Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02171/14.0BESNT
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO
CONTAGEM
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
Sumário:I – Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente em face dos elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este se viu impedido de declarar os prejuízos por falta de resposta dentro do prazo legal ao pedido de autorização que para o efeito formulou à AT, é de considerar que o respectivo erro da liquidação, reconhecido em sede de reclamação graciosa após o deferimento do referido pedido, é imputável aos serviços, a determinar o pagamento pela AT ao sujeito passivo de juros indemnizatórios [cfr. Art. 43.º, n.º 1, da LGT].
II - Nessa situação, os juros indemnizatórios devidos relativamente à diferença entre o reembolso que lhe foi efectivamente efectuado e o que lhe era devido são a contar desde a data em que lhe foi efectuado aquele reembolso (no termo do prazo legal para o efeito).
Nº Convencional:JSTA000P26158
Nº do Documento:SA22020070102171/14
Data de Entrada:01/04/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2171/14.0BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento parcial da reclamação graciosa, reconheceu o direito da ora Recorrida a juros indemnizatórios desde 3 de Setembro de 2008 até à data da emissão da correspondente nota de crédito e não apenas, como decidira a AT na referida reclamação graciosa, desde 13 de Setembro de 2013 até à data da emissão da correspondente nota de crédito.

1.2 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«a) O presente recurso tem por questão central o cálculo do pagamento dos juros indemnizatórios que a Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu a pagar à sociedade A…………., SA, em sede de Reclamação Graciosa (doravante designada de Recorrida).

b) Entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por posição contrária, que, nesta matéria, a douta sentença enferma de vício de violação de lei, na medida em que efectuou um errado enquadramento da matéria em questão, ao calcular os juros indemnizatórios a pagar à ora recorrida desde 03 de Setembro de 2008.

c) Em 28 de Dezembro de 2006, a sociedade “B…………, S.A.” incorporou, por fusão, a sociedade “C………..- Gestão de Marca, S.A., alterando então, por efeito da fusão, a sua denominação social para “D…….. GM”, tendo a mesma actualmente a designação de “A………… Marcas, S.A.”, sociedade esta que, desde o exercício de 2007, pertence ao grupo denominado “A…………”, do qual a Impugnante é sociedade dominante.

d) Em resultado dessa fusão e para permitir que a “D………… – Gestão de Marcas, S.A.” pudesse desenvolver, além das actividades que constavam do seu objecto social, também as que constavam do objecto social da sociedade incorporada, procedeu à alteração do seu objecto social.

e) Por conseguinte, e tendo presente o disposto no artigo 47.º do CIRC, temos que a partir de 2007 a sociedade actualmente designada por “A………… – Gestão de Marcas, S.A.”, sociedade dominada pela Impugnante, deixou de puder deduzir os prejuízos fiscais de anos anteriores, só o podendo fazer caso fosse autorizada nos termos do disposto no n.º 9, do citado art. 47.º, do CIRC, pelo que, os pressupostos de facto e de direito que estiveram na base da autoliquidação de IRC do exercício de 2007 eram os legalmente admissíveis à data, não existindo qualquer erro relativamente aos mesmos.

f) Logo, tais pressupostos só vieram a ser alterados em 10 de Setembro de 2013, quando foi autorizado o reporte de prejuízos, pelo que, tanto a liquidação de IRC do exercício de 2007, como o reembolso efectuados pela AT em 2008, mostram-se legais, face à legislação aplicável à data, só havendo então base legal para o reconhecimento do pagamento de juros indemnizatórios a partir de 10 de Setembro de 2013, data esta a partir da qual foi autorizado o reporte de prejuízos e a respectiva dedutibilidade.

g) Pelo exposto, verifica-se um erro na interpretação e aplicação ao caso concreto do artigo 43.º da LGT, por não se verificarem os pressupostos respectivos para a sua aplicação desde a data de 03 de Setembro de 2008, mas somente a partir da data de 10 de Setembro de 2013.

Nesta conformidade, e quanto a esta questão, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que analise cabalmente, as questões de direito suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, e se pronuncie sobre os pedidos formulados pela Fazenda Pública, nomeadamente no sentido de ser dado provimento ao recurso, tudo com as devidas consequências legais».

1.3 A Recorrida contra-alegou, tendo formulado conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, no processo de impugnação judicial n.º 2171/14.0BESNT, que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

B. Constitui objecto do referido processo de impugnação judicial, o segmento da decisão da reclamação graciosa apenas no que se refere ao cálculo dos juros indemnizatórios, em concreto quanto à data do início da sua contagem – 10 de Setembro de 2013.

C. Esta impugnação judicial culminou com a prolação de uma sentença que julgou a acção totalmente procedente, que considerou “(...) preenchidos os pressupostos para o pagamento de juros indemnizatórios calculados entre 03.09.2008 até à data da emissão da correspondente nota de crédito, sem prejuízo do montante já reconhecido pela AT em sede de reclamação graciosa” (cfr. Sentença recorrida).

D. Não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a Fazenda Pública vem agora recorrer alegando que a sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, por considerar que os juros indemnizatórios deverão ser contados desde o dia 10/09/2013, ou seja, a partir da data em que foi proferida pela AT a decisão de autorização de dedução dos prejuízos fiscais.

E. Assim, a questão que importa dirimir e constitui objecto presente recurso consiste em determinar o momento a partir do qual (dies a quo) devem ser contabilizados juros indemnizatórios a favor da Recorrida, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT.

F. O direito a juros indemnizatórios configura um direito subjectivo do particular decorrente da previsão genérica do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual dispõe que “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.

G. Os juros indemnizatórios traduzem-se assim num dever de indemnização por parte da AT, tendo uma função reparadora dos prejuízos causados ao particular, nomeadamente pelo desapossamento, e consequente indisponibilidade, de um determinado montante pecuniário.

H. Quando o acto anulado é de liquidação e foi efectuado o pagamento da quantia liquidada ou processado um reembolso inferior ao devido, haverá necessariamente prejuízos derivados da privação daquele montante entre o momento do pagamento/reembolso inferior ao devido e aquele em que tal quantia for devolvida – o que sucede no caso sub judice.

I. Este entendimento tem expressão no artigo 100.º da LGT, nos termos do qual “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).

J. O direito a juros indemnizatórios, vertido no normativo fiscal português, encontra igualmente expressão no disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, o qual dispõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (sublinhado nosso).

K. A Jurisprudência dos Tribunais Superiores, tem entendido que “Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte ao abrigo do art. 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05/04/2017, proferido no âmbito do processo n.º 0399/15) e que, nas situações de determinação da matéria colectável pelo próprio contribuinte, “(...) o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente)” (cfr. Acórdão de 06/12/2017, proferido no âmbito do processo n.º 0926/17).

L. Transpondo a citada jurisprudência para o caso em análise, entende a Recorrida que tendo apresentado atempadamente o pedido de autorização de reporte de prejuízos fiscais em 29/01/2007, ou seja, um ano e quatro meses antes da data para a apresentação da sua declaração de rendimentos de IRC - Modelo 22 relativa ao exercício de 2007, passará a ser imputável aos serviços da AT o erro da autoliquidação do IRC do ano de 2007, a partir da verificação do indeferimento tácito referente ao pedido de autorização de reporte de prejuízos fiscais – 30/07/2007.

M. Tanto mais que, à data dos factos, o artigo 57.º da LGT estabelecia o prazo de seis meses para a conclusão do procedimento tributário, pelo que estava na disponibilidade da AT decidir de forma diversa (ou seja, mais célere) do que a verificada nos presentes autos.

N. Acresce que, à data dos factos, o legislador no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação do imposto, não existindo, por isso, quaisquer dívidas que, no caso em apreço, o erro do acto de liquidação do IRC de 2007, deverá ser imputável à AT.

O. Para além do erro imputável aos serviços, para que se verifique o pagamento dos juros indemnizatórios é ainda necessário que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido ou um reembolso inferior ao devido.

P. No caso em apreço, tendo ficado provado que a Recorrida, em 03/09/2008, recebeu um montante de reembolso de imposto inferior ao que seria devido, caso a AT tivesse decidido atempadamente o pedido de autorização de reporte dos prejuízos fiscais, é por demais evidente que estamos perante uma situação de erro imputável à AT, que determina o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

Q. Do número 5 do artigo 61.º do CPPT, resulta que “Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos” (sublinhado nosso).

R. Do citado preceito legal resulta expressamente que os juros indemnizatórios deverão ser contados desde a data do pagamento indevido do imposto/reembolso do imposto inferior ao devido, que mais não será no caso em concreto e conforme ficou provado, desde o dia 3 de Setembro de 2008, data do processamento, via transferência bancária, do reembolso de IRC inicialmente apurado, no valor de Euro 162.843,26.

S. Face ao exposto, bem andou a sentença recorrida ao condenar “a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios calculados entre 03.09.2008 e até à data da emissão da correspondente nota de crédito, sem prejuízo do montante já reconhecido pela AT em sede de reclamação graciosa”, na medida em que se verificam todos os pressupostos legais previstos nos artigos 43.º, n.º 1 e 100.º da LGT e 61.º, n.º 5 do CPPT, de que depende a atribuição destes juros à Recorrida, desde o dia 03/09/2008.

T. Posto isto, deverá a sentença ser mantida e, em consequência, julgado improcedente o presente recurso.

Termos em que, deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Recorrente, por falta de fundamento legal, mantendo-se a sentença ora recorrida, com as demais consequências legais».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

A questão controvertida é relativa à verificação dos pressupostos previstos do art. 43.º da L.G.T., de modo a ser possível considerar juros indemnizatórios devidos desde 3-9-2008 e não apenas desde 10-9-2013, data em que foi autorizada a dedução de prejuízos, nos termos do art. 47.º do C.I.R.C.
Dos factos apurados, resulta que a reclamação graciosa apresentada foi deferida quanto a ter ocorrido pagamento de IRC, superior ao devido relativamente a 2007.
Logo, a existência de erro apurado em reclamação graciosa quanto a dívida liquidada em montante superior ao devido.
E, tendo o contribuinte requerido autorização para deduzir prejuízos de anos anteriores a 29-1-07, logo após a fusão concretizada a 28-1-2006, ocorreu “erro imputável aos serviços”, conforme previsto no art. 43.º n.º 1 da L.G.T., disposição que foi em concreto a aplicada na sentença recorrida.
Tal erro em causa resulta de se não se ter agido no cumprimento do prazo previsto para a conclusão do dito procedimento de autorização que era de 6 meses, conforme ao tempo previsto no art. 57.º n.º 1 da L.G.T., o qual se transmitiu para a A.T.
Conforme Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa defendem em Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4.ª ed. Encontro de Escrita, a pág. 342, numa lógica de culpa ligada a ato ilícito, “o erro imputável aos serviços fica demonstrado quando procederam a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”.
Aliás, o S.T.A., em casos em que a liquidação, tendo sido efectuada correctamente, de acordo com os elementos de facto declarados, mas em que o contribuinte veio a pedir a anulação da mesma com fundamento em erro nos pressupostos de facto fundado no não cumprimento dos prazos de decisão, veio já a decidir-se ser ao momento da decisão de indeferimento, expressa ou presumida, que é de atender para a imputabilidade do erro e transferência do mesmo para os serviços, tendo sido determinado o pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes indevidamente pagos – assim, nomeadamente, nos acórdãos de 28-10-09 e de 3-5-2018, proferidos nos processos n.ºs 0601/09 e 0250/17».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A. Em 28.12.2006 foi concretizada a operação de fusão por incorporação da C………… – Gestão de Marcas , S.A., na D………… – Gestão de Marcas, S.A., nipc ……… [cf. print da certidão permanente do registo comercial a fls. 35 dos autos].

B. A 29.01.2007, foi pela D………… – Gestão de Marcas, S.A., apresentado requerimento, ao abrigo do disposto no artigo 52.º de CIRC, solicitando a manutenção do direito ao reporte dos prejuízos fiscais por si apurados em exercícios anteriores de 2002 a 2005, quando ainda era designada por B…………, no montante de € 15.502.386,93, tendo para o efeito juntado cópia do documento de registo da operação de fusão, por incorporação, da C………… gm na Requerente e cópia do requerimento para a concessão de benefícios fiscais ao abrigo do Decreto-Lei n.º 404/90, de 21 de Janeiro, e seus anexos [cf. fls. 36 a 125 dos presentes autos].

C. A 28.05.2008 foi pela sociedade D………… – Gestão de Marcas, S.A., submetida a declaração individual modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2007, não deduzindo os prejuízos identificados nos campos 304, 305, 306 e 307 do quadro 09, no apuramento da matéria colectável [cf. fls. 126 a 130 dos presentes autos].

D. A 29.05.2008 foi pela sociedade D……….. Companhia Industrial Frutas e Bebidas SARL, na qualidade de sociedade dominante, submetida a declaração de grupo modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2007, na qual foi apurado um valor de imposto a recuperar de € 162.843,26 [cf. fls. 131 a 135 dos presentes autos].

E. A 15.09.2008, a Impugnante foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2008.2610378984, de 17.07.2008, tendo o correspondente reembolso de IRC, no valor de € 162.843,26, sido processado no dia 03.09.2008 [cf. fls. 136 a 137 dos presentes autos].

F. A 29.09.2008 foi pela Impugnante remetido fax dirigido à Direcção de Serviços de IRC com vista a obter informação sobre o processo originado pelo requerimento identificado em B) supra – processo n.º 1262/07 [cf. fls. 138 e 139 dos presentes autos].

G. Através do fax n.º 263, de 03.10.2008, da Direcção de Serviços de IRC foi a Impugnante notificada que o processo n.º 1262/07 estava “pendente desde 14.06.2017, da confirmação prévia da realidade e justificação dos prejuízos fiscais objecto do pedido, por parte dos Serviços de Inspecção de Empresas” [cf. fls. 141 dos presentes autos].

H. A 01.08.2012 foi pela Impugnante apresentado requerimento dirigido à Direcção de Serviços de IRC com vista a obter informação sobre o processo originado pelo requerimento identificado em B) supra – processo n.º 1262/07 [cf. fls. 142 a 144 dos presentes autos].

I. Através do ofício n.º 13373, de 03.08.2012, da Direcção de Serviços de IRC foi a Impugnante informada que o processo n.º 1262/07 continuava pendente do parecer do Centro de Estudos Fiscais [cf. fls. 145 dos presentes autos].

J. Através do ofício n.º 1878, de 31.01.2013, da Direcção de Serviços de IRC foi a Impugnante notificada do projecto de indeferimento do pedido de autorização para dedução dos prejuízos fiscais [cf. fls. 146 a 148 dos presentes autos].

K. A 20.02.2013 foi pela Impugnante exercido o seu direito de audição prévia, juntando cópia de ofício da Direcção de Serviços de IMT, ofício da Direcção Geral da Empresa do Ministério da Economia e da Inovação e ofício da Autoridade da Concorrência [cf. fls. 149 a 198 dos presentes autos].

L. Por ofício n.º 5702, de 26.03.2013 da Direcção de Serviços de IRC foi a Impugnante notificada para “concretizar e provar, documentalmente, as afirmações enunciadas no ponto 65.º, do vosso documento do exercício do direito de audição, designadamente, melhores condições de produção, matérias-primas mais baratas, maior poder de negociação junto dos fornecedores, obtenção de economias de escala na distribuição dos produtos e negociação dos canais de comunicação” [cf. fls. 199 dos presentes autos].

M. A 24.04.2013 foi pela Impugnante apresentada resposta ao requerido no ofício identificado no ponto anterior, juntando 10 documentos [cf. fls. 204 a 275 dos presentes autos].

N. Por ofício n.º 15883, de 16.09.2013, da Direcção de Serviços de IRC, foi a Impugnante notificada do teor do despacho de 10.09.2013 da Subdirectora-Geral substituto legal do Director-Geral dos Impostos, que autorizou a dedução dos prejuízos requeridos (€ 15.502.386,93), nos termos do artigo 52.º do CIRC, face ao reconhecimento do interesse económico da operação, não devendo ser aplicada a limitação prevista no n.º 8 do citado artigo 52.º [cf. fls. 276 a 278 dos presentes autos].

O. A 14.01.2014 foi pela Impugnante apresentada reclamação graciosa, na sequência da notificação da decisão identificada em N), contra o acto de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2007, resultante da apresentação da declaração periódica individual da sociedade A………… Marcas, S.A., a título individual, e, consequentemente, da declaração de grupo submetida pela Impugnante na qualidade de sociedade dominante [cf. fls. 288 a 415 dos autos e fls. 1 e seguintes do processo de reclamação graciosa em apenso].

P. A 15.01.2014 foi pela A………… Marcas, S.A. submetida declaração individual de substituição modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2007 [cf. fls. 279 a 282 dos presentes autos].

Q. A 15.01.2014 foi pela Impugnante, na qualidade de sociedade dominante, submetida declaração de grupo de substituição modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2007 [cf. fls. 283 a 287 dos presentes autos].

R. Por despacho de 05.09.2014 foi deferida a reclamação identificada no ponto anterior, determinando-se a correcção da liquidação de IRC de 2007, atenta a dedução dos prejuízos fiscais requerida, bem como reconhecendo o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados desde o momento em que foi autorizada a transmissibilidade para efeitos de dedutibilidade dos prejuízos fiscais, em 10 de Setembro de 2013 [cf. fls. 417 a 426 dos autos e fls. 108 a 117 do processo de reclamação graciosa em apenso].

S. Através do ofício n.º 3104, de 08.09.2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes foi a Impugnante notificada do teor da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 416 dos autos e fls. 120 e 121 do processo de reclamação graciosa em apenso].

T. A 25.09.2014 foi pela Impugnante requerida a notificação dos requisitos omitidos no ofício identificado no ponto anterior, nos termos do artigo 37.º do CPPT [cf. fls. 429 a 432 dos autos e fls. 122 a 124 do processo de reclamação graciosa em apenso].

U. Através do ofício n.º 3339, de 01.10.2014, da Unidade dos Grandes Contribuintes foi a Impugnante notificada dos meios de defesa para reagir contra a decisão identificada em R) supra – recurso hierárquico ou impugnação judicial [cf. fls. 433 e 434 dos autos e fls. 134 e 135 do processo de reclamação graciosa em apenso].

V. A 17.10.2014 foi apresentado o requerimento inicial da presente acção [cf. carimbo CTT aposto a fls. 442 dos presentes autos]».

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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

No presente recurso está em causa apenas o dies a quo da contagem dos juros indemnizatórios devidos à ora Recorrida relativamente à diferença entre o reembolso que lhe foi efectuado relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2007 e o reembolso que lhe é devido por decorrência da decisão administrativa que, ao abrigo do disposto no art. 47.º do Código do IRC (CIRC), na versão então em vigor (() Hoje, após a republicação do Código efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho corresponde-lhe o art. 52.º), a autorizou, enquanto sociedade dominante, a deduzir naquele exercício os prejuízos fiscais registados nos exercícios de 2002 a 2005 por uma sociedade que incorporou por fusão em 2006.
No caso não se questiona que são devidos juros indemnizatórios pela diferença entre o montante de reembolso de IRS efectivamente efectuado e aquele que é reconhecidamente devido. O que se questiona é o momento a partir do qual devem ser contados esses juros: defende a AT que esse momento não pode ser outro senão 10 de Setembro de 2013, data em que foi proferido o despacho administrativo que autorizou a ora Recorrida (nos termos do disposto, à data, no art. 47.º do CIRC) a reportar no exercício de 2007 os referidos prejuízos; já para a sentença, secundada pela Recorrida, esse momento é aquele em que foi processado o reembolso do IRC respeitante ao exercício de 2007 em montante inferior ao devido, ou seja, 3 de Setembro de 2008.
Em síntese, a sentença alicerçou a fixação do dia a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios nos seguintes considerandos fácticos e jurídicos:
i) a sociedade ora Recorrente pediu, em 29 de Janeiro de 2007 e ao abrigo do disposto no então art. 47.º do CIRC, autorização para manter o direito ao reporte dos prejuízos sofridos nos exercícios de 2002 a 2005 por uma sociedade que incorporou, por fusão, numa operação concretizada em 28 de Dezembro de 2006;
ii) nos termos do disposto nos arts. 56.º, n.º 1, e 57.º n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), este na versão em vigor à data (A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2012) veio alterar o n.º 1 do art. 57.º da LGT, encurtando o prazo aí previsto para quatro meses.), a AT devia decidir esse pedido e devia decidi-lo em seis meses; no entanto só veio a fazê-lo em 10 de Setembro de 2013, por motivo não imputável à ora Recorrida;
iii) em 28 de Maio de 2008 (ou seja, dentro do prazo legal), a sociedade ora Recorrida apresentou a declaração de rendimentos respeitante ao exercício de 2007, nela não procedendo à dedução dos prejuízos acima referidos, pois, apesar de esgotado o prazo para decidir o pedido para os deduzir, a autorização ainda não lhe tinha sido concedida;
iv) em 3 de Setembro de 2008, foi processado à ora Recorrida o reembolso resultante da liquidação de IRC do exercício de 2007;
v) em 10 de Setembro de 2013, foi concedida a autorização para deduzir os prejuízos requerida nos termos referidos em i);
vi) na sequência da notificação dessa decisão administrativa, a ora Recorrida, em 14 de Janeiro de 2014, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC de 2007, bem como apresentou as competentes declarações de rendimentos de substituição;
vii) por despacho de 5 de Setembro de 2014, essa reclamação graciosa foi deferida, mas apenas parcialmente: foi determinada a correcção da liquidação de IRC de 2007, aceitando-se a dedução de prejuízos fiscais requerida e autorizada, bem como deferindo-se o pagamento de juros indemnizatórios, mas estes contados apenas a partir de 10 de Setembro de 2013 e não, como pedido, desde 3 de Setembro de 2008;
viii) os juros indemnizatórios são devidos desde o momento do reembolso em montante inferior ao devido, ou seja, desde 3 de Setembro de 2008, uma vez que o reembolso pelo montante devido só não foi feito nessa data porque a AT, incumprindo com o prazo de decisão do pedido de autorização da dedução dos prejuízos, não permitiu à ora Recorrida deduzi-los quando da oportuna apresentação da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2007;
ix) verificam-se, pois, todos os requisitos de que o art. 43.º da LGT faz depender o direito a juros indemnizatórios, quais sejam: a) que haja um erro num acto de liquidação de um tributo; b) que o erro seja imputável aos serviços; c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
A Fazenda Pública discorda desse entendimento e mantém que «tanto a liquidação de IRC do exercício de 2007, como o reembolso efectuados pela AT em 2008, mostram-se legais, face à legislação aplicável à data, só havendo então base legal para o reconhecimento do pagamento de juros indemnizatórios a partir de 10 de Setembro de 2013, data esta a partir da qual foi autorizado o reporte de prejuízos e a respectiva dedutibilidade».
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando, dando razão à Impugnante, ora Recorrida, entendeu serem-lhe devidos pela AT juros indemnizatórios desde 3 de Setembro de 2008.

2.2.2 DO TERMO INICIAL DO PRAZO DE CONTAGEM DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Podemos desde já avançar que concordamos integralmente com a decisão recorrida e com a respectiva fundamentação, de que aqui nos apropriamos.
A nosso ver, a Recorrente omite ou, pelo menos, não releva, a fundamentação expendida na sentença, designadamente quanto aos seguintes pontos: o pedido de autorização para deduzir os prejuízos foi formulado pela sociedade ora Recorrida em 29 de Janeiro de 2007, um ano e quatro meses antes da mesma, em 29 de Maio de 2008, ter apresentado a declaração de rendimentos do exercício de 2007; caso a AT tivesse cumprido o prazo para decidir aquele pedido – à data fixado em seis meses –, a sociedade poderia ter deduzido os prejuízos naquela declaração, o que lhe permitira ter recebido o reembolso devido em 3 de Setembro de 2008.
Note-se que o pedido formulado pela ora Recorrente à AT em 29 de Janeiro de 2007 só foi decidido em 10 de Setembro de 2013 e a AT, que nem sequer ensaiou qualquer explicação para esse atraso ou retardamento, muito menos o imputou à ora Recorrida.
Não fazendo a Recorrente qualquer esforço argumentativo nas suas alegações de recurso para afastar a fundamentação aduzida na sentença relativamente aos referidos pontos, maxime quanto ao incumprimento do prazo de decisão, entendemos nada mais haver a acrescentar ao que a sentença deixou dito a esse propósito e que acima resumimos.
Note-se, apenas, que o reembolso relativo à liquidação de IRC do exercício de 2007 era a efectuar até ao fim do terceiro mês seguinte ao da apresentação tempestiva da declaração, nos termos do n.º 3 do art. 96.º do CIRC, na redacção aplicável (Que era a que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro. Hoje corresponde-lhe o n.º 3 do art. 109.º do CIRC.). Ou seja, uma vez que a declaração foi enviada em 28 de Maio de 2008, o reembolso era a efectuar até ao fim do mês de Agosto, motivo porque nem sequer é de ponderar que a fixação da data do início da contagem dos juros compensatórios em 3 de Setembro de 2008 possa contender com os prazos legais para o reembolso.
Finalmente, porque a Recorrente admite a verificação dos pressupostos para a atribuição de juros indemnizatórios e discute apenas o dies a quo da sua contagem – afirmando expressamente que o erro na interpretação e aplicação do art. 43.º da LGT resulta exclusivamente de «não se verificarem os pressupostos respectivos para a sua aplicação desde a data de 03 de Setembro de 2008, mas somente a partir da data de 10 de Setembro de 2013» –, nada mais cumpre dizer.
Assim, resta-nos concluir pela improcedência do recurso.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente em face dos elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este se viu impedido de declarar os prejuízos por falta de resposta dentro do prazo legal ao pedido de autorização que para o efeito formulou à AT, é de considerar que o respectivo erro da liquidação, reconhecido em sede de reclamação graciosa após o deferimento do referido pedido, é imputável aos serviços, a determinar o pagamento pela AT ao sujeito passivo de juros indemnizatórios [cfr. art. 43.º, n.º 1, da LGT].
II - Nessa situação, os juros indemnizatórios devidos relativamente à diferença entre o reembolso que lhe foi efectivamente efectuado e o que lhe era devido são a contar desde a data em que lhe foi efectuado aquele reembolso (no termo do prazo legal para o efeito).

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


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Lisboa, 1 de Julho de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Joaquim Condesso – Gustavo Lopes Courinha.