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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0109/06
Data do Acordão:03/22/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:INTIMAÇÃO PARA COMPORTAMENTO.
PROCESSO URGENTE.
RECURSO JURISDICIONAL.
ALEGAÇÕES.
Sumário:O meio processual "intimação para um comportamento", a que se refere o artigo 147º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem a natureza de processo urgente, pelo que as alegações no recurso jurisdicional de decisão nele proferida não têm que ser apresentadas juntamente com o requerimento de interposição.
Nº Convencional:JSTA00062991
Nº do Documento:SA2200603220109
Data de Entrada:02/06/2006
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF LOURES.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - INTIMAÇÃO.
Legislação Comunitária:CPPTRIB99 ART147 ART96.
Legislação Estrangeira:CONST97 ART20 N1 N4.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A…, com sede em …, Malveira, recorre do despacho da Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures que, no processo que intentou contra o DIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS para intimação para um comportamento, julgou deserto o recurso jurisdicional da decisão que absolveu da instância a Fazenda Pública, por falta de apresentação oportuna de alegações.
Formula as seguintes conclusões:
«a)
De ponto algum da lei (in casu o CPPT) se retira que esta tenha atribuído carácter urgente ao meio processual intimação para um comportamento.
b)
Sendo a regra a de que os processos não assumem a forma de urgentes e a excepção a de que os processos assumem esta forma rodeou-se o legislador de particulares cautelas quando atribui este carácter aos processos que institui no ordenamento jurídico.
c)
E a forma de acautelar tal é dizê-lo expressamente no texto da lei.
d)
Ora no caso concreto o CPPT nada refere em relação à urgência do meio processual intimação para um comportamento.
e)
Dito de outro modo os processos urgentes assumem-se como uma forma especial que carecem de regulamentação própria, expressa, cuidada e exaustiva por parte do legislador.
f)
E este cuidado existiu no CPPT e assim é que o legislador atribuiu carácter urgente, e assim o diz expressamente aos tipos de processo previstos nos artigos 136° a 139°, 140º a 142°, 143°, 144° e 146°, 146°-B e 146°-C todos do CPPT.
g)
Ora o meio processual intimação para um comportamento está previsto no artigo 147° do CPPT.
h)
Apenas pode a recorrente admitir que o despacho recorrido se tenha deixado confundir pois duas situações tipificadas na lei e que, ao abrigo do princípio da cooperação, vai demonstrar que, se foi esse o caso, o raciocínio está errado.
i)
Assim e o primeiro erro que pode ter ocorrido no despacho foi o de fazer uma interpretação viciada do artigo 147°, n° 6 do CPPT.
j)
Deste normativo resulta que o disposto neste artigo se aplica, com as necessárias adaptações, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários.
k)
Como será bom de ver o que a lei diz é que o regime procedimental da intimação para um comportamento se aplica às providências cautelares a favor do contribuinte e não o contrário ou seja, que o regime das providências cautelares (essas sim urgentes) se aplica ao meio intimação para um comportamento.
l)
Se foi interpretação contrária à supra referida feita no despacho, do artigo 147°, n° 6 do CPPT, a mesma está errada e não tem qualquer adesão com o texto legal.
m)
Como segunda possibilidade de erro interpretativo alvitra-se a hipótese de ter sido considerado aplicável o regime dos processos urgentes previstos no CPTA, quiçá por força do artigo 279°, n° 2 do CPPT.
n)
Mas se assim foi tal raciocínio jurídico encontra-se, também ele, errado.
o)
Em primeiro lugar porque o CPPT funciona como lei especial em relação ao CPTA e aquele CPPT tem nele expresso o regime do meio processual intimação para um comportamento.
p)
Como é sabido, e de acordo com os mais rigorosos cânones interpretativos, lei especial prevalece sobre lei geral pelo que nenhum sentido faria avocar o regime do CPTA na presente situação.
q)
Mas ad absurdum mesmo que assim não entendesse tal argumento interpretativo estaria igualmente votado ao insucesso.
r)
Nos termos dos Títulos IV e V do CPTA os processos de tramitação urgente (acelerada) são os constantes de artigos 97° a 127°;
s)
E deles não consta a intimação para um comportamento.
t)
A consideração, feita no despacho, do processo de intimação para um comportamento como sendo um processo urgente não tem qualquer aderência no texto de lei.
u)
Nos termos do artigo 9°, n° 2 do Código Civil "Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso."
v)
Por outra via nos termos do n° 3, do artigo 9° do Código Civil "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."
w)
Deste modo, e atento todo o supra alegado, falece de razão a sentença que considerou o meio processual intimação para um comportamento como processo urgente e julgou deserto o recurso apresentado por não seguirem junto com o requerimento de interposição do mesmo as respectivas alegações.
x)
Deste modo violou o despacho os artigos 147°, 282°, 283° do CPPT e 9° do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, se tal nada mais obstar, ser ordenada a baixa dos autos para prolação de despacho de admissão do recurso então apresentado e a inerente concessão de prazo para apresentação de alegações, tudo o mais com as consequências legais».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. A Mª. Juiz sustentou o seu despacho.
1.4. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o recurso merece provimento, por o meio processual em causa não ter carácter de urgente.
1.5. O processo vem à conferência sem vistos dos Exmºs. Adjuntos.
2. Este o teor do despacho recorrido:
«Nos processos urgentes, os recursos jurisdicionais serão apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações no prazo de 10 dias, cf. resulta da conjugação do artº 282° do Código de Procedimento e de Processo Tributário com o art° 283° do mesmo diploma.
Uma vez que o recorrente não apresentou as alegações nos termos expostos, julgo deserto o recurso interposto a folhas 79, (art° 291° n° 2 e 690° n° 3 do Código de Processo Civil aplicável ex vi artº al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Custas pela recorrente, com uma UC de taxa de justiça».
3.1. A única questão a decidir no presente recurso jurisdicional é a de saber se a intimação para um comportamento a que se refere o artigo 147º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) tem ou não carácter de urgente.
Se o tiver, o recurso jurisdicional interposto da decisão que o julgue a final deve ser apresentado no prazo de 10 dias, e as alegações hão-de ser simultâneas, isto por força do disposto no artigo 283º do mesmo diploma. Foi como se julgou na decisão recorrida que, a assim ser, merece ser confirmada: não tendo apresentado alegações no prazo de interposição do recurso, a recorrente deu azo à sua deserção.
Se a intimação não tiver esse carácter de processo urgente, então o requerimento de interposição, apresentado no mesmo prazo, não tem que ser acompanhado das respectivas alegações, que devem ser entregues no prazo de 15 dias após a notificação do despacho judicial que admita o recurso, como dispõem os artigos 280º nº 1 e 282º nº 3 do CPPT. Neste caso, a decisão impugnada não pode subsistir, uma vez que não há falta de tempestiva apresentação de alegações e, consequentemente, o recurso não se acha deserto: o prazo para alegações nem sequer se iniciou.
3.2. Aponte-se que o despacho recorrido, afirmando que o processo em que foi proferido tem natureza urgente, não identificou a norma legal em que baseou essa asserção, nem qualquer princípio donde tal decorra.
Também nós não vemos lei nem princípio de onde tal resulte.
O CPPT não contem um elenco dos processos judiciais tributários a que confere urgência, limitando-se a, ao regular cada uma das formas, introduzir regras que a implicam – ou, ao menos, prioridade. É o que acontece – sem preocupação de exaustão -nos artigos 143º nº 2 («reveste-se sempre de carácter urgente»), 144° nº 3 (idem), 278º nº 5 («segue as regras dos processos urgentes, tendo a sua apreciação prioridade»), e 146º-D («são tramitados como processos urgentes»).
Já o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) se ocupa, no seu artigo 36º, de enumerar alguns processos que têm carácter urgente. Mas só alguns, pois essa relacionação é «sem prejuízo dos demais casos previstos na lei». Não se encontra, nessa enumeração, a intimação para um comportamento; nem aí podia estar, pois trata-se de um meio processual que não é comum às jurisdições administrativa e fiscal, antes próprio desta última.
Não era assim no tempo em que vigorava a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA). Nesta lei a forma processual intimação para um comportamento existia, e tinha natureza urgente, como se vê nos seus artigos 6º nº 1 e 87º. Mas esta intimação para um comportamento era um meio dirigido contra os particulares e os concessionários, enquanto que o processo com o mesmo nome de que trata o artigo 147º do CPPT é ordenado contra a Administração.
Tudo para dizer que o meio processual em que nos movemos é próprio da jurisdição fiscal, devendo procurar-se o seu regime dentro do CPPT; fora, só no caso do artigo 2º do mesmo CPPT.
Ora, no CPPT, não há norma que atribua à intimação para um comportamento carácter urgente.
Verdade que o artigo 96º do diploma, prescrevendo que os processos judiciais tributários devem uma duração que não exceda dois anos, excepciona a impugnação das providências cautelares adoptadas pela administração tributária, as providências cautelares de natureza judicial, a intimação para consulta de processos ou documentos administrativos e passagem de certidões, a produção antecipada de prova e a intimação para um comportamento.
Todos estes processos não devem durar mais do que noventa dias.
Mas em lugar algum se diz deles, genericamente, que têm a natureza de urgentes, que a sua marcha é acelerada, que os prazos para a prática dos actos pelas partes, pela secretaria e pelos magistrados são mais reduzidos. Alguns são, efectivamente, processos urgentes, porque em outro lugar a lei o afirma; outros não o são, porque a lei o não diz. De comum têm o deverem ser concluídos dentro de um prazo relativamente curto, em resultado da preocupação manifestada no nº 2 do artigo 96º do CPPT: «cumprir em tempo útil a função que lhe(s) é cometida». E como essa função é diferente conforme as várias formas processuais, também o tempo útil não é o mesmo para todas. Não se compreenderia, por exemplo, que um processo que apenas se propõe acautelar um direito ou interesse durasse tanto ou mais do que aquele que visa a sua tutela definitiva.
Como escreve o Exmº. Procurador-Geral Adjunto: «Trata-se (…) de solução legislativa relacionada com a necessidade de “assegurar a tutela judicial efectiva, que tem como elemento importante uma componente temporal (art.º 20.°, n.º 1 e 4, da C.R.P.)” (…), necessidade essa que, no caso, é garantida através de um meio processual simplificado, integrado apenas por requerimento, resposta e decisão, pese embora não classificado de urgente».
Em súmula, o processo que nos ocupa não tem carácter urgente, não tendo as alegações do recurso jurisdicional nele interposto que serem apresentadas conjuntamente com o requerimento em que se declara a intenção de recorrer.
Procedem, consequentemente, as conclusões das alegações de recurso, não podendo subsistir o despacho que em contrário decidiu.
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao presente recurso, revogar o despacho recorrido, para ser substituído por outro que não decrete a deserção do recurso jurisdicional da decisão de absolvição da instância pelo motivo ora apreciado.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Março de 2006. – Baeta de Queiroz (relator) – Lúcio BarbosaBrandão de Pinho.