, as liquidações em causa vieram a ser anuladas (cfr. cit. docs. 1 e 2).

ll) Sendo certo que, dado o elevado número de cidadão de nacionalidade estrangeira aposentados, a residir em Portugal e a receber pensões provenientes de fundos de pensões que não a segurança social dos respetivos países de origem, como é o caso dos aqui recorrentes, a questão ora em apreço é, manifestamente, suscetível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, verificando-se assim a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

mm) Na realidade, do contexto da douta decisão proferida nos presentes autos pelo TAF de Loulé, pode inferir-se que o MMº Juiz daquele tribunal formou a convicção de que o preenchimento das declarações fiscais dos Impugnantes, que tiveram, para o que ora interessa, por base a declaração emitida pelo “Fundo de Pensões Rabobank”, entidade que paga uma pensão ao Impugnante A………… em resultado de contribuições efetuadas pela entidade patronal ao longo da carreira profissional deste, até à sua reforma.

nn) Bem como que a pensão é englobada no rendimento declarado como um todo, e que, assim, não é possível fazer a destrinça da parte que é capital e da que é renda, tal como que os rendimentos pagos ao Impugnante a título de pensões, não se encontram suficientemente descriminados, como se infere da análise da declaração emitida pelo “Fundo de Pensões Rabobank”, que constituiu o documento de fls. 81, bem como da análise do documento de fls. 127 a 132 dos autos, referidos nos pontos 14 dos factos dados como provados.

oo) E bem assim, da factualidade dada como provada, formou a convicção de que os rendimentos auferidos pelo Impugnante A…………, no montante de € 56.861,00, são provenientes de pensões pagas pelo “Fundo de Pensões Rabobank”, na sequência de contribuições efetuadas pela anterior entidade patronal do Impugnante A………… para um fundo de pensões que não a segurança social Holandesa, ao longo da sua carreira contributiva e até à data da reforma do mesmo Impugnante – cfr. pontos 14 a 16 do probatório.

pp) Entendeu ainda o douto aresto proferido em primeira instância que resulta igualmente provado que os referidos rendimentos de pensões, oriundos de entidade pagadora na Holanda, são englobados em conjunto para feitos de tributação, não sendo possível fazer a destrinça das suas partes constituintes, nomeadamente qual a componente de capital e qual a componente de renda, isto é, não é possível determinar nos rendimentos da categoria H do Impugnante A………… a importância paga a título de reembolso de capital, para se deduzir a mesma na determinação do valor tributável, pelo que importa fazer uso do estabelecido no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS, e assim à totalidade dos rendimentos abater-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 % do valor total do valor das pensões, considerando-se, pois, como rendimento do Impugnante A…………, para o ano de 2014, em sede de Categoria H de IRS, 15 % do valor de € 56.861,00, o qual constituirá a componente de renda para efeitos de tributação.

qq) Donde se deve concluir que aquilo que o MMº Juiz da primeira instância quis dizer, nos factos não provados, é que dos rendimentos de pensões pagos ao Impugnante A………… pelo Fundo de Pensões Rabobank, não é possível distinguir a importância que é paga ao mesmo a título de reembolso de capital, daquela que lhe é paga a título de renda, sendo essa a sua convicção.

rr) Da conjugação dos elementos da decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, deverá entender-se, em contrário do vertido no douto Acórdão ora recorrido, que o julgador acabou por ficar efetivamente convencido que os referidos rendimentos auferidos pelo Impugnante A………… têm as duas componentes (capital e renda); simplesmente não é possível distinguir a importância que é paga ao mesmo a título de reembolso de capital, daquela que lhe é paga a título de renda.

ss) É que, na realidade, trata-se de rendimentos pagos por um fundo de pensões, entidade que não é a segurança social Holandesa, para o qual o Impugnante contribuiu ao longo da sua carreira profissional; aqueles rendimentos constituem uma renda mensal, a qual é tida como um rendimento de pensões pertencente à categoria H tal como previsto no artigo 11.º, n.º 1, do Código do IRS, sendo apenas tributado o valor referente ao rendimento.

tt) Porquanto, o capital entregue ao longo dos anos pelo sujeito passivo, que resultou das suas poupanças, já tinha sido tributado pois fazia parte do seu rendimento.

uu) O rendimento será aqui apenas o “fruto” do investimento de capital efetuado, isto é, a diferença (positiva) entre os montantes investido e recebido.

vv) Não sendo possível definir relativamente aos rendimentos de pensões pagos ao Impugnante na Holanda em 2014 por um fundo de pensões, nomeadamente, qual a componente de capital e de renda, impõe-se aplicar o previsto no artigo 54.º, n.º 2 do Código do IRS.

ww) Dito de outro modo, por não ser possível determinar dos rendimentos da categoria H, auferidos a título de pensão pelo Impugnante, qual o valor da importância paga a título de reembolso de capital e de renda, para poder deduzir-se dos mesmos o valor tributável referente ao valor da renda, por estarem em causa prestações (reembolsos) efetuados no âmbito do seu plano de pensão, o qual se inclui nos regimes complementares de segurança social haverá, assim, que fazer uso do estabelecido no artigo 54.º, n.º 2, do Código do IRS.

xx) Donde se deve concluir, em contrário da tese vertida pela Fazenda Pública, que o sentido da decisão final não entrou em contradição com o probatório.

yy) Ademais, em contrário do vertido no douto acórdão ora recorrido, não era aos Impugnantes, aqui recorrentes, que cabia a prova de tal factualidade.

zz) Nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, compete à Autoridade Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar, nomeadamente a existência de facto tributário ou, ainda, que a dimensão do fato tributário é maior do que a declarada.

aaa) Uma vez que o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação é da AT, pois o princípio consagrado no art. 74.º, n.º 1, da LGT, para o procedimento tributário, logra também aplicação em sede judicial, como resulta do disposto no art. 100.º do CPPT, que no seu n.º 1 dispõe que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

bbb) Não sendo possível efetuar, no que aos rendimentos provenientes de pensões auferidos pelos impugnantes concerne, a discriminação da parte correspondente a reembolso de capital, à totalidade da renda abate-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 %.

ccc) O douto acórdão recorrido, ao não decidir assim, violou, entre outras, as disposições dos arts. 11º e 54º, nºs 1 e 2 do CIRS, e 13º e 74.º, n.º 1, da LGT, as quais deviam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de se abater, à totalidade da renda, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 %, conforme o impõe o nº 2 do referido art. 54º do CIRS.

ddd) Donde se conclui que assiste razão aos Impugnantes na invocada ilegalidade da liquidação de IRS dos autos, pelo que, andou bem a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e fiscal de Loulé ao decidir pela anulação da liquidação posta em causa por erro nos pressupostos de facto.

Pelo exposto e com mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o douto Acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por decisão que confirme a douta sentença proferida em primeira instância.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da não verificação dos pressupostos de que depende a admissão do recurso com a seguinte fundamentação específica:

(…) in casu, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.

Desde logo porque, invocando embora a relevância jurídica da questão que formula e a necessidade de estabelecer uma melhor aplicação do direito, manifesta divergência com a factualidade que foi julgada não provada e, no essencial, pretende que este Supremo Tribunal reaprecie a prova produzida nos autos.

Na verdade, os Recorrentes alegam que nos processos nº 474/15.5BELLE e 531/17.3BELLE foi decidido, por sentença já transitada em julgado, que o artigo 54º, nº 2, do CIRS se aplica às situações de falta de discriminação do capital pelo que as liquidações de IRS vieram a ser anuladas por erro sobre os pressupostos de facto,

Pretendendo conferir a esta questão uma dimensão que exceda os contornos do caso particular de modo a integrar a invocada relevância jurídica.

No entanto, apesar de tentarem reconduzir a questão a um erro na interpretação do artigo 54º, nº 2, do CIRS, a verdade é que manifestam discordância quanto à factualidade que as instâncias julgaram não provada.

Ou seja, não aceitam que fosse julgado não provado que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante, ora Recorrente A…………, não tinham uma componente de capital e uma componente de renda

E, consequentemente, se concluísse, pela não aplicação do artigo 52º, nº 4, do CIRS.

Nesta conformidade, salvo o devido respeito por melhor opinião, o recurso não é admissível já que as divergências manifestadas abrangem o próprio julgamento da matéria de facto,

Sem que se verifiquem os pressupostos previstos no nº 4 do artigo 285º, do CPPT subjacente à decisão recorrida.

E também não invoca que a doutrina e/ou a jurisprudência tenham vindo a pronunciar-se em sentido divergente ao decidido, gerando incerteza e instabilidade na resolução das questões em causa,

Nem se vislumbra a existência de um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida, pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião fica igualmente afastada a necessidade do STA intervir no quadro de uma melhor aplicação do direito.

Pelo que entendemos que o presente recurso de revista não deve ser admitido.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 9 a 18 da respectiva numeração autónoma).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -


5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso interposto pela AT da sentença do TAF de Loulé que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pelos ora recorrentes contra o indeferimento da reclamação graciosa tendo por objecto liquidação adicional de IRS do ano de 2014, motivada pela sujeição a imposto em Portugal da totalidade da pensão recebida pelo impugnante marido de fundo de pensões holandês.

Entendeu a 1.ª instância haver lugar à aplicação da exclusão de 85% do valor recebido, prevista no n.º 2 do artigo 54.º do CIRS, por não ser possível fazer a destrinça das suas partes constituintes, nomeadamente qual a componente de capital e qual a componente de renda, razão pela qual anulou a liquidação sindicada.

A AT recorreu para o TCA invocando, em suma, que tendo sido dado como não provado “Que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante A………… tenham uma componente de capital e uma componente de renda” a sentença incorreu em erro de julgamento ao aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 54.º do CIRS, que tem como pressuposto que o rendimento pago tenha essas duas componentes, não sendo possível discriminar uma da outra”.

O TCA assim entendeu também, com o seguinte discurso fundamentador:

“(…) no caso, o que resultou provado nos autos não permite a conclusão alcançada pelo TAF de Loulé. Pelo contrário, aliás.

Efectivamente, após a instrução dos autos, produzida prova documental e testemunhal, o Mmo. Juiz considerou como facto não provado “Que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante A………… tenham uma componente de capital e uma componente de renda”.

A decisão sobre este concreto ponto de facto (não provado) surge, aliás, justificada pelos depoimentos das testemunhas ouvidas, evidenciando o tribunal que as duas testemunhas ouvidas “… não permitiram, ao Tribunal, formar convicção diferente de que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante A............ não tenham, em si, uma componente de capital e uma componente de renda, pois, conjuntamente com a análise dos documentos de fls. 81 e de fls. 127 a 132 dos autos, quanto aos rendimentos auferidos pelo Impugnante A…………, não resultar que os mesmos sejam rendimento de capital, de renda, ou de capital e de renda”.

Ora, este facto não provado não foi, em momento algum, posto em causa.

E se assim é, fácil é concluir o que se segue relativamente ao afastamento, no caso, da aplicação do disposto no artigo 54º, nº 2 do CIRS (“Quando a parte correspondente ao capital não puder ser discriminada, à totalidade da renda abate-se, para efeitos de determinação do valor tributável, uma importância igual a 85 %”), pois só faz sentido pretender abater uma importância igual a 85 % se o valor recebido a título de pensão compreende, além da renda, importâncias pagas a título de reembolso de capital (cfr. nº 1 do 54º do CIRS, “Quando as rendas temporárias e vitalícias, bem como as prestações pagas no âmbito de regimes complementares de segurança social qualificadas como pensões, deduz-se, na determinação do valor tributável, a parte correspondente ao capital”.)

Ora, repete-se, resultou não provado que os rendimentos de pensões pagos ao Recorrido/Impugnante A………… tenham uma componente de capital e uma componente de renda, pelo que não logra aplicação o disposto no artigo 54º, nº 2 do CIRS.

Diga-se, ainda, que não sofre dúvidas que era ao Impugnante que cabia a prova de tal factualidade, pois o ónus da prova dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque. Tendo a ATA fundadamente desconsiderado os valores declarados pelo sujeito passivo, considerando concretamente a informação obtida das autoridades fiscais holandesas, quanto às pensões obtidas na Holanda, era ao contribuinte que cabia provar os pressupostos da aplicação ao rendimento por si recebido do previsto no nº 2 do artigo 54º do CIRS. Tal não foi feito, como se viu.

Nesta conformidade, a impugnação deveria ter sido julgada improcedente e mantido o acto de liquidação contestado.

Face ao exposto, e encaminhando-nos para o final, há que, face à procedência das conclusões, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e julgar improcedente a impugnação judicial.”

Do assim decidido solicitam os recorrentes revista, alegando ser esta necessária porquanto pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foram proferidas decisões noutros processos, já transitadas em julgado, no mesmo sentido da tese pugnada pelos Impugnantes aqui recorrentes e da sentença proferida em primeira instância por aquele Tribunal nos presentes autos e que dado o elevado número de cidadão de nacionalidade estrangeira aposentados, a residir em Portugal e a receber pensões provenientes de fundos de pensões que não a segurança social dos respetivos países de origem, como é o caso dos aqui recorrentes, a questão ora em apreço é, manifestamente, suscetível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, verificando-se assim a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

Não obstante a alegação dos recorrentes, a revista não pode ser admitida porque em causa está somente matéria excluída do âmbito do recurso de revista, por expressa disposição legal, visto que o Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado (cfr. o n.º 3 do artigo 285.º do CPPT) e que O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (cfr. o n.º 4 do mesmo artigo).

Nos presentes autos, tendo sido dada como não provado “Que os rendimentos de pensões pagos ao Impugnante A………… tenham uma componente de capital e uma componente de renda”, falha o pressuposto de que depende a possibilidade de aplicação da exclusão de tributação da parte correspondente ao capital, que se presume de 85% caso não seja possível determinar qual a respectiva percentagem, mas pressupondo sempre a sua existência, o que no caso dos autos não se provou.

Acrescente-se apenas que a existência de decisões de 1.ª instância em sentido oposto ao adoptado no Acórdão do TCA não justifica a admissão da revista, pois não está demonstrado que o probatório nesses outros autos fosse similar ao dos presentes autos e porque as decisões dos tribunais superiores prevalecem sobre as dos tribunais de 1.ª instância.


Pelo exposto se conclui pela não admissão da revista, em razão da não verificação dos respectivos pressupostos legais.

- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.


Custas do incidente pelos recorrentes.

Comunique-se ao DIAP de Portimão

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.