Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01089/04.9BESNT 0600/18
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:EXPROPRIAÇÃO
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - Resulta do disposto no nº 4 do art.º 150º do CPTA que a interpretação dos factos dados como provados e as ilações que as instâncias deles retiraram são ainda uma questão de facto, e por isso subtraída ao conhecimento do STA, a quem compete tão só fiscalizar a observância das regras de direito probatório material.
II - Nada impede que um ato expropriativo seja praticado com vista a permitir a realização de uma obra entretanto já terminada.
III - Vigora em matéria de expropriação o princípio da suficiência, ou seja, o sacrifício a impor ao particular deve limitar-se ao estritamente necessário para a realização do fim público a prosseguir.
IV - Viola o princípio da proporcionalidade o ato de expropriação da propriedade plena quando resulta dos autos que o interesse público se satisfaz com a expropriação de um direito real menor nomeadamente uma servidão administrativa.
V - Compete à entidade expropriante provar que efetivamente a constituição de uma servidão não satisfaz a realização do interesse público e, portanto, o necessário fim da expropriação apenas se realiza com a ablação total da propriedade.
Nº Convencional:JSTA000P25216
Nº do Documento:SA12019112701089/04
Data de Entrada:09/12/2018
Recorrente:METROPOLITANO DE LISBOA, E.P.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: 1. METROPOLITANO DE LISBOA, E.P, vem interpor recurso de revista do acórdão do TCAS de 28 de fevereiro de 2018, _que concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto do acórdão do TAF de Sintra proferido em 14 de março de 2006, que havia mantido o despacho do Secretário de Estado dos Transportes de 22.03.2004, julgando improcedente a ação administrativa especial, movida em 16 de julho de 2004, por A………., contra o MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E HABITAÇÃO e a ORA RECORRENTE, esta na qualidade contrainteressada, _ e que julgou a ação parcialmente procedente anulando o referido despacho.
Nessa ação foi requerido, a final:

- A declaração de nulidade ou anulado o despacho impugnado, que declarou a utilidade pública e tomada de posse administrativa imediata, no âmbito da expropriação de parcela de terreno do prédio misto, propriedade do então Autor, sito no Sítio ……….., …………, freguesia ………., concelho da Amadora, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o número 01621, de 23.09.2003 e inscrito na matriz predial urbana sob os art.s 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164 e 632, e na matriz predial rústica sob o art. 299º da Secção 9.º;

- A condenação dos RR. a adotar os atos e operações materiais necessárias à reconstituição da situação que existiria se o ato impugnado não tivesse sido praticado.

2. Para tanto conclui as suas alegações da seguinte forma:

" A. O presente recurso de revista deve ser admitido não só porque está em causa a apreciação de questões fundamentais em termos da sua relevância jurídica e social, como também porque estamos perante uma situação em que a relevância da questão impõe uma melhor aplicação do direito.

B. É que na presente ação está em causa a delimitação de um dos direitos fundamentais da nossa sociedade, o direito de propriedade e a colisão de direitos no que se refere aos poderes públicos para a execução de obras públicas.

C. Sendo que a ação incide ainda sobre um aspeto particular do direito de propriedade que se prende com os direitos e as limitações de utilização do subsolo por entidades públicas para a execução de obras subterrâneas.

D. Por outro lado, a decisão recorrida baseou-se numa fundamentação que, para além de consubstanciar uma errada aplicação do direito, revela-se altamente lesiva do direito das entidades públicas utilizarem o subsolo dentro dos limites do direito de propriedade e da expropriação por utilidade pública.

E. O processo expropriativo levado a cabo pela ora Recorrente não enferma de qualquer dos vícios que lhe são imputados pelo acórdão recorrido.

F. Desde logo porque não se verificou qualquer ocupação ilegal da parcela por parte da Recorrente.

G. Os factos provados que são referidos no acórdão recorrido para fundamentar a imputação de uma ilegalidade no comportamento da recorrente são patentemente contrariados pelos factos provados na ação, salientando-se os factos i) do qual resulta que a Contrainteressada passou a ocupar o terreno em março de 2002, o) do qual resulta que o Autor e a Contrainteressada logo desde o "Verão de 2002" iniciaram reuniões "para acordarem sobre a ocupação do terreno", p) do qual resulta que a Contrainteressada Metropolitano de Lisboa em 09.08.2002 enviou uma proposta de acordo ao Autor e y) do qual resulta que "em finais de outubro de 2003" o Autor solicitou à Contrainteressada a imediata suspensão da execução da obra.

H. Analisados estes factos não se pode concluir que houve uma "apropriação irregular de um bem alheio" ou que a Recorrente "apropriou-se do terreno do ora Recorrente (Autor) fora de um procedimento expropriativo" e muito menos se pode "concluir pela ilicitude da conduta do ML e da correspondente culpa".

I. Pelo contrário, tendo em consideração o facto i) e os factos o) e y), pode concluir-se que o Autor pelo menos entre "o Verão de 2002" e "finais de outubro de 2003", data em que expressamente manifestou a sua oposição à execução da obra no seu terreno, consentiu na ocupação da parcela expropriada por parte da Recorrente e negociou com esta os termos de um acordo relativo a essa ocupação.

J. Acresce que a tentativa de celebração de um acordo previamente à expropriação, o que se pode designar por uma expropriação amigável constitui uma obrigação legal da entidade expropriante que a Recorrente cumpriu.

K. Por outro lado, não existe qualquer proibição ou impedimento legal para que a entidade expropriante, possa ocupar desde logo a parcela a expropriar para dar início à execução da obra se o proprietário o autorizar.

L. É certo que no facto k) ficou provado que a Contrainteressada aquando da ocupação da parcela que ocorreu em março de 2002, não estava "munida de qualquer autorização por parte dos legítimos proprietários", no entanto, resulta dos autos que decorreu um longo período em que diversos herdeiros discutiram entre si a propriedade da parcela expropriada.

M. Tal resulta, por exemplo, do facto n) no qual se dá como provado que "a Contrainteressada foi informada pelo mandatário do herdeiro B………. de que este deixou de deter quaisquer direitos sobre o terreno".

N. Face aos factos provados terá de se concluir que, não obstante a não existência de uma autorização formal, os herdeiros ou algum dos herdeiros e também o Autor, terão consentido expressa ou tacitamente na ocupação da parcela pela Recorrente.

O. Aliás, a folhas 46 do Acórdão recorrido pode ler-se que o Tribunal a quo refere expressamente que “dos autos resulta que o A. terá consentido uma ocupação do terreno para estaleiro, o que é também indicado pelas referidas testemunhas", pelo que não se poderá deixar de concluir que o Tribunal a quo reconhece expressamente que a Contrainteressada estava autorizada a ocupar a parcela expropriada e que a conclusão do acórdão recorrido que a Recorrente ocupou ilegalmente a parcela traduz um erro de julgamento.

P. Outra das questões colocadas pelo acórdão recorrido prende-se com essa autorização concedida que, refere o aresto, terá sido concedida para estaleiro, resultando do acórdão que o tribunal a quo fez uma interpretação restritiva, senão mesmo errada deste conceito, o que consubstancia igualmente um erro de julgamento.

Q. De facto, o Tribunal entendeu que a autorização para estaleiro referia-se apenas à realização de atividades de apoio à obra e não incluía uma autorização para executar os trabalhos da empreitada, o que contraria a noção legal de estaleiro.

R. De facto, o n.º 5 do artigo 24.º do Decreto Lei n.º 59/99, de 2 de março define estaleiro como "o local onde se efetuam os trabalhos, bem como os locais onde se desenvolvem atividades de apoio direto à obra" (sublinhado nosso).

S. Resulta, portanto, da definição legal de estaleiro, que este integra duas finalidades, a execução de trabalhos da empreitada e a execução de atividades de apoio direto à obra.

T. Acresce que da leitura dos factos provados não se pode concluir de forma alguma que a autorização para a montagem do estaleiro na parcela não abrangia o consentimento para a execução de todas as atividades contidas na definição legal de estaleiro.

U. Pelo que quando o tribunal a quo considera que terá havido uma autorização para instalação de estaleiro e não para a execução da obra, labora num manifesto erro de julgamento, que contraria o próprio conceito legal em causa.

V. Acresce que esta interpretação do Tribunal a quo contraria frontalmente o disposto no facto provado y) no qual se refere que "o Autor solicitou à Recorrente a imediata suspensão da obra - acordo", uma vez que, se o Autor comunicou à Recorrente que pretendia a imediata suspensão da execução da obra, é porque o mesmo tinha conhecimento que a Recorrente estava a executar uma obra na parcela sem qualquer oposição da sua parte.

W. Assim, encontra-se provado que a ocupação da parcela por parte da Recorrente não foi ilícita e que a expropriada ora Recorrente executou as obras na parcela expropriada com o consentimento do expropriado pelo menos até outubro de 2003.

X. Esta conclusão prejudica outros dos vícios erradamente imputados pelo tribunal a quo ao despacho da DUP, o qual se traduz na conclusão de que a Recorrente desencadeou o processo expropriativo para legalizar uma apropriação ilícita do terreno do Autor.

Y. De facto, da matéria de facto provada tem de concluir-se que a Recorrente deu início à tentativa de aquisição da parcela através do direito privado e que tal aquisição não foi possível por não se ter alcançado um acordo.

Z. Pelo que, cumprido este requisito legal e esgotadas que foram todas as possibilidades de celebrar um acordo amigável com o Autor com vista à aquisição da parcela, a Recorrente iniciou os procedimentos com vista à expropriação da parcela por utilidade pública.

AA. Considerar que o despacho anulado foi proferido para legalizar uma ocupação ilícita da parcela, face à matéria de facto provada consubstancia um manifesto erro de julgamento.

BB. O acórdão recorrido conclui também que a expropriação da parcela do Autor violou o princípio da proporcionalidade, designadamente porque a Recorrente não ponderou o recurso a outras soluções para além da expropriação da propriedade do imóvel que, designadamente, "permitissem a desapropriação apenas do subsolo do imóvel" e, nessa medida "terá violado o princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso".

CC. A imputação deste vício ao despacho traduz igualmente um erro de julgamento.

DD. A Recorrente promoveu a expropriação da parcela para aí instalar um estaleiro com vista à construção de um túnel de metropolitano e de outras infraestruturas de apoio ao mesmo.

EE. Para o efeito, a Recorrente ocupou o terreno, procedeu a várias demolições e escavações para a construção da referida obra pública, sendo que a ocupação do terreno e posteriormente a sua expropriação foram essenciais para a execução de todos os trabalhos de construção desta obra pública.

FF. O Tribunal a quo considerou que teria bastado à Recorrente a "expropriação" do subsolo, ou mais concretamente do direito de superfície do subsolo, uma vez que foi aí que a obra foi implantada.

GG. Contudo, esta conclusão consubstancia também uma convicção do tribunal a quo sem justificação nem fundamento nos factos provados, pelo que traduz um erro de julgamento.

HH. Acresce que a jurisprudência que resulta desta decisão consubstancia uma fundamentação que, a ser sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo, constituirá uma alteração radical dos pressupostos da atividade expropriativa sem enquadramento no Código das Expropriações.

II. De facto, com base nesta fundamentação o limite legal em que se deve confinar a expropriação passa a ser indeterminável, uma vez que toda e qualquer expropriação da propriedade plena para a implantação de uma obra pública passará a constituir uma violação do princípio da proporcionalidade.

JJ. Seguindo a fundamentação do acórdão recorrido, e tomando como exemplo uma expropriação para a construção de uma estrada, a expropriação da propriedade plena da parcela viola o princípio da proporcionalidade, na medida em que limita os poderes do expropriado para poder utilizar o subsolo da parcela expropriada, que não se mostra necessário para a implantação da estrada.

KK. Assim, de acordo com o acórdão recorrido, a expropriação da propriedade neste caso traduziria uma lesão dos direitos do expropriado, que este ficaria privado do espaço aéreo e do subsolo correspondente à superfície da parcela expropriada, uma vez que subsolo e espaço aéreo não se mostram necessários para a execução de uma obra desta natureza.

LL. Da mesma forma, numa expropriação para a construção de um edifício público, a expropriação deveria conter-se entre os limites da implantação das fundações do edifício e o limite da altura da edificação, sendo que tudo o mais corresponderia à expropriação de direitos que não se mostravam necessários para a execução da obra

MM. É nesta medida que a Recorrente considera haver nesta interpretação do Tribunal a quo e na fundamentação expendida um claro e patente erro de julgamento.

NN. Acresce que, no âmbito do processo expropriativo a avaliação do respeito pelo princípio da proporcionalidade por contraponto à proibição de excesso deve ser enquadrada com base na dicotomia expropriação parcial expropriação total, de acordo com a doutrina e jurisprudência pacífica e não com base numa decomposição do acervo de direitos que integram a propriedade plena.

OO. Referindo-se ainda que o Código das Expropriações, naquilo que constitui o normativo relativo ao cálculo da indemnização pela expropriação, não define qualquer forma de cálculo do valor da justa indemnização que não seja aquela devida em caso de expropriação do direito de propriedade.

PP. E, nesta medida, a expropriação do direito de propriedade é a figura que garante uma maior defesa dos direitos do proprietário e a melhor garantia do direito à justa indemnização.

QQ. A consolidação da jurisprudência contida no acórdão recorrido tem como consequência que as entidades públicas passarão a ser obrigadas a avaliar o recurso à expropriação de outros direitos reais para a execução da obra que não apenas a propriedade, designadamente o direito de superfície, o usufruto ou a mera posse.

RR. O que manifestamente contraria toda a lógica jurídica do instituto da expropriação por utilidade pública.

SS. Acresce que o meio processual utilizado pelo Autor não constitui o meio próprio de reação à expropriação, face aos fundamentos por este aduzidos.

TT. De acordo com os fundamentos do acórdão recorrido, a Recorrente não terá utilizado a totalidade da parcela expropriada, tendo-se limitado à utilização do subsolo, admitindo o tribunal a quo que a utilização da parcela para a implantação do túnel não prejudica a possibilidade do Autor continuar a exercer o seu direito de propriedade na restante parte da parcela.

UU. Ora, o Código das Expropriações integra uma figura jurídica para defesa dos direitos dos expropriados sempre que estes aleguem estarem perante uma situação em que considerem que os bens expropriados não foram afetados ao fim a que se destinou a expropriação.

VV. Estamos a falar do direito de reversão, previsto no artigo 5.º do Código das Expropriações que refere que o expropriado tem o direito à reversão da parcela quando "os bens expropriados não forem aplicados ao fim que determinou a expropriação".

WW. Assim, caso o Autor entenda que a Recorrente não utilizou o bem expropriado, no todo ou em parte, para o fim a que a expropriação se destinava deveria ter requerido a reversão da parcela e não a nulidade do despacho da DUP.

XX. Pelo que a presente ação de anulação do despacho proferido pelo SET constitui um meio processual impróprio na medida em que para satisfação do pedido formulado pelo Autor o meio processual adequado é a reversão.

YY. Ainda que assim não se entendesse, a conclusão do acórdão recorrido na parte em que considera que a Recorrente deveria ter recorrido ao direito de superfície ou à servidão administrativa para executar as obras na parcela do Autor contradiz a doutrina e a legislação citada na fundamentação do acórdão recorrido.

ZZ. De facto, o tribunal a quo refere expressamente que as obras levadas pelo Recorrente não tiveram interferência na utilização que o Autor porventura quisesse fazer na parcela.

AAA. Ora, esta circunstância teria como consequência a liberdade da Recorrente poder executar as obras na parcela sem que o Autor pudesse opor-se a tal.

BBB. Pelo que a conclusão de que, o respeito pelo princípio da proporcionalidade impunha à Recorrente a opção pela expropriação do direito de superfície contradiz a legislação citada no acórdão, designadamente o n.º 2 do artigo 1344.º do CC, bem como a jurisprudência também citada.

CCC. Consubstanciando assim um outro erro de julgamento.(...)”

3. Os herdeiros de A………., após o decurso do incidente de habilitação em seu devido tempo, contra-alegam, e concluem:

“1.ª A prática do Supremo Tribunal Administrativo, atendendo à natureza excecional do recurso de revista, vem no sentido de negar a revista nos casos em que a decisão recorrida se manteve dentro das soluções plausíveis de Direito, não relevando a existência de erro manifesto ou grosseiro que torne justificável a intervenção do tribunal de revista.

2.ª A evidência que não existe qualquer erro de julgamento de tal forma evidente e grosseiro que justifique a intervenção desse Supremo Tribunal a favor da correta aplicação do Direito resulta à partida da circunstância do decidido pelo acórdão recorrido estar em conformidade com a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal Administrativo aplicável aos casos análogos, as quais configuram meros exemplos académicos ou de escola sobre a aplicação do princípio da legalidade e da proporcionalidade.

3.ª Uma atuação administrativa para além da lei, como o do Réu ao proferir o despacho anulado, não pode ser admissível à luz de um Estado de Direito Democrático onde a Administração Pública se subordina em termos estritos ao princípio da legalidade da qual depende a validade dos atos que pratica - sendo expressamente proibida a "via de facto" administrativa (a "voi de fait administrative" do direito francês) - e se encontra vinculada pelo princípio da proporcionalidade - o Réu procedeu à expropriação da totalidade de uma parcela de terreno, quando a mera constituição de um direito de superfície ou direito de fruição do subsolo (à cota correspondente à altura do posto de tração) teria sido mais que suficiente para assegurar satisfazer o interesse público visado.

4.ª Com efeito, não parece sofrer discussão que todos os atos administrativos, especialmente os ablativos, com é o caso do despacho ora anulado, estão sujeitos à reserva de lei, em termos que o Réu só poderia ter expropriado "validamente" (por ato não anulável) e a posteriori - isto é, após se encontrarem executadas há quase dois anos no subsolo alheio e sem qualquer título que legitimasse a posse e a execução das obras que lhes serviram de fundamento - a totalidade do terreno dos Recorridos - quando a mera constituição de um direito de superfície ou direito de fruição do subsolo (à cota correspondente à altura do posto de tração) teria sido suficiente para assegurar satisfazer o interesse público visado -, se houvesse lei prévia que expressamente permitisse tal intento e apenas dentro dos limites de proporcionalidade traçados por essa mesma lei (cfr. art. 3.°, n.º 3, 18.°, n.º 2 e 62.°, n.º 2 da Constituição).

5.ª O Tribunal a quo, em face da expropriação a posteriori que consta provada nos autos, ao anular o despacho impugnado por ofensa ao conteúdo essencial do direito à propriedade privada, enquanto direito fundamental análogo e pela violação dos arts. 3.° e 151.° do Código do Procedimento Administrativo, dos artigos 1.º, 20.° e 23.° do Código das Expropriações e dos artigos 2°, 3.°, n.º 2 e 3, 62.°, n.º 2 e 266° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, mais não fez que sufragar a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo em matéria da proibição da admissibilidade de situações de "via de facto" e de violação do princípio da proporcionalidade na sua vertente necessidade.

6.ª Assim sendo, não poderá, portanto, ser admitido o presente recurso de revista com fundamento na necessidade de correta aplicação do Direito: não só por o Direito estar bem aplicado, como por não existir sequer evidência ou mácula que leve esse Supremo Tribunal a considerar que existe erro grosseiro.

7.ª A Recorrente entende que se reveste o objeto da presente Revista de relevância jurídica ou social, porquanto revela este Recurso de importância fundamental para a "definição dos direitos de milhões de cidadãos titulares do direito de propriedade" e ainda "dos direitos das centenas de empresas que exploram de alguma forma o subsolo".

8.ª Ainda que se desconte o romantismo típico das alegações nesta sede, dirigidas ao juízo necessariamente perfunctório da formação de apreciação preliminar sobre a existência de relevância potencial do objeto da Revista, pretender que o objeto do presente Recurso é universalmente aplicável a todos os titulares de direito de propriedade imobiliária cuja situação é regida pelo Direito Português, sem mais, é manifestamente excessivo.

9.ª O mesmo se diga quanto à tentativa - malograda, é certo - de invocar os direitos das "centenas de empresas" que exploram "de alguma forma o subsolo", alegação que, salvo o devido respeito, atira para o mesmo saco as empresas proprietárias do património imobiliário explorando, aquelas que, no cumprimento de missões de interesse público que lhe foram confiadas (por uma ou outra forma), se socorrem de mecanismos de atuação ablativa do Estado para a prossecução desses interesses, e, bem assim, aquelas empresas, de natureza e interesse privados, que adquirem a anuência de terceiros para a exploração da propriedade de que são titulares.

10.ª A alegação de que a consolidação de jurisprudência "relativamente à execução de obras num terreno para implantação de uma construção de uma obra pública no subsolo, conclua que a expropriação da propriedade da parcela viola o princípio da proporcionalidade, colocam-se em causa uma imensidão de negócios jurídicos já consolidados" é um absurdo, internamente contraditório: ou bem que os negócios jurídicos estão consolidados, sendo insindicáveis, ou bem que não estão; e, em qualquer caso, não seriam diretamente atingidos quaisquer negócios jurídicos que não o diretamente em causa, atendendo aos efeitos e à intangibilidade do caso julgado material ou do ato administrativo definitivo e inimpugnável.

11.ª A Recorrente pretende ver reconhecido na presente instância de Revista é que a sua condução do procedimento expropriativo, pejado de equívocos e ambiguidades, criando incerteza junto dos particulares e desrespeitando o procedimento expropriativo do CE cria uma situação de fait acquis, de facto consumado, que só pode conduzir a uma solução: a sua legitimação por via de uma expropriação litigiosa, que expropriará também o Administrado de uma substancial parcela da indemnização, que nesse caso provirá da responsabilidade civil por facto ilícito.

12.ª Atendendo à ampla e firmada jurisprudência desse Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria, não vemos qual é a relevância de, em sede de recurso excecional de Revista, se promover a avaliação dessa questão, pelo que, não se revestindo o objeto da presente Revista de relevância jurídica ou social para a "definição dos direitos de milhões de cidadãos titulares do direito de propriedade" e ainda "dos direitos das centenas de empresas que exploram de alguma forma o subsolo" deverá rejeitada a presente Revista, não se conhecendo do seu objeto.

Caso assim não se entenda e seja admitida a Revista o que só por hipótese académica se alvitra e por dever de patrocínio se considera,

13.ª O consentimento dado pelo A. era, como é bom de ver e bem viu o Tribunal a quo na decisão aqui colocada em crise, quando conjugado com os restantes factos invocados no aresto (em especial, os factos m), p), i), k), l), o), q), r), s), x), y), e z) ) é que o consentimento, ainda que tácito, dado pela A. e num espírito de boa-fé e cooperação com a Recorrente, se destinava à instalação de um estaleiro, por natureza temporário, e não à ocupação permanente da sua propriedade com uma obra (als.s), aa), bb) da matéria de facto) impeditiva ou limitativa da construção no prédio (cfr. als. cc), dd), ddd), eee) da matéria de facto).

14.ª O Acórdão recorrido, em face da expropriação a posteriori que consta provada nos autos, ao ter anulado o despacho impugnado por ofensa ao conteúdo essencial do direito à propriedade privada, enquanto direito fundamental análogo e pela violação dos arts. 3.° e 151.° do Código do Procedimento Administrativo, dos artigos 1.º, 20.° e 23.° do Código das Expropriações e dos artigos 2°, 3.°, n.º 2 e 3, 62.°, n.º 2 e 266° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, não enferma de qualquer erro na aplicação e interpretação dos factos assentes e das citadas disposições legais, resultando, pelo exposto, que não deve ser provida a Revista quanto a este ponto, expresso em conclusões F. a AA. das Doutas Alegações de Recurso.

15.ª A expropriação é admissível, quanto aos "bens imóveis" e aos "direitos a ele inerentes" (cfr. art.° 1º do CE), tendo as expropriantes no seio destes procedimentos que respeitar, em especial, o princípio da proporcionalidade (cfr. art.° 2.° do CE, art.° 7.° do CPA e art.° 266.° da CRP).

16.ª O exercício lógico feito pelo tribunal a quo é simples: admitindo o CE, como se viu, a expropriação dos direitos que são inerentes aos bens imóveis, admite a expropriação de direitos reais menores; e se a expropriação de um direito real menor garante a total satisfação do interesse público, o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso, a isso obriga.

17.ª Atendendo a que é facto provado na presente ação que a expropriação de um direito de superfície sobre o subsolo ou expropriação do subsolo seriam suficientes para a satisfação do interesse público - cfr. facto xx) -, é essa a medida máxima de ablação do património consentida pelo Direito.

18.ª A Recorrente, embora não careça da superfície do terreno - e de ter alegado, quando assim lhe convinha, por exemplo na oposição à providência cautelar, que o Autor poderia construir ali o que bem entendesse - veio a requerer mais tarde, de modo inteiramente persecutório, a expropriação do terreno em moldes tais que fracionou a propriedade em duas parcelas de terreno autónomas, uma das quais com cerca 140 m2 onde não será possível realizar qualquer construção economicamente viável (cfr. als. rr) e zz) da matéria de facto assente.

19.ª O ato entretanto anulado, pela sua amplitude, impôs ao Autor um sacrifício que não era necessário ou exigível para satisfazer o interesse público visado, como a Recorrente, expressamente, sempre reconheceu, tendo assim violado o princípio da proporcionalidade, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, 5.º, n.º 2, do CPA e arts. 2.º e 3.º do Código das Expropriações, pelo que, o Acórdão recorrido ao ter concluído pela anulação do ato com tais fundamento não efetuou qualquer errada interpretação da lei, resultando antes do exposto, que não deve ser provida a Revista quanto a este ponto, expresso em conclusões BB. a RR. das Doutas Alegações de Recurso

20.ª A Recorrente alega, em suma, que adquiriu a posse do imóvel com consentimento do ou dos proprietários, tendo mantido essa posse pacífica com natureza pacífica até outubro de 2003, porém, não é isso que resulta do probatório firmado pelo Venerando TCA Sul.

21.ª A ora Recorrente em março de 2002 ocupou o imóvel propriedade com conhecimento de que a ocupação que iniciava e de que a obra que ia executar eram em terreno alheio, sem que para esse efeito estivesse munida de qualquer autorização por parte dos legítimos proprietários - cfr. factos i) e k).

22.ª A ora Recorrente contactou, em sequência, um dos herdeiros a partir desse momento, com vista a estabelecer um acordo amigável para a ocupação provisória do terreno - cfr. facto 1) - e esse herdeiro, isoladamente, sempre seria incapaz de consentir na ocupação provisória do terreno, em termos e por motivos (gerais, de Direito) que não lhe é lícito desconhecer.

23.ª O referido herdeiro colocou desde logo objeções à ocupação do terreno - cfr. facto m), por lapso não incluído no relatório mas inequivocamente descrito na fundamentação a fls. 40 e 41 do Douto Acórdão recorrido.

24.ª A Recorrente sempre manteve que a ocupação do terreno era provisória e destinada à execução da empreitada, decorrendo apenas enquanto durasse a execução da obra - cfr. facto s), mas pouco tempo depois de ter adquirido a propriedade do imóvel - cfr. facto f) - o primitivo A. opôs-se formalmente às obras que se encontravam em execução sobre a sua propriedade - cfr. facto y).

25.ª Dos factos supra mencionados não resulta ter sido adotado qualquer procedimento preliminar, amigável de expropriação: inversamente, resultou inequivocamente provado, como muito bem deixou claro o Douto Acórdão Recorrido, que a ocupação do imóvel da ora Recorrente foi prévia a qualquer diligência para conhecer do proprietário do mesmo, e que nunca logrou obter o consentimento sequer para a ocupação provisória do terreno - provisória, bem se entenda.

26.ª A DUP, assim, não surge no contexto da "falta de acordo para uma expropriação amigável": surge, isso sim, como uma DUP urgente, em consequência de uma sentença judicial cautelar que ordenava a suspensão imediata das obras - cfr factos ee) e ff).

27.ª A falta de diligência da ora Recorrente na condução de todo este processo, desde o início, inquina todos os atos subsequentes como muito bem decidiu o Douto Acórdão recorrido, a fls. 51 a 53 do mesmo.

28.ª A Recorrente defende que o meio de reação adequado não seria a impugnação do DUP proferido por Sua Excelência, o Secretário de Estado dos Transportes, mas sim pedir, a final, a reversão do direito de superfície da parcela, atendendo ao argumentário expendido.

29.ª A Recorrente pretende negar um direito constitucional de impugnação de atos administrativos que lhe permite atacar um ato que entende ilegal ou ilegítimo in totum pelo uso de um mecanismo extrajudicial de reação contra o mau uso da sua propriedade expropriada, numa aparente relação de especialidade transviada e indefensável.

30.ª O que no fundo pretende a Recorrente, ao fazer esta alegação, é suscitar uma questão nova que nem sequer foi alegada em primeira instância e prosseguir nessa senda de truncar os direitos de reação legítimos do ora Recorrido.

31.ª Sendo certo que, tal questão, por tratar-se de uma questão nova que nem sequer foi alegada em primeira instância não poderá ser conhecida por este Tribunal de recurso sob pena de nulidade por excesso de pronúncia.

32.ª Assaca a Recorrente à decisão recorrida erro de julgamento por errada determinação da solução jurídica a aplicar ao caso dos autos, entendendo a final não ser sequer necessário o procedimento expropriativo ou de autorização do A., ora Recorrido, para a edificação no subsolo do seu imóvel.

33.ª O que defende a Recorrente, em suma, é que as obras edificadas na propriedade da Recorrida o foram em profundidade tal que já estariam a coberto da previsão geral da limitação do direito de propriedade de bens imóveis.

34.ª Da sua matéria provada, de forma conjugada e a benefício da economia processual, retira-se terem sido demolidas parcelas da propriedade do ora Recorrido, terem sido removidas árvores que ali se encontravam, edificadas contenções que serão mantidas no terreno e que todos os trabalhos, não impossibilitando a edificação no imóvel, pelo menos a dificultarão ou onerarão adicionalmente.

35.ª Daí improcede o argumento expendido pela Recorrente: se a vexata quaestio é o interesse do proprietário em impedir os trabalhos a profundidade acrescida, o critério do artigo 1344.°, n.º 2 do Código Civil sempre será o da irrelevância económica, e ficou provado nos autos que não é irrelevante para a onerosidade das eventuais edificações que ali podem acontecer o edificado que em profundidade foi erigido.

36.ª A ser admitido - o que só por dever de patrocínio e sem conceder se admite - deve inequivocamente improceder o presente recurso, sendo confirmado o Douto Acórdão recorrido que não nos merece reparo no objeto deste recurso.

37.ª Os Recorridos suscitaram em sede de recurso os fundamentos e as questões vertidas nas conclusões 19.° a 43.° das alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo, nas quais vieram, total ou parcialmente, a decair de acordo com o decidido pelo Tribunal a quo.

38.ª A título exemplificativo - vide as conclusões 19.° a 21.° das alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul - ao contrário do alegado no acórdão recorrido (vide a página 56 do acórdão), o Decreto n.º 22 562, de 23 de maio de 1932, diploma de natureza especial, não foi revogado de forma expressa ou implícita pelo artigo 3.° do Decreto-lei n.º 438/91, de 9 de novembro, que veio a aprovar o Código das Expropriações na sua versão de 1991.

39.ª Assim, precavendo a hipótese e a necessidade da sua apreciação pela circunstância do recurso ser admitido e considerado procedente quantos aos fundamentos invocados - o que só por dever de patrocínio e sem conceder se admite -, desde já se requer, nos termos previstos no n.º 1 do art. 684.º-A do CPC1961 e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 636.° do CPC2013, aplicável ex vi do art. 140.° do CPTA, a título subsidiário ao pedido de inadmissibilidade e improcedência de tal recurso, a ampliação do objeto do recurso à apreciação das questões e dos fundamentos de recurso vertidos nas conclusões 19.° a 43.° da alegação de recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo do Sul, no qual os Recorridos decaíram.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, não deverá ser tomado conhecimento do objeto do recurso, ou caso assim não se entenda, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado, com todas as devidas consequências legais, só assim se fazendo o que é de … Lei e de JUSTIÇA!

Precavendo a hipótese do recurso ser admitido e considerado procedente - o que só por dever de patrocínio e sem conceder se admite - desde já se requer, a título subsidiário ao pedido de inadmissibilidade e improcedência de tal recurso vertido no parágrafo anterior, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 684.º-A do CPC/n.ºs 1 e 2 do artigo 636.° do CPC2013, aplicável ex vi do art.140.° do CPTA, a ampliação do objeto do recurso à apreciação das questões e fundamentos vertidos nas conclusões 19.° a 43.° da alegação de recurso jurisdicional apresentado em primeira instância pelos Recorridos, em relação aos quais estes, total ou parcialmente, decaíram.”

4. Foi proferido acórdão por este STA nos termos do art. 150° do CPTA a admitir o recurso de revista.

5. O MP emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso concluindo que “no caso em apreço a factualidade que resultou provada permite formular esse juízo seguro e positivo quando à violação do princípio da proporcionalidade.”

6. Após vistos, cumpre decidir.


*

II – Fundamentação

Das instâncias resultaram apurados os seguintes factos com interesse para a causa:

“Na decisão recorrida foram dados por provados os seguintes factos, que se mantém:

a) O Autor é proprietário do prédio misto, sito no Sítio ………, ………., n.ºs. ………., serventia do ………….. nº ………., da freguesia ………, concelho da Amadora, descrito sob o número 01621 de 23.09.2003, na 1ª Conservatória do Registo Predial da Amadora e inscrito na matriz predial urbana sob os art°s. 158°, 159°, 160°, 161°,162°, 163°, 164° e 632° e na matriz predial rústica, sob o art° 299° da secção 9ª - docs. fls. 71 a 96 dos autos, que se dão integralmente reproduzidos, para os devidos e legais efeitos;

b) A parte urbana do prédio assente em a) é constituída por diversos edifícios e construções erigidas entre os anos 1930 e 1950 - docs. fls. 74 a 91 que se dão integralmente reproduzidos, para os devidos e legais efeitos;

c) A parte rústica do prédio assente em a) tem a área de cerca de 1100 m2 - docs. fls. 71 e 93 a 96, que se dão integralmente reproduzidos, para os devidos e legais efeitos;

d) O prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o número 1621, da freguesia ………….. está classificado no Plano Diretor Municipal como "área urbana que se refere pelo artigo trinta e um do Regulamento do Plano Diretor Municipal - Valor Modal" e quanto ao Plano de Pormenor "não é possível informar por não estar o mesmo eficaz, dado que está ainda em curso" - doc. fls. 97;

e) O prédio assente em a), de acordo com a classe de espaço constante da planta de ordenamento, é atualmente vocacionado para a realização de operações urbanísticas de urbanização e de edificação - artigo 31° do Regulamento do Plano Diretor Municipal da Amadora, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 44/94, de 22/06;

f) O Autor adquiriu o prédio assente em a), por partilha da herança de C………, efetuada nos autos de inventário com o nº 494/1995, 17ª Vara Cível de Lisboa – 2ª Secção, sendo a sentença homologatória do mapa de partilha de 09.05.2003, transitada em julgado em 12/06/2003 - docs. fls. 98 e 194;

g) A Contrainteressada, Metropolitano de Lisboa, E.P. é uma empresa pública que tem por objeto "manter e desenvolver o funcionamento regular do serviço público de transporte coletivo fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa e zonas limítrofes" – nº 1 do art° 2° dos Estatutos do Metropolitano de Lisboa, E.P., aprovados pelo D.L. nº 439/78, de 30/12;

h) A Contrainteressada, Metropolitano de Lisboa, E.P., deu execução à empreitada denominada "Empreitada ML 601/01 - Execução de toscos de galeria em NATM, entre a estação de …….. e o término ………. da Linha …… do Metropolitano de Lisboa" - acordo e doc. fls. 197 a 203;

i) No decurso da empreitada, assente em h), em março de 2002, o Metropolitano de Lisboa, E.P. passou a ocupar uma parcela de terreno com pelo menos cerca de 697 m2 - docs. fls. 110 e 188 e 189;

j) A ocupação do imóvel ocorreu no período em que o prédio se encontrava por partilhar - docs. fls. 72, 98, 177 e 188 e 189;

k) A Metropolitano de Lisboa, E.P. logo que delimitou o terreno em causa, passou a ter conhecimento de que a ocupação que iniciava e de que a obra que ia executar eram em terreno alheio, sem que para esse efeito estivesse munida de qualquer autorização por parte dos legítimos proprietários - doc. fls. 177;

I) A Contrainteressada iniciou contactos com o Mandatário de um dos herdeiros do imóvel, o Sr. B………, a partir de março de 2002, iniciando-se a partir dessa data negociações com tal herdeiro no sentido de estabelecer um acordo amigável para a ocupação provisória do terreno - doc. fls. 177 a 182, para que se remete

m) Na correspondência trocada entre o mandatário do herdeiro B………. e a Contrainteressada, foi colocada objeção pelo citado herdeiro à continuação da ocupação do terreno - doc. fls. 177 a 182, para que se remete;

n) Por fax, datado de 23/05/2002, a Contrainteressada foi informada pelo mandatário do herdeiro B……….., de que este deixou de deter quaisquer direitos sobre o terreno, por o prédio ter sido adjudicado a A………. - doc. fls. 192, para que se remete;

o) No Verão de 2002 reuniram-se o Autor e a Contrainteressada, para acordarem sobre a ocupação do terreno - acordo;

p) A Metropolitano de Lisboa, E.P. através do ofício de 2002.08.09, enviou ao Autor a minuta de acordo, por si elaborada que propunha o "Acordo de Compensação por ocupação temporária de parcela de terreno para a execução da empreitada ML 601/01" - doc. fls. 111 a 115, que se dá inteiramente reproduzido;

q) A minuta do acordo assente em p) refere em sede de considerandos, na alínea f) que "na aludida parcela foi executada um poço para construção da galeria entre a estação de ……… e o término da ………., aí funcionando igualmente a frente da obra" - doc. fls. 113, que se dá inteiramente reproduzido;

r) A cláusula Quinta do acordo assente em p) determina que "no final da ocupação do prédio objeto do presente acordo, o Primeiro Outorgante procederá à reposição das condições no mesmo existentes antes do início da Empreitada ML 601/01, à exceção porém, das árvores" - doc. fls. 115, que se dá inteiramente reproduzido;

s) A Metropolitano de Lisboa, E.P. informou os herdeiros que a ocupação do terreno era provisória e destinada à execução da empreitada, decorrendo apenas enquanto durasse a execução da obra, que se previa que fosse pelo prazo de 13 meses - doc. fls. 177;

t) As edificações existentes no prédio já apresentavam fissuras graves antes do início da obra, encontrando-se em adiantado estado de degradação e abandono - doc. fls. 294 a 301, 304 e 307 a 316, para que se remete, para todos os efeitos;

u) No mês de agosto de 2003 tiveram de ser demolidas três paredes de um quarto de uma das construções do prédio - confissão (art° 650 da contestação);

v) A "………. - Empreitadas do Metropolitano de Lisboa, ACE", através do seu fax de 20/08/2003, participou à Câmara Municipal da Amadora, que iria "proceder à demolição das paredes da construção em causa", assente em u), atendendo que a construção estava devoluta e em adiantado estado de degradação, existindo o risco eminente de colapso total dessa construção, pondo em causa a segurança dos trabalhadores e que a mesma era diariamente ocupada por crianças - doc. fls. 317 e 318, para que se remete;

w) A Contrainteressada arrancou árvores, no prédio propriedade do Autor - confissão (doc. fls. 112 a 115);

x) A proposta de acordo assente em p) não foi subscrita pelo Autor - acordo;

y) Em finais de outubro de 2003, o Autor solicitou à Contrainteressada a imediata suspensão da execução da obra - acordo;

z) A Metropolitano de Lisboa, E.P. executou uma escavação de 653,17 m2 e com grande profundidade na parcela de terreno assente em a) - acordo e docs. fls. 116 a 120, 123 e 124;

aa) A Metropolitano de Lisboa, E.P. realizou uma contenção dentro do prédio - docs. fls.121, 122,125 e 126;

bb) A Contrainteressada construiu no subsolo uma galeria do túnel e um posto de tração - acordo;

cc) Os trabalhos relativos à execução da empreitada impossibilitará, ou pelo menos, limitará, a edificação no subsolo do prédio propriedade do Autor, por implicarem necessariamente a ocupação definitiva de uma parcela de terreno - acordo (art. 41º da p.i., fls. 12 e doc. fls. 192 do I vol. do proc. instrutor);

dd) A Contrainteressada carece do subsolo, com a permanência do túnel e do posto de tração à profundidade a que se encontram - acordo;

ee) Em 24.11.2003, o Autor requereu uma providência cautelar não especificada contra a Metropolitano de Lisboa, E.P., junto do Tribunal de Comarca da Amadora - docs. fls. 128 a 141 e acordo;

ff) Em 19/12/2003 foi proferida sentença judicial no processo assente em ee) - doc. fls. 143 a 164, para que se remete;

gg) Em 09.01.2004 o Autor intentou a ação principal nos Juízos Cíveis do Tribunal da Comarca da Amadora - doc. fls. 254 a 268;

hh) O Autor interpôs recurso jurisdicional da decisão da providência cautelar - doc. fls. 221 a 235;

ii) Em 16/03/2004 foi proferida sentença judicial no processo assente em ee), que decidiu pela revogação da providência anteriormente decretada - doc. fls. 237 a 252, para que se remete;

jj) À data em que foi ordenada a suspensão das obras pelo Tribunal (19.12.2003), a galeria e o posto de tração localizado na propriedade do Autor já se encontrava concluído em termos de dimensão, apenas faltando efetuar os acabamentos do túnel e do posto de tração e proceder à cobertura dos mesmos - acordo;

kk) O ponto mais alto do posto de tração à cota do terreno, distam cerca de 12,58 m2 e entre o ponto mais alto da galeria e a cota do terreno dista cerca de 13,5 m - acordo;

II) O Autor interpôs recurso da sentença de 16.03.2004 - acordo e docs. fls. 218 a 235;

mm) Em fevereiro de 2004 foi realizada a "Avaliação de parcela de terreno de prédio sito no ……….. - ……… - ……… - Amadora necessária à execução da extensão da linha ………. da rede de metropolitano desde a …….. até à ……..", pelo Perito Avaliador de Imóveis, ……….. - docs. fls. 13 a 59, para que se remete para todos os efeitos;

nn) Por ofício de 12/03/2004, a Contrainteressada requereu ao Secretário de Estado dos Transportes, a "Declaração de Utilidade Pública da expropriação com carácter de urgência, da parcela de terreno abaixo identificada, com a concessão de posse administrativa imediata do bem a expropriar", juntando 4 documentos: o documento nº 1 "Resolução de expropriar"; o documento nº 2 "Programa de Trabalhos"; o documento nº 3 "Fundamentação relativa à urgência da expropriação" e documento nº 4 "Estudo do Impacte Ambiental", nos termos do doc. fls. 199 a 770 do I e II volumes do proc. instrutor, para que se remete para todos os efeitos;

oo) Em 23/03/2004 foi o Autor notificado da resolução de expropriar, nos termos do doc. fls. 335 a 339 para que se remete e se considera reproduzido;

pp) Em 17/04/2004 foi publicado no D.R. II Série, nº 91, o Despacho de 22/03/2004, nº 7683/2004 do Secretário de Estado dos Transportes, do mesmo constando o seguinte, o que se extrai, “O desenvolvimento da área metropolitana de Lisboa implica um permanente crescimento das infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, nestas se incluindo a rede de metropolitano. (…) Integrada no plano de expansão da rede do Metropolitano de Lisboa, e nos termos do despacho nº 20308/99, do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 250, de 26 de Outubro de 1999, foi aprovada a extensão da linha ……. da rede do Metropolitano entre a …….. e a ………… (Amadora). No âmbito do referido prolongamento, encontra-se integrada a execução da empreitada ML 601/01, «Execução dos toscos da galeria em NATM entre a estação de …….. e o término da ……….., da linha ……… do Metropolitano de Lisboa», adjudicada através do contrato nº 48/2001-ML, de 14 de Dezembro de 2001. Os trabalhos relativos à execução do posto de tracção e término, que integram a referida empreitada, implicam necessariamente a ocupação definitiva de uma parcela de terreno com a área de 341,52 m2, assinalada com a indicação «Área a expropriar» na planta anexa, e a utilização provisória de uma área envolvente com cerca de 482,42 m2, que também se encontra assinalada na mencionada planta com a indicação «Área de ocupação temporária», as quais são parte integrante da parte rústica do prédio misto situado no sítio ………, …………, (…). Tendo-se verificado um lapso na identificação do respectivo proprietário, os referidos trabalhos, que se iniciaram em Março de 2002, encontram-se actualmente suspensos. A estas circunstâncias acresce o facto de se encontrarem contratados trabalhos de especialidades, a instalar no túnel do término, nomeadamente via férrea, infra-estruturas de baixa tensão, telecomunicações, média tensão e sinalização, bem como a conclusão dos toscos do posto de tracção, acabamentos, baixa tensão, telecomunicações e avac, cujos trabalhos não podem ainda iniciar-se por implicarem a utilização da referida parcela. Considerando o exposto, e sendo o plano de expansão da rede do Metropolitano de Lisboa obra de manifesto interesse público, nos termos e ao abrigo da delegação de competências constante do despacho nº 8874/2003, de 11 de Abril, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 105, de 7 de Maio de 2003, determino o seguinte:

1 - A requerimento do Metropolitano de Lisboa, E.P., e considerando que, para a realização da referida obra, é indispensável a expropriação das parcelas de terreno, nos termos e ao abrigo dos artigos 1º, 3º, 14º, 15º e 18º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, e tendo em vista o reinício dos trabalhos actualmente suspensos, declaro a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e dos direitos a eles inerentes respeitantes à parcela de terreno com a área de 341,52 m2, assinalada com a indicação «Área a expropriar» na planta anexa, e com a ocupação provisória de uma área envolvente com cerca de mais 482,42 m2 (…);

2- Declaro autorizar o Metropolitano de Lisboa, E.P., a tomar posse administrativa dos terrenos atrás referidos ao abrigo do nº 1 do artigo 19º do mesmo Código.(…)” - doc. fls. 341 dos autos;

qq) Em 21/04/2004 foi o Autor notificado "nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 17° e do nº 2 do artigo 18° ambos do Código das Expropriações" do Despacho nº 7683/2004 do Secretário de Estado dos Transportes, "que integra a Declaração de Utilidade Pública com tomada de posse administrativa imediata relativa à expropriação da parcela de terreno com a área de 341,52 m2 assinalada como "ÁREA A EXPROPRIAR" na planta correspondente a ocupação temporária da área envolvente com cerca de mais 482,42 m2, que também se encontra assinalada na mencionada planta com a indicação "ÁREA DE OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA", as quais são parte integrante da parte rústica do prédio misto, situado no Sítio ………, ………., n.ºs …….., serventia do ………. n.ºs …….., freguesia ………., Concelho da Amadora, de que V. Exa. é proprietário." - doc. fls. 340 e 341, que se considera totalmente reproduzido;

rr) Em 23/06/2004 foi efetuada a vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam- fls. 344 a 346;

ss) Em 02/07/2004 foi elaborado o Relatório da vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam, pelo perito permanente ……….., nos termos do qual, "A parcela em causa segundo elementos fornecidos pelo Metropolitano tem a área de 341,52 m2 à qual acresce a área de 482,42 m2 que foi utilizada como estaleiro provisório. Será destacada de propriedade com uma área total de 1.554,32 m2, a qual fica praticamente subdividida em 2 sub-parcelas com áreas aproximadas de 140 m2 e 1.072,80 m2, após excluirmos a área expropriada. É referida igualmente a área de 482,42 m2, sujeita a ocupação temporária .... Nesta data encontrava-se ocupada já pelo túnel do Metropolitano e obras acessórias em vias de conclusão, ainda em fase de estrutura .... Além da área expropriada e da de ocupação temporária, foi ainda afectado uma área maior. São cerca de 60 m2, ocupados com construções, que foram demolidas e teriam sido utilizadas como carpintaria (a Norte) e cerca de 80 m2 corresponderão a um "corredor" (a Poente) utilizado para implantar instrumentos de medida do Metropolitano, que ainda aí hoje permanecem. É de salientar que a área remanescente a Sul da parcela expropriada, ficará desligada da restante propriedade. Na área "de ocupação temporária" ainda se observa à superfície o betão da ... que terá uma profundidade total de cerca de 23 m, que serviu para contenção da escavação e que terá ficado enterrado .... Foi demolido um poço que teria cerca de 2,5m do qual ainda são visíveis restos, situado junto das construções demolidas e fora da área expropriada .... Admite-se que na parte rústica existiriam oliveiras e árvores de fruto." - doc. fls. 344 a 380, para que se remete para todos os efeitos legais;

tt) Em 08/07/2004, o Autor foi notificado "nos termos e para os efeitos do nº 7 do artigo 21° do Código das Expropriações" do Relatório da vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam, de que se enviou cópia - doc. fls. 342 a 380;

uu) Em 22/07/2004 foi efetuado o depósito da quantia de € 57.154,46, à ordem de A………, com a natureza de caução, no âmbito do processo de expropriação - doc. fls. 126 do I vol. do proc. instrutor, que se considera totalmente reproduzido para todos os efeitos;

vv) Em 20/08/2004 foi tomada a posse administrativa da parcela de terreno, sendo elaborado o respetivo Auto de Posse Administrativa - doc. fls. 128 e 129 do I Vol. do proc. instrutor;

ww) Em 23/08/2004 foi o Autor notificado, sendo enviada cópia, do Auto de Posse Administrativa - doc. fls. 170 do I Vol. do proc. instrutor;

xx) A mera expropriação do subsolo (à cota correspondente à altura do posto de tração) ou a constituição de um direito de superfície sobre o subsolo (à cota correspondente à altura do posto de Tração) seria suficiente para assegurar satisfazer o interesse público visado;

yy) A Contrainteressada apenas carece de parte do subsolo e não da totalidade do terreno até à superfície;

zz) A parcela com cerca de 140 m2 não permite realizar qualquer construção economicamente viável;

aaa) A execução da empreitada, na parcela de terreno não limitará a edificação em altura acima do solo no prédio propriedade do Autor;

bbb) A execução da empreitada, na parcela de terreno não introduzirá limitações à dimensão e volumetria das construções que será possível efetuar no prédio propriedade do Autor;

ccc) O subsolo poderá ser utilizado para fazer cumprir os parâmetros de estacionamento que constam previstos nos planos municipais de ordenamento do território;

ddd) A escavação efetuada no perímetro da obra e a existência das referidas construções tornará mais onerosa a edificação no prédio do Autor, implicando a adopção de técnicas construtivas que impliquem custos acrescidos;

eee) Embora com custos acrescidos ao nível das fundações e algumas limitações, é tecnicamente possível construir sobre a galeria e posto de tração que foram construídos no local;

fff) Prevendo o desmoronamento de uma das construções sobre a obra em construção, a Contrainteressada demoliu parcialmente o edifício sito no nº 10 e demoliu totalmente o edifício sito no nº 10 A;

ggg) A Contrainteressada derrubou uma cerca de canavial que delimitava o prédio;

hhh) O Autor, no decurso da execução da obra, tentou, junto da Contrainteressada, a desocupação do terreno e a paragem da obra;

iii) A obra foi concluída em novembro de 2004;

jjj) A Contrainteressada foi informada pela Câmara Municipal da Amadora de que a totalidade das obras decorreriam na Quinta da Direção Geral do Fomento Pecuniário;

kkk) Em junho de 2002 o Autor e a Contrainteressada acordaram sobre a ocupação do terreno;

III) O Autor não assinou a proposta de acordo por o processo de inventário ainda não estar findo;

mmm) Em reunião de 17/10/2003 entre o Autor e a Contrainteressada foi proposto a esta, a venda da parcela de terreno como forma de resolver todas as reclamações;

nnn) Em 06/11/2003 a Contrainteressada afirmou que estava recetiva a apresentar uma proposta de compra da parcela de terreno;

ooo) O Autor consentiu na ocupação para estaleiro, estando em negociação a compensação, que seria suportada pela Contrainteressada;

ppp) A ocupação superficial (cota 97,00) e até uma profundidade de 12,58 m (cota superior da laje 84,42) é uma ocupação de carácter temporário para estabelecimento de estaleiro e execução de obra;

qqq) A escavação efetuada no prédio será aterrada, quando for concluída a estrutura da galeria e do posto de tração;

rrr) A escavação conta com uma contenção que garante a estabilidade do talude;

sss) Não foi realizada uma muralha de contenção, só foi executada uma contenção para estabilização do talude constituída por betão projetado, pregagens passivas e algumas ancoragens;

ttt) A contenção ficará desativada mas permanecerá no solo;
uuu) As construções no subsolo ocupam a área de 341,35 m2, correspondente a 215,60 m2 do posto de tração e 125,75 m2 de túnel;
vvv) Em 11.05.2004 concluíram-se os trabalhos de reposição de terras da 1ª fase;

www) A Contrainteressada não carece do terreno ao nível do solo;
xxx) A área de terreno que a ré ocupou até agosto de 2003 foi de 697 m2;

yyy) E a partir dessa data foi de 823,77 m2;

zzz) O Autor intentou a presente ação administrativa especial em 15/07/2004 - doc. fls. 32 dos autos;
aaaa) No âmbito do processo judicial de expropriação, que correu termos no 2° Juízo Cível, do Tribunal Judicial da Amadora, sob o nº 508/05.1 TBAMD, em que são Expropriante, Metropolitano de Lisboa e Expropriado, A………., foi proferida decisão judicial, transitada em julgado, de adjudicação ao Metropolitano de Lisboa, a propriedade, livre de quaisquer ónus ou encargos, da parcela de terreno com a área de 341,52 m2, a qual é parte integrante da parte rústica do prédio misto situado no Sítio …….., ……….., nºs. ………., descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial da Amadora, sob o nº 1621 e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 158, 159, 160,161,162,163,164 e 632 e na matriz predial rústica sob o artº 299 secção 9 - doc. fls. 797 a 801 dos autos.

bbbb) A minuta do acordo assente em p) refere na cláusula primeira, n.º 2 o seguinte: "O presente acordo tem por objecto a compensação pela ocupação temporária de uma parcela do referido prédio com cerca de 697m2, na qual foi executado um poço e na qual funciona uma frente de obra da empreitada ML 601/01 - execução dos toscos da Galeria em NATM, entre a Estação …… e o Término da ……….." (cf. doc. de fls. 112 a 115).

cccc) Na minuta de acordo indicada em p) é referido a cláusula segunda o seguinte: e “A ocupação do terreno em causa terá uma ocupação de 13 meses com início em Março de 2002 e fim em Março de 2003, inclusive" (cf. doc. de fls. 112 a 115).”

*

III. O DIREITO

Como se diz no acórdão que admitiu a revista o aqui recorrente vem sindicar a decisão recorrida invocando que ocorre erro de julgamento da decisão recorrida ao ter considerado que antes da DUP o terreno foi ocupado sem autorização do respetivo «dominus» e que a expropriação da parcela do Autor violou o princípio da proporcionalidade.

1_Quanto à 1ª questão a decisão recorrida considerou ser ilícita e culposa a conduta da ora Recorrente porque se apropriou do terreno do Autor “fora de um procedimento expropriativo, que seguisse trâmites legais, que se enquadrasse num quadro de legalidade, não decorrendo dos autos que existissem razões objectivas para justificar tal comportamento”. Acrescentou que se tratava de uma culpa leve, porque o ora Recorrente “tentou encetar negociações com os proprietários após ter-se apercebido de (que) estava a apropriar-se de um terreno alheio e goradas as negociações emanou o despacho ora impugnado de declaração de utilidade pública, mas não deixa de ser uma conduta culposa, pois a apropriação e ocupação do terreno fez-se em violação da lei” .

Alega o recorrente que ocorre erro na interpretação da matéria de facto já que “Face aos factos provados terá de se concluir que, não obstante a não existência de uma autorização formal, os herdeiros ou algum dos herdeiros e também o Autor, terão consentido expressa ou tacitamente na ocupação da parcela pela Recorrente.”

Desde logo, e como resulta do disposto no nº 4 do art.º 150º do CPTA, a interpretação dos factos dados como provados e as ilações que as instâncias deles retiraram são ainda uma questão de facto, e por isso subtraída ao conhecimento do STA.

Compete a este tão só fiscalizar a observância das regras de direito probatório material.

O que não é o caso, pelo que temos de nos ater às interpretações sobre a matéria de facto feitas pelo tribunal recorrido.

Contudo, neste âmbito e como se diz no acórdão que admitiu a revista: “... embora o recorrente só questione diretamente isto, talvez seja ainda questionável – à luz do princípio «jura novit curia» – a integralidade do vício reconhecido pelo TCA. Ora, e se assim for, a revista suscitará a questão de saber se é válida a DUP relativa a um prédio se a entidade expropriante já anteriormente o ocupara para atingir e obter o fim expropriativo. E esta «quaestio juris», alusiva à admissibilidade das DUP «ratione temporis», tem suficiente relevo para se concluir, «recte», pela admissão da revista.”

Então vejamos.

O princípio dispositivo é uma regra basilar do nosso processo civil.

Desde logo o art. 3.º, n.º 1 do CPC estatui: “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.”

E, o art. 5.º, n.º 1 estabelece: “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”

Os art.sº 264.º/664.º do CPC de 1961 correspondem ao art. 5.º, n.º 3 que passa apenas a consagrar a regra iura novit curia, nos seguintes termos:

“O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”

Donde se pode concluir que no que diz respeito aos factos que constituem a causa de pedir e as exceções, os mesmos têm de ser alegados.

Ao juiz, por sua vez, cabe decidir dentro desse objeto, tendo ampla liberdade para aplicar as regras de direito mesmo que não alegadas pelas partes.

Ora, no caso sub judice é claro que o recorrente entende que resulta da matéria de facto que o terreno não foi ocupado sem autorização para sindicar o motivo da decisão recorrida de que não podia ocorrer expropriação nesta situação.

Consta expressamente das suas alegações:

“K. Por outro lado, não existe qualquer proibição ou impedimento legal para que a entidade expropriante, possa ocupar desde logo a parcela a expropriar para dar início à execução da obra se o proprietário o autorizar(...).

X. Esta conclusão prejudica outros dos vícios erradamente imputados pelo tribunal a quo ao despacho da DUP, o qual se traduz na conclusão de que a Recorrente desencadeou o processo expropriativo para legalizar uma apropriação ilícita do terreno do Autor.

Y. De facto, da matéria de facto provada tem de concluir-se que a Recorrente deu início à tentativa de aquisição da parcela através do direito privado e que tal aquisição não foi possível por não se ter alcançado um acordo.”

Está, pois, implicitamente invocado que o ato, ao regularizar uma situação “a posteriori” ofenderia o regime das expropriações.

Pelo que, se pode considerar, como o faz a decisão que admitiu a revista, que o tribunal pode aplicar o julgamento de direito, apesar de não invocado expressamente, quanto a esta situação da possibilidade ou não de expropriação de terreno que foi entretanto ocupado, ao abrigo do referido princípio iura novit curia, nos termos em que o mesmo vem consagrado nos termos supra referidos.

Esta questão já foi, efetivamente, decidida por este STA, como se extrai a propósito do Ac. do Pleno deste STA Proc. 043274 02/04/2003 e a que aderimos:

“O acórdão da Secção, ora recorrido, na apreciação dos vícios que os recorrentes contenciosos assacavam ao ato impugnado, e tendo presente a matéria de facto acima acabada de transcrever, começou por julgar improcedentes os vícios de usurpação e de desvio de poder, matéria que agora se não irá reapreciar por a mesma não vir controvertida no presente recurso jurisdicional.

Seguidamente o aresto passou a apreciar aquilo que os recorrentes contenciosos apelidavam de o ato expropriativo ter sido praticado “ com base numa realidade falseada ”, ou seja, de a respectiva fundamentação se encontrar também “ falseada ”, em virtude de a obra que justificava a expropriação já se encontrar ao tempo inteiramente concluída.

A esse respeito o mesmo acórdão começou por ponderar, apoiando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal, que citou ((1) Ac. da Secção, de 2/5/90, publicado no “Apêndice” ao DR, p. 3115, confirmado pelo acórdão deste Tribunal Pleno, de 24/11/94 (“Apêndice”, p. 569).), nada impedir em geral que um ato expropriativo seja praticado com vista a permitir a realização de uma obra entretanto já completa e que o foi sem a necessária cobertura de um ato daquela natureza, possibilitando-se assim a reposição da legalidade, isto desde que em cada caso seja reconhecida a existência de uma necessidade pública real na execução da obra em causa e que para tal se torne necessário sacrificar o direito de propriedade do particular através da respectiva expropriação.(...)

Só que, como bem se assinalou no acórdão recorrido, a decisão de expropriar assume uma feição eminentemente discricionária, já que a utilidade pública a cuja satisfação a mesma se destina cabe ao autor do ato defini-lo em concreto, tendo em conta os direitos ou interesses do expropriado, por forma a que a ablação dos mesmos surja como necessária para a realização daquele mesmo fim (artº. 3º., do Cód. Expropriação de 91, diploma aplicável no caso sub judice).

É claro que isso não implica – antes pelo contrário – que a decisão de expropriar não se encontre sujeita aos princípios gerais por que se rege o agir administrativo: princípios da igualdade, da imparcialidade, da proporcionalidade, e da justiça.

E que tais momentos não sejam, como devem, ser controláveis pelo Tribunal.

Mas apenas que o núcleo central do ato expropriativo, ou seja, a decisão de expropriar ou não (nomeadamente quanto à sua conveniência ou oportunidade), bem como, em caso afirmativo, a concreta extensão do seu objecto, constitui uma prerrogativa da Administração – conferida por lei -, integrando matéria na qual o tribunal administrativo se não pode substituir àquela nos juízos que a mesma formulou.”

Pelo que, quanto a esta parte tem a recorrente razão, não padecendo o ato impugnado desta ilegalidade considerada na decisão recorrida por ser lícito que um ato expropriativo seja praticado com vista a permitir a realização de uma obra entretanto já terminada.

2_ Quanto à 2ª questão a decisão recorrida entendeu que a expropriação da parcela do Autor violou o princípio da proporcionalidade, por falta de ponderação do recurso a outras soluções para além da expropriação da propriedade do imóvel que, designadamente, "permitissem a desapropriação apenas do subsolo do imóvel" e, nessa medida, "terá violado o princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso".

Como se diz no acórdão que admitiu a revista: “Com efeito, e como mostram as soluções opostas das instâncias, é imediatamente controverso: que o regime das expropriações sirva para a aquisição originária de direitos de superfície; que o fim da expropriação dos autos fosse atingível mediante a mera figura da servidão administrativa; e que os poderes de controle jurisdicional abranjam – segundo um critério de proporcionalidade – a sindicância da escolha entre expropriar, «tout court», e constituir servidões administrativas.”

Decidiu o acórdão recorrido nesta parte:

“No caso em apreço, é manifesto que a Administração não ponderou nenhuma alternativa à expropriação da propriedade plena do imóvel, quando a mesma não era necessária para o fim de utilidade pública que se visava atingir.

Sem embargo do conteúdo conclusivo e de direito que está inserto ao que se provou na xx), a verdade é que dali se retira que para a construção da galeria e do túnel não seria necessário ao ML dispor do terreno ao nível do solo ou do espaço aéreo.

Isso mesmo é confirmado pelos factos yy) e www), em que se atesta que o ML apenas carece de parte do subsolo e não da totalidade do terreno até à superfície.

Neste enquadramento, a expropriação da propriedade do imóvel, na oposição do A,. e Recorrente, o proprietário, será excessiva para o fim que se visa atingir.

Como acima se disse, da matéria fáctica apurada deriva que todo o procedimento expropriativo desenrolou-se sob o signo da irregularidade, correspondendo o ato ora impugnado a uma tentativa de regularização à posteriori da anterior apropriação ilegal.

Dos factos fixados resulta, também, que o imóvel em questão foi expropriado na sua (plena) propriedade.

Dessa mesma factualidade pode, ainda, retirar-se que não terá sido ponderada pela Administração a possibilidade do recurso a figuras menos gravosas que a expropriação da propriedade, nomeadamente que não terá sido ponderado o recurso a outras figuras que permitissem a desapropriação apenas do subsolo do imóvel, nomeadamente com a constituição de um direito de superfície ou de uma servidão.

Portanto, há que reconhecer a violação do princípio da proporcionalidade, por essa possibilidade não ter sido ponderada. Mas, neste caso, não existe uma obrigação legal de a Administração prosseguir com a apropriação do subsolo através de um determinado instituto, pelo que aqui não há que invocar a existência de um ato devido, entendido como o necessário recurso à figura do direito de superfície ou da servidão. O cumprimento do princípio da proporcionalidade bastar-se-á com a obrigação da expropriação se conter dentro dos limites imprescindíveis à realização do fim de utilidade pública (cf. neste sentido, OLIVEIRA, Luís Perestrelo – Código das…, ob. cit, pp. 2. Cf. ainda, em sentido próximo os Acs. do STA n.º 045899, de 29-11-2006 e n.º 0815/03, de 31-05-2005).

Em suma, face à factualidade provada, a presente expropriação, porque feita em termos de transferência da propriedade (plena) do terreno para o Contra-interessado, terá violado o princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso.”

Vejamos, então, se andou bem a decisão recorrida ao entender que, no caso, o despacho impugnado violava o princípio da proporcionalidade, o que a recorrente sindica.

Está aqui em causa o despacho de 22.03.2004, do Secretário de Estado dos Transportes que declarou a utilidade pública com tomada de posse administrativa imediata, relativa à expropriação de uma parcela de terreno com a área de 341,52 m2 e a ocupação temporária da área envolvente com cerca de 482,42 m2.

Pelo que, para aferirmos se a expropriação da parcela aqui em causa violou o princípio da proporcionalidade, designadamente por a Recorrente não ter ponderado o recurso a outras soluções para além da expropriação da propriedade do imóvel que, designadamente, “permitissem a desapropriação apenas do subsolo do imóvel” temos de dar resposta às seguintes questões:

_ se o regime das expropriações é adequado à aquisição originária de direitos de superfície;

_se o fim da expropriação dos autos era atingível pela figura da servidão administrativa;

_ e se está nos poderes de controle jurisdicional , para aferir do critério de proporcionalidade , a sindicância da escolha entre expropriar, «tout court», e constituir servidões administrativas.

Ora, desde logo resulta do artigo 1.º do CE que: “Os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objeto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código.”

E, do art. 8º nº1 do mesmo diploma: que “Podem constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de interesse público.”

Por fim, no artigo 32º diz-se que “Na expropriação de direitos diversos da propriedade plena, a indemnização é determinada de harmonia com os critérios fixados para aquela propriedade, na parte em que forem aplicáveis.”

Por sua vez o direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nela fazer ou manter plantações (art. 1524.° do C. Civil)

E, é certo que o art. 1524º do CCivil não indica como modo de constituição do direito de superfície a expropriação por utilidade pública.

Mas, nem por isso deixa de ter sentido que o direito de superfície e a servidão administrativa, enquanto direitos reais menores sejam passíveis de ser expropriados.

O que aliás vem tratado no Ac. do STJ de 13.10.2011, in Rec. n.° 430/2001.S1:

“(...) O objeto mediato da expropriação envolve, em regra, os bens imóveis e os direitos inerentes aos referidos imóveis, direitos reais menores como é o caso v.g. do usufruto, das servidões, do direito de superfície, do direito de uso e habitação e do direito de habitação periódica, sendo ainda de considerar como direitos inerentes aos imóveis o direito do arrendatário, pessoal de gozo, a que se reporta o art. 30º nº1 do CEx.

A expropriação, para efeitos de indemnização, abrange os demais ónus e encargos (art.32º do CEx), nomeadamente os direitos reais de garantia, tendo em conta o que se prescreve no art. 823º do Código Civil (CC), relativamente à penhora; a disposição do art .692º nº3 do CC quanto à hipoteca ou o regime dos arts. 692º nº3 e 665º do CC quanto à consignação de rendimentos.

Discute-se, hoje, se a mera declaração de utilidade pública de expropriação extingue ipso facto os direitos subjetivos relativos aos bens que dela são objeto e provoca a aquisição originária pelo beneficiário da expropriação.

Em sentido positivo tem se pronunciado maioritariamente a jurisprudência (por todos Ac. STJ de 29 de novembro de 2005 in Col. Jur., Ano XIII, tomo 3, pag.145), porém, alguma doutrina argumenta, como Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil anotado, vol. III, 2ª edição, pag.106, que os referidos direitos não se extinguem, são transferidos para a entidade expropriante, tratando-se de uma transmissão coativa típica. Neste quadro doutrinário e legal fica por determinar se a servidão administrativa, ao contrário do que sucede com as servidões privadas, pode ser objeto de expropriação.

O direito administrativo foi construindo, no decorrer dos tempos, um instituto próprio de servidão. Tal era reconhecido pelo Prof Guilherme Moreira que dizia que “… em relação às servidões que têm por fim o interesse público, se possa formular uma teoria por que se determine, não só o regime de todas essas servidões, mas o de quaisquer outras que…tenham por fim a satisfação de necessidades dos habitantes de determinadas circunscrições territoriais, ou um serviço de interesse público”.

Por servidão administrativa deve entender-se, diz o Prof Marcello Caetano “ o encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa”.

As servidões administrativas são de utilidade pública impostas por lei. É certo que podemos, hoje, distinguir as servidões derivadas diretamente da lei das servidões constituídas por ato administrativo.

No caso em apreço, embora o despacho nº 50/96 de 3 de março do Ministro da Economia habilite a recorrente a constituir servidão administrativa, por reconhecimento da utilidade pública do projeto de instalação do oleoduto, ele remete, contudo, para as leis habilitantes, Decreto-Lei nº152/94 de 26 de maio e Decreto-lei nº 232/90 de 16 de julho.

Tais servidões cessam com a desafetação dos bens dominiais ou com o desaparecimento da função pública das coisas dominantes, ou seja, terminada a função pública da coisa dominante desaparece a razão de ser da servidão administrativa.

Assim, as servidões administrativas distinguem-se das servidões privadas quer quanto à sua natureza, quer quanto ao seu regime e características. Constitui pressuposto daquelas (art.8º nº1 do CEx) a sua necessidade com vista à realização de fins de interesse público ou, o mesmo é dizer de fins de utilidade pública

A constituição de servidões administrativas deve visar a satisfação de interesse público e revelar-se necessária para esse efeito, como é o caso da existência de um oleoduto multiprodutos que permite a utilização de combustíveis e seus derivados a várias zonas populacionais.

As servidões administrativas são constituídas, em regra, independentemente de algum processo de expropriação por utilidade pública e só se extinguem com o desaparecimento da função pública das coisas dominantes. (...)”.

Assim, a partir do momento que o objeto da expropriação por causa de utilidade pública não se circunscreve à propriedade plena antes admitindo outros direitos inerentes aos bens imóveis, ou seja, direitos reais distintos do direito de propriedade, não se vê porque também não se possa aqui incluir o direito de superfície e de servidão administrativa.

Sendo tal possível cumpre aferir se o fim da expropriação era atingível, no caso sub judice, mediante a constituição de um direito real menor.

Resulta provado da matéria de facto que:

“xx) A mera expropriação do subsolo (à cota correspondente à altura do posto de tração) ou a constituição de um direito de superfície sobre o subsolo (à cota correspondente à altura do posto de Tração) seria suficiente para assegurar satisfazer o interesse público visado;

yy) A Contrainteressada apenas carece de parte do subsolo e não da totalidade do terreno até à superfície;

zz) A parcela com cerca de 140 m2 não permite realizar qualquer construção economicamente viável;

aaa) A execução da empreitada, na parcela de terreno não limitará a edificação em altura acima do solo no prédio propriedade do Autor;

bbb) A execução da empreitada, na parcela de terreno não introduzirá limitações à dimensão e volumetria das construções que será possível efetuar no prédio propriedade do Autor;

ccc) O subsolo poderá ser utilizado para fazer cumprir os parâmetros de estacionamento que constam previstos nos planos municipais de ordenamento do território;

ddd) A escavação efetuada no perímetro da obra e a existência das referidas construções tornará mais onerosa a edificação no prédio do Autor, implicando a adoção de técnicas construtivas que impliquem custos acrescidos;

eee) Embora com custos acrescidos ao nível das fundações e algumas limitações, é tecnicamente possível construir sobre a galeria e posto de tração que foram construídos no local; (...)

www) A Contrainteressada não carece do terreno ao nível do solo;”

É certo que parte destes factos contêm em si uma dimensão de direito pelo que devemos ater-nos apenas à dimensão fática dos mesmos, e à consideração de que não compete a este STA interferir na fixação dos factos e na interpretação dos mesmos, como supra já se referiu.

Considerou a decisão recorrida que da factualidade que resultou provada pode retirar-se “que não terá sido ponderada pela Administração a possibilidade do recurso a figuras menos gravosas que a expropriação da propriedade, nomeadamente não terá sido ponderado o recurso a outras figuras que permitissem a desapropriação apenas do subsolo do imóvel, nomeadamente com a constituição de um direito de superfície ou uma servidão”.

Ora, não resulta da fundamentação do despacho impugnado que tivesse sido ponderado, no caso, o recurso a figuras menos gravosas do que a expropriação da propriedade.

E, efetivamente, da matéria de facto provada tudo indicia a possibilidade de constituição de um direito de servidão já que apenas era necessário o subsolo para a prossecução do interesse público visado e a execução da empreitada, na parcela de terreno não introduzirá limitações à dimensão e volumetria das construções que será possível efetuar no prédio propriedade do Autor.

E, como a expropriação do propriedade plena apenas pode ocorrer quando a constituição de uma servidão ou de outros meios menos lesivos não seja adequada nem suficiente para assegurar a finalidade de interesse público visado e, sendo a constituição de um direito de superfície ou de uma servidão administrativa inquestionavelmente menos lesiva para o particular proprietário de um imóvel do que a ablação do direito de propriedade operada por via da expropriação por utilidade pública, deveria ter sido ponderada pela entidade administrativa antes da decisão da referida expropriação total do prédio.

Na verdade, se tudo indicia que seja possível satisfazer um interesse público de uma forma menos lesiva para os interesse privados, deveria o Ministério das Obras Públicas Transportes e Habitação ter analisado tais possibilidades, com a qual não interfere o funcionamento das regras do ónus da prova.

Como resulta do artigo 342.º do CC :

“ 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”

Por outro lado, e como vimos, a expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, de acordo com um programa de execução faseada e devidamente calendarizada, o qual não pode ultrapassar o limite máximo de seis anos.

Vigora, assim, em matéria de expropriação o princípio da suficiência, ou seja, o sacrifício a impor ao particular deve limitar-se ao estritamente necessário para a realização do fim público a prosseguir.

A partir do momento em que os autos indiciam que o interesse público se satisfaz com a expropriação de um direito real menor, compete ao Ministério das Obras Públicas Transportes e Habitação provar que efetivamente a constituição de uma servidão não satisfaz a realização do interesse público e, portanto, o necessário fim da expropriação apenas se realiza com a ablação total da propriedade.

O que implica que ao não fazer tal análise foi preterido o princípio da proporcionalidade que aqui se traduz em aferir se o sacrifício de certos bens ou interesses são adequados, necessários e equilibrados na relação com os bens e os interesses que se pretende promover.

Cumpre, por fim, aferir se os poderes de controlo jurisdicional abrangem — segundo um critério de proporcionalidade — a sindicância da escolha entre expropriar, «tout court», e constituir servidões administrativas.

A este propósito diz-se no acórdão deste STA 0383/03 de 03/10/2004, que subscrevemos:

“2. A expropriação, ainda que por utilidade pública, constitui uma importante restrição ao direito de propriedade - constitucionalmente consagrado no art. 62.º da CRP - e, porque assim, e porque sendo espúrio ao harmónico conteúdo do direito de propriedade só deve ser admitida quando for absolutamente indispensável, isto é quando as finalidades de utilidade pública que se visam prosseguir não possam ser alcançados por meios menos gravosos. E é por isso que a mesma só deve ser decretada depois de uma cautelosa ponderação de todos os interesses envolvidos e deve ser limitada ao mínimo necessário para a realização dos fins em vista.

É nisso que se traduz o princípio da necessidade da expropriação, o qual, nestes casos, pode ser visto como uma manifestação do princípio da proporcionalidade, porquanto também aqui a privação que o particular é forçado deve ser adequada e necessária aos fins concretos prosseguidos pela Administração e deve ser tida como tolerável quando confrontada com esses fins e, portanto, também aqui a proibição do excesso deve ser alcançada através da realização das três dimensões fundamentais desse princípio, a da adequação, a da necessidade e a do equilíbrio. – Vd., entre outros, Acórdãos da Secção de 2/12/92 (rec. 29.672) in Ap. ao DR de 17/5/96, pg. 6688, e do Pleno de 18/4/02 (rec. 45.217) e F. do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, pg. 127 e seg.s e E. Oliveira e outros, CPA Anotado, 2.ª ed., pg. 98.”

Também Luís S. Cabral de Moncada in Código do Procedimento Administrativo, Anotado, 2.ª Edição, Revista e Atualizada, pág. 96. “(a) proporcionalidade é um critério limitativo do exercício da discricionariedade administrativa e das liberdades afins. Limita a oportunidade ou mérito das escolhas administrativas mas fica longe de o eliminar o que significa que não possibilita um controlo judicial integral da liberdade administrativa. É, a par dos outros princípios gerais de direito, um critério legal de controlo da discricionariedade mas não a reduz a zero. A proporcionalidade não é o salvo-conduto para a abolição das fronteiras entre os Tribunais e a Administração”.

Ora, a partir do momento em que é o próprio C.E. [Lei 168/99 de 18/9 na redação da Lei n.º 56/2008, de 04/09] que estipula que:

“A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, de acordo com um programa de execução faseada e devidamente calendarizada, o qual não pode ultrapassar o limite máximo de seis anos que, sem entrar nos limites de controle que a discricionariedade técnica impõe, se impõe ao tribunal aferir se foi feita uma cautelosa ponderação de todos os interesses envolvidos donde se pudesse concluir que o ato de expropriação , nos termos em que foi feito, estava limitado ao mínimo necessário para a realização dos fins em causa.

O que o ato aqui em causa não fez.

Pelo que, deve anular-se o referido ato nos termos supra expostos.

*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em:

a) conceder parcial provimento ao recurso relativamente ao fundamento da decisão recorrida de impossibilidade de expropriação de terreno previamente ocupado;

b) negar provimento ao recurso quanto à violação do princípio da proporcionalidade;

c) manter a anulação do ato sindicado.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2019. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (vencido nos termos de declaração que junta.)

Vencido no segmento em que foi concedida parcial procedência ao recurso, e não acompanhando na totalidade a fundamentação/motivação do julgamento em que no demais se negou provimento ao mesmo recurso.

1. Divergi do entendimento que obteve vencimento quanto à procedência parcial ao recurso, porquanto, presente a factualidade que se mostra apurada, afigura-se-me que como duvidoso que a ocupação/apropriação da parcela do terreno do A. feita pelo aqui ora recorrente haja sido feita de forma perfeitamente regular e lícita, com estrita observância do formalismo definido para o recurso ao procedimento expropriativo, e, por outro lado, na apreciação e julgamento da concreta situação não nos podemos bastar com o apelo à assunção de uma declaração de admissão genérica e geral da possibilidade e, em decorrência, da licitude da emissão de um ato expropriativo destinado a permitir a realização de uma obra entretanto já praticamente completa e que o foi sem a prévia e necessária cobertura de um ato daquela natureza, possibilitando-se, assim, a reposição da legalidade, tanto mais que a jurisprudência que se mostra convocada manteve o juízo anulatório do ato expropriativo ali impugnado, fundado em erro sobre os pressupostos em que assentou a correspondente decisão.

2. De notar, ainda, que, como referido no citado Ac. do Pleno deste Supremo de 04.02.2003 [Proc. n.º 043274], o «princípio da intangibilidade das obras públicas», convocado no acórdão recorrido, «está longe de ser pacífico que tenha validade entre nós, sem prejuízo da relevância do facto paro o juízo a emitir pelo Tribunal administrativo em sede de declaração de causa legítima de inexecução de julgado anulatório», sendo que o mesmo princípio não encontra, de per si, também a mínima e necessária consagração ou sustentação em qualquer comando ou preceito normativo [cfr., nomeadamente, para além do citado acórdão ainda os Acs. deste STA de 06.02.2001 – Proc. n.º 043274, de 16.01.2008 - Proc. n.º 0853/07, e de 09.11.2017 - Proc. n.º 0237/15], afrontando, inclusive, o disposto no art. 1316.º do CC quando neste se elencam os modos de aquisição do direito de propriedade, não dispondo de qualquer espaço de operacionalidade e de atuação, por inútil, para situações como as em presença face ao específico regime inserto nos arts. 45.º, 163.º, 166.º,173.º e 178.º, todos do CPTA.

3. Por outro lado, não acompanho na integralidade a fundamentação/motivação em que assentou o juízo que, no demais, conduziu à improcedência do recurso, dado que, não sendo uma situação abrangida pelo art. 1527.º do CC, a violação por parte do ato expropriativo impugnado do princípio da proporcionalidade não poderá, in casu, radicar ou ter como pressuposto o entendimento de que, também, no momento da sua emissão seria possível o recurso à constituição de um direito de superfície em favor da aqui recorrente.

4. Com efeito, na ausência de previsão legal especial que haja instituído um tal direito real menor e não sendo o mesmo passível de vir a ser constituído por intermédio de ato expropriativo, mas, apenas, através de contrato, testamento ou usucapião [cfr. arts. 1524.º, 1525.º e 1528.º todos do Código Civil, 02.º, 03.º e 08.º todos do Código das Expropriações], consideraria, então, que a aferição da proporcionalidade do ato expropriativo não poderia ser feita por referência a uma possibilidade que a lei não autoriza e quando um tal ato resulta emitido mercê de se haver frustrado a opção por solução amigável contratualizada e no âmbito da qual aquele direito de superfície legalmente poderia ser reconhecido e constituído.

5. Além disso, na situação vertente não está em causa o expropriar um qualquer direito real menor já existente na esfera jurídica de alguém, mas antes, ao invés do que maioritariamente se afirma, o de por ato expropriativo, constituir ex novo um direito real menor e, assim, conformar ou instituir por aquela via um ónus/encargo ou restrição por fins de utilidade pública, na certeza de que do facto de os direitos reais menores serem suscetíveis de vir a ser objeto de ato expropriativo [e/ou do que sejam as consequências que este ato tem para aqueles direitos e para as servidões administrativas existentes no momento do ato expropriativo] daí não se pode fazer derivar ou inferir que o ato expropriativo possa ser, ou vir a constituir, fonte criadora de um direito real menor se isso expressamente não estiver ou não for legalmente permitido.

6. Daí que no segmento recorrido, pelas razões e motivação antecedentes, teria mantido a decisão anulatória, negando provimento ao recurso.

Carlos Luís Medeiros de Carvalho