Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:095/16
Data do Acordão:10/18/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:I - Relativamente às causas de suspensão ou de interrupção da prescrição que tenham ocorrido antes da vigência da LGT, há que observar a regra que então se extraía já do princípio da unicidade da relação jurídico tributária (cfr. art. 10.º do CPT) e que hoje mereceu consagração legal no n.º 2 do art. 48.º da LGT – elas produzem efeitos quer relativamente ao devedor originário quer relativamente aos responsáveis subsidiários –, não logrando aplicação a excepção a essa regra hoje consagrada no n.º 3 do art. 48.º da LGT, que só se aplica aos factos que tenham ocorrido já na vigência da LGT (cfr. art. 12.º, n.º 2, do CC).
II - Destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito (cfr. art. 267.º, n.º 5, da CRP), contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão (cfr. art. 163.º, n.º 1, do CPA), a menos que seja manifesto que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso se impunha, o seu aproveitamento pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo.
III - A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir, num juízo de prognose póstuma, se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente.
IV - Estando em causa a liquidação efectuada com recurso a métodos indirectos não pode afirmar-se que a participação do interessado não poderia influir na determinação da matéria tributável nem nas demais questões de facto e de direito susceptíveis de influir na decisão do procedimento, bem como não pode afirmar-se que o facto de a discussão da legalidade das liquidações (qualquer que tenha sido o resultado dessa discussão, ou seja, independentemente da procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação judicial) ter sido efectuada em sede de impugnação judicial degrada a formalidade (notificação para o exercício do direito de audiência prévia) em não essencial, sanando o vício decorrente da preterição do dever de audiência prévia.
Nº Convencional:JSTA00070371
Nº do Documento:SA220171018095
Data de Entrada:01/28/2016
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CONST05 ART267 N5.
LGT98 ART12 ART22 N4 ART48 N2 N3 ART49.
CPPTRIB99 ART99 ART175.
CPTRIB91 ART10 ART34.
CPA91 ART100 ART163 N1.
CCIV66 ART12 N2 ART297 ART326.
L 53-A/06 DE 2006/12/29.
L 100/99 DE 1999/07/16.
DL 4/15 DE 2015/01/07.
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART5 N1.
DL 124/96 DE 1996/08/10 ART5 N5.
DL 442/91 DE 1991/11/15.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01374/13 DE 2014/10/15.; AC STAPLENO PROC0441/13 DE 2014/01/22.; AC STAPLENO PROC0840/07 DE 2007/05/28.; AC STA PROC0248/14 DE 2017/02/08.; AC STA PROC01391/14 DE 2015/06/25.; AC STA PROC0234/11 DE 2011/04/06.; AC STA PROC01148/09 DE 2010/01/13.; AC STA PROC0607/09 DE 2009/07/08.; AC STA PROC0431/08 DE 2008/07/14.; AC STA PROC0446/08 DE 2008/06/25.; AC STA PROC01069/07 DE 2008/02/27.; AC STA PROC01071/06 DE 2007/02/15.; AC STA PROC0780/02 DE 2002/10/20.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 2ED PAG60-61 PAG64-65 PAG78-79 PAG115 PAG117 PAG122.
LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED PAG392-393 PAG516-517.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 257/12.4BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 A……………., B…………… e C…………. (a seguir Impugnantes ou Recorrentes) recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida, na qualidade de responsáveis subsidiários, contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativas aos anos de 1991 e 1993.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos, e os Recorrentes apresentaram as alegações, que resumiram em conclusões do seguinte teor:

«A – Da prescrição:

a) Mesmo que se aceite, sem conceder, a correcção da tese expendida, na sentença recorrida, sobre a aplicação da norma constante do art. 12.º, n.º 2, primeira parte do Código Civil, relativamente às normas que alteraram causas de interrupção e de suspensão do prazo de prescrição, editadas depois da data de constituição das dívidas tributárias (Leis n.º 100/99, de 26 de Julho e 53-A/2006, de 29 de Dezembro), sempre a sentença recorrida se abona numa errada interpretação e aplicação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 48.º e n.º 3 do art. 49.º da LGT;

b) Na verdade, decorre dos primeiros preceitos que se o devedor subsidiário “for citado após o 5.º ano subsequente ao da liquidação, o prazo de prescrição corre ininterruptamente, não se suspendendo por qualquer causa relativa ao devedor principal (prevista no artigo 49.º). Pelo que, se o devedor subsidiário não for citado no prazo de oito anos, a dívida terá prescrito” (Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, 2012, págs. 392/393);

c) Na expressão destes Autores, “esta excepção àquele princípio da identidade [da unicidade da relação jurídica tributária em relação aos diferentes obrigados pelo seu cumprimento] deve-se a puras razões de justiça material, dado estar-se perante uma obrigação de garantia, de causa legal a dívidas de terceiro” (aditamento inserto entre parêntesis nosso);

d) Não se argumente que o efeito jurídico referido no n.º 3 do art. 48.º LGT – de o prazo de prescrição correr continuamente para o devedor subsidiário quando a citação no processo de execução fiscal seja efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação – apenas acontece relativamente à(s causas de) interrupção e não também relativamente à(s causas de) suspensão do prazo de prescrição;

e) Tal entendimento contrariaria frontalmente o fundamento axiológico e teleológico do n.º 3 do art. 48.º da LGT,

f) Por outro lado, no sentido que a recorrente defende concorrem os próprios termos verbais do n.º 2 do art. 48.º ao dizer que “as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”: na verdade, o preceito estabelece uma absoluta equiparação entre causas de suspensão e de interrupção;

g) A admitir-se uma destrinça entre as causas de interrupção e de suspensão, para o efeito consignado no n.º 3 do art. 49.º da LGT, estar-se-ia a restringir o princípio afirmado no n.º 2 do art. 48.º da LGT no que importa ao aproveitamento aos responsáveis subsidiários das causas de suspensão, em contrário do que acontece com as causas de interrupção [ (Permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita: os Recorrentes escreveram suspensão onde queriam dizer interrupção.)];

h) Existem, ainda, razões lógicas e de congruência interna dos preceitos que conduzem a que deva ser dado o mesmo tratamento para as causas de interrupção e de suspensão do prazo de prescrição: é que a suspensão do prazo de prescrição, nos casos de reclamação, impugnação ou recurso, é um efeito jurídico que está previsto no n.º 3 do art. 49.º da LGT enquanto efeito autónomo apenas da própria reclamação, impugnação ou recurso quando o uso destes meios “determine a suspensão da cobrança da dívida”; sendo que o conhecimento destes factos apenas pode ser imputado a quem lançou mão desses procedimentos ou processos;

i) Não se compreenderia que o efeito interruptivo decorrente da instauração da impugnação judicial por banda do devedor originário não afectasse a contagem contínua do prazo de prescrição relativamente ao devedor subsidiário, quando a citação do responsável subsidiário seja efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação das dívidas exequendas, mas já afectasse a contagem desse prazo, a suspensão da execução fiscal acontecida em momento posterior ao da dedução da impugnação judicial só porque nessa altura foi requerido pelo devedor originário o pagamento em prestações da dívida exequenda;

j) Não se objecte que o n.º 3 do art. 49.º da LGT não é aplicável às situações em que os factos interruptivos aconteceram em data anterior à data da entrada em vigor daquele preceito, pois o que nele se dispõe não é sobre atribuição constitutiva de efeito interruptivo da prescrição a certos factos, como são aqueles que estão enumerados no n.º 1 do artigo, mas antes a desconsideração jurídica de efeitos atribuídos a factos interruptivos acontecidos anteriormente e nada impede que o legislador desconsidere, com eficácia a partir do momento da entrada em vigor da nova lei, os efeitos ou conteúdo jurídico de factos passados, por força das novas valorações que efectua;

l) E o mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação ao estipulado no n.º 3 do art. 48.º da LGT;

k) Uma interpretação diferente, quer deste preceito, quer do referido art. 49.º, n.º 3, da LGT, será inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º e da proporcionalidade, ínsito no princípio material do Estado de Direito consagrado no art. 2.º ambos os preceitos da CRP;

m) Aquando da citação dos oponentes para o processo de execução fiscal, referidas no probatório da sentença recorrida, já estavam decorridos muito mais de cinco anos contados das datas das liquidações dos tributos [ocorridas em 21 de Março de 1995], bem como 13 anos e 2 meses, no mínimo, contados desde o início do prazo de prescrição (1 de Janeiro de 1999), pelo que as dívidas tributárias revertidas se encontram prescritas relativamente aos responsáveis subsidiários, aqui recorrentes, conquanto possam não o estar relativamente ao devedor originário (a identificada sociedade).

B – Da não sanação do vício de falta de audiência dos interessados:

n) Os recorrentes aceitam, pelas razões nela aduzidas e no Acórdão do STA, de 20 de Outubro de 2002, proferido no Proc. n.º 780/02, a fundamentação expendida na sentença recorrida, mas apenas na parte que concerne à demonstração da aplicabilidade, no domínio do procedimento tributário, do dever de audiência ou de audição dos interessados na decisão final, aqui consubstanciada nos actos de liquidação e no relatório da fiscalização que constitui o seu fundamento, prevista no art. 100.º do CPA, bem como do julgamento, nela efectuado, da existência dessa ilegalidade ou vício da decisão final;

o) Ao contrário do considerado, na sentença recorrida, não existe paralelismo material ou formal entre o caso sub judice e o considerado no Acórdão acabado de referir do STA, pois, no caso apreciado pelo STA, a possibilidade de o contribuinte poder aduzir as suas razões contra o projecto de decisão final, no exercício do direito de audição, acontece ainda no procedimento administrativo e a entidade decidente da reclamação graciosa é ainda a autoridade administrativa que poderá conformar o acto administrativo nos mesmos termos que o poderia fazer a autoridade prolatora da decisão final que não foi precedida da audiência do interessado;

p) No caso sob recurso, a sanação da formalidade ilegalmente preterida não acontece no procedimento administrativo mas já em processo jurisdicional, nem a possibilidade de apresentação das questões que o exercício do direito de audiência possibilita acontece perante autoridade administrativa com competência material de revisão sobre a autoridade prolatora da decisão final mas antes perante um outro órgão do Estado que se encontra inserido numa função material constitucional diferente;

q) O preceito de direito positivo no qual se poderia colher arrimo para o princípio do aproveitamento do acto ferido de ilegalidade seria o do art. 195.º do CPC; mas tal disposição apenas poderá ser aplicada dentro da mesma ordem material e constitucional de competência de decisão e não é susceptível de ser aplicada concomitantemente no procedimento administrativo e no processo judicial;

r) O princípio do aproveitamento do acto administrativo, quando aplicado em sede jurisdicional, ofende patentemente o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes afirmado no art. 111.º da CRP, pois equivale a transformar o tribunal num órgão da administração activa, na medida em que lhe é pedida uma ponderação, no plano da administração, da aptidão do acto para satisfazer o interesse público que o mesmo visa prosseguir e, nessa ponderação, aferir se a decisão final terá de ser, forçosamente e necessariamente, aquela que foi tomada pela autoridade administrativa, o que consequencia que se tenha de colocar na posição da administração activa e de, nessa veste, equacionar hipoteticamente, pelo menos, a admissibilidade ou não admissibilidade de outras soluções, para poder ajuizar da inutilidade da realização de outras diligências e da cognoscibilidade de outros factos possíveis, para além dos aduzidos, como susceptíveis de conduzir a outro resultado;

s) Só no caso de acto estritamente vinculado é que se poderá argumentar que o acto administrativo não poderá deixar de ser o mesmo, mas mesmo esta asserção só poderá ter-se como correcta em face das provas que houverem sido produzidas e se as mesmas tiverem a natureza de prova legal tarifada;

t) A possibilidade de convocação do princípio do aproveitamento do acto administrativo não pode deixar de estar completamente afastada nas hipóteses daqueles actos em que a matéria colectável do IRC e do IVA, e, decorrentemente dos respectivos tributos, é efectuada por métodos indiciários, como aconteceu neste caso, pois é da natureza desse acto que o mesmo possa ter uma certa álea quanto ao seu conteúdo quantitativo, atentos os critérios de cognoscibilidade, de alcance não exacto ou imutável, a seguir na determinação, como são aqueles que estavam enunciados, ao tempo, no art. 52.º CIRC (margens médias de rendibilidade, margens médias de lucro, coeficientes técnicos de consumo, etc.);

u) Constitui uma afirmação desprovida de qualquer fundamento razoável aquela que sustente, como pressupõe a sentença recorrida, que num caso de determinação da matéria tributável por métodos indiciários o imposto liquidado não poderia deixar necessariamente de ser o mesmo, pese embora a falta de audição sobre o relatório de fiscalização com base no qual o imposto foi liquidado e sobre a liquidação: isso é esquecer que, movendo-nos no campo da determinação indirecta da matéria tributável, a realidade fiscal, na sua expressão quântica, pode ser surpreendida e aferida com recurso aos mais diversos meios de cognoscibilidade;

v) A convocação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, em sede jurisdicional, assenta numa compreensão do acto administrativo enquanto instrumento próprio de actuação do Estado de polícia dos séculos XIX e meados do século XX em que cabia exclusivamente ao Estado, sem colaboração ou participação dos interessados, a tarefa de definir e regular as relações entre a administração e os administrados, pelo que o acto emitido gozava da presunção de legalidade quanto aos seus pressupostos de facto e de direito;

w) Tal visão projectava-se na concepção do contencioso administrativo enquanto contencioso dirigido contra o acto administrativo e onde caberia ao administrado o ónus de afastar essas presunções legais;

y) Mas o Estado social de direito democrático (art. 2.º da CRP) arredou essa concepção do acto administrativo, sendo agora concebido como um acto de autoridade emitido com obediência a um procedimento administrativo de colaboração com os administrados, procedimento este que encerra, em si, um modo de controlo da autoridade e de garantia dos particulares (cfr. art. 267.º, n.ºs 1 e 5, da CRP) e onde o objecto do processo contencioso assenta agora na legalidade da relação jurídica (quando definida ou constituída pelo acto) e não do acto administrativo e onde não cabem presunções de legalidade do acto administrativo.

x) Ora, nesta nova estruturação do contencioso administrativo, de tipo subjectivista, consagrada no actual CPTA, não cabe a possibilidade de desconsideração de quaisquer ilegalidades acontecidas no procedimento administrativo, em termos de as degenerar em vícios juridicamente não relevantes.

Termos em que se requer, com o douto suprimento de V.AS Exas. que seja dado provimento ao recurso, com todas as legais consequências».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento quanto à 1.ª questão, da prescrição das obrigações tributárias, mas deve ser provido com fundamento na ilegalidade das liquidações por preterição do direito de audiência, segunda questão que cumpre apreciar e decidir, motivo por que a sentença deverá ser revogada e as liquidações impugnadas deverão ser anuladas. Isto, nos seguintes termos:

«1. 1.ª questão: Prescrição das obrigações tributárias

Sufragamos o exaustivo discurso jurídico sobre a questão (com profusa citação de jurisprudência e discriminação dos factos relevantes), dispensando inútil reprodução, com a seguinte reserva: deve ser atribuída à citação, enquanto facto interruptivo do prazo de prescrição, efeito duradouro no sentido de que se prolongará até ao termo do processo de execução fiscal, por aplicação subsidiária do art. 327.º n.º 1 C.Civil/art. 2.º al. d) LGT (em conformidade com jurisprudência consolidada do STA-SCT).
Inexiste qualquer sobreposição do efeito duradouro de um facto interruptivo do prazo de prescrição (citação) com o efeito suspensivo de outros factos interruptivos (recurso hierárquico, impugnação judicial, oposição à execução), invocada na sentença como argumento para a atribuição à citação de um efeito meramente instantâneo, com a consequente contagem de novo prazo de prescrição a partir do acto interruptivo (cf. sentença B) De Direito fls. 182).
A articulação dos efeitos interruptivos e suspensivos (sem sobreposição) radica numa interpretação conjugada das normas aplicáveis, segundo a qual o efeito suspensivo apenas opera nas situações em que, perante uma sucessão de factos interruptivos, cessou o efeito interruptivo duradouro do primeiro facto (art. 49.º n.ºs 1, 3 e 4 LGT; Jorge Lopes de Sousa Sobre a prescrição da obrigação tributária - Notas Práticas 2.ª edição 2010 pp. 71/72).
No caso concreto a divergência de entendimento não tem consequência na solução da questão, ainda que se considere que cada um dos prazos de prescrição de 8 anos (correspectivos de cada um dos responsáveis subsidiários) se iniciou no dia seguinte às respectivas citações em 12 março 2012, 14 março 2012 e 15 março 2012 (probatório n.ºs 10/12).

2. 2.ª questão: Ilegalidade das liquidações por preterição do direito de audiência

I. O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no art. 45.º CPPT e, sob diversas modalidades no art. 60.º n.º 1 LGT, constitui direito constitucional aplicado, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (art. 267.º n.º 5 CRP)
A preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final. Não estando o direito de audição contemplado em formas especiais do procedimento tributário, designadamente no procedimento de liquidação do IVA antes do início da vigência da LGT (1 Janeiro 1999), deveria ser garantido mediante aplicação subsidiária das normas pertinentes do CPA (arts. 100.º a 103.º CPA) (cf. designadamente acórdão STA-SCT 11.01.2006 processo n.º 584/05)

II. Aplicação das considerações precedentes ao caso concreto

A circunstância de a sociedade devedora originária não ter suscitado a questão na impugnação judicial deduzida contra as liquidações controvertidas não preclude o direito de os responsáveis subsidiários poderem fazê-lo, na impugnação judicial deduzida na sequência da citação no processo de execução fiscal, onde exercem os mesmos direitos do devedor principal (art. 22.º n.º 4 LGT; probatório n.ºs 14/16).
A mera possibilidade de discussão da questão na impugnação judicial não sana a omissão praticada no decurso do procedimento tributário, porque lógica e cronologicamente posterior à prática do acto tributário final de liquidação que lhe põe termo; o entendimento contrário expresso na sentença não sanciona a omissão da participação dos interessados na formação de decisões em matéria tributária que sejam lesivas dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e ignora a relevância daquela participação no aperfeiçoamento da transparência e qualidade do acto administrativo, mediante ponderação dos argumentos ou elementos de prova apresentados pelos contribuintes».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento

(i) quando entendeu que não ocorria (relativamente aos ora Recorrentes e responsáveis subsidiários, entenda-se) a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às liquidações impugnadas [conclusões a) a m)] e

(ii) quando considerou que, apesar de não ter sido respeitado o dever de audiência prévia às liquidações, o correspondente vício de forma deve ter-se por sanado pela aplicação da denominada teoria do aproveitamento do acto [conclusões n) a x)].


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença deu como provados os seguintes factos:

«1. Em 27 de Dezembro de 1994, foi elaborado relatório de inspecção tributária ao sujeito passivo D…………… Lda., no qual se decidiu corrigir a matéria colectável declarada com base em métodos indiciários, no âmbito de IVA e IRC nos períodos de 1991, 1992 e 1993 (cfr. fls. 344 a 396 do processo de impugnação de impugnação n.º 185/96 junto aos presentes que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

2. Em 21 de Março de 1995, foram emitidas notas de liquidação de IVA e juros compensatórios dos anos de 1991 e 1993 (cfr. fls. 125 a 142 do PEF junto aos presentes que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

3. Em 8 de Maio de 1995, foi assinado aviso de recepção que acompanhou as cartas contendo as notas de liquidação do IVA de 1991 e do IVA de 1993 e respectivos juros compensatórios, enviadas à Sociedade D…………… Lda., (cfr. fls. 401 a 405 e 413 a verso de 416 do processo de impugnação de impugnação n.º 185/96 junto aos presentes que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

4. Em 7 de Julho de 1995, foi instaurada execução fiscal n.º 0809199501003720, contra a Sociedade D…………. Lda., para pagamentos de IVA dos anos de 1991, 1992 e 1993, e respectivos juros compensatórios, num total de 3.701.643,00 escudos (cfr. fls. 1 do PEF junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

5. Em 21 de Julho de 1995, foi remetida para a morada da Sociedade D………… Lda., nota de citação na execução fiscal n.º 0809199501003720, cujo aviso de recepção foi assinado em 27 de Julho de 1995 (cfr. fls. 24 do PEF junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

6. Entre 27 de Julho de 1995 e 28 de Fevereiro de 1997 que não houve diligências ou outros actos praticados no processo de execução fiscal n.º 0809199501003720, (cfr. fls. 24 a 51 do PEF junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

7. Em 28 de Fevereiro de 1997, foi requerido e deferido o pagamento de prestações ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto (cfr. despacho a fls. 123 a 125 dos presentes autos junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

8. Em 6 de Março de 2008 foi proferido despacho pelo Subdirector da Área de Justiça Tributária que determinou a exclusão da Sociedade D……….. Lda., do plano de regularização das dívidas ao abrigo do Decreto- Lei n.º 124/96; de 10 de Agosto, o qual foi remetido em 15 de Abril de 2008 (cfr. despacho, registo e aviso de recepção a fls. 136 a 138 dos presentes autos junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

9. No dia 25 de Fevereiro de 2010, foi proferido despacho de prosseguimento da execução pelo Chefe de Finanças (cfr. fls. 51 do PEF junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

10. Em 15 de Março de 2012, foi assinado aviso de recepção que acompanhou a carta dirigida a C……….., com o seguinte teor: “Pelo presente fica citado(a) de que é executado por reversão nos termos do 160.º do C.P.P.T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da citação, pagar a quantia exequenda 18.276,38 EUR (…)” (cfr. fls. 261 do PEF junto aos autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

11. Em 12 de Março de 2012, foi assinado aviso de recepção que acompanhou a carta dirigida a B……………, com o seguinte teor: pelo presente fica citado(a) de que é executado por reversão nos termos do 160.º do C.P.P.T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da citação, pagar a quantia exequenda 18.276,38 EUROS (...) (cfr. fls. 262 do PEF junto aos autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

12. Em 14 de Março de 2012, foi assinado aviso de recepção que acompanhou a carta dirigida a A……………., com o seguinte teor: “Pelo presente fica citado(a) de que é executado por reversão nos termos do 160.º do C.P.P.T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da citação, pagar a quantia exequenda 18.276,38 EUR (…)”, (cfr. fls. 263 do PEF junto aos autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

13. Não foi prestada garantia na execução fiscal n.º 0809199501003720 (conforme ofício n.º 2533 a fls. 268 do PEF junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

14. Em 31 de Julho de 1995, foi intentada impugnação judicial pela Sociedade D………….. Lda., das liquidações de IVA de 1991, 1992 e 1993 (cfr. fls. 1 do processo de impugnação n.º 185/96 junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

15. O processo de impugnação não esteve parado por mais de um ano (cfr. processo de impugnação n.º 185/96 junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

16. Em 14 de Março de 2001, foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo de impugnação n.º 185/96, o qual foi remetido às partes, de acordo com informação contida nos autos, em 19 de Março de 2001 (cfr. fls. 543 a 547 processo de impugnação 185/96 junto aos presentes autos que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

17. A presente impugnação foi apresentada em 4 de Abril de 2012 (cfr. fls. 1 dos presentes autos)».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência das citações que, em Março de 2015 lhe foram feitas em sede de execução fiscal, na qualidade de responsáveis subsidiários pelas dívidas de uma sociedade de que foram gerentes, provenientes de IVA dos anos de 1991 e 1993, vieram os ora Recorrentes apresentar impugnação judicial, ao abrigo do disposto no art. 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no art. 22.º, n.º 4 («As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».), da Lei Geral Tributária (LGT), invocando a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às liquidações impugnadas e a violação do dever da audiência prévias às liquidações.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, apreciando as questões, julgou a impugnação judicial improcedente.
As questões a apreciar e decidir são as de saber se a sentença fez correcto julgamento:
i) quando considerou que as obrigações tributárias respeitantes às liquidações impugnadas não estavam prescritas, pois os responsáveis subsidiários foram citados ainda antes de se ter completado o prazo de prescrição e com essa citação se inutilizou para o cômputo do prazo todo o tempo anteriormente decorrido, iniciando-se novo prazo;
ii) quando, apesar de reconhecer que as liquidações enfermam de vício de forma por violação do dever de audiência prévia, considerou sanado o vício com fundamento no princípio do aproveitamento do acto.

2.2.2 DA PRESCRIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS QUE CORRESPONDEM ÀS LIQUIDAÇÕES IMPUGNADAS

Quanto à invocada prescrição, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, depois de salientar que a mesma não constituía fundamento de impugnação judicial, mas que, fornecendo o processo todos os elementos necessários para o efeito, se impunha dela conhecer, como questão de conhecimento oficioso que é (cfr. art. 175.º do CPPT) e susceptível de determinar a inutilidade da impugnação judicial, tendo em conta que estão em causa dívidas de IVA dos anos de 1991 e 1993, indicou como lei aplicável o art. 34.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário (CPT), em vigor à data dos factos [cfr. art. 12.º, n.º 2, do Código Civil (CC)], que fixava em 10 anos o prazo prescricional, com início da contagem em 1 de Janeiro de 1992 e em 1 de Janeiro de 1994, respectivamente, nos termos do n.º 2 do referido art. 34.º do CPT.
Em seguida, averiguando da existência de factos interruptivos ou suspensivos e tendo em conta os factos a que a lei em vigor à data conferia tal efeito (cfr. art. 34.º, n.º 3, do CPT), considerou que ocorreram dois factos interruptivos, quais sejam, primeiro, a instauração da execução fiscal (n.º 080919901003720), em 7 de Julho de 1995, contra a sociedade devedora originária e para cobrança das dívidas geradas pelas liquidações ora impugnadas e, segundo, a dedução de impugnação judicial, em 31 de Julho de 1995, pela mesma sociedade e contra aquelas liquidações.
Prosseguindo, considerou que aquele primeiro facto determinou a interrupção do prazo prescricional, com os efeitos (instantâneo) de inutilização do todo o tempo decorrido até ao momento (cfr. art. 326.º do CC) e duradouro, de obstar a que o novo prazo de prescrição se inicie enquanto se mantiver pendente o processo onde ocorreu o facto interruptivo, citando em abono desta tese JORGE LOPES DE SOUSA (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 60/61. ).
Salientou ainda a Juíza do Tribunal a quo, louvando-se na doutrina (Cita DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, 2012, anotação 6 ao art. 48.º, págs. 392/393. ), que, à luz do CPT, os factos com efeito interruptivo também produziam efeitos relativamente ao devedor subsidiário, independentemente da data em que se verificasse a citação deste, contrariamente ao que hoje decorre da LGT (cfr. art. 48.º, n.º 3), motivo por que a interrupção do prazo prescricional motivada pela instauração da execução fiscal se repercutiu também na esfera jurídica dos responsáveis subsidiários.
Depois, registando que o processo de execução fiscal esteve parado por motivo não imputável à executada originária entre a data em que foi citada – 27 de Julho de 1995 – e a data em que esta pediu a adesão ao regime do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto – 28 de Fevereiro de 1997 –, ou seja, por mais de um ano, considerou que, de acordo com o n.º 3 do art. 34.º do CPT, cessou o efeito interruptivo decorrente da instauração da execução e que o prazo da prescrição reiniciaria a sua contagem, adicionando-se-lhe o período decorrido até à data da instauração da execução, se não fosse, entretanto (ou seja, ainda antes de decorrido o ano de paragem do processo) ter ocorrido outra causa interruptiva, qual seja a decorrente da já referida instauração da impugnação judicial, em 31 de Julho de 1995, pela sociedade originária devedora. Realçou ainda que, no domínio da vigência do CPT (Diferentemente do que sucede no âmbito da vigência da LGT, como decorre do n.º 3 do seu art. 49.º.), relevam as várias causas de interrupção que se vão sucedendo, fazendo referência à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Citando o acórdão de 28 de Maio de 2007, proferido no processo n.º 840/07, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/80d58f973c6d75078025746600540eda.) e à doutrina (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 78/79.).
Assim, o prazo prescricional manteve-se interrompido enquanto o referido processo de impugnação judicial, que nunca parou por mais de um ano por causa não imputável à impugnante, se manteve pendente, i.e., até ao trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Março de 2001, que pôs fim ao processo.
Salientou ainda a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 5.º do referido Decreto-Lei n.º 124/96, não só o prazo prescricional esteve suspenso entre a data em que foi aprovado o pedido de adesão da executada – 28 de Fevereiro de 1997 e a data em que foi proferido o despacho que determinou a exclusão do plano de regularização aprovado no âmbito daquele diploma legal – 6 de Março de 2008 – (Citando jurisprudência no sentido de que o prazo de prescrição se suspende durante todo o período em que esteve autorizado o pagamento em prestações e não só durante o período em que as prestações foram efectivamente pagas, designadamente os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 25 de Junho de 2008, proferido no processo n.º 446/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/793c41e88bf3cbb28025747c0032b311;
- de 14 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 431/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e4b0f8e1fb767b928025749000465981;
- de 8 de Julho de 2009, proferido no processo n.º 607/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5c3f220143e536b6802575f50050525e.), como também a própria execução fiscal.
De seguida, fazendo notar que existiu coincidência temporal entre o efeito interruptivo decorrente da dedução da impugnação judicial e o efeito suspensivo decorrente da vigência do plano de pagamento aprovado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, salientou, louvando-se de novo na doutrina (JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 64/65.), que o efeito suspensivo da prescrição determinado pela vigência do plano de pagamentos se manteve mesmo depois de cessar o efeito interruptivo determinado pela pendência do processo de impugnação judicial, o que no caso sub judice significa que, porque só em 6 de Março de 2008 cessou o efeito suspensivo, só a partir dessa data se conta novo prazo de prescrição.
Depois, salientou que, atendendo a que em 1 de Janeiro de 1999 entrou em vigor a LGT – que veio encurtar o prazo de prescrição das obrigações tributárias para 8 anos (cfr. art. 48.º, n.º 1) – há que determinar qual o prazo aplicável, tarefa na qual se tem de observar o disposto na regra de direito transitório constante do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT, e que determina que ao novo prazo de prescrição se aplica o disposto no art. 297.º do CC.
Aplicando o disposto nesta última disposição legal – que impõe a aplicação aos prazos em curso da lei nova que estabeleça prazo mais curto do que o fixado anteriormente, mas contado apenas a partir da data da entrada em vigor da lei nova, a menos que segundo a lei antiga falte menos tempo para o prazo se completar –, a sentença concluiu que em 1 de Janeiro de 1999, porque faltava correr todo o prazo prescricional, uma vez que se encontrava interrompido por força da pendência da impugnação judicial, é de concluir que o prazo legalmente aplicável é do da LGT.
Mas logo salientou que se na escolha do prazo aplicável, em face da sucessão de leis no tempo, há que respeitar as regras do art. 297.º do CC, já quanto às demais regras que regulam a prescrição se impõe observar o disposto no art. 12.º mesmo Código e no art. 12.º da LGT. Daí retirou, após citação da jurisprudência no mesmo sentido (Citou o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 13 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 1148/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3130dbb82ed3ac33802576af00409bc9.), que após a entrada em vigor da LGT as regras que nesta Lei dispõem sobre a interrupção e a suspensão do prazo prescricional, consagradas nos arts. 48.º e 49.º, passaram a aplicar-se às situações em curso. Designadamente, que nos termos do n.º 2 do art. 48.º da LGT, as causas de suspensão e de interrupção aproveitam (Sobre a menos feliz aplicação do termo aproveitam no texto do n.º 2 do art. 48.º da LGT, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 115.) igualmente aos responsáveis solidários ou subsidiários e que, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, «A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação».
De seguida, fez notar que a citação dos responsáveis subsidiários (os ora Recorrentes) ocorreu bem depois do 5.º ano após as liquidações, para passar a indagar da relevância dos factos interruptivos e suspensivos, ocorridos antes e depois da entrada em vigor da LGT, relativamente aos ora Recorrentes (responsáveis subsidiários, como já vimos).
A esse propósito, salientou que só as causas suspensivas que se tiverem verificado relativamente ao devedor originário ocorridas já na vigência da LGT serão oponíveis aos ora Recorrentes, atenta a redacção do n.º 3 do art. 48.º da LGT.
Mais salientou que a impugnação judicial, porque deduzida quando estava em vigor o CPT, produz efeitos suspensivos do prazo de prescrição também relativamente aos Recorrentes e que a suspensão do prazo de prescrição decorrente da aprovação do plano de pagamentos aprovado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96 também produz efeitos relativamente aos ora Recorrentes. Assim e porque esta só terminou em 6 de Março de 2008, o prazo prescricional só começou a contar-se no dia seguinte – 7 de Março de 2008. O que significa que, quando os ora Recorrentes foram citados, em Março de 2012, ainda estava longe de se completar o prazo de 8 anos previsto no n.º 1 do art. 48.º da LGT.
Porque a citação, após a redacção dada ao n.º 1 do art. 49.º da LGT pela Lei n.º 100/99, de 16 de Julho, constitui facto interruptivo da prescrição – o primeiro facto interruptivo na vigência da LGT, sendo, por isso, o único ao qual se deve conferir relevância, atento o disposto no n.º 3 do art. 49.º da LGT, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro – o prazo prescricional, relativamente aos ora Recorrentes, interrompeu-se na data em que foram citados, o que, sem mais, leva à conclusão de as obrigações tributárias em causa não estão prescritas.
Insurgem-se os responsáveis subsidiários ora Recorrentes contra este entendimento.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, consideram os Recorrentes que a sentença não fez correcta interpretação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 48.º e no n.º 3 do art. 49.º da LGT.
Argumentam com a inadmissibilidade da distinção que a sentença teria feito, para aplicação do efeito jurídico previsto no n.º 3 do art. 48.º da LGT, entre causas de interrupção e causas de suspensão, e para sustentar que aquele efeito só teria lugar relativamente às primeiras e já não relativamente às segundas.
A seu ver, essa distinção atenta, não só contra a letra da lei, mas também e sobretudo contra o seu fundamento axiológico e teleológico, pois inexiste motivo para destrinçar as causas de interrupção e de suspensão para o efeito consignado no n.º 3 do art. 48.º da LGT.
Depois de exporem a sua tese, os Recorrentes concluem que as obrigações tributárias em causa há muito estão prescritas, pois quando foram citados como responsáveis subsidiários tinham já decorrido mais de 5 anos sobre as datas das liquidações e mais de 13 anos sobre o início do prazo de prescrição, contado desde a data da entrada em vigor da LGT.
Salvo o devido respeito, a alegação dos Recorrentes não é de molde a pôr em causa a sentença no que respeita a questão da prescrição, sendo irrelevante a sua afirmação de que o n.º 3 do art. 48.º da LGT se aplica, não exclusivamente às causas de interrupção da prescrição, como sustentou a sentença – e se nos afigura ser a melhor interpretação da lei ( Aderimos à tese exposta por JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., págs. 115/122 e que encontra também expressão nos seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 27 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 1069/07, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/28c4f06b6b3a6e688025740200395a16;
- de 14 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 431/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e4b0f8e1fb767b928025749000465981;
- de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 248/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/77a075fcaeec5ccd802580c30042ba4d.) –, mas também às causas de suspensão da prescrição. Vejamos:
Sendo incontroverso que o prazo da prescrição a considerar é o de 8 anos previsto na LGT, a contagem do mesmo iniciar-se-ia em 1 de Janeiro de 1999 – data em que entrou em vigor a LGT – não fosse dar-se o caso de, nessa data, o prazo estar suspenso em virtude de se encontrar vigente um plano de pagamentos em prestações (cfr. art. 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/99), suspensão que só cessou em 6 de Março de 2008, com exclusão da sociedade originária devedora desse plano
Recorde-se que há que considerar os eventuais factos com efeitos interruptivos ou suspensivos sobre os prazos de prescrição, relevando em concreto os previstos na lei vigente à data da respectiva ocorrência, ex vi do n.º 2 do artigo 12.º do CC.
Dito isto, e mesmo admitindo, meramente para efeitos de exposição, a tese dos Recorrentes, sempre teríamos de concluir que a citação dos responsáveis subsidiários interrompeu o prazo de prescrição, a tal não obstando, ao contrário do que alegam os Recorrentes, o disposto no n.º 3 do art. 48.º da LGT pois que, embora a citação deles (em 2012) tenha ocorrido muito para além do 5.º ano posterior ao das liquidações (em 1995), o facto com efeito suspensivo em relação à sociedade originária devedora (no caso, a vigência do plano de pagamentos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/99, aprovado em 1997) ocorreu na vigência do CPT, e não da LGT, pelo que a eficácia desta suspensão em relação ao responsável subsidiário nunca poderia estar subordinada à verificação da condição da citação do responsável subsidiário até ao 5.º ano a contar da liquidação, condição que apenas a LGT veio contemplar e que apenas pode aplicar-se relativamente aos factos que, respeitando ao devedor principal, tenham ocorrido já na vigência da LGT (Neste sentido, se bem que relevando apenas a interrupção da prescrição, na doutrina:
- JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 117, que afirma: «Na aplicação do novo regime [decorrente do n.º 3 do art. 48.º da LGT], deverá ter-se em conta o momento em que se produziram os factos com efeito interruptivo. // Se o facto com efeito interruptivo em relação ao devedor originário () ocorreu na vigência do CPT, o efeito interruptivo verificou-se também em relação ao responsável subsidiário, independentemente do momento em que vier a ser citado, pois esse efeito interruptivo estendia-se a este, sem qualquer condição»;
Na jurisprudência, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 234/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c976bc5bedd690498025786f00567dec.).
Ou seja, mesmo na tese dos Recorrentes – que não subscrevemos – nunca a regra excepcional do n.º 3 do art. 48.º da LGT lograria aplicação ao caso sub judice, antes sendo de aplicar a regra geral, hoje constante do n.º 2 do mesmo artigo e que já antes da LGT se devia considerar aplicável, como corolário do princípio da unicidade da relação jurídica tributária (cfr. art. 10.º do CPT): a produção de efeitos das causas de suspensão e de interrupção da prescrição verifica-se quer relativamente ao devedor originário quer relativamente aos devedores subsidiários.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, concluímos que bem andou a sentença ao considerar que as obrigações tributárias não estavam prescritas relativamente aos responsáveis subsidiários, ora Recorrentes.
O recurso não merece provimento quanto a este fundamento.

2.2.3 DA POSSIBILIDADE DE SANAÇÃO DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA

Cumpre agora verificar se a sentença fez correcto julgamento quando, apesar de reconhecer que as liquidações enfermam de vício de forma por violação do dever de audiência prévia, considerou sanado o vício com fundamento no princípio do aproveitamento do acto.
Na verdade, a sentença reconheceu que a AT não cumpriu com o dever de audiência que, como manifestação do direito de participação, constitucionalmente consagrado [cfr. art. 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP)], se lhe impunha (Em abono da sua tese invocou o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 20 de Outubro de 2002, proferido no processo n.º 780/02, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2ab870da044847f780256c6b004ee896.) à data (em que não tinha entrado em vigor a LGT) com base no art. 100.º do Código do Procedimento Administrativo, na versão em vigor à data, que é a do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro (Ou seja, o CPA na versão anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.).
Apesar disso, considerou que o vício de forma decorrente da violação do direito de audiência se deve ter por sanado ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto. Se bem interpretamos a sentença, porque considera que, tendo a sociedade originária devedora impugnado judicialmente as liquidações adicionais, «se entende que a possibilidade de discussão das mesmas em sede jurisdicional sanou o vício de falta de audiência dos interessados, uma vez que, com aquela [impugnação judicial] foi dada à parte a possibilidade de se pronunciar sobre as referidas liquidações». Invocou, em suporte do seu entendimento, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 1391/14 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b3ee19b6d97f72bc80257e74003ef3fb.).
Os Impugnantes discordam do assim decidido e, para além de salientarem que não existe paralelismo entre as situações sub judice e a que foi tratado no referido aresto, porque a sanação ali ocorreu em sede de procedimento administrativo e não já no processo judicial, consideram, em resumo, que o entendimento do princípio do aproveitamento do acto preconizado na sentença recorrida surgiria como violador do princípio da separação dos poderes e que tal princípio deve considerar-se arredado nas situações de aplicação de métodos indirectos.
Entendemos que os Recorrentes têm razão.
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto – princípio que não tem suporte directo em disposição legal alguma, mas que assenta no entendimento de que não se justifica a anulação de um acto administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei –, nos termos do qual se admite que a falta de audiência dos interessados, quando obrigatória, possa não conduzir à anulação do acto final do procedimento, que seria a consequência desse vício, de acordo com o previsto no n.º 1 do art. 163.º do CPA («São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção».). Essa omissão nem sempre conduzirá à anulação, «designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 60.º, págs. 516 e segs.).
«Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso» (Cfr. os seguintes acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/212bcafe7f4d180f80257c6f004ea9c0;
de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/29e75cff6637cdef80257d7800526d92.).
«À luz de tal princípio [do aproveitamento do acto], deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar. Mas, apenas nessas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto pode ser efectuada aplicação daquele princípio» (Cfr. o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1071/06, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3d268a41bfe236798025728f0050532e.).
Vejamos:
No caso sub judice os actos impugnados são liquidações adicionais de IVA, que foram efectuadas com recurso a métodos indirectos (cfr. n.º 1 dos factos provados).
Ao não ter concedido a possibilidade de a sociedade originária devedora se pronunciar previamente às liquidações, a AT não só a impediu de participar na fixação da matéria tributável, como em todos os demais domínios da formação da decisão final (Como ficou dito no supra referido acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, «o direito de audiência não tem como única finalidade a possibilidade de participar na fixação da matéria colectável, antes podendo essa participação (que o direito de audiência visa assegurar) assumir muitos outros domínios da formação da decisão final».). Ora, a pedra-de-toque para a aplicação do referido princípio é a insusceptibilidade de a participação do interessado influenciar a decisão final, seja no seu sentido seja nos seus fundamentos.
Na verdade, enquanto manifestação do direito de participação, constitucionalmente consagrado (Cfr. art. 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, que reza: «O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito».), a audiência prévia destina-se a assegurar esse direito, que deve poder exercer-se não só sobre a quantificação da matéria tributável, mas também sobre todas as outras questões de facto e de direito susceptíveis de influir na decisão do procedimento.
Daqui resulta que a violação do dever de audiência nunca se poderia ter como sanada no caso.
Note-se ainda, como bem salientaram os Recorrentes e o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, o facto de a discussão da legalidade das liquidações ter sido efectuada em sede de impugnação judicial não tem qualquer relevância para a eventual “degradação da formalidade em não essencial” e sanação do vício de forma por preterição do dever de audiência prévia, afigurando-se-nos que, salvo o devido respeito, a sentença não fez correcta leitura do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 1391/14, do qual não é possível retirar a conclusão a que chegou a sentença recorrida, de que «tendo sido discutida a legalidade das liquidações em sede judicial, deve considerar-se assegurado o direito acautelado através da audiência dos interessados».
Desde logo, cumpre realçar a diversidade das situações de facto tratadas naquele aresto e no presente processo: enquanto ali a impugnação judicial foi deduzida na sequência do indeferimento de reclamação graciosa contra a liquidação impugnada, aqui a impugnação judicial foi deduzida directamente das liquidações.
Ora, o que ficou dito no referido acórdão foi que nunca poderia invocar-se o princípio do aproveitamento do acto com sucesso «caso o acto impugnado fosse simplesmente a liquidação adicional» – passagem em que a sentença parece não ter atentado –, mas que a «impugnação judicial foi deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa» e, assim, como judiciosamente observam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, «Poderá também considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação»; mas, continuando a citar os mesmos Autores, também aí logo se deixou referido: «Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição, se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito» (Ob. cit., pág. 517.).
Ou seja, no caso tratado no referido aresto, foi porque o interessado tinha interposto reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa teve a oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar, que se considerou, nos termos da doutrina exposta, que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação. Na verdade, como aí ficou dito, parafraseando os citados Autores, podemos afirmar que a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau (por que foi decidida a reclamação graciosa), pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação.
Ora, a doutrina que determinou a solução naquele acórdão não pode aplicar-se no presente caso pela simples razão de que aqui não houve reclamação graciosa.
Note-se ainda que nem sequer pode argumentar-se a favor do aproveitamento do acto com a natureza dos vícios invocados em sede de impugnação judicial ou sequer com a sorte que tal invocação venha a merecer. Como também já disse este Supremo Tribunal Administrativo, «[n]ão será pelos fundamentos invocados em sede de impugnação contenciosa do acto que se poderá aferir da relevância ou não do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, mas antes pela sua susceptibilidade de influir sobre o conteúdo decisório do acto, motivo por que aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciada pela intervenção do interessado» e, se é certo que a aplicação do princípio do aproveitamento do acto implica necessariamente um juízo a posteriori, «este deve ser um juízo de prognose póstuma, pelo que não pode nem deve ser influenciado pela improcedência dos demais vícios (para além da preterição do direito de audiência) invocados no processo em que o acto foi impugnado, sob pena de esvaziamento do direito de participação e de impossibilidade prática de verificação do vício resultante da preterição desse direito» (Cfr. o já citado acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13.).
A nosso ver, não pode invocar-se com sucesso o princípio do aproveitamento do acto para recusar a anulação das liquidações impugnadas com fundamento em preterição de formalidade legal por não ter sido concedida à sociedade originária devedora a possibilidade de exercer o direito de participação mediante audiência prévia.
O recurso merece provimento nesta parte, motivo por que a sentença recorrida, que decidiu em sentido contrário, não pode manter-se e será revogada.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Relativamente às causas de suspensão ou de interrupção da prescrição que tenham ocorrido antes da vigência da LGT, há que observar a regra que então se extraía já do princípio da unicidade da relação jurídico tributária (cfr. art. 10.º do CPT) e que hoje mereceu consagração legal no n.º 2 do art. 48.º da LGT – elas produzem efeitos quer relativamente ao devedor originário quer relativamente aos responsáveis subsidiários –, não logrando aplicação a excepção a essa regra hoje consagrada no n.º 3 do art. 48.º da LGT, que só se aplica aos factos que tenham ocorrido já na vigência da LGT (cfr. art. 12.º, n.º 2, do CC).
II - Destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito (cfr. art. 267.º, n.º 5, da CRP), contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão (cfr. art. 163.º, n.º 1, do CPA), a menos que seja manifesto que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso se impunha, o seu aproveitamento pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo.
III - A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir, num juízo de prognose póstuma, se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente.
IV - Estando em causa a liquidação efectuada com recurso a métodos indirectos não pode afirmar-se que a participação do interessado não poderia influir na determinação da matéria tributável nem nas demais questões de facto e de direito susceptíveis de influir na decisão do procedimento, bem como não pode afirmar-se que o facto de a discussão da legalidade das liquidações (qualquer que tenha sido o resultado dessa discussão, ou seja, independentemente da procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação judicial) ter sido efectuada em sede de impugnação judicial degrada a formalidade (notificação para o exercício do direito de audiência prévia) em não essencial, sanando o vício decorrente da preterição do dever de audiência prévia.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e, julgando procedente a impugnação judicial, anular as liquidações impugnadas.

Custas pela Recorrida.

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Lisboa, 18 de Outubro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.