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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01951/15.3BEBRG
Data do Acordão:05/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
ENCARGO DE HERANÇA
CONTA
Sumário:Constitui encargo da herança que onera os bens relacionados na participação do óbito (a deduzir ao valor da transmissão de bens) o saldo de conta caucionada na data da abertura da herança, associada a empréstimo bancário, para onde são transferidos periodicamente os fluxos financeiros resultantes da concessão do empréstimo, até ao limite do crédito concedido. (art.20º Código do Imposto do Selo).
Nº Convencional:JSTA000P25911
Nº do Documento:SA22020052001951/15
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.............................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 21 outubro 2018 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……….. contra decisão de indeferimento de recurso hierárquico interposto contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa tendo como objecto liquidação do Imposto do Selo no montante de € 7 009,59

1.2 A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A. A presente Impugnação Judicial versa sobre a liquidação de Imposto de Selo (I.S) nº 1693882, de 05.07.2013, no montante de € 7.005,59, resultante da participação de transmissões gratuitas de Imposto de Selo nº 974531, relativa à herança, por óbito de B………. (irmão do ora Impugnante), ocorrido em 08/08/2010.
B. A Mmª Juíza do Tribunal a quo, na douta sentença recorrida, ordenou a anulação parcial do acto de liquidação do Imposto do Selo, na parte em que não considerou na liquidação o montante de € 49.875,00 (metade de € 99.750,00) correspondente a uma conta caucionada pelo autor da sucessão e outro, no Banco ……….., que deveria ter sido incluído/relacionado na verba 780.
Porém, salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, não pode a Fazenda Publica concordar com tal decisão, por considerar que a mesma enferma de errada interpretação e aplicação do Direito ao concreto facto tributário, pelos motivos que passamos a expor.
C. Em sede de reclamação graciosa, foram os seguintes os fundamentos do reclamante, aqui impugnante:
- Declarou que entregou oportunamente toda a documentação para processamento de Imposto do Selo, por falecimento do seu irmão – B…………, ocorrido em 2010-08-08, que deu origem à participação nº 974531.
- O signatário, analisando as verbas da demonstração da liquidação do imposto sobre os bens móveis (onde estava reflectivo o valor do desconto previsto no artigo 45º do CIS), constatou que não foi considerada a dívida de € 99.750,00, que o falecido tinha perante o banco ….. à data do seu falecimento na conta caucionada nº …………, a incluir na verba 780 dos valores tributáveis, mas, tão-somente, foram considerados os valores correspondentes aos activos bancários que o falecido detinha noutras contas do mesmo banco.
- Assim, a herança foi demandada a liquidar imposto sobre activos bancários que não herdou, pois teve que os utilizar na liquidação do passivo bancário deixado pelo falecido.
- O signatário considera não ser justo que o imposto incida somente sobre os activos bancários existentes à data do óbito, e não sobre o saldo de activos e passivos, pois a herança teve que liquidar esse passivo, pelo que solicita a revisão da nota de liquidação nº 1693882- correspondente à demonstração da liquidação - herança de;
D. Em resposta aos enunciados argumentos, pronunciou-se a Autoridade Tributaria (AT) e decidiu pelo indeferimento da reclamação, nos seguintes termos:
- De forma comum, uma conta caucionada é uma fonte de financiamento bancário, em que o beneficiário pode usar um plafond ou limite de crédito, pagando juros em função do crédito utilizado, e normalmente, impõe-se a exigência de uma garantia por parte da entidade bancária (livrança), sendo esta situação a que faz com que se esteja perante uma conta corrente caucionada.
- Conforme o previsto no artigo 20º do CIS, são encargos e dívidas que podem ser deduzidas ao valor da transmissão de bens, aqueles que foram constituídos a favor do autor da herança, até à data da abertura da sucessão mediante actos ou contratos que oneram os bens relacionados, bem como dos impostos cujo facto tributário tenha ocorrido até àquela data.
- Incluem-se nestes encargos: a Penhora, a Hipoteca Legal, a Hipoteca Voluntária, o Penhor, a Consignação de Rendimentos, os Privilégios Creditórios Mobiliários Especiais e os Gerais, os Privilégios Creditórios Imobiliários e Rendas ou Pensões.
- No caso da conta caucionada, que mais não é do que um financiamento ou empréstimo obtido pelo autor da herança que não onera nenhum dos bens transmitidos na sucessão, não poderá ser considerada como encargo.
E. Inconformado com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o sujeito passivo, interpôs Recurso Hierárquico, com os fundamentos semelhantes aos alegados na reclamação graciosa, vindo, igualmente indeferido.
F. Da anunciada decisão de indeferimento, deduziu o impugnante a presente Impugnação Judicial, com fundamentos semelhantes aos dos procedimentos anteriores.
G. Nesse pressuposto e tendo em conta a matéria de facto assente em documentos juntos aos autos, é que o Douto Tribunal a quo fundamentou a presente acção como parcialmente procedente, na parte em que não teve em consideração o montante de 49.875,00€ (metade de € 99.750.00) a incluir/relacionar na verba 780, vindo, em consequência, a decidir pela procedência da presente impugnação.
H. De tal decisão discorda a Fazenda Publica, porquanto, entende, salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, que o Douto Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do Direito quanto ao facto provado descrito na alínea D) da sentença, cujo conteúdo é o seguinte:
– “Alega e entende o ora impugnante, em síntese, que a verba nº 780 da participação da transmissão gratuita, relativa a conta caucionada no valor de € 99.750,00, no Banco ………, pelo autor da sucessão, deveria ter sido considerada na liquidação do Imposto do Selo, nos termos do artigo 20º do CIS, atento o facto de essa dívida onerar todos os bens relacionados.”
I. A AT, apoiando-se no teor do último dos requisitos (cumulativos) plasmados no artigo 20º do CIS, entendeu, e bem, quanto a nós, nos procedimentos graciosos cujos fundamentos aqui transcrevemos e damos por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, que a sobredita conta caucionada a inscrever na verba (780) não pode ser considerada no passivo e, como tal, não pode ser deduzida ao montante dos activos da herança, pelo facto de não onerar bens que compõem a herança. (sublinhados nossos).
J. Nesse seguimento, dispõe assim o artigo 20º do Código do Imposto do Selo:” Ao valor da transmissão de bens deduz-se o montante dos encargos e dívidas constituídos a favor do autor da herança até à data da abertura da sucessão mediante actos ou contratos que onerarem os bens relacionados, bem como dos impostos cujo facto tributário tenha ocorrido até àquela data.”
K. O Código do Imposto do Selo (CIS) preceitua no seu artigo 1º que:” O Imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens (…)”.
L. Assim, as transmissões gratuitas estão sujeitas a imposto do Selo nos termos do artigo 1º do CIS- incidência objectiva;
M. Por sua vez, a alínea a) do nº 2, do artigo 2º do CIS (incidência subjectiva) prescreve assim:” Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras: a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça-de-casal, e pelos legatários.
N. O imposto do Selo tributa as transmissões gratuitas de bens à taxa de 10% (verba 1.2 da tabela Geral do Imposto do Selo).
O. O douto Tribunal a quo, na sua fundamentação de Direito, entendeu que uma “conta caucionada consubstancia um empréstimo/financiamento bancário, directamente relacionada/articulada com uma conta à ordem, tendo o titular da conta a liberdade para utilizar valores (até um determinado limite) e “coloca-los” na conta à ordem, concluindo, assim, que a dívida em causa onera a conta à ordem com a qual está relacionada, mostrando-se, cumprido o terceiro requisito previsto no artigo 20º do CIS.
P. Da predita fundamentação e decisão de procedência da impugnação é que discorda a Fazenda Publica, por entender que, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 20º do CIS, por não se encontrar preenchido/verificado o terceiro requisito (cumulativo), subscrevendo e fazendo aqui apelo ao entendimento dos autores J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas in os Impostos sobre o Património imobiliário, edição Engifisco, Pág. 636, que” (…) o presente artigo limita essa dedução aos encargos e dívidas que directamente onerem os bens que integram a transmissão por morte. A esta condição se junta a de tais encargos terem sido constituídos por actos e contratos que tenham tido lugar até à data da abertura da sucessão (…)”.
Q. Por conseguinte, ao contrário do entendimento do douto Tribunal a quo, consideramos que a conta caucionada que constitui uma modalidade de financiamento ou empréstimo obtido pelo autor da herança, não onera nenhum dos bens transmitidos e, como tal, não preenche o último dos requisitos plasmados no artigo 20º do C.I.S (negritos nossos).
R. Razão pela qual, pretende a Fazenda Publica, através do presente Recurso Jurisdicional, colocar a sobredita questão à apreciação do Douto Tribunal ad quem, por entender que o douto tribunal a quo ao ter decidido como decidiu, violou o disposto no artigo 20º do Código do Imposto do Selo, em virtude de não se encontrar preenchido o terceiro requisito cumulativo, pois, da matéria factual dada por assente na sentença recorrida e da aplicação da norma legal, verifica-se o inverso do decidido, ou seja, a conta caucionada não onera os bens da herança (sublinhados nossos).
S. Ao não se decidir assim, a douta sentença proferida pela Mª Juíza a quo fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação da norma e do ratio legis que a fundamentam, mormente o artigo 20º do Código do Imposto do Selo (CIS), incorrendo, assim, em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada com as legais consequências.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida na parte em que anulou a liquidação de Imposto de Selo impugnada, substituindo-se por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA

1.3 Por decisão proferida em 27 maio 2019 o Tribunal Central Administrativo Norte declarou a sua incompetência, em razão da hierarquia, para o conhecimento do objecto do recurso, indicando como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo - Secção de Contencioso Tributário (processo electrónico p.216)

1.4 O Ministério Público no Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso (processo electrónico fls. 232)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre decidir em conferência

2.FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
A) Em 08/08/2010, ocorreu o óbito de B…………
Fls. 10 e acordo das partes.
B) Foi efectuada a participação do óbito (participação n.º 974531).
Acordo das partes.
C) Foi emitida a liquidação de I.S. n.º 1693882, de 05/07/2013, no valor de € 7.009,59, da qual consta o seguinte: “Verba 780…. 0,00”.
Fls. 13.
D) A “Verba 780” corresponde a dívida de conta caucionada n.º ………, no Banco ………., titulada por B………… e outro, no montante de € 99.750,00.
Acordo das partes.
E) Em 04/12/2013, o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação.
Fls. 15 e 16.
F) Em 22/01/2014, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, nos seguintes termos:











Fls. 18 e 19.
G) O Impugnante apresentou recurso hierárquico.
Acordo das partes.
H) Em 12/03/2014, foi proferida “Informação” com o seguinte teor:






I) Em 15/12/2014, foi proferido despacho, nos seguintes termos:



2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: legalidade da liquidação de Imposto do Selo incidente sobre o saldo de conta bancária caucionada, na data do óbito do co-titular

2.2.2. Apreciação jurídica.
A Administração Tributária enuncia as seguintes características fundamentais da conta caucionada:
- assume a natureza de um financiamento bancário de curto prazo (normalmente por 180 dias renováveis), com o estabelecimento de um limite de crédito e não de quantia fixa, destinado a suprir necessidades pontuais de tesouraria das empresas;
- o financiamento exige a prestação de uma garantia (designadamente uma livrança com aval dos sócios);
- está associada a uma conta à ordem para onde os beneficiários do empréstimo transferem os montantes necessários à actividade da empresa, até ao limite do crédito concedido;
- os juros são calculados diariamente em função do capital emprestado e cobrados periodicamente na conta à ordem associada

A formulação da norma controvertida estabelece distinção entre os conceitos de encargos e de dívidas, como diferentes expressões do passivo da herança (art.20º CIS)
A doutrina clássica assinala que o conceito de encargos da herança é mais amplo que o de dividas da herança (Nuno Espinosa Gomes da Silva Direito das Sucessões 1980 p.329),
Os encargos significam, na linguagem comum, responsabilidade, dever, obrigação, ónus (Dicionário da Língua Portuguesa 2006 Porto Editora); no domínio do Direito Civil consistem nas situações patrimoniais passivas pelas quais a herança é responsável, designando a dívida o lado passivo da relação obrigacional: a prestação a cuja realização está vinculado o devedor perante o respectivo credor (Ana Prata Dicionário Jurídico 2ª edição 1989 pp.214 e.241)
Aberta a sucessão no momento da morte do seu autor os herdeiros são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido, quer tenham expressão económica positiva como activo, ou negativa como passivo (art. 2032º nº1 Código Civil)
Neste contexto o saldo registado na conta caucionada associada, na data da abertura da herança, representa o fluxo financeiro que concretiza o financiamento bancário obtido, não podendo deixar de ser considerado um encargo pelo qual responde o activo da herança (que se converterá em dívida em caso de incumprimento na devolução do capital emprestado, já que os juros são calculados diariamente em função do capital emprestado e debitados periodicamente na conta à ordem associada)
Assim sendo, carece de consistência o argumento invocado pela recorrente no sentido de que apenas constituem encargos relevantes os resultantes de penhora, hipoteca legal, hipoteca voluntária, penhor, consignação de rendimentos privilégios creditórios mobiliários e imobiliários, rendas ou pensões a suportar pelo autor da herança (garantias gerais ou especiais de cumprimento das obrigações),numa interpretação restritiva que não encontra a mínima expressão no texto e subverte a intenção do legislador ao formular a norma constante do art.20º Código de Imposto de Selo (conclusão D.)

3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela Fazenda Pública recorrente (art.527º nºs 1/2 CPC/ art,.2º al. d) CPPT)

Lisboa, 20 de maio de 2020. – José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.