Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02201/13.2BELRS
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
NORMA TRANSITÓRIA
ÂMBITO
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - Da leitura das normas transitórias constantes do artigo 88º do OE para 2007, e no que a esta concreta isenção respeita, o legislador não deixou para a administração fiscal a prática de qualquer acto revogatório das isenções de que beneficiavam os imóveis em questão, limitou-se a atribuir-lhe a incumbência de comunicar a cessação de tal isenção aos contribuintes, tendo estabelecido um prazo meramente ordenador, para que estes pudessem exercer querendo o direito que lhes é conferido pela alínea d) do mesmo preceito legal de modo a dele poder usufruir ainda nesse mesmo ano de 2007.
II - O não cumprimento do prazo de 180 dias a que alude o artigo 88º al. c) do OE para 2007 não acarreta, sem mais, a extinção do direito à cobrança do imposto por parte da AT.
III - A extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, cfr. artigo 12º da LGT e 10º do EBF e a extinção de tal isenção foi expressamente desejada pelo legislador uma vez que introduziu na lei um requisito que sabia à partida que grande parte dos imóveis não cumpriria, razão pela qual sentiu necessidade de editar as normas transitórias que apenas assumem essa natureza, a de estabelecer a transição das situações concretas antigas entre os dois regimes legais.
Nº Convencional:JSTA000P28240
Nº do Documento:SA22021100602201/13
Data de Entrada:12/23/2019
Recorrente:A............... E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 2201/13.2BELRS (Recurso Jurisdicional)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

B…………………… e A...................…, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 30-04-2019, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelos mesmos no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto de indeferimento da reclamação graciosa nº 3085201304004817, que versou sobre as liquidações de IMI relativas aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, no montante global de € 2.073,10, respeitantes à fracção autónoma de que são proprietários, a que corresponde o artigo matricial n.º :……………. da freguesia da Pena, Lisboa.


Formularam nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. A questão em debate nestes autos tem a ver com a legalidade ou ilegalidade da determinação da cessação do benefício da isenção anteriormente prevista no art. 40.º, n.º 1, n), do EBF nos anos pretéritos àquela notificação prevista no art. 88.º, c) da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

B. A divergência tem a ver com a avaliação da natureza da notificação prevista no referido art. 88.º, c) da Lei n.º 53-A/2006.

C. É certo que tal notificação não tem uma natureza constitutiva, mas isso não obsta a que a efectividade da cessação do benefício dependa da condição da eficácia que é a notificação para o efeito em apreço, a qual, segundo os Recorrentes, opera para o futuro e não para os anos pretéritos.

D. Na sentença recorrida, limita-se o efeito útil dessa notificação, com o fundamento de que ela teria apenas a ver com a possibilidade de os sujeitos passivos poderem ainda requerer o benefício em causa, caso preenchessem os novos requisitos aí previstos. Mas fá-lo sem qualquer razão consistente, uma vez que, mesmo no quadro de um automatismo da aplicação do novo regime, nada impediria que, num prazo a estipular, ou mesmo sem que se estipulasse qualquer prazo, os interessados pudessem vir requerer a aplicação do novo regime à sua situação concreta.

E. Assim sendo, a mens legislatoris não pode deixar de ser a de atribuir a tal notificação a natureza de condição de eficácia da cessação do benefício - verdadeiro ónus para a Administração Fiscal -, pelo que tal cessação não se torna efectiva sem a notificação e apenas para as situações jurídicas ocorridas após a notificação.

F. De resto, não só a lei não estabelece que, verificada a condição da eficácia, a cessação opera retroactivamente desde a sua entrada em vigor, como seria manifestamente iníquo e ilógico - em face da unidade do sistema jurídico - que assim fosse.

G. Ou seja, a notificação em apreço tem uma função de ordenação do sistema tributário e de garantia dos contribuintes, tendo sido estabelecida como um ónus da Administração, sem cujo cumprimento não se efectiva a cessação do benefício fiscal.

H. Pelo exposto, julgamos que a sentença recorrida interpretou erroneamente o art. 88.º, c) da Lei n.º 53-A/2006, quando não considerou que a notificação a que a Administração Fiscal ficou vinculada tem a natureza de uma condição de eficácia da cessação do benefício, operando apenas para o futuro e não para os anos pretéritos.

I. Aliás, o entendimento normativo adoptado pela sentença recorrida, no sentido de que tal notificação não funciona como condição de eficácia da cessação do benefício, impedindo a sua aplicação aos anos pretéritos, viola igualmente o princípio da protecção da confiança, o qual decorre do art. 2.º da C.R.P., sendo por isso inconstitucional, o que se deixa arguido.

J. Na verdade, é incongruente com a protecção da confiança ínsita ao Estado de Direito que se determine um ónus para a Administração Fiscal - no sentido de lhe impor uma determinada notificação a favor dos contribuintes, notificando-os de um regime mais gravoso - e, simultaneamente, se admita a aplicação rectroactiva do regime a que se reporta tal notificação.

Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, anulando-se o acto impugnado.

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em apreciar da legalidade ou ilegalidade da determinação da cessação do benefício da isenção anteriormente prevista no art. 40.º, n.º 1, n), do EBF nos anos pretéritos àquela notificação prevista no art. 88.º, c) da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro e, nesta medida, da validade das liquidações de IMI relativas aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

a) Em 18/11/2013, os impugnantes apresentaram, via fax, junto do serviço de finanças de Lisboa-3, a presente impugnação judicial, sindicando o despacho de indeferimento, proferido em sede da reclamação graciosa n.º 3085201304004817, que versou sobre várias liquidações de IMI, relativas aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, no montante global de € 2.073,10 (dois mil, setenta e três euros e dez cêntimos) e respeitantes à fracção autónoma de que são comproprietários, a que corresponde o artigo matricial n.º …………….. da freguesia da Pena, Lisboa - petição de impugnação, junta a fls. 3 e segs. dos autos e liquidações juntas ao procedimento de reclamação graciosa, cujos conteúdos aqui se dão por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos.

b) A fracção autónoma do prédio, descrito na alínea antecedente, por se tratar de prédio classificado, por pertencer ao conjunto denominado “……………….”, classificado de “interesse público” pelo artigo 1.° e Anexo II do Decreto-Lei n.° 2/96 de 06/03, beneficiou de isenção de IMI, por força do anterior artigo 40.°, n.°1, alínea n) do EBF até 31/12/2006 (a que corresponde actualmente o artigo 44.°, n.°1, alínea n) do EBF) - facto admitido por acordo das partes.

c) Mediante o ofício n.° 8731/2011, expedido a 31/08/2011, pelo serviço de finanças de Lisboa-3, foram os Impugnantes regularmente notificados para apresentarem documentação comprovativa de que o prédio, descrito em a), se mostrava individualmente classificado como de interesse público ou de interesse municipal, face às alterações, introduzidas pela Lei n.° 53-A/2006 de 29/12 (LOE 2007) ao Estatuto dos Benefícios Fiscais - ofício, junto a fls. 33 do Procedimento de Reclamação Graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

d) Com interesse para os autos constava do referido ofício, id. na alínea c), o seguinte: “Na qualidade de proprietário de prédio/fracção acima identificado, a beneficiar de isenção por prédio classificado como Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público (IIP) ou de Interesse Municipal, nos termos da alínea n) do n.°1 do actual artigo 44.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) fica notificado de:

A Lei n.º 53-A/2006 de 29/12, alterou o artigo 40.° (actual artigo 44.º n.º 1, alínea n) do EBF), no intuito de apenas poderem beneficiar da isenção de IMI os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.

Em sede de revisão oficiosa e em cumprimento da alínea c), do artigo 88.º da Lei acima referida, serão retiradas as isenções concedidas ao abrigo do artigo 44.º do EBF, a partir do ano de 2008, data da entrada em vigor da mesma Lei, aos prédios que não reunirem os pressupostos descritos certificados pelo IGESPAR (ex IPPAR) ou Câmara Municipal.

Nestes termos e para efeitos do disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) - direito de audição prévia, fica notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar um dos documentos a seguir indicados, passados pelas entidades competentes:

- Certidão da classificação individual do prédio como Imóvel de Interesse Público, emitida pelo IGESPAR

- Declaração da classificação individual como Imóvel de Interesse Municipal, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa.

- Declaração da classificação como Monumento Nacional emitida pelo IGESPAR..

Ultrapassado, o prazo acima indicado, será convertido em definitivo o despacho de cessação de isenção, ao abrigo do artigo 44.° do EBF (...)” - citado ofício de fls. 33 do Procedimento de Reclamação Graciosa.

e) Os Impugnantes não exerceram o seu direito de audição prévia - Informação, junta a fls. 34 do Procedimento de Reclamação Graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

f) Por despacho, proferido pela chefe do serviço de finanças de Lisboa-3, em 17/09/2012, foi determinada a cessação da isenção de IMI, concedida ao prédio, ao abrigo do disposto na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.° do E.B.F. (anterior artigo 40.º) - despacho junto a fls. 34 do Procedimento de Reclamação Graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

g) Com interesse para os autos, consta do despacho identificado na alínea antecedente, o seguinte:

“(...) determino:

1.º A revogação do despacho que concedeu isenção ao abrigo do artigo 40.° (actual 44.°), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) quanto ao prédio indicado por não reunir os pressupostos certificados pela entidade competente;

2.° A cessação deste benefício implica a tributação do referido prédio, a partir do ano de 2008 inclusivé, conforme dispõe os artigos 113.°, n.°5 e 120.°, n.°3 e 4 do Imposto Municipal de Imóveis (IMI);

3.° De acordo com a disposição transitória, prevista no artigo 88. °, alínea d) da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, podem no prazo de 90 dias, a contar da data da notificação, requerer a isenção a que se refere o artigo 46.º do EBF, se reunirem todos os requisitos para o efeito. ” - citado despacho.

h) O despacho em apreço foi notificado aos Impugnantes, por ofício expedido a 10/10/2012 - ofício junto a fls. Reclamação Graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

i) Na sequência do despacho, a que se referem as alíneas antecedente, em 13/11/2012 foram emitidas 4 liquidações de IMI, respeitantes aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, para cada um dos comproprietários, cuja data de pagamento voluntário terminava em 31/12/2012, totalizando as 8 liquidações de IMI, a quantia de € 2.073,10 (dois mil e setenta e três euros e dez cêntimos) - liquidações juntas a fls. 18 e segs. do procedimento de reclamação graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

j) Inconformados, os ora Impugnantes deduziram reclamação graciosa, que foi expressamente indeferida em 29/10/2013 e que constitui o objecto imediato dos autos - decisão do procedimento de reclamação graciosa, junta ao respectivo procedimento, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

4.2.

FACTOS NÃO PROVADOS:

1 - Os Impugnantes não comprovaram a classificação individual do prédio em apreço como Imóvel de Interesse Público ou Municipal, ou como Monumento Nacional, mediante a apresentação de um dos três documentos identificados pela AT, destinados a comprovar que o prédio reunia as condições para que lhe fosse conferida a isenção prevista no artigo 44.°, alínea n) do EBF (na redacção conferida pela LOE 2007), a saber: Certidão da classificação individual do prédio como Imóvel de Interesse Público, emitida pelo IGESPAR, Declaração da classificação individual como Imóvel de Interesse Municipal, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa ou Declaração da classificação como Monumento Nacional emitida pelo IGESPAR - facto admitido por acordo das partes.


*
4.3.
MOTIVAÇÃO DO TRIBUNAL:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, na consideração dos factos provados, na análise dos documentos juntos aos autos, ao PAT e ao procedimento de reclamação graciosa, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.
Aliás, parte dos factos não são controvertidos, estando admitidos por acordo, como se deu conta em sede das diversas alíneas do ponto 4.1., sendo a disputa das partes relativa a questões de direito.

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de apreciar da legalidade ou ilegalidade da determinação da cessação do benefício da isenção anteriormente prevista no art. 40.º, n.º 1, n), do EBF nos anos pretéritos àquela notificação prevista no art. 88.º, c) da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro e, nesta medida, da validade das liquidações de IMI relativas aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011.

Nas suas alegações, os Recorrentes referem que a divergência tem a ver com a avaliação da natureza da notificação prevista no referido art. 88.º, c) da Lei n.º 53-A/2006, sendo que tal notificação não tem uma natureza constitutiva, mas isso não obsta a que a efectividade da cessação do benefício dependa da condição da eficácia que é a notificação para o efeito em apreço, a qual, segundo os Recorrentes, opera para o futuro e não para os anos pretéritos, verificando-se que na sentença recorrida, limita-se o efeito útil dessa notificação, com o fundamento de que ela teria apenas a ver com a possibilidade de os sujeitos passivos poderem ainda requerer o benefício em causa, caso preenchessem os novos requisitos aí previstos. Mas fá-lo sem qualquer razão consistente, uma vez que, mesmo no quadro de um automatismo da aplicação do novo regime, nada impediria que, num prazo a estipular, ou mesmo sem que se estipulasse qualquer prazo, os interessados pudessem vir requerer a aplicação do novo regime à sua situação concreta.

Assim sendo, a mens legislatoris não pode deixar de ser a de atribuir a tal notificação a natureza de condição de eficácia da cessação do benefício - verdadeiro ónus para a Administração Fiscal -, pelo que tal cessação não se torna efectiva sem a notificação e apenas para as situações jurídicas ocorridas após a notificação e de resto, não só a lei não estabelece que, verificada a condição da eficácia, a cessação opera retroactivamente desde a sua entrada em vigor, como seria manifestamente iniquo e ilógico - em face da unidade do sistema jurídico - que assim fosse, ou seja, a notificação em apreço tem uma função de ordenação do sistema tributário e de garantia dos contribuintes, tendo sido estabelecida como um ónus da Administração, sem cujo cumprimento não se efectiva a cessação do benefício fiscal, pelo que, a sentença recorrida interpretou erroneamente o art. 88.º, c) da Lei n.º 53-A/2006, quando não considerou que a notificação a que a Administração Fiscal ficou vinculada tem a natureza de uma condição de eficácia da cessação do benefício, operando apenas para o futuro e não para os anos pretéritos, além de que o entendimento normativo adoptado pela sentença recorrida, no sentido de que tal notificação não funciona como condição de eficácia da cessação do benefício, impedindo a sua aplicação aos anos pretéritos, viola igualmente o princípio da protecção da confiança, o qual decorre do art. 2.º da C.R.P., sendo por isso inconstitucional, o que se deixa arguido, pois que, é incongruente com a protecção da confiança ínsita ao Estado de Direito que se determine um ónus para a Administração Fiscal - no sentido de lhe impor uma determinada notificação a favor dos contribuintes, notificando-os de um regime mais gravoso - e, simultaneamente, se admita a aplicação retroactiva do regime a que se reporta tal notificação.

Que dizer?

O art. 82º da Lei nº 53-A/2006 de 29-12 (Aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2007.), com efeitos produzidos a partir de 01-01-2007, alterou a redacção do, entre outros, então (Na atualidade e consequência da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008 de 26 de junho, corresponde ao art. 44.º do EBF.), art. 40º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), passando a prever (este último):
- no n.º 1 alínea (al.) n) que [“Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis”] “Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável” (em vez de, como anteriormente, “Os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável”) (Alínea aditada pelo art. 45.º da Lei n.º 109-B/2001 de 27 de dezembro.);
- “A isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático no caso de prédio que tenha beneficiado da isenção prevista na alínea g) do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, devendo, nos restantes casos, ser reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, a requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção.” – cf. n.º 5;
- no n.º 8, além do mais, que os benefícios constantes da al. n) (do n.º 1) “cessam no ano, inclusive, em que os prédios venham a ser desclassificados”.
Outrossim, o art. 88.º da mesma Lei, sob a epígrafe “Disposições transitórias no âmbito dos benefícios fiscais”, estabeleceu:
“Às alterações introduzidas pela presente lei ao Estatuto dos Benefícios Fiscais aplica-se o regime transitório seguinte:
(…);
c) A administração fiscal notifica, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei, todos os sujeitos passivos, que se encontrem a beneficiar da isenção referida na alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, da cessação deste benefício por alteração dos seus pressupostos;
d) Os sujeitos passivos referidos na alínea anterior podem, no prazo de 90 dias a contar da data da notificação, requerer a isenção a que se refere o artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais se reunirem todos os requisitos aí referidos e se para o mesmo prédio ainda não tiverem beneficiado deste regime;”.
Exposto o enquadramento legislativo, nuclear, aplicável, neste processo de impugnação judicial (No tribunal recorrido entendeu-se que procedia o fundamento (desta impugnação judicial) de “ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, dado a A.T. ter considerado que a mesma não era o meio processual idóneo para reagir contra o despacho que procedeu à cessação do benefício fiscal, então previsto no art. 40º do EBF”. Para tal, defendeu-se, decisivamente, que “…, a decisão de indeferimento liminar da reclamação é ilegal, dado que se impunha à A.T. proceder à convolação da reclamação graciosa no meio gracioso adequado, ónus a que aquela estava adstrita.”.), persiste o dissídio sobre saber se, não tendo a autoridade tributária e aduaneira (AT) efetuado a notificação, prescrita no art. 88º al. c) da Lei n.º 53-A/2006 de 29-12, dentro do prazo aí inscrito (nos 180 dias seguintes a 01-01-2007), podia fazer cessar benefício fiscal (Ver pontos 1. e 2. dos factos provados.), usufruído pelos impugnantes, mediante a emissão do despacho identificado no ponto 3. dos factos assentes, datado de 17-09-2012 e comunicado em 10 de Outubro do mesmo ano, com efeitos (restabelecimento da tributação) ao ano de 2008 (inclusive) (Cf., sobretudo, conclusões H. e L.). Doutro modo, não disputando, os Recorrentes, a cessação do versado benefício fiscal, porquanto o seu imóvel, por referência a 01-01-2007, não detinha a condição de prédio, individualmente, classificado como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, a eficácia de tal cessação deve (ou não) considerar-se dependente do momento/data da efetivação do ato notificativo, determinado pelo art. 88º al. c) da Lei nº 53-A/2006 de 29-12?

Na verdade, no caso dos autos, o imóvel dos Recorrentes, gozando de isenção de IMI até 31-12-2006 porque se encontrava «integrado num conjunto globalmente classificado de “interesse público”», depois de 01-01-2007, só podia beneficiar da mesma isenção se durante esse ano a entidade competente o tivesse classificado, na sua individualidade, singularidade, como de interesse público, sendo que, neste cenário e em função desta manifesta e relevante alteração de regime, com repercussões, potenciais, num grande número de situações, somente, identificáveis casuisticamente, o legislador, de forma complementar, lançou mão do expediente da consagração de normas integrantes do que intitulou “regime transitório”, entre as quais, a, supra realçada, da al. c) do art. 88.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29-12.

Pois bem, nesta matéria, este Supremo Tribunal já tomou posição nos termos do Ac. deste Tribunal de 23-01-2019, Proc. nº 0248/15.3BELRS 01194/17, www.dgsi.pt, ponderando que “… Como facilmente se percebe da leitura das normas transitórias constantes do artigo 88º do OE para 2007, e no que a esta concreta isenção respeita, o legislador não deixou para a administração fiscal a prática de qualquer acto revogatório das isenções de que beneficiavam os imóveis em questão, limitou-se a atribuir-lhe a incumbência de comunicar a cessação de tal isenção aos contribuintes, tendo estabelecido um prazo, que como bem se diz na sentença recorrida é meramente ordenador, para que estes pudessem exercer querendo o direito que lhes é conferido pela alínea d) do mesmo preceito legal de modo a dele poder usufruir ainda nesse mesmo ano de 2007.

A extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, cfr. artigo 12º da LGT e 10º do EBF. E a extinção de tal isenção foi expressamente desejada pelo legislador uma vez que introduziu na lei um requisito que sabia à partida que grande parte dos imóveis não cumpriria, razão pela qual sentiu necessidade de editar as normas transitórias que apenas assumem essa natureza, a de estabelecer a transição das situações concretas antigas entre os dois regimes legais.
De todos os modos, sempre se reafirma que o acto praticado pela AT ao abrigo da alínea c) daquele artigo 88º não assume natureza revogatória, nem o mesmo teria que assumir tal natureza uma vez que a isenção se extingue pelo facto de o imóvel deixar de reunir os requisitos para beneficiar da dita isenção, podendo, em consequência a AT efectuar a liquidação do imposto devido, cfr. artigo 12º, n.º 1 do EBF. …”.

Nesta sequência, tem de entender-se que da parte final da alínea c) do artigo 88º da Lei do Orçamento para 2007 resulta que o benefício em causa cessa por mero efeito da alteração dos seus pressupostos legais, constituindo o procedimento daquela alínea uma forma de «reconhecimento» de que o benefício se extinguiu.
Diga-se ainda que é, seguramente, a solução jurídica mais acertada (do ponto de vista do legislador), porque a solução inversa conduz ao tratamento diferenciados dos beneficiários, em função da maior ou menor diligência da AT.

Tal significa que, ao contrário do que pretendem os Recorrentes, da conjugação do disposto nos arts. 82º e 88º al. c) da Lei n.º 53-A/2006 de 29-12 não decorre que a alteração introduzida, pelo primeiro, no art. 40º nº 8 do EBF, determinando a cessação, dos benefícios inscritos no nº 1 al. n), no ano, inclusive, em que os prédios venham a ser desclassificados, ficou, para poder operar, dependente, no caso dos imóveis classificados, até 31-12-2006, globalmente, como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, da notificação, a efectivar, pela AT, nos 180 dias seguintes a 01-01-2007, indicando, a cada sujeito passivo (de IMI) visado, que a isenção até aí usufruída deixava de ser concedida, a partir desse ano de 2007, por alteração dos pressupostos legais exigidos para a respectiva concessão depois da data referenciada, na medida em que a extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, situação que se reflecte sobre as liquidações de IMI relativas aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 descritas nos autos, as quais têm cobertura legal, o que significa a decisão recorrida tem de manter-se, com a natural improcedência do presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 06 de Outubro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.