Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0567/15
Data do Acordão:06/25/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, não se verificam os respectivos pressupostos se a questão suscitada se reconduz à aferição do julgamento da matéria de facto (sem que se verifiquem os pressupostos previstos no nº 4 do art. 150º do CPTA).
Nº Convencional:JSTA000P19205
Nº do Documento:SA2201506250567
Data de Entrada:05/07/2015
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 05/02/2015, no processo que aí correu termos sob o n.º 08384/15.

1.2. Termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
I. O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo julgou improcedente o recurso interposto pela Recorrente da reclamação que esta interpôs do despacho emanado de órgão de execução fiscal, o qual consistiu no indeferimento do pedido de dispensa de garantia prévia.
II. A decisão vinda de referir entende que, embora se tenha provado a insuficiência do património da aqui Recorrente em virtude das avultadas despesas que a mesma enfrenta, derivadas dos seus graves problemas de saúde, não logrou fazer-se prova de que esta insuficiência não deriva de culpa sua.
III. Como tal, o Tribunal de que ora se recorre considerou que a debilidade física e emocional em que se encontra a Recorrente, a sua idade, bem como a incapacidade permanente de 80% de que a mesma padece, e em virtude do que se vê obrigada a despender de avultadas quantias, são factores irrelevantes no que respeita à prova de ausência de culpa na insuficiência de património, a qual, refira-se, ficou demonstrado ter ficado a dever-se precisamente àquelas despesas.
IV. O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece de falhas no que à aplicação do direito concerne, de tal ordem que a admissão do presente recurso e consequente revogação da decisão recorrida se revelam manifestamente necessários para a apreciação de uma questão de relevância jurídica e social, bem como de fundamental importância para melhor aplicação do direito.
V. Atenta a relevância jurídica e social da causa, impõe-se verificar se a exclusão dos factores relativos à condição social e humana como factores a levar em conta no que respeita ao ónus de prova de factos negativos que recai sobre a Recorrente é ilícita e violadora dos princípios da igualdade, da justiça material, da equidade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva,
VI. Bem como aferir se a exigência, pelo Tribunal, de mais requisitos do que aqueles que a própria Lei exige no que respeita ao cumprimento do ónus de prova da ausência de culpa viola os princípios da legalidade, da igualdade, da segurança jurídica e do Estado Social de Direito.
VII. O Tribunal a quo revelou, salvo o devido respeito, uma total desconsideração pela prova documental apresentada pela Recorrente, quer no que respeita à inexistência património, quer no que respeita aos motivos que conduziram à mesma, facto que indubitavelmente viola o direito da Recorrente de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.
VIII. Esta violação apresenta-se deveras gravosa na medida em que contende com a desconsideração de elementos respeitantes à prova de factos negativos, a qual, segundo a jurisprudência e o entendimento dos nossos Tribunais, pela dificuldade acrescida que comporta, deverá ser apreciada segundo critérios mais flexíveis e menos exigentes, em nome dos princípios da justiça material e da equidade.
IX. O princípio da igualdade, princípio constitucionalmente consagrado entre nós, postula que devem tratar-se de forma igual as situações iguais e de forma diferente as situações diferentes, na medida dessa diferença. Este princípio foi violado no presente caso, por se considerar “irrelevante” a condição física, social e humana da Recorrente.
X. O Acórdão em crise exige requisitos acrescidos para além dos que a Lei estipula para a prova da ausência de culpa do executado na insuficiência patrimonial, na medida em que em lugar algum a Lei exige que a Recorrente demonstre também as razões da dissipação ou da insuficiência do património.
XI. A exigência de requisitos não previstos na Lei e, mais, o facto de se fazer uso da ausência dos mesmos como fundamento para justificar a conclusão da ausência de prova consubstancia uma flagrante violação do princípio da legalidade e da segurança jurídica que constituem bases do Estado democrático e social de direito em que nos inserimos.
XII. Pelo alarme social que esta decisão implica, dada a flagrante violação de direitos fundamentais da Recorrente, bem como de princípios do sistema jurídico português, impõe-se a re-análise do caso sub judice, pois que além de se denotar um inequívoco e significativo interesse comunitário, "(...) afigura-se útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência."apud Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,Almedina, 2007, 2.ª edição revista, p. 862.
XIII. A admissão do presente recurso é ainda fundamental para uma melhor aplicação do direito, pois que o mesmo contende, essencialmente, com os direitos de acesso aos tribunais e uma tutela jurisdicional efectiva e, ainda, com o princípio da igualdade e da legalidade do nosso sistema judicial.
XIV. A ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida na medida em que, a mesma padece de erro no julgamento quanto ao não reconhecimento da prova produzida relativamente à irresponsabilidade da insuficiência económica, bem como, consequentemente, quanto à devida apreciação da ilegalidade invocada do despacho do órgão de execução fiscal na não atribuição de dispensa de prestação de garantia, em concreto:
- Erro de julgamento, no que respeita à verificação dos pressupostos da dispensa da prestação de garantia.
XV. O Acórdão do Tribunal a quo que confirmou a sentença de instância e o despacho do órgão de execução fiscal conduz a uma solução inaceitável, ao admitir que (e depois de aceitar a prova inequívoca da insuficiência económica) uma pessoa de 85 anos, doente oncológica crónica, não fez prova de que não se colocou deliberadamente na situação de carência.
XVI. Com o devido respeito, questiona-se se uma senhora idosa, que despende grande parte dos seus rendimentos com a sua saúde e a do seu marido, depois de se ter submetido a uma colectomia, com uma incapacidade permanente de 80%, se pode considerar que deliberadamente se colocou na situação de carência económica com o intuito de mais tarde pedir a dispensa de prestação de garantia no âmbito de um processo de execução fiscal?
XVII. Deste modo, não logrou o Tribunal a quo, tal como já havia ocorrido no despacho reclamado, efectuar a devida apreciação dos factos, limitando-se à apreciação abstracta dos requisitos legais aplicáveis, incorrendo em erro de julgamento quanto aos reais fundamentos do recurso empreendido.
XVIII. Conforme resulta da leitura de um trecho do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21.03.2013, (...) o benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia ou (ii) a falta de meios económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
XIX. Ante o exposto, no requerimento por si apresentado, a ora Recorrente logrou provar os mencionados pressupostos, pelo que não entende, e tão-pouco se conforma, com o alcance quer da sentença, quer do acórdão do Tribunal a quo.
XX. Ora, como já aludido, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente para prova do mencionado requisito se limitou a reiterar a falta de meios económicos, pela via das despesas avultadas com a sua saúde. Considerando que tais factos não poderão ser relevados como prova para efeitos de afastamento da falta de responsabilidade pela sua carência económica. Tendo, com isto, considerado, que a Recorrente, não obstante ter provado a falta de meios e insuficiência económica, não logrou provar este último requisito cumulativo.
Ou seja,
XXI. O facto de ser idosa, doente crónica, de ter uma incapacidade permanente de 80%, de despender um valor elevado em despesas de saúde e ter ficado provada a sua situação de carência económica, não foi suficiente para afastar a sua responsabilidade pelo facto de se encontrar em tal situação! Sendo deveras absurdo e inconcebível do ponto de vista humano, salvo o devido respeito, que se exija, neste caso, mais prova do que aquela que já foi dada como assente para efeitos de verificação da carência económica.
XXII. Aviltando o senso comum a exigência de prova, neste caso, da falta de responsabilidade da situação de insuficiência de património, ou mesmo, a insinuação de que, na falta da mesma, se entenda que houve intenção de dissipação de património com intuito de diminuir garantias dos seus credores.
XXIII. Não podendo ser indiferente o facto de uma pessoa idosa, doente, incapacitada, não ter conseguido, não obstante ter provado a sua carência económica, fazer prova de que não tem responsabilidade pela sua condição!
XXIV. Ora, no caso vertente, a Recorrente não se eximiu de efectuar a prova devida. Aliás, quer a sentença recorrida, quer o despacho do órgão de execução fiscal reclamado, consideraram a insuficiência económica da executada.
Donde resulta que,
XXV. No mesmo sentido do acórdão Ac. STA n.º 016/11 de 02/02/2011, quando o executado demonstra a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável – no caso concreto o facto de ter avultadas despesas com a sua saúde e ter uma incapacidade permanente de 80% – deve-se considerar provada a falta de culpa quando não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado.
Com efeito,
XXVI. Daqui se demonstra que é de todo admissível – conforme resulta do Acórdão do Pleno do STA – que através dos factos positivos, através dos reais factos da insuficiência ou inexistência de bens (dados como provados e assentes na sentença recorrida), se estabeleça a prova dos factos negativos – a falta de responsabilidade, de culpa e de intenção na dissipação do património com intuito de se furtar à eventual penhora ou pedido de dispensa de prestação de garantia.
XXVII. O que aliás ocorreu nos presentes autos, padecendo a sentença e o acórdão que ora se recorre, com o devido respeito, de erro de julgamento ao não considerar que o despacho de indeferimento do órgão de execução fiscal é ilegal por não conceder a dispensa de prestação de garantia, por considerar que a Recorrente não efectuou qualquer prova quanto à falta de responsabilidade pela falta de património ou meios económicos.
XXVIII. Ora, como se depreende da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a prova dos factos positivos (a prova quanto à carência económica dada como assente pelo Tribunal a quo) deverá necessariamente relevar para efeitos da prova dos factos negativos que têm, na esteira dos referidos acórdãos, uma exigência probatória mais reduzida, menos relevante e menos convincente, bastando que a mesma se produza através dos factos positivos da carência económica da Reclamante, de modo a colmatar a prova da irresponsabilidade da inexistência de meios económicos.
XXIX. Face à ausência de contraprova, de factos positivos, de que tal condição foi provocada pela Recorrente, como a prova da dissipação de património com o intuito de diminuir as garantias dos seus credores, jamais se poderia admitir, por chocar o senso comum, o sentido de prudência e de humanidade, que se exigisse à Reclamante a prova de que não é por sua culpa que se encontra na situação de doente crónica oncológica que a levou, infelizmente, a uma situação de carência económica.
XXX. Mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre se refira que o Acórdão do Tribunal a quo, por contemplar e exigir requisitos que a própria Lei não exige no que respeita aos fundamentos para o deferimento do pedido de prestação de garantia prévia, padece de uma manifesta e inusitada ilegalidade.
XXXI. O Acórdão de que aqui se recorre refere que seria necessário, para provar a sua ausência de culpa na inexistência do património, que a Recorrente provasse as razões da dissipação ou da sua insuficiência actual. Porém, contrariamente àquele que parece ser o entendimento deste Tribunal, em lado algum a lei exige, além da prova da insuficiência patrimonial e da ausência de culpa do executado na mesma, "a prova das razões da sua dissipação ou da sua insuficiência actual"!
XXXII. Salvo o devido respeito, incorreu o Tribunal a quo numa flagrante violação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica que pautam o sistema judicial.
XXXIII. A Recorrente, enquanto cidadã integrada num Estado de Direito democrático, tem o direito de conhecer e de confiar nas normas plasmadas nos diplomas legais, sendo dever do nosso sistema jurídico protegê-la, como aos demais cidadãos, das decisões-surpresa, ou, in casu,das exigências-surpresa!
XXXIV. Por estes motivos, o Acórdão sub judice padece de um vício de ilegalidade por desconforme à Lei e violação dos direitos e das garantias fundamentais da ora Recorrente.
XXXV. A acrescer, o Acórdão fundamenta ainda a sua posição no facto de, alegadamente, não terem sido demonstrados factos concretos sobre a situação patrimonial da ora Recorrente, facto com o qual a mesma não pode conformar-se, pois que foi a própria quem directa e explicitamente demonstrou, nas alegações, que não possui quaisquer bens susceptíveis de consubstanciarem a garantia prévia.
XXXVI. Uma vez mais nos encontramos perante um erro de julgamento, susceptível de violar o direito à tutela jurisdicional efectiva da ora Recorrente, na medida em que o Tribunal a quo não só não considerou a prova documental por si apresentada como ainda fez uso desse lapso para fundamentar a alegada (in)existência de prova e recusa da pretensão da Recorrente.
XXXVII. Nesta conformidade, e face a tudo quanto antecede, o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia é ilegal, por aplicação errada dos seus pressupostos, devendo ser corrigido, tendo igualmente o Tribunal de instância e o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento na apreciação dos factos, furtando-se a adopção de um critério de justiça e de equidade atentas as circunstâncias concretas, sob pena de se estar a colocar em crise o próprio Estado Social de Direito.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente Recurso de Revista ser admitido, em cumprimento do disposto no n.º 1, in fine, do artigo 150.º do CPTA, e,
BEM ASSIM,
Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, julgando-se em conformidade com as precedentes conclusões, e, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 150.º do CPTA, revogando-se a decisão recorrida e aplicando-se definitivamente o regime jurídico que se julgue adequado, o qual importará:
a) A Revogação do Acórdão recorrido e a consideração de que se encontram reunidos os pressupostos para a atribuição da isenção de prestação de garantia;
b) A definitiva consideração de que a Recorrente logrou provar a ausência de culpa na insuficiência de património através da prova positiva quanto à sua precária situação social e de saúde.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer, nos termos seguintes:
«A recorrente acima identificada vem interpor recurso excepcional de revista, do acórdão do TCAS, de 05 de Fevereiro de 2015, proferido a fls. 190/206, que julgou improcedente recurso jurisdicional interposto de sentença proferida pelo TT de Lisboa, no entendimento de que a recorrente não logrou provar que não foi por culpa sua que se verificou a situação de insuficiência patrimonial.
A recorrente produziu alegações, tendo concluído nos termos de fls. 223/226, que aqui se reproduzem.
A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.
Nos termos do estatuído no artigo 150.º/1 do CPTA o recurso excepcional de revista ali regulado só é admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
E jurisprudência reiterada ((1) Acórdãos do STA, de 14 de Setembro de 2011, 16 de Novembro de 2011 e 12 de Janeiro de 2012, proferidos nos recursos números 0387/11, 0740/11 e 0899/11., disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.) da SCT deste STA que:
1. O recurso de revista excepcional regulado no artigo 150.º do CPTA, pelo seu carácter excepcional, estrutura e requisitos, não pode entender-se como de índole generalizada mas antes limitada, de modo a que funcione como uma válvula de escape do sistema, só sendo admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, ou que, por mor dessa questão, a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Assim sendo, este tipo de recurso só se justifica se estamos perante questão que é, manifestamente, susceptível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, se se verifica a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.
Não é de admitir o recurso de revista excepcional quando se está perante uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tornando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida”. ((2) Acórdão do STA, de 21 de Março de 2012-P. 084/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
“…o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas.
Por outro lado, a clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Em suma, a intervenção do STA no âmbito de um recurso excepcional de revista só pode considerar-se justificada em materiais de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso.” ((3) Do acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2013-P. 0185/13, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
A questão que a recorrente pretende ver reapreciada pelo STA consiste em saber se tendo sido alegado/provado que a recorrente é uma pessoa idosa, reformada, portadora de doença crónica oncológica, com uma incapacidade permanente de 80% e com avultadas despesas de saúde está (ou não) cumprido o ónus da prova da ausência de culpa na situação de insuficiência patrimonial.
Ora, o acórdão recorrido partindo da factualidade apurada, nomeadamente, da alegação da recorrente de que a insuficiência de meios económicos não é da sua responsabilidade, na medida em que ela e o seu marido auferem rendimentos mensais insuficientes para fazer face às despesas mensais decorrentes dos seus problemas de saúde, da situação de doença, idade, incapacidade de 80% entendeu que a mesma não prova a ausência de culpa na situação de insuficiência patrimonial.
A nosso ver a conclusão tirada pelo Tribunal recorrido da factualidade apurada, consubstancia uma ilação de facto, não enquadrável na permissão do artigo 150.º do STA. ((4) Sobre situação algo similar, cfr. acórdão do STA, de 10 de Setembro de 2014, proferido no recurso n.º 0659/14, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
De qualquer modo, em nosso entendimento, não se verificam os pressupostos de admissão do recurso excepcional de revista.
Na verdade, não estamos perante questões juridicamente melindrosas ou socialmente relevantes que permitem a expansão da controvérsia em discussão, para além da situação singular, existindo doutrina e/ou jurisprudência que se pronunciou em sentido divergente do acórdão recorrido, gerando, deste modo, incerteza e instabilidade na resolução das questões controvertidas e que, consequentemente, é necessário clarificá-la de forma a obter a melhor aplicação do direito.
Com efeito, estamos perante uma situação singular, com contornos fácticos específicos, em que a recorrente alega, a idade avançada, doença crónica, incapacidade de 80%, avultadas despesas de saúde e a existência de um único imóvel pertencente ao marido, com o VPT de € 62.850,00 que supostamente, iria ser dado à penhora, como garantia, em execução fiscal, em que é revertida.
Ora, se é certo que a alegada factualidade pode provar a situação de insuficiência patrimonial e a situação de carência económica, não é menos verdade que no que concerne à ausência de culpa na situação de insuficiência patrimonial, como decidiu a decisão recorrida, da factualidade apurada não se pode extrair tal conclusão.
A jurisprudência e doutrina invocadas pela recorrente nas suas alegações/conclusões, a nosso ver e ao contrário do que sustenta a recorrente, estão em consonância com o acórdão recorrido. ((5) Acórdãos da 2.ª secção do STA, de 17/12/2008 (PLENO), proferido no processo 0327/08 e de 2 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 16/11, ambos disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt, e Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 6ª edição 2011, III volume, páginas 234 e 235.)
De facto, o que essa jurisprudência e doutrina sustentam é que se deve considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa de insuficiência ou inexistência patrimonial de bens que não lhe seja imputável e não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado.
Ora, como bem decidiu o acórdão recorrido a situação de doença, a idade, a incapacidade de 80%, e a situação de reforma não releva para este efeito.
Na verdade, e com todo o respeito por opinião contrária, não se vê como é que tal alegada factualidade possa consubstanciar a causa da situação de insuficiência patrimonial.
Na verdade, deveria a recorrente discriminar as razões da insuficiência do património preexistente ou actual.
Por outro lado, a alegada desconformidade constitucional, nomeadamente, por violação do princípio da igualdade, da interpretação feita pelo Tribunal recorrido ao normativo do artigo 52.º/4 da LGT, também, não é fundamento de recurso excepcional de revista, uma vez que as questões de inconstitucionalidade podem discutir-se (e só podem discutir-se definitivamente) em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (artigo 70.º/1/ a) / c) / f) da Lei 28/82, de 15 de Novembro) ((6) Neste sentido acórdão da SCA do STA, de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 01788/13, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
Não se verificam, pois, a nosso ver, os pressupostos de admissão do recurso excepcional de revista.
Termos em que, salvo melhor juízo, não deve ser admitida a revista

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. No acórdão recorrido acolheram-se os factos provados constantes do Probatório da sentença, nos termos seguintes:
A) Em 02.09.2008 foi instaurado contra a sociedade “B…………, Lda.”, no Serviço de Finanças de Lisboa 2, o PEF nº 3247200801178423, por dívida de IVA no montante de dívida exequenda de 220.923,14 € (cfr. fls. 106 do processo instrutor).
B) Após citação da ora reclamante, e do seu marido C…………, na qualidade de revertidos no âmbito do PEF mencionado na alínea antecedente, para pagamento da dívida exequenda no montante de 34.500,43 €, e após apresentação de oposição à execução fiscal, deu entrada em 04.06.2014, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 2, requerimento apresentado pela Reclamante pedindo a dispensa da prestação de garantia no âmbito do PEF mencionado na alínea antecedente, requerimento onde, de entre o mais, consta o seguinte:
“(…)
A – Dos Factos
4. A Requerente é casada, sendo uma pessoa de idade, com graves problemas de saúde, como adiante se explanará. // Ora, a Requerente é reformada e aufere, mensalmente uma pensão de cerca de € 900,00 – cfr. Doc. 2.
Por outro lado,
O marido da Requerente é reformado, com alguns problemas de saúde, auferindo um rendimento mensal variável de cerca de € 640,00.
Para prova dos rendimentos auferidos junta a simulação de IRS do ano de 2013, na sequência da entrega da Modelo 3 de IRS no passado dia 20 de Maio – Doc. 3.
Acontece que,
O agregado familiar da Requerente tem como despesas fixas mensais as seguintes:
A Requerente e o seu marido residem em casa do seu filho, contribuindo mensalmente com cerca de € 1.200,00 para despesas de alimentação, água, luz, telefone – de acordo com as necessidades do seu Filho para gerir a casa e prover com tudo o que for necessário para a qualidade de vida dos seus pais;
A Requerente, como mencionado, tem graves problemas de saúde tendo procedido à remoção total do intestino, decorrente de uma doença oncológica grave. Devido a tal limitação e incapacidade (80% de incapacidade permanente) a Requerente tem elevados custos com medicamentos, exames e consultas.
O seu marido, hipertenso e com diabetes, tem, igualmente, elevados custos com medicamentos e consultas
Tudo num valor médio aproximado de € 300 mês, conforme os inúmeros documentos que se juntam a Doc. 4 para todos os efeitos legais.
Assim, feitas as contas, facilmente se depreende que, tendo em conta os reduzidos rendimentos do agregado familiar, o Requerente não é capaz de prover às suas necessidades sem o recurso ao auxílio dos seus familiares e amigos.
Por conseguinte,
Não sobra ao Requerente qualquer montante que possibilite incorrer em qualquer despesa extra como seja a existência de uma poupança que permita custear a prestação de uma garantia bancária para suspensão do presente processo de execução fiscal.
Razão pela qual,
O Requerente não tem condições financeiras para requerer a suspensão do presente processo de execução fiscal com a prestação de uma qualquer garantia.
Pois que,
Se não conseguem fazer face às suas despesas mensais correntes, muito menos consegue proceder a outro qualquer dispêndio.
A prova dessa incapacidade, resulta do documento de recusa de crédito ou prestação de qualquer garantia por parte do Banco que se junta a Doc. 5.
Fica deste modo, provada a impossibilidade de obtenção de qualquer garantia bancária ou caução susceptível de integrar uma eventual garantia a ser prestada nos presentes autos de execução.
De facto, o único bem imóvel que faz parte do agregado familiar pertence ao seu marido que irá apresentar à penhora como garantia do processo de reversão de que foi alvo em simultâneo com a Requerente.
Deste modo, não sendo possível apresentar o mesmo imóvel à penhora, uma vez que tem um valor patrimonial tributário de € 62.850,00 (U3846-A da freguesia de ………, Setúbal) vem a Requerente requerer a respectiva dispensa de prestação de garantia.
B – Do Direito
Dispõe o n.º 4 do art.º 52.º da LGT que “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado."
Face a tudo quanto antecede,
É manifesto que a Requerente padece de "manifesta falta de meios económicos".
Por outro lado,
Não é responsabilidade da Requerente tal insuficiência, na medida e que esta e o seu marido, apesar de pensionistas, auferem rendimentos manifestamente insuficientes para fazer face às despesas mensais decorrentes dos seus problemas de saúde.
Na verdade,
A situação económica da Requerente é-lhe absolutamente alheia, pois que nada mais tem ao seu alcance, infelizmente, para a alterar.
Nesta conformidade,
Causaria à Requerente um prejuízo totalmente irreparável a obrigação de pagar a dívida exequenda, ou diligenciar no sentido da prestação de uma qualquer garantia adicional, para suspensão do processo de execução fiscal adjacente.
Pois que,
Não tem sequer capacidade económica para providenciar nesse sentido.
Nestes termos, as consequências económicas previsíveis da não autorização do presente pedido de suspensão do processo de execução fiscal com isenção de prestação de Garantia colocará a Requerente e o seu agregado familiar em situação económica muito difícil e prejuízo irreparável, na medida em que, não tendo capacidade de endividamento, não conseguirá provir às suas despesas correntes.
Face ao exposto, à prova produzida quanto à impossibilidade económica de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, requer a V. Exa. essa mesma suspensão, com isenção de prestação de garantia, ao abrigo do disposto n.º 4 do art. 52.º da LGT e n.º 1 do art.170 do CPPT.” (cfr. fls. 49 a 87 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
C) Sobre o pedido mencionado na alínea antecedente, foi proferido em 09.07.2014, despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia referido na alínea antecedente, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, onde consta, designadamente, o seguinte:
“(…) Assim, no que concerne à dispensa de garantia, importa verificar quais os pressupostos necessários para a sua concessão, face ao disposto no art.º 52º da LGT
A saber,
1) PREJUÍZO IRREPARÁVEL
(…)
2) MANIFESTA FALTA DE MEIOS ECONÓMICOS REVELADA PELA INSUFICIÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS
(…)
3) IRRESPONSABILIDADE DO EXECUTADO PELA SITUAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA/INEXISTÊNCIA DE BENS
O executado não deve ter sido responsável pela eventual situação de insuficiência ou inexistência de bens, que originou a diminuição ou o desaparecimento da garantia patrimonial da dívida executiva.
Para que este pressuposto se verifique deve ser feita prova pelo executado de que não lhe é imputável a insuficiência ou ausência de bens do seu património.
No caso específico das pessoas colectivas, apenas se deve considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência ou inexistência de património não possa resultar da actuação empresarial, ou seja, apenas quando a dissipação dos bens esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representava ou representa, como seja, por exemplo, o caso de catástrofe natural ou humana imprevisível. Fora destes casos, existirá sempre uma responsabilidade (por acção ou omissão) da empresa, pela falta de património ou pelo destino dado aos bens que fazem parte do património colectivo/empresarial, baseada na actuação gestionária dos seus administradores ou gerentes, pelo que, em tais situações, não se poderá considerar verificado este pressuposto de dispensa.
Nestes termos, os pressupostos referidos em 1. e 2. são alternativos, ou seja basta que se verifique um ou outro, enquanto que o pressuposto referido em 3. é sempre de verificação necessária
O ónus da prova da verificação dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1 da LGT, art. 342.º do Código Civil), neste caso sobre o contribuinte executado.
Destarte, o requerimento apresentado pelos interessados deve estar devidamente fundamentado, tanto de facto como de direito, e instruído com toda a prova documental necessária para a apreciação da sua pretensão, ou seja, com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa (art. 170.º, n.º 3 do CPPT).
No caso sub judice, o requerimento apresentado não se encontra devidamente fundamentado, uma vez que não junta elementos probatórios que permitam constatar da verificação dos pressupostos necessários à concessão da dispensa da garantia. Não obstante a possibilidade de se considerar que estaria preenchida a prova documental para o preenchimento dos dois primeiros pressupostos, a requerente não faz prova do terceiro pressuposto, que é sempre de verificação obrigatória.
Assim, face ao supra exposto indefiro a pretensão aduzida pela requerente”.
(cfr. fls. 101 a 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
D) A Reclamante foi notificada do despacho mencionado na alínea antecedente em 15.07.2014 (cfr. ponto III da informação oficial de fls. 105 a 107 dos autos).
E) A presente reclamação considera-se apresentada em 25.07.2014 (cfr. fls. 20 dos autos).

3.1. Como flui dos autos, a recorrente, citada para a execução fiscal (a que deduziu oposição) e tendo pedido dispensa de prestação de garantia (nos termos dos arts. 169 e 170º, nº 1, ambos do CPPT e do art. 52º da LGT) deduziu reclamação judicial (nos termos do art. 276º do CPPT) do despacho ali proferido pelo chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-2 que, em 9/7/2014, indeferiu tal pedido de dispensa de garantia, alegando, no essencial, que essa prestação lhe causa prejuízo irreparável, que o despacho não está fundamentado de acordo com a lei, que se verifica manifesta insuficiência de bens e património para prestar aludida garantia e que também não foi por culpa sua que ocorreu essa insuficiência.
E tendo a reclamação judicial sido julgada improcedente no TT de Lisboa, a reclamante interpôs recurso da respectiva sentença, para o TCA Sul, onde foi proferido, em 5/2/2015, o acórdão de fls. 190/206, no qual se negou provimento ao recurso, no entendimento de que, definindo a lei, como pressupostos da isenção de prestação de garantia, a existência de prejuízo irreparável que seja causado pela prestação da garantia e a manifesta falta de meios económicos para a prestar, bem como, em ambos os casos, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado, no caso vertente, atenta a factualidade provada, este requisito não pode ter-se como verificado, pois que:
(a) - Para confirmar o despacho reclamado, a sentença proferida em 1ª instância considerou que a argumentação expendida pela reclamante/recorrente, no sentido de fazer reconduzir a verificação do pressuposto da irresponsabilidade, ao facto de a insuficiência de bens radicar nos gastos fixos que a mesma suporta actualmente, não se revela argumentação suficiente e bastante para considerar provado tal requisito.
(b) - Em sede de recurso para o TCAS a recorrente invoca a sua «débil situação física e fraca condição de saúde, a idade e a incapacidade permanente de 80% que a levam a avultados gastos» e considera que, por esta via, está demonstrada a ocorrência de causa da insuficiência do património que não lhe é imputável.
(c) - O preenchimento do pressuposto da falta de responsabilidade do executado pela insuficiência do património exige a objectivação, circunstanciada, da situação actual do património do executado e a comprovação dos nexos de causalidade que, por serem estranhos ao seu domínio da vontade, substantivam a sua falta de culpa e de responsabilidade pela aludida insuficiência.
(d) - No caso, todavia, «a recorrente não alega factos concretos sobre a sua situação patrimonial, financeira e contabilística que permitam apreender o nexo de causalidade que resultou na alegada situação de insuficiência patrimonial. Donde decorre que o pressuposto da falta de responsabilidade da executada pela situação de insuficiência patrimonial não se mostra preenchido. Para este efeito, a situação de doença, a idade, a incapacidade de 80%, a reforma em que se encontra não é relevante. Importava discriminar a situação concreta do seu património e as razões da sua dissipação ou da sua insuficiência actual. Matéria em relação à qual os autos nada dizem. Pelo que se impõe concluir que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que a executada alega não foi observado [artigo 342º/1, do Código Civil].»

3.2. Para a recorrente, o acórdão recorrido enferma de erro ao ter julgado que ela «não logrou fazer prova do pressuposto legal necessário para a dispensa de prestação de garantia previsto no art. 52º, nº 4, in fine, da Lei Geral Tributária (LGT), mormente, a sua AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PELA FALTA OU INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL» fundamentando-se em que (i) estava «inequivocamente provado o requisito da insuficiência económica para a atribuição da dispensa», que (ii) no caso, todavia, «a recorrente não alega factos concretos sobre a sua situação patrimonial, financeira e contabilística que permitam apreender o nexo de causalidade que resultou na alegada situação de insuficiência patrimonial. Donde decorre que o pressuposto da falta de responsabilidade da executada pela situação de insuficiência patrimonial não se mostra preenchido» e que (iii) tendo ela, recorrente, «feito prova da infeliz condição de saúde em que se encontra e que a obriga ao dispêndio de grandes quantias no que respeita a medicamentos e tratamentos médicos, facto que, necessariamente, conduziu à demonstrada situação de insuficiência patrimonial, o Tribunal a quo considerou que “Para este efeito, a situação de doença, a idade, a incapacidade de 80%, a reforma em que se encontra não é relevante.”»
Daí que, no seu (da recorrente) entendimento, estejam preenchidos todos os requisitos para a admissibilidade do recurso de revista, pois que:
─ O caso se reveste de importância fundamental, em virtude da sua relevância social, «na medida em que se impõe a definição clara quanto à exigência de prova relativamente à falta de responsabilidade na insuficiência económica do executado, sendo certo que aquele, através de prova positiva, revelou de forma inquestionável a existência de património através da sua precária condição social e de saúde que, infelizmente, não se encontravam ao alcance de controlar».
Acrescendo que a decisão recorrida «ao expressamente estipular que “Importava discriminar a situação concreta do seu património e as razões da sua dissipação ou da sua insuficiência actual” para fundamentar a alegada falta de prova do requisito da ausência de culpa da Recorrente na situação de insuficiência patrimonial vem, salvo o devido respeito, de forma um tanto ou quanto menos clara estreitar ainda mais um requisito de prova - o qual, pelos motivos expostos, se revela de particular dificuldade -, na medida em que a Lei "apenas" exige que o executado (…), no que concerne ao pressuposto em apreço, demonstre que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da sua responsabilidade.
Ou seja, em momento algum a lei exige que a Recorrente, além de demonstrar a sua ausência de culpa na insuficiência/inexistência de património, comprove também as “(...) as razões da sua dissipação ou da sua insuficiência actual.”»
E assim, porque a decisão recorrida «onera de forma gravosa e ilegal a posição, já de si débil, da parte sobre quem recai o ónus da prova do facto negativo», então é inequívoco que nos encontramos perante uma violação do princípio da legalidade, que atenta contra as bases do Estado Social de Direito, resultando claro o alarme social que a manutenção de uma decisão desta natureza implicará.
─ A admissão do recurso também se revela necessária para uma melhor aplicação do direito, dado que, no caso, «o que se verifica é precisamente uma tentativa de efectivar interesses relevantes e de cariz supra-individual, uma vez que o Acórdão recorrido contenda, essencialmente, com os direitos de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, equitativa e igualitária, os quais não só possuem assento constitucional - nos artigo 20° da Constituição da República Portuguesa (CRP) - como assumem carácter de interesse comunitário
E a «manutenção na ordem jurídica de decisão que, para além de atentatória dos direitos individuais da Recorrente, colide, ferozmente, com a interpretação do Direito que vem sendo feita pelos Tribunais superiores, conduz a que o presente Recurso de Revista assuma carácter de distinto relevo» pelo que o presente recurso «é mais do que uma mera discordância quanto aos fundamentos aduzidos pelo Tribunal a quo, mas sim a imposição de uma consciência de harmonização jurídica obrigatória no momento, por forma a evitarem-se decisões do mesmo cariz no futuro
Vejamos.

3.3. Aceitando-se que o recurso excepcional de revista previsto no art. 150º do CPTA é também aplicável no processo judicial tributário, importa, antes de mais, apreciar se o recurso dos autos é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos nesse normativo, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».
Ora, interpretando o supra transcrito nº 1 do art. 150º do CPTA, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que:
- (i) só se verifica aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.4. Ora, retornando aos requisitos de admissibilidade deste recurso de revista excepcional, afigura-se-nos que não estão, no caso, verificados.
Desde logo, porque a questão suscitada contende com a apreciação da factualidade especificada pelas instâncias, nomeadamente com as ilações de facto que a sentença da 1ª instância e o recorrido acórdão do TCAS retiram, valorando-as, da demais factualidade julgada provada; ou seja, a questão suscitada cai no âmbito do disposto no nº 4 do art. 150º do CPTA.
Na verdade, a conclusão, por parte da recorrente, de que se impõe a definição clara quanto à exigência de prova relativamente à falta de responsabilidade na insuficiência económica da executada, assenta no seu entendimento de que, tendo provado (através de prova positiva) a sua precária condição social e de saúde (circunstâncias estas que não podia controlar) então também revelou de forma inquestionável a inexistência de património e os motivos que conduziram à mesma, pelo que o acórdão recorrido não podia desconsiderar totalmente essa prova documental, com violação do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, acrescendo que esta violação também contende com a desconsideração de elementos respeitantes à prova de factos negativos, a qual, pela dificuldade acrescida que comporta, deverá ser apreciada segundo critérios mais flexíveis e menos exigentes, em nome dos princípios da justiça material e da equidade.
Ora, constatando-se, por um lado, que o acórdão recorrido não atribui à recorrente qualquer específico ónus de prova de factos negativos - a invocada prova diabólica (o que se diz no acórdão é que a recorrente não alega factos concretos sobre a sua situação patrimonial, financeira e contabilística que permitam apreender o nexo de causalidade que resultou na alegada situação de insuficiência patrimonial, e que o pressuposto da falta de responsabilidade da executada pela situação de insuficiência patrimonial não se mostra preenchido, sendo que, para este efeito, a situação de doença, a idade, a incapacidade de 80%, a reforma que aufere, não são relevantes, uma vez que importava discriminar a situação concreta do património e as razões da sua dissipação ou da sua insuficiência actual), também, por outro lado, não pode desconsiderar-se que este juízo valorativo sobre a factualidade julgada provada, nomeadamente, em termos de se concluir se desta resulta, ou não, ocorrência de causa determinante do afastamento da responsabilidade da executada na insuficiência ou inexistência patrimonial de bens (para efeitos do ónus probatório imposto pelo n° 4 do art. 52° da LGT), não deixa de ser também um juízo valorativo de facto, não enquadrável, portanto, na permissão inscrita no nº 4 do art. 150º do CPTA (e não se nos afigura que a invocação de que o entendimento do acórdão recorrido configura um sentido interpretativo que viola o princípio constitucional da igualdade, possa equipara-se à alegação de que houve ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (nº 4 do citado art. 150º).
Sendo que a alegada desconformidade constitucional também não constitui fundamento de recurso excepcional de revista, (Cfr., entre muitos outros, o ac. desta Secção de Contencioso Tributário do STA, de 10/9/2014, proc. nº 0659/14, bem como os acs. da Secção de Contencioso Administrativo, de 12/9/2013, proc. nº 0982/13; de 10/7/2013, proc. nº 01123/13; de 26/9/2013, proc. nº 01371/13; de 31/10/2013, proc. nº 01603/13; de 18/12/2013, proc. nº 01788/13.) uma vez que as questões de inconstitucionalidade podem discutir-se (e só podem discutir-se definitivamente) em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (art. 70º nº 1, als. a), c) e f) da Lei 28/82, de 15/11).
Não se verificam, portanto, os pressupostos legais de admissão do recurso de revista excepcional.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 25 de Junho de 2015. - Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Marques da SilvaAscensão Lopes.