Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01236/13.0BESNT
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
CÔNJUGE
Sumário:I - A liquidação adicional, de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), subjacente à dívida exequenda, tinha de ter sido (como foi) dirigida e notificada, ao cônjuge-marido, adquirente do imóvel, por motivo de deter a qualidade de sujeito passivo da, concreta, relação tributária de imposto.
II - Concluindo-se que a cônjuge-mulher, igualmente, desde o primeiro momento, deteve a condição de sujeito passivo do imposto em causa, necessariamente, a liquidação adicional, de IMT, tinha, também, de lhe ter sido, sem dúvidas, dirigida e notificada.
III - Se, diferentemente, a autoridade tributária e aduaneira (AT) entendeu, apenas, responsabilizá-la, por efeito da comunicabilidade da dívida do cônjuge-marido, tal notificação poderia não ser exigível, em função dos fundamentos invocados para a extração da certidão de dívida e sequente citação para o processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P27825
Nº do Documento:SA22021060901236/13
Data de Entrada:02/16/2021
Recorrente:A.........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


A………….., …, interpôs recurso de revista (excecional), visando acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 9 de julho de 2020, que negou provimento ao recurso jurisdicional dirigido contra sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, julgando improcedente oposição a execução fiscal, instaurada, esta, para cobrança de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e juros, no valor de € 17.950,20.
A recorrente (rte) produziu alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «


1. - o presente RECURSO DE REVISTA deve ser admitido, ao abrigo do disposto no art.º 285.º do CPPT, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro (que alterou o Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro) ou, não se entendendo pela aplicação daquele diploma legal, por referência ao art.º n.º 26.º, do ETAF e, atenta a remissão do art.º 2.º do CPPT para o CPTA, concretamente, o art.º 144.º, n.º 1 do CPTA.
2. - O douto Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso interposto, confirmando a douta sentença proferida em 1.ª Instância, fundamentou-se no entendimento de que, a recorrente, não carecia de ser notificada do acto de liquidação adicional de IMT pela Administração Tributária, porque considerou-se notificada por efeito da notificação consumada ao seu marido, em 07.09.2011.
3. - É de relevância jurídica e de interesse social, saber, se a recorrente, não carecia de ser notificada do acto de liquidação adicional de IMT pela Administração Tributária, porque considerou-se notificada por efeito da notificação consumada ao seu cônjuge, em 07.09.2011, e se tal falta de notificação, não atenta contra os direitos e interesses legítimos da recorrente, enquanto contribuinte, esquartejando-lhe, enquanto ao sujeito passivo, o exercício dos direitos e cumprimentos dos deveres previstos nas normas tributárias.
4. - O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.
5. - O acto de liquidação adicional de IMT, por afectar também a situação patrimonial da recorrente, enquanto sujeito passivo, por que altera aquela, e nessa medida, ter o direito de impugnação contenciosa do acto administrativo de liquidação de imposto, é exigida a concretização de a mesma ser validamente notificada, também em obediência ao direito e garantia constitucional dos administrados (artigo 268º, da Constituição da República Portuguesa) que, impõe que, a notificação, na forma prevista na lei, dos actos administrativos que afectam os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, como o são os actos que afectam a sua situação tributária.
6. - Considerando o art.º 38.º do CPPT que, os actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, devem considerar-se não só aqueles que efectivamente determinam uma alteração da situação tributária, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.
7. - Os contribuintes têm direito não só à legalidade material dos actos em matéria tributária, mas também à legalidade formal desses actos, como evidência o art. 103°, n. ° 3 da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecer que “ninguém pode ser obrigado a pagar imposto que não hajam sido criados nos termos da constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
8. - Sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr. artigo 342º, nº. 1, do Cód. Civil; artigo 74º, nº. 1, da L.G.T.), designadamente, que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.
9. - E, nessa medida, afigura-se desacertado, o que como vem plasmado no douto Acórdão recorrido que, “Notificado o sujeito passivo do imposto, no caso o cônjuge da Recorrente, nenhuma outra notificação se impõe à Administração fiscal fazer, nomeadamente ao cônjuge do sujeito passivo. Este responde pela dívida de imposto e é chamado a intervir na execução fiscal por via do regime conjugal de bens, podendo discutir a comunicabilidade da dívida exequenda…
“…Portanto, a Recorrente foi citada para a execução instaurada contra o cônjuge marido como responsável pela dívida (art.º 741.º do CPC)…”
“Não tinha a Recorrente de ser previamente notificada da liquidação da dívida para que esta lhe seja oponível e exigível…
10. - E desacertado porque, como resulta da citação que foi efectuada pela AT à recorrente, e tendo em vista a referenciada norma legal invocada no douto Acórdão recorrido, do art.º 741.º do CPC, não foi aquela recorrente citada para declarar se aceitava ou não a comunicabilidade da dívida, designadamente suscitando a separação do património em sede de oposição, como prevê aquela norma legal, antes foi citada pela AT, nos termos dos art.ºs 189.º e 190.º do CPPT, de que fora instaurado o processo executivo, para cobrança da dívida de IMT, no valor de 17.950,20 € e, para no prazo de 30 dias após essa citação, proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido ou, ainda, nesse prazo, requerer a dação em pagamento, nos termos do art.º 201.º do CPPT, ou a deduzir oposição com os fundamentos previstos no art.º 204.º do CPPT e, ainda, indicando na citação que, até à marcação da venda dos bens penhorados poderia requerer o pagamento em prestações, nos termos do artigo 196.º do CPPT.
11. - Portanto, a recorrente foi citada para pagar uma dívida- já em fase executiva-, no entender da AT como responsável da mesma, por que assim não o fosse, não procedia à citação nos moldes em que foi efectuada. E nunca anteriormente foi a recorrente notificada do que quer que fosse pela AT, para proceder ao seu pagamento porque, se a AT considera a mesma responsável pelo pagamento e daí a ter citado, por maioria de razão, antes da fase executiva, teria a AT de a notificar, tal qual o fez para o processo executivo.
12. - No douto Acórdão recorrido entendeu-se que, notificado o sujeito passivo do imposto, no caso o cônjuge da recorrente, nenhuma outra notificação se impõe à Administração fiscal fazer, nomeadamente ao cônjuge do sujeito passivo. Este responde pela dívida de imposto e é chamado a intervir na execução fiscal por via do regime conjugal de bens, podendo discutir a comunicabilidade da dívida exequenda.
13. - Aventando que, a recorrente foi citada para a execução instaurada contra o cônjuge marido como responsável pela dívida (art.º 741.º do CPC), não tendo aquele de ser previamente notificada da liquidação da dívida para que esta lhe seja oponível e exigível.
14. - E, nessa linha de entendimento, o douto Acórdão recorrido entendeu que, caiu necessariamente por terra, a segunda questão do recurso interposto, que se prende com a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, posto que não resulta minimamente controverso que a notificação do sujeito passivo e cônjuge executado se fez dentro do prazo legal de caducidade, o que a recorrente discorda.
15. - O IMT- Imposto Municipal de Transmissões Onerosos de Imóveis- é um imposto sobre a riqueza, cumprindo o comando constitucional que considera a riqueza como um dos dois indicadores fundamentais de capacidade tributária dos contribuintes - cfr. artigo 103º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
16. - A sujeição a imposto da aquisição do direito de propriedade de bens imóveis prevista no artº. 2, nº. 1, do C.I.M.T., consubstancia o mais importante facto tributário do I.M.T.
17. - Os actos em matéria tributária, que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados - cfr. artigo 36º, nº. 1, do C.P.P.T.).
18. - Assim, o acto de notificação visa permitir, ao contribuinte, ao sujeito passivo, o exercício dos direitos e cumprimentos dos deveres previstos nas normas tributárias.
19. - Ora, a notificação da liquidação que constitui a dívida exequenda, ocorreu em 07.09.2011 e tão só dirigida ao marido da recorrente, B…………………, e daí não se pode concluir que, mesmo que esta tivesse revelado conhecer o respectivo teor, nenhuma referência daquela constava da possibilidade da recorrente, enquanto cônjuge, pudesse exercer os direitos de defesa que lhe assistem.
20. - O acto de liquidação adicional de IMT, por afectar também a situação patrimonial da recorrente, enquanto sujeito passivo, e nessa medida, ter o direito de impugnação contenciosa do acto administrativo de liquidação de imposto, é exigida a concretização de a mesma ser validamente notificada, também em obediência ao direito e garantia constitucional dos administrados (artigo 268º, da Constituição da República Portuguesa) que, impõe que, a notificação, na forma prevista na lei, dos actos administrativos que afectam os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, como o são os actos que afectam a sua situação tributária.
21. - No que tange à notificação de actos ou decisões, no artigo 38º nº 1 do CPPT, preceitua-se o seguinte:
1 - As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente. 3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada. (…)”.
22. - Actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes e abrangidos, portanto, pelo nº 1 do artigo 38º do CPPT, devem considerar-se não só aqueles que efectivamente determinam uma alteração da situação tributária, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.
23. - Tratando-se de liquidação adicional de IMT relativa a 2007, a recorrente teria de ser notificada dessa liquidação, por carta registada com A/R, por tal liquidação alterar a sua situação tributária.
24. - Trata-se, acima de tudo, de garantir direitos e interesses constitucionais fundamentais dos cidadãos, que a Administração Tributária está vinculada a prosseguir, e pelo respeito dos quais deve pautar a sua actividade e a sua actuação em face dos contribuintes.
25. - Os contribuintes têm direito não só à legalidade material dos actos em matéria tributária, mas também à legalidade formal desses actos, como evidência o art. 103°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecer que “ninguém pode ser obrigado a pagar imposto que não hajam sido criados nos termos da constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
26. - Não sendo cumpri(n)das todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma- cumprimento da obrigação tributária-, aquela é inválida.
27. - Com estes pressupostos, outra conclusão não se impunha que não fosse concluir que, o acto de liquidação adicional em causa, não pode produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, a aqui recorrente, sendo, por essa razão, acto ineficaz, mais levando à extinção da execução devido a inexigibilidade da dívida exequenda.
28. - Assim se impunha porquanto, os órgãos da Administração devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, prestar aos particulares, todas as informações que necessitem, o que no presente caso não ocorreu.
29. - Havendo, de igual modo, uma indiscutível violação do princípio da justiça, pelo que, a Administração Pública deve tratar de forma justa todos os que com ela entrem em relação (artigo 6° do CPA).
30. - A total omissão, por parte da Administração Tributário, do acto de notificação à recorrente, colide com o princípio da participação, consagrado no artigo 8° do C.P.A, que se estende a todos os procedimentos administrativos, e de acordo com o qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
31. - Tendo ocorrido uma inquestionável violação do Princípio da boa - fé (artigo 6° A C.P.A), que é expressão do princípio da justiça pelo que a Fazenda Pública deveria ter procedido de acordo com as regras da boa - fé, o que não fez.
32. - A omissão da AT traduz-se numa clara violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas, pelo que os particulares têm de saber como que podem contar, sob pena desta certeza e segurança jurídicas serem postas em causa.
33. - Do comportamento da Fazenda Pública decorre também a violação inequívoca do princípio da proporcionalidade (artigo 5° CPA). Atente-se na dupla consideração: a da necessidade de adequação das medidas administrativas aos objectivos a serem prosseguidos, e a da necessidade de equilíbrio entre os interesses públicos e privados, não podendo ser infligidos sacrifícios desproporcionais, ilegais e infundados aos destinatários das decisões administrativas.
34. - O direito a ser notificado de todos os actos que lhe digam respeito, e que consubstanciam actos lesivos ao contribuinte; o direito de participação dos contribuintes, na formação das decisões que lhes disserem respeito; o direito de reclamar das decisões da Administração Fiscal, encontram-se previstos nas normas legais indicadas e na própria CRP e que, como se retratou, foram violados pela Fazenda Nacional, com grave prejuízo para a recorrente.
35. - Assim não se entendesse, estaria a fazer-se letra morta ao artigo 6° do CPA que consagra o princípio da justiça.
36. - O segmento da sua fundamentação, entendeu o douto Acórdão recorrido que a invocada caducidade da liquidação, arguida pela recorrente, não resulta minimamente controversa e, nessa medida, caiu necessariamente por terra.
37. - Assim não se sufraga porquanto, em tempo, a recorrente, não foi notificada de qualquer acto de liquidação, e apenas veio a tomar conhecimento, pela citação operada em 15.02.2013, do processo executivo instaurado para a cobrança coerciva de uma dívida, resultante da referida liquidação adicional de IMT e juros moratórios, no montante global de € 17.950.20.
38. - À data em que a recorrente foi notificada daquele processo executivo (15.02.2013), que tinha por base a dita liquidação de IMT, e desta tendo conhecimento naquela data, sempre se dirá que esse direito de liquidação caducou, por força da aplicação do artigo 45º da LGT.
39. - Atenta a data da aquisição, em 04.10.2007, que deu origem à liquidação adicional de IMT, e a data de notificação da referida execução - 15.02.2013 - já haviam decorrido mais de 4 (quatro anos), prazo que a LGT estabelece para liquidação dos tributos sob pena de caducarem. A recorrente, como se deixou demonstrado, não foi notificada, em data anterior, do acto de liquidação.
40. - Por tal, no entender da recorrente, ocorreu a caducidade da liquidação adicional de IMT, no valor de € 17.950,20 e, consequentemente, caducado o processo de cobrança coerciva do mesmo.
41. - Por efeito de cuja caducidade, não são devidos os juros moratórios reclamados pela Administração Tributária, no valor de € 1.405,65.
42. - E, mesmo sem prescindir da invocada caducidade, sempre se dirá que, nunca a Administração Tributária podia reclamar juros moratórios à recorrente porquanto, desde a data da indicada aquisição do imóvel, em 2007, jamais foi a mesma notificada do que quer que fosse por parte da Administração Tributária, pelo que não pode estar em mora, quem nunca foi interpelado ao pagamento voluntário.
43. - Resulta manifesto, em nosso entender, o desacerto a que chegou o douto Acórdão recorrido, operando uma errada interpretação e enquadramento do factos e a uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas contidas nos art.ºs 36º, 38º, 39º do CPPT, 21º, 45º, 74º da LGT, 31º do CIMT, art.º 741.º do CPC, 342º e 1690º do Código Civil, 103º e 268º da CRP, o que justifica se declare revogado e substituída por outro que julgue totalmente procedente o recurso interposto pela recorrente.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista e, por via dele, ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que julgue totalmente procedente o recurso interposto pela recorrente, assim se realizando a acostumada
JUSTIÇA! »

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A recorrida (Fazenda Pública) não formalizou contra-alegações.

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Pelos Exmos. Conselheiros integrantes da formação preliminar, em acórdão proferido a 13 de janeiro de 2021, foi decidido admitir a revista, para ser versada a questão de “saber … se, face às normas em vigor à data - ano de 2011 - e aplicáveis ao caso dos autos, a liquidação adicional de IMT poderia ter sido dirigida unicamente ao cônjuge marido adquirente do imóvel, ou também deveria ter sido dirigida à cônjuge mulher, face ao regime de bens do casamento - comunhão de adquiridos; e no caso de se concluir em sentido positivo, se essa notificação dirigida apenas ao cônjuge marido produz, de pleno, os seus efeitos na esfera jurídica da cônjuge mulher, nomeadamente para efeitos de cobrança coerciva por via de execução fiscal.” .
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A Exma. magistrada do Ministério Público emitiu parecer, concluindo que deve ser concedido provimento ao recurso, com alteração do decidido pelas instâncias.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


No acórdão sob revista, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

A) Por escritura pública outorgada em 04.10.2007, B…………., adquiriu, no estado de casado com a ora oponente, sob o regime geral da comunhão de adquiridos, 1/2 do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo ……….. com o VPT de € 17.431,94, sito na ………………, freguesia de Belas, concelho de Sintra, pelo valor de € 100.000,00 - facto não controvertido e cf. fls. 30 do processo de execução fiscal apenso (PEF).

B) À data da aquisição mencionada em A) foi pago IMT no montante de € 6.500,00, com base no valor do contrato, em cujo documento de liquidação foi identificado como sujeito passivo do imposto o adquirente B………, no estado de casado regime geral da comunhão de adquiridos com a ora Oponente - cf. fls. 30 do PEF apenso.
C) Na sequência da transmissão identificada em A) foi efetuada a avaliação do imóvel objeto do contrato de compra e venda que fixou ao prédio em causa o VPT de € 591.790,00 - cf. fls. 36 do PEF apenso.
D) Em 07.09.2011, e na sequência da avaliação referida em C), foi emitida a liquidação adicional de IMT relativa à transmissão identificada em A), que apurou imposto no valor de € 19.233,17, correspondente a 1/2 do prédio, apurando a pagar, após compensação com a liquidação identificada em B), a quantia de € 12.733,17 - cf. fls. 27 a 29 do PEF apenso.
E) Em 07.09.2011 a liquidação adicional de IMT identificada na alínea que antecede foi notificada ao sujeito passivo B…………. através de carta registada com aviso de receção, com o n.º RM544690930PT, para pagamento voluntário no prazo de 30 dias a contar da notificação - cf. fls. 36 a 38 do PEF apenso.
F) Em 10.10.2011 foi extraída pelo Serviço de Finanças de Sintra-2 certidão de dívida, em nome do sujeito passivo B…………, no valor de € 12.733,17, e instaurado o respetivo processo de execução fiscal n.º 3549201101313142 - cf. fls. 1 e 2 do PEF apenso.
G) Em 04.02.2013 foi extraída, no mesmo processo de execução fiscal, certidão de dívida em nome da ora Oponente, no valor de € 12.733,17 - cf. fls. 23 do PEF apenso.
H) Em 15.02.2013 a ora Oponente foi citada - cf. fls. 22 a 25 do PEF apenso.
I) A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças em 19.03.2013 - cf. fls. 2 do suporte físico dos autos.

Factos não provados:
Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar como não provados. »

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Sem prejuízo da questão acima enunciada, delimitada pela formação preliminar, nesta revista excecional, o regime jurídico adequado, aplicável, para tratamento da matéria controvertida, é, na nossa perspetiva, mais abrangente, não se podendo quedar pelo aspeto específico, mas, restrito, da exigência (ou não) de notificação, à oponente, da liquidação de IMT, que, fundamentalmente, está na génese da dívida exequenda.

Assim, o enquadramento de direito, que a situação em apreço implica e impõe, tem de, em primeira linha, reconduzir-se ao quadrante da responsabilidade tributária dos cônjuges, no âmbito da vigência de casamento válido e eficaz, em particular, como in casu, celebrado e operante, sob o regime da comunhão de adquiridos (Alínea A) dos factos provados.).

Nos termos do art. 4.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), certos, ainda, que a incidência do IMT se regula pela legislação vigente ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, isto é, no momento da ocorrência da transmissão do imóvel (Cf. art. 5.º n.ºs 1 e 2 do CIMT.), o tributo, discutido nos autos, é devido, atualmente, regra geral, “pelos adquirentes dos bens imóveis”; em 2007 (e até 31 de março de 2016), pelas pessoas singulares ou coletivas para quem se transmitissem os bens imóveis.

Por operação desta regra, podemos, consequentemente, afirmar que o sujeito passivo, de IMT, é, desde logo, a pessoa singular vinculada ao cumprimento da prestação tributária (liquidação e pagamento do imposto), ou seja, qualquer adquirente de um bem imóvel, que, no caso sub judice, como, complementarmente, decorre dos pontos A) e B) da factualidade assente, foi o marido da oponente.

Neste circunstancialismo e nada mais sendo possível retirar do cenário factual inscrito no acórdão recorrido, à partida, apenas, este, inquestionável, por imposição legal, sujeito passivo estaria obrigado a cumprir, pagar voluntária ou coercivamente, o montante de IMT, devido pela aquisição, imobiliária, que assumiu, em 4 de outubro de 2007. Porém, suscita-se, agora, a interrogação sobre se esta responsabilidade, tributária, do cônjuge da oponente (rte), enquanto contribuinte direto, pode, por efeito das regras tributárias e civilistas, respeitantes e conformadoras da forma como os cônjuges têm de assumir dívidas próprias de outro e/ou do casal, alargar-se e atingir as esferas jurídica e patrimonial, da rte.

Perscrutada a regulamentação legislativa destas situações, importa, decisivamente, ter presente que:

- qualquer dos cônjuges pode praticar todos os atos relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses de outro cônjuge, desde que este os conheça e não se lhes tenha expressamente oposto, sendo que, o conhecimento e a ausência de oposição expressa se presumem, até prova em contrário - art. 16.º n.ºs 5 e 6 da Lei Geral Tributária (LGT);

- por princípio, “quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária”, bem como, a “responsabilidade do cônjuge do sujeito passivo é a que decorre da lei civil” - arts. 21.º n.º 1 e 22.º n.º 3 da LGT;

- são da responsabilidade de ambos os cônjuges, entre outras (As escolhidas são as que, numa abordagem abstrata, mais conexão poderão ter com a situação julganda.), as dívidas contraídas, depois da celebração do casamento, pelos dois ou por um deles com o consentimento do outro e as assumidas, durante o matrimónio, pelo cônjuge administrador (Sobre a administração dos bens do casal, importa ter em mente o disposto no art. 1678.º segs. do CC.), em proveito comum do casal e nos limites dos respetivos poderes de administração - cf. art. 1691.º n.º 1 alíneas a) e c) do Código Civil (CC).

Deste conjunto de regras, decorre, além do mais, para o que interessa neste apelo, a possibilidade, em tese, abstratamente, de um cônjuge (casado num dos regime de comunhão de bens) poder ser responsabilizado pelo pagamento (voluntário e/ou coercivo), solidário, de uma dívida tributária, maxime, decorrente de obrigação, não cumprida, de pagamento de um imposto, relativamente à qual, somente, tem a qualidade de sujeito passivo, o seu (outro) cônjuge.

Aceite, no plano teórico, a legalidade da exigência do pagamento, ao cônjuge não sujeito passivo, de dívida tributária em que o outro membro do casal detém esta qualidade, focando a situação, concreta, que nos ocupa e o quadro dos factos que a enforma, imediatamente, se constata a ausência de factualidade respeitante à (eventual) intervenção da oponente (rte) na escritura pública, em que o seu marido formalizou a aquisição sujeita a IMT; por exemplo, a oponente autorizou o marido a fazer tal compra, teve intervenção na escritura para prestar consentimento, fez-se representar por procuração… Outrossim, da respetiva escritura é possível colher dados capazes de esclarecer o objetivo, móbil, da aquisição de metade do terreno para construção em causa: terá sido para integrar o património do casal ou só o do cônjuge comprador, destinou-se a edificar a casa de morada da família ou inseriu-se no exercício de uma atividade comercial, por parte do cônjuge adquirente?...

Por outro lado, sendo seguro que, no processo de execução fiscal, inicialmente, instaurado contra o cônjuge da oponente, foi, a posteriori, extraída uma certidão de dívida em nome desta e se efetivou a sua citação - pontos G) e H) dos factos provados, ficamos no escuro, quanto aos motivos justificativos (legais) desta forma de atuação e, por isso, questionamo-nos sobre a razão de a execução fiscal não ter sido, originariamente, instaurada, também, contra a oponente, acrescendo, por indisponibilidade dos respetivos termos, não sabermos em que qualidade, moldes e para que fins foi citada.

Quanto a este aspeto da citação, registamos, ainda, que nada ajuda a afirmação, desgarrada, entre os fundamentos jurídicos do aresto recorrido, de que “a Recorrente foi citada para a execução instaurada contra o cônjuge marido como responsável pela dívida (art.º 741.º do CPC)”. Além dessa menção ser, frontalmente, confrontada com falta de verdade, pela rte - ver, conclusão 10., é evidente que a mesma só teria lógia e sustentação, se se apresentasse acompanhada da assunção de factos relativos às diligências efetuadas pelo órgão da execução fiscal (ou outros da autoridade tributária e aduaneira (AT)), tendentes à afirmação da comunicabilidade da dívida liquidada adicionalmente/exequenda.

Aqui chegados, do expendido decorre, já, inevitável a conclusão de que o julgamento de facto materializado no acórdão recorrido (reproduziu o da sentença de 1.ª instância, mas, óbvia e legalmente, podia ter sido modificado, a coberto do disposto no art. 662.º do CPC) não se apresenta suficiente para uma decisão, conscienciosa e segura, dos aspetos jurídicos desta causa, vindos de explicitar, circunstância que, só por si, nos termos e para os efeitos dos arts. 682.º n.º 3 e 683.º n.º 1 do CPC, determina a volta do processo ao tribunal recorrido, para novo julgamento, com ampliação da matéria de facto, se possível, a concretizar pelos mesmos juízes, intervenientes no acórdão, que, abaixo, irá ser revogado.

Antes de exarar a decisão, volvendo, agora, atenções, específicas, para a questão formulada pela formação preliminar, apenas, podemos e estamos em condições, com as limitações decorrentes do que falta saber sobre a (potencial) responsabilidade tributária da cônjuge-mulher, de afirmar que a liquidação adicional, de IMT, tinha de ter sido, sem reservas, dirigida e notificada, ao cônjuge-marido, adquirente do imóvel, por motivo de deter a qualidade de sujeito passivo da, concreta, relação tributária de imposto.

Se se vier a concluir que a cônjuge-mulher, igualmente, desde o primeiro momento, deteve a condição de sujeito passivo do imposto em causa, necessariamente, a liquidação adicional, de IMT, tinha, também, de lhe ter sido, sem dúvidas, dirigida e notificada. Se, diferentemente, a AT entendeu, apenas, responsabilizá-la, por efeito da comunicabilidade da dívida do cônjuge-marido, tal notificação poderia não ser exigível, em função dos fundamentos invocados para a extração da certidão de dívida e sequente citação para o processo de execução fiscal.


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# III.


Pelo congregado destes fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso (de revista) e revogar o acórdão recorrido;

- determinar o regresso dos autos, ao TCAS, para os fins acima enunciados.


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Custas pela recorrida, sem taxa de justiça, por ausência de contra-alegação.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 9 de junho de 2021


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Pelos Exmos. Senhores Conselheiros Pedro Nuno Pinto Vergueiro (intervindo em substituição legal) e Francisco António Pedrosa de Areal Rothes, na condição de adjuntos, foi transmitido, enquanto relator, a mim, Aníbal Augusto Ruivo Ferraz, voto de conformidade, com os fundamentos e a decisão supra - artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março.

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