Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01461/17
Data do Acordão:01/31/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22870
Nº do Documento:SA22018013101461
Data de Entrada:12/18/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
*
1.1. A………… Lda., vem, nos termos do artigo 643.º, n.º 1 do CPC, reclamar do despacho de 22/09/2017 (fls. 44) que não admitiu o recurso jurisdicional.
*
1.2. Para tanto, alega o seguinte:
«1. Na PI que apresentou em 2009-01-05, a Reclamante impugnou a fixação do VPT de 15 imóveis (lotes para construção integrantes de uma operação de loteamento) desanexados de um terreno sito na freguesia de Vera Cruz, concelho de Aveiro,
2. Como motivo de ilegalidade (artº 134.º 2 do CPPT), invocou erros de facto e de direito dos atos de fixação do VPT consistentes nos seguintes vícios:
a) Aplicação de coeficiente de localização determinante, no caso, de um VPT excessivo face ao valor de mercado (máxime art.ºs 5º e 14º da PI);
b) Aplicação de percentagem de valorização determinante, no caso, de um VPT excessivo face ao valor de mercado (máxime art.ºs 5º e 14º da PI);
c) Omissão de aplicação do coeficiente de ajustamento de áreas (máxime artº 29.º da PI);
d) Não terem sido desaplicadas as Portarias 982/2004 e 1426/2004, apesar de, no caso, o CI e % fixados nos respetivos zonamentos determinarem VPT excessivos face ao valor de mercado, em violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da repartição justa dos tributos. 3. Começou por não ser deferido o requerimento de Perícia para arbitramento do valor de mercado dos imóveis e foi proferida uma primeira sentença, em 2011-06-29, que julgou a impugnação improcedente.
4. Interposto recurso dessa sentença, com o qual subiu o que se interpusera por não admissão da Perícia, por acórdão do TCAN de 2012-03-29 foi revogado o despacho que não admitiu tal meio de prova e foi anulada a sentença, para que em nova decisão também a Perícia a realizar fosse ponderada.
5. Estribada no reconhecido relevo das conclusões da Perícia, a sentença que se pretende impugnar, de 2017-04-19, julgou provados os factos e vícios essenciais alegados na PI, designadamente a distorção dos VPT fixados face aos valores de mercado dos imóveis, resultando da comparação do Facto Provado 5 e do Facto Provado 10 que, em cada um dos 15 imóveis, o VPT excede o respetivo valor de mercado num percentual compreendido entre 16% e 62% e que, no conjunto, os impostos sobre o património da Reclamante vêm a incidir sobre um montante de 2.733556,54€ que excede o valor do seu património efetivo/com adesão ao mercado. Assim:

6. Tendo, assim, julgado provado que nos atos de fixação dos VPT dos 15 imóveis foram cometidos erros de facto na fixação dos VPT, por manifesta desproporcionalidade de tais valores, por excesso face aos valores de mercado, apesar disso, a sentença que se pretende impugnar, de 2017-04-19, não se pronunciou, em substância, sobre essa ilegalidade (artº 134.º 2 do CPPT) da distorção dos VPT por excesso face aos valores do mercado.
7. Apenas apreciou a ilegalidade do recurso à fórmula prevista no artº 38º do CIMI para a avaliação dos imóveis edificados para habitação, comércio, indústria e serviços — assim não formulando um juízo de excesso dos VPT face aos valores de mercado.
8. Ora, não tendo a Reclamante estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios enunciado em 2 supra, resulta do disposto no artº 124.º 2-b) do CPPT que a sentença devia ter conhecido os vícios dos atos impugnados dando prioridade àqueles cuja procedência fosse suscetível de determinar mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
9. Aliás, porque a impugnação judicial dos atos de fixação de Valores Patrimoniais é indiscutivelmente um processo impugnatório”, o artº 95º.3 do CPTA, aplicável por remissão do disposto no artº 2º-c) do CPPT, prescreve que “o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado”.
10. Nos presentes autos, a A, ora Reclamante, desde 2009-01-05, centra a sua ação na alegação, na demonstração e no pedido de reconhecimento de que a AT lhe está a extorquir impostos (lMl, IMT, ISelo, IRC) sobre valores patrimoniais e rendimentos que efetivamente não tem, por vícios que determinam a fixação dos impugnados VPT excessivos face aos respetivos valores efetivos no mercado.
11. Na melhor aplicação do princípio da economia processual, aqueles dispositivos dos art.ºs 95º.3 do CPTA e 124º.2-b) do CPPT exigiriam que o Tribunal se pronunciasse sobre a existência dos erros de facto dos atos de fixação dos VPI, espelhados na manifesta distorção, por excesso, face ao valor efetivo dos 15 imóveis no mercado.
12. Aqueles princípios da economia processual normativos dos art.ºs 95º.3 do CPTA e 124º.2-b) do CPPT não se compadecem que, neste processo, depois de demorados quase 9 anos a investigar, para concluir, com base nos depoimentos das testemunhas, mas especialmente numa onerosa Perícia, no Facto Provado 10, que procedem os vícios de manifesto excesso dos VPT face aos valores de mercado, o Tribunal apenas anule os atos de fixação do VPT por recurso ilegal à fórmula do artº 38º do CIMI, sem qualquer pronúncia sobre o invocado e provado excesso dos VPT fixados face aos valores dos 15 imóveis da Reclamante no mercado.
13. É que, nada tendo sido julgado (na parte decisória da sentença e no seu iter determinante) sobre a provada e relevante distorção dos VPT dos 15 imóveis face aos seus valores no mercado, a ilegalidade do recurso à fórmula prevista no artº 38º do CIMI pode ser suprida pela AT por novos atos de fixação dos VPT que, embora não recorrendo àquela fórmula, repitam a ilegalidade — então a reconhecer em nova sentença, daqui a mais 9 ou 10 anos — do erro de facto (artº 134º.2 do CPPT) dos VPT excessivos face aos valores de mercado (tanto ou mais distorcidos/excessivos que os atuais)
14. Por regra, a impugnação dos atos administrativos e tributários não tem efeito suspensivo — na impugnação dos valores patrimoniais isso vai expresso no artº 134º.7 do CPPT. — Por isso que, em prejuízo da regra geral do art° 608º.2º.2-b) do CPC, aqueles normativos especiais dos artºs 95º 3 do CPTA e 124º 2 b) do CPPT, exigem do Tribunal julgamento mais amplo e oficioso (mencionado artº 95º.3), para atingir mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos [artº 124º.2-b)].
15.No caso, a Reclamante está desde há 9 anos a pagar lMl — e, agora, adicional ao IMI — sobre um valor patrimonial que, sem a redução das vendas abaixo referidas, incidiria sobre o montante de dois milhões e setecentos mil euros (2.733556,54€) que efetivamente não tem. E é essa indevida arrecadação de impostos, também aplicável ao IMT e ao ISelo (que, sendo encargos sobre o comprador, prejudicam as vendas ou limitam os preços de venda) e ao IRC (em caso de venda), que a sentença que pretende impugnar-se adia por novos longos anos.
16. Aliás, no caso, tendo os lotes 11, 12 e 13 sido vendidos pelos valores de mercado, por isso inferiores aos VPT, teve o IRC de ser pago em relação ao proveito presumido pelos VPT. E, por isso, o Processo 717/2011 do TAF de Braga, de impugnação da respetiva matéria coletável em IRC aguarda, também já desde 2011, o julgamento da sentença cuja impugnação se pretende, para ajuizar o alegado e demonstrado excesso dos VPT face aos valores de mercado. — Doc. 1 agora junto e aqui dado por reproduzido.
17. A avaliação do património por excesso relativamente ao seu valor de mercado e a determinação da matéria coletável dos impostos sobre o rendimento em excesso sobre o rendimento efetivo, enquanto determinam os tributos, violam os princípios do Estado de Direito (arts. 2.º da CRP) (por tributação sem correspondência ao valor do património ou ao rendimento efetivo), da igualdade (por discriminação negativa dos lesados), da proporcionalidade (em especial, nas suas dimensões da adequação e da proibição do excesso) e da justiça da atividade administrativa (art. 266.º 2 da CRP, que não é justo o imposto desigual, desproporcionado ou excessivo), além de violarem os princípios (corolários daqueloutros) dos arts. 103.º e 104.º da CRP, da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, da tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real e de que a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos, E também o art. 55.º da LGT dispõe que a Administração tributária exerce as suas atribuições de acordo com os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
18. O art. 83.º 1 da LGT dispõe que “a avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação”, como a indireta pressupõe o desvio face aos padrões de mercado (art. 87.º da LGT); a lei de autorização legislativa de aprovação do CIRS (Lei 106/88), no seu art. 4.º 4 preceituou que o imposto incidirá sobre o rendimento efetivo dos contribuintes, sem prejuízo de se fazer depender de presunções a determinação do seu valor; o preâmbulo do CIRS, no seu n.º 21, afirmou que “a base da determinação do rendimento coletável é a declaração do contribuinte, só podendo proceder-se à fixação administrativa desse rendimento na falta de tal declaração, quando os rendimentos declarados não correspondam aos reais ou se afastem dos presumidos na lei ou haja necessidade de utilizar métodos indiciários; no mesmo sentido o n.º 9 do preâmbulo do CIRC: “procura-se sempre tributar o rendimento real efetivo que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional” daí, prescreve o art. 100.º 1 do CPPT: “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.
19. A doutrina e a jurisprudência sustentam que “é o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto” (ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO), em CPPT Comentado e anotado, nota 9 ao art. 100º) e julgam, referindo o sistema de avaliações do CIMI: “O objetivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos” (TCAS, Ac. de 28-02-2012, Proc. 05214/11).
20. Mais recentemente, este STA, no Acórdão de 07-10-2015, Processo 01219/13, reportou:
“Não podemos ignorar que este Supremo Tribunal Administrativo decidiu já que, ainda antes da entrada em vigor da nova redação dada ao art. 76º, n.º 4, do CIMI, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, a “distorção entre o valor patrimonial tributário e o valor de mercado” haveria de relevar, mesmo antes da sua consagração expressa, como manifestação do princípio da proporcionalidade, em especial, nas suas dimensões da adequação e da proibição do excesso; o princípio funcionaria como válvula de escape, colmatando de alguma a forma a injustiça resultante da aplicação exclusiva e isolada dos critérios fixados no art. 45.º do CIMI, permitindo fundamentar a ilegalidade da atuação da Administração fiscal na determinação do valor patrimonial.
Permitimo-nos aqui recordar o sumário doutrinal do acórdão de 2 de Maio de 2012 desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 1131/11 (Acórdão publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013 págs. 1259 a 1265, também disponível em (http://www.dre.pt):
«I- Antes da nova redação dada ao art. 76º, n.º 4, do CIMI, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, o desvalor entre o valor patrimonial tributário e o valor de mercado podia servir de fundamento à anulação da segunda avaliação, enquanto manifestação ou refração do princípio da proporcionalidade, em especial, nas suas dimensão da adequação e da proibição do excesso;
II - O princípio da proporcionalidade funcionaria como válvula de escape de modo a permitir fundamentar a ilegalidade da atuação da Administração fiscal na determinação do valor patrimonial, colmatando de alguma forma a injustiça resultante da aplicação exclusiva e isolada dos critérios fixados no art. 45.º do CIMI, devendo para o efeito este preceito ser interpretado em conjugação com o disposto nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT;
III - Assim sendo, estando em causa a avaliação de um terreno para construção, em que a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação depende, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 45.º do CIMI, do coeficiente de localização, o critério do valor de mercado, enquanto refração do princípio da proporcionalidade, já deveria ser tido em conta na densificação daquele coeficiente, designadamente na avaliação e ponderação de conceitos, tais como, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, os serviços de transporte público e a localização em zonas de levado valor de mercado imobiliário, sendo que em especial a ponderação deste último fator não pode ser desligada da situação de grave crise que se vive no mercado imobiliário;
IV - Considerando-se que a segunda avaliação enferma de ilegalidade, por chegar a um resultado que, atendendo ao valor de mercado do terreno e à situação de grave crise que se vive no mercado imobiliário, é manifestamente desadequado e desproporcionado, conclui-se que deve proceder-se a uma nova avaliação, nos termos que passaram a ser previstos no art. 76º, n.ºs 2 a 5.º do CIMI, segundo a nova redação, dada pela Lei n.º 64.-A/2008;
V- O facto de a nova redação do art. 76.º do CIMI ter entrado em vigor apenas no dia 1 de Janeiro de 2009 não constitui obstáculo à sua aplicabilidade à segunda avaliação que venha a ser efetuada na sequência da anulação da sindicada nos presentes autos, pois que a norma em causa, relativa à segunda avaliação de prédios urbanos (cfr. a epígrafe do art. 76.º do Código do lMl) é de cariz procedimental e, por conseguinte, de aplicação imediata»”
21. Assim, porque, a sentença devia ter conhecido a ilegalidade dos invocados vícios ou erros da aplicação do coeficiente de localização (CI) e da percentagem de valorização (%) e da omissão de aplicação do coeficiente de ajustamento de áreas (Caj) que determinaram os atos de fixação de VPT dos 15 imóveis que resultam excessivos face aos seus valores de mercado errando por aplicação das Portarias 982/2004 e 1426/2004 que fixaram nos seus zonamentos aqueles Cl e %, os quais, em conjugação com a não aplicação do Caj, determinaram, no caso, VPT excessivos face ao valor de mercado, em violação ainda dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da repartição justa dos tributos.
22. Todavia a sentença não se pronunciou sobre todos aqueles vícios invocados como determinantes da provada distorção dos VPT, por manifesto excesso destes face aos valores de mercado.
23. A sentença que se pretende impugnar limitou-se a julgar que a AT incorreu na ilegalidade de aplicação da fórmula do artº 38º do CIMI — vício que, para além de não ter sido invocado nesses termos na PI da Reclamante, é mais formal do que substancial, porquanto, mesmo proibida de aplicar aquela fórmula, a AT pode, mesmo assim, fixar VPT manifestamente excessivos face ao valor de mercado — pelo que é necessário que esse excesso também lhe seja expressamente sinalizado como interdito.

Legitimidade para recorrer (artº 280º.3 do CPPT)
24. Como também resulta do alegado no conjunto dos artigos 13 a 16 supra, a Reclamante não viu satisfeito o seu interesse de obter uma pronúncia no sentido do reconhecimento do excesso dos VPT fixados para os 15 imóveis face ao seu valor de mercado,
25. Razão pela qual a Reclamante deve ser considerada parte vencida e com legitimidade para recorrer, à luz do disposto no art. 280º 1 e 3 do CPPT.

Nulidade por omissão de pronúncia (artº 125º 1 do CPPT) …
26. A sentença cuja impugnação se pretende, desprezando o conhecimento dos vícios que determinaram a distorção dos VPT, por manifesto excesso face aos valores de mercado, violou a regra da prioridade do conhecimento dos vícios cuja procedência era suscetível de determinar mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos (artº 124º.2-b) do CPPT) e também violou a prescrição do artº 95º.3 do CPTA de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado” — o que, por respeitar à falta de conhecimento dos vícios invocados pela Autora na PI, constitui nulidade por omissão de pronúncia (artº 125º.1 do CPPT).

Adequação do recurso tendo por fundamento o conhecimento da nulidade por omissão de pronúncia (artºs 615º 4 do CPC e 280º 1 do CPPT) …
27. Em conformidade com o disposto no artº 615º.4 do CPC, aplicável por força do disposto no artº 2º-e) do CPPT, porque a sentença admite recurso ordinário, a nulidade por omissão de pronúncia será fundamento do recurso que haverá de interpor-se.
28. Em conformidade com o disposto no artº 280º.1, parte final, do CPPT, o conhecimento da nulidade por omissão de pronúncia, por ser matéria exclusivamente de direito, deverá ser objeto de recurso a interpor para a Secção do Contencioso Tributário do STA.

Adequação da presente Reclamação como procedimento de impugnação do despacho que não admitiu o recurso (art.ºs 641º.6 e 643º do CPC e artº 282º.3 do CPPT)
29. Em conformidade com o disposto nos art.ºs 641º.6 e 643° do CPC, aplicável por força do disposto no artº 2º-e) do CPPT, do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o Tribunal que seria competente para dele conhecer, sendo a reclamação apresentada no Tribunal recorrido e autuada por apenso aos autos principais, instruída com o requerimento de interposição do recurso, a decisão recorrida e o despacho reclamado
30. Porque, no caso, existe a norma especial do artº 282º.3 do CPPT que estabelece como oportunidade para apresentação das alegações o prazo de 15 dias após a notificação da decisão de admissão do recurso (e não juntamente com o requerimento de interposição do recurso, como ocorre no CPC), deverá, para compatibilização com tal norma especial, considerar-se integrado o normativo do artº 643º.3 no sentido de não se exigir que a Reclamação seja instruída com as alegações do recurso.
FACE AO EXPOSTO, requer a Vossas Excelências se dignem deferir a presente reclamação, revogando o despacho que indeferiu a interposição do recurso pela Reclamante e ordenando a notificação desta para efeitos do disposto no art° 282.º 3 do CPPT.».
*
1.3. O despacho reclamado afirmou o seguinte:
«Compulsados os autos verifico que a impugnante não se conformando com a sentença proferida nos presentes autos, dela veio interpor recurso.
Acontece que, a decisão proferida no processo veio de encontro à pretensão formulada pela impugnante: total improcedência da acção.
Importa referir que, de acordo com o artigo 280.º, n.º 1, do CPPT, poderá recorrer quem ficar vencido, acrescentando o n.º 3, do mesmo artigo, que se considera vencida, para efeitos da interposição do recurso jurisdicional, a parte que não obteve plena satisfação dos seus interesses em causa.
Ora, não sendo parte vencida, à luz do artigo 280.º n.º 1 e 3, do CPPT, uma vez que obteve total procedência da acção, terá que concluir-se que a impugnante não tem legitimidade para recorrer, por falta de interesse em agir.
Nesta conformidade, não se admite o recurso interposto pela impugnante.».
*
1.4. Notificada a FP para responder à reclamação nada disse.

1.5. Sem vistos cabe decidir.
*
2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Impugnante é proprietária dos prédios urbanos sitos na …………, freguesia de Vera Cruz, concelho de Aveiro, que se encontram inscritos na matriz predial urbana sob os artigos 4715, 4716, 4717, 4718, 4719, 4720, 4721, 4722, 4723, 4724, 4725, 4726, 4727, 4728 e 4729.
2. Em 17.06.2008, a Administração Tributária (AT) enviou à Impugnante 15 notificações com o resultado apurado dos valores patrimoniais tributários dos prédios referidos em 1 (cfr. 53, 71, 81, 91, 101, 111, 121, 131, 141, 151, 161, 171, 181, 191 e 201 do p.a.).
3. Em 25.07.2008, a Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Aveiro – 1, um pedido de segunda avaliação dos prédios referidos em 1 (cfr. requerimento a fls. 50 e ss do p.a.).
4. Em 15.09.2008, uma comissão de avaliação, composta por dois peritos regionais e um representante do sujeito passivo, procedeu à segunda avaliação dos prédios referidos em 1, tendo sido lavrados os respetivos termos de avaliação (cfr. ofício a fls. 63 e termos de avaliação a fls. 58, 73, 83, 93, 103, 113, 123, 133, 143, 153, 163, 173, 183, 193 e 204 do p.a.).
5. Na sequência da avaliação referida em 4, foram atribuídos aos prédios referidos em 1, com os seguintes artigos matriciais, os seguintes valores patrimoniais tributários, que foram notificados à Impugnante através de vários ofícios datados de 23.09.2008:


(cfr. notificações de fls. 15 a 28 do processo físico e ficha de avaliação a fls. 175 e 176 do p.a.).
6. Os valores patrimoniais tributários referidos em 5 foram fixados com base na seguinte fórmula, tendo sido para tanto considerados, entre outros, um coeficiente de localização de 1,95 e uma percentagem de 33%:
Vt = VC x [A x % + (Ac + Ad)] x Cl x Ca x Cq.
Em que, conforme consta das respetivas fichas de avaliação, “Vt = valor patrimonial tributário, Vc = valor base dos prédios edificados, A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação, Ca = coeficiente de afectação, Cl = coeficiente de localização, Cq = coeficiente de qualidade e conforto, Cv = coeficiente de vetustez, sendo A = Aa + Ab + Ac + Ad, em que Aa representa a área bruta privativa, Ab representa as áreas brutas dependentes, Ac representa a área do terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação, Ad representa a área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação. Tratando-se de terrenos para construção, A Área bruta de construção integrada de Ab”.
(cfr. fichas de avaliação a fls. 60, 61, 75, 76, 85, 86, 95, 96, 105, 106, 115, 116, 125, 127, 135, 136, 145, 146, 155, 156, 165, 166, 175, 176, 185, 186, 195, 196, 206 e 207 do p.a.).
7. O valor de mercado unitário da área de construção de um terreno de construção é, em regra, tanto menor quanto maior for a densidade de construção prevista para o lote.
8. O preço de mercado unitário de uma habitação unifamiliar é, em regra, superior ao de um edifício multifamiliar, quando ambos os edifícios disponham de igual área de implantação e logradouro.
9. Os prédios referidos em 1 situam-se fora do núcleo central da cidade de Aveiro.
10. No ano de 2008, o valor de mercado dos prédios referidos em 1, com os seguintes artigos matriciais, aproximava-se dos seguintes valores:



*
3.1. A sentença em apreciação começou por afirmar que vem invocada a existência de um vício de violação de lei do ato de fixação do VPT, por violação dos princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da repartição justa dos tributos, na medida em que os valores alcançados excedem os valores de mercado.
Acrescenta a mesma sentença que alega a impugnante que a Portaria n.º 982/2004 fixou um coeficiente de localização e uma percentagem de valor da área de implantação que levam a situações injustas, que o coeficiente de localização não permite fazer a distinção entre prédios de alta e baixa densidade e que deveria ter sido aplicado o coeficiente de ajustamento de áreas previsto no art. 40.º-A do CIMI.
A mesma sentença, depois de efetuar “breve enquadramento jurídico da questão” citou jurisprudência deste STA sobre a questão controvertida (Ac. do Pleno do STA de 21.09.2016, proc. n.º 01083/13, disponível em www.dgsi.pt. Neste sentido, vejam-se ainda o Ac. do STA de 20.04.2016, proc. n.º 0824/15, e o Ac. do STA de 15.03.2017, proc. n.º 0127/15, ambos disponíveis naquele site) concluiu o seguinte:
Sendo certo que estes acórdãos se debruçam mais concretamente sobre a possibilidade de aplicação dos coeficientes de qualidade e conforto e de afetação à avaliação dos terrenos de construção, a verdade é que o mesmíssimo raciocínio se aplica à aplicação do coeficiente de localização, o que ressuma claramente da jurisprudência que vem citada. E a verdade é que, através da aplicação da fórmula do art. 38.º do CIMI, a AT aplicou às avaliações dos autos um coeficiente de localização de 1,95 (ponto 6 do probatório), cuja ilegalidade vem posta em causa pela Impugnante.
Ora, sendo certo que o art. 45.º, n.º 2, do CIMI remete para as caraterísticas utilizadas para o cálculo do coeficiente de localização (art. 42.º, n.º 3, do CIMI), tal remissão abrange apenas essas caraterísticas e o seu uso encontra-se limitado à fixação da percentagem do valor do terreno de implantação. O legislador não pretendeu, porém, estabelecer um coeficiente autónomo que refletisse tais caraterísticas.
Assim sendo, a ilegalidade do recurso à fórmula de avaliação prevista para os edifícios construídos é quanto basta para que os atos de fixação do VPT em causa nos autos devam ser anulados, na medida em que se constata a existência de um erro de direito por parte da Administração Tributária quanto ao método de cálculo do valor patrimonial. Tal erro determina necessariamente a existência de um vício de violação de lei. E, pese embora o vício de violação de lei em causa não tenha sido enquadrado com estes exatos contornos pela Impugnante, a verdade é que o juiz não está sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do art. 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do art. 2.º, al. e), do CPPT, sendo certo que a Impugnante invocou a existência de um vício de violação de lei por força da ilegalidade do recurso a um coeficiente que considerou levar a um resultado excessivo face aos valores de mercado.
Assim sendo, há que considerar o vício de violação de lei invocado procedente face ao que vem dito, se bem que com um enquadramento jurídico ligeiramente distinto daquele que havia sido concretizado pela Impugnante.
Por isso depois de afirmar que procede totalmente a pretensão da impugnante concluiu que devem anular-se os atos de fixação dos VPT em causa nos autos.
*
3.2. Como se referiu no ponto antecedente a sentença recorrida concluiu pela ilegalidade do recurso à fórmula de avaliação prevista para os edifícios construídos pelo que é quanto basta para que os atos de fixação do VPT em causa nos autos devam ser anulados, na medida em que se constata a existência de um erro de direito por parte da Administração Tributária quanto ao método de cálculo do valor patrimonial.
Ainda segundo a mesma sentença tal erro determina a existência de um vício de violação de lei ainda que este vício de violação de lei não tenha sido enquadrado com estes exatos contornos pela impugnante o certo é que o juiz não está sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, … uma vez que a impugnante invocou a existência de um vício de violação de lei por força da ilegalidade do recurso a um coeficiente que considerou levar a um resultado excessivo face aos valores de mercado.
Entendeu, por isso, o despacho reclamado que a decisão proferida no processo veio de encontro à pretensão formulada pela impugnante ou seja à total improcedência da ação pelo que, de acordo com o artigo 280.º, n.º 1 e 3, do CPPT, não é a ora reclamante parte vencida pelo que não tem legitimidade para recorrer, por falta de interesse em agir.
*
3.3. Sustenta a ora reclamante que o recurso deve ser admitido pois que a sentença não se pronunciou sobre todos os vícios invocados nem viu satisfeito o seu interesse de obter uma pronúncia no sentido do reconhecimento do excesso dos VPT fixados para os 15 imóveis face ao seu valor de mercado.
Defende, por isso, que deve ser admitido o recurso interposto pela impugnante.
*
3.4. A ora reclamante, na petição inicial, fls. 18 a 23, deduziu impugnação judicial “por errónea quantificação do valor patrimonial tributário, do resultado de segunda avaliação aos terrenos para construção …”.
Acrescentou, no artigo 31, 32 e 43, que “assim, os valores patrimoniais dos prédios … são exagerados/desproporcionados, na medida em que excedem, respectivamente …
E porque desproporcionadas e injustas, as avaliações impugnadas devem ser anuladas. …
Pretende-se apenas o reconhecimento da recusa na aplicação das normas dos mencionados diplomas enquanto essa recusa, suportada nas ilegalidades/inconstitucionalidades apontadas, é pressuposto necessário da procedência da impugnação (do acto de fixação de valores patrimoniais). …”.

Concluiu requerendo que se considere “procedente a presente impugnação, declarando anulado o resultado das 2ªs avaliações dos imóveis identificados … por se considerar que era devida a fixação, para cada um deles de valores não superiores aos indicados em …”.
*
3.5. O que a impugnante pretendia era a anulação das referidas avaliações o que conseguiu.
Se bem se entende o seu pensamento parece pretender agora que a nova avaliação que a administração poderá efetuar fique limitada a determinados valores.
Nem tal pedido foi feito ao tribunal nem este se enquadraria no âmbito do processo de impugnação.
É certo que no ponto 10 da matéria de facto a sentença estabeleceu o seguinte: “no ano de 2008, o valor de mercado dos prédios referidos em 1, com os seguintes artigos matriciais, aproximava-se dos seguintes valores: …”.
Tal pronúncia visava tal como o impugnante solicitara colher elementos com vista à eventual anulação das avaliações impugnadas.
Daí que as afirmações constantes dos pontos 23 e 24 da presente reclamação de que é necessário que seja sinalizado esse excesso à AT como interdito e que não viu satisfeito o seu interesse de obter uma pronúncia no sentido do reconhecimento do excesso dos VPT fixados para os 15 imóveis face ao seu valor de mercado não lhe confiram legitimidade para recorrer.
Entende-se, nos termos expostos, que o despacho que não admitiu o recurso é de manter.
*
4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir a reclamação e confirmar o despacho que não admitiu o recurso.
Custas pela reclamante.
Lisboa, 31 de janeiro de 2018. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.