Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0779/12
Data do Acordão:09/24/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS
Sumário:I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.
Nº Convencional:JSTA00068901
Nº do Documento:SA2201409240779
Data de Entrada:07/10/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CONST76 ART104 N2.
CPPTRIB99 ART63.
CIRC01 ART17 N1 ART23.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0107/11 DE 2011/11/30.
Referência a Doutrina:ANTÓNIO MOURA PORTUGAL - A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA PAG243.
TOMÁS DE CASTRO TAVARES - DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS: ALGUMAS REFLEXÕES AO NÍVEL DOS CUSTOS IN CTF N396 PAG131-133 PAG136.
TOMÁS DE CASTRO TAVARES - A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS EM SEDE DE IRC IN FISCO N101-102 JANEIRO DE 2002 PAG40.
VITOR FAVEIRO - NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO FISCAL VOLII PAG601.
VITOR FAVEIRO - ESTATUTO DO CONTRIBUINTE: A PESSOA DO CONTRIBUINTE NO ESTADO SOCIAL DE DIREITO COIMBRA 2002 PAG848.
RUI DUARTE MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC ALMEDINA COIMBRA 2007 PAG87.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1371/06.0BELSB

1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A……………., S.A.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por aquela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 2001, após a Administração tributária (AT) ter corrigido a matéria tributável declarada por não ter aceitado como custo fiscal do exercício uma verba de € 1.870.492,11.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A) Conforme resulta da matéria provada da douta sentença recorrida, a recorrente, por escritura de 23 de Novembro de 2001, adquiriu o prédio rústico 1988 da freguesia ………., pelo preço de 225.000.000$00.

B) Conforme resulta da matéria provada da douta sentença recorrida, a recorrente, por escritura de 23 de Novembro de 2001, adquiriu o prédio rústico 1987 da freguesia ……….., pelo preço de 225.000.000$00.

C) Conforme resulta da matéria provada da douta sentença recorrida, a recorrente, por escritura de 26 de Dezembro de 2001, vendeu os prédios rústicos 1988 e 1987 da freguesia …………., pelo preço de 75.000.000$00.

D) Tal como resulta do facto n.º 2 da matéria provada, em Novembro de 2001, no exercício da sua actividade, que se pretende que seja lucrativa, a A………. comprou dois terrenos rústicos por 450 mil contos. No mês seguinte vendeu os mesmos terrenos por 75 mil contos, resultando uma perda sem motivo aparente e sem justificação aceitável, de 375 mil contos (ou seja, €1.870.492,11).

E) Quer na douta sentença recorrida quer no relatório inspectivo se qualifica a referida quantia de € 1.870.492,11 como perda, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

F) Sucede, porém, que para efeitos do artigo 23.º do CIRC, custos ou perdas são os encargos indispensáveis para a realização dos proveitos.

G) Assim, tendo em conta que a verba de € 1.870.492,11 corresponde à diferença entre o custo da compra dos terrenos e o proveito das vendas, tal significa que a referida verba não pode ser qualificada como um custo ou perda.

H) Pelo contrário, a referida verba terá de ser qualificada como um prejuízo fiscal.

I) Natureza de prejuízo fiscal da referida verba cuja correcção fiscal com fundamento no artigo 23.º do CIRC é ilegal.

J) Com efeito, resultando a referida verba de € 1.870.492,11 da diferença entre custos e proveitos obtidos mediante escrituras públicas cuja validade não foi posta em causa no relatório de inspecção, a exclusão de tal prejuízo fiscal apenas poderia ser efectuada mediante a aplicação do regime do artigo 63.º do CPPT.

L) De acordo com o referido artigo 63.º do CPPT, não produzem efeitos fiscais os negócios juridicamente válidos com os quais são reduzidos ou eliminados os lucros tributáveis das empresas.

M) Daí que a correcção fiscal da verba de € 1.870.492,11 é ilegal por violação do regime do artigo 63.º do CPPT.

N) Mas se assim não se entender, sempre se dirá o seguinte:

O) As compras dos prédios rústicos 1988 e 1987, ambos da freguesia …………, geraram proveitos na esfera da recorrente na quantia de Esc.75.000.000$00.

P) Assim, existindo proveitos associados às perdas, as mesmas são aceites fiscalmente.

Q) Nem a letra nem o espírito do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC permitem excluir a perda contabilizada pela recorrente e não aceite pela Administração Fiscal.

R) Aliás, para situação análoga, qual seja, a das perdas com a transmissão onerosa de partes de capital, o legislador consagrou o n.º 7 do artigo 23.º do CIRC para existir fundamento legal para a exclusão das referidas perdas, com a transmissão de partes de capital.

S) A douta decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 63.º do CPPT.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se a liquidação de IRC de 2001».

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou o recurso.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.):

«A questão controvertida consiste em saber se para desconsiderar as menos valias em causa haveria que lançar mão do procedimento do artigo 63.º do CPPT respeitante à utilização de normas antiabuso e se as mesmas são indispensáveis para a manutenção da fonte produtora e obtenção dos proveitos.
Como muito bem assinala a sentença recorrida não há que lançar mão do procedimento atinente à utilização de normas antiabuso porquanto a administração tributária não põe em causa os negócios jurídicos de compra e venda dos imóveis, aceitando a realidade das operações económicas escrituradas. De facto, a administração tributária, apenas, não aceita a perda em causa como custo fiscal, pela não verificação do requisito da indispensabilidade.
Nos termos do estatuído no artigo 23.º do CIRC consideram-se como custos fiscais ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Para que os custos enumerados no artigo 23.º do CIRC sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais é necessário, pois, que se verifiquem dois requisitos cumulativos, a saber:
1. Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais;
2. Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
Os custos sindicados não foram fiscalmente aceites, no termos do estatuído no artigo 23.º do CIRC, por não estar demonstrada a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, uma vez que houve uma diferença de 600%, para menos, entre os preços de compra e os de venda.
Para aferir da indispensabilidade dos custos há que ter em conta o intuito objectivo que levou a recorrente a proceder como procedeu com a compra e venda dos imóveis, sendo certo que tal intuito não se identifica com o concreto ânimo de quem tomou tal decisão.
Efectivamente, o intuito objectivo é determinado a posteriori, tendo como referência todas as circunstâncias conhecidas no momento da decisão e nunca as posteriores.
Se a decisão teve na sua génese tão só o interesse da empresa, o prosseguimento do seu objecto social, tal como os seus sócios e gestores, bem ou mal não interessa, ao tempo o interpretaram, o custo não pode deixar de ser havido como indispensável.
Se a motivação predominante for outra não deverá ser fiscalmente aceite.
Cabe ao sujeito passivo o ónus de alegação dos factos justificativos da necessidade do custo 1 [1 Apontamentos ao IRC, páginas 88 e 89, Professor Rui Duarte Morais].
Ora, a recorrente nada de convincente alegou ou demonstrou que justifique a necessidade do custo ou perda, uma menos valia de 600%, apurada entre transacções sobre os mesmos bens no exíguo período de cerca de um mês!
Portanto a perda em análise, como muito bem decidiu a sentença recorrida, não pode ser relevada fiscalmente.
A sentença não merece censura».

1.5 Os Juízes Conselheiros adjuntos tiveram vista.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que, no apuramento da matéria tributável da ora Recorrente em sede de IRC do ano de 2001, não podia relevar como custo o valor por que adquiriu dois prédios, na parte em que excede o valor por que os vendeu, o que passa por indagar se essa diferença constitui um custo – ou, ao invés, apenas pode ser vista como um prejuízo – e, na afirmativa, se pode ser desconsiderada com fundamento na indispensabilidade, tal como a exigia o art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável em 2001.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):
«
1. A impugnante exerce a actividade de construção de edifícios, CAE 45.211 e está enquadrada no regime geral de IRC e registada no regime normal de IVA;

2. No ano de 2005, foi sujeita a uma acção de fiscalização externa, que culminou com o relatório de 24/11/2005 que constitui fls. 5/198 e ss. do apenso instrutor e aqui damos por integralmente reproduzido face à sua extensão e de que consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:

«3.1.2 -Perdas não aceites como custo fiscal
(…)
Resumindo:
Em Novembro de 2001 no exercício da sua actividade, que se pretende que seja lucrativa, a A………….. comprou dois terrenos rústicos por 450 mil contos. No mês seguinte vendeu os mesmos terrenos por 75 mil contos, resultando uma perda sem motivo aparente e sem justificação aceitável, de 375 mil contos.
O contribuinte foi notificado para justificar esta perda, e o mesmo não apresentou qualquer facto, razão ou condição, que se tenha alterado em relação aos terrenos ou ao mercado, entre o momento da compra e o da venda (pouco mais de um mês), que justifique tão grande perda.
Não há conhecimento, de que tenha existido entre Novembro e Dezembro de 2001, qualquer facto ou motivo que altere significativamente as condições do preço de mercado dos referidos terrenos, e que tenha resultado em tão grande desvalorização (600%).
Dado que não se comprova a indispensabilidade desta perda para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, não se aceita a perda referida, nos termos do art. 23.º do CIRC, pelo que vai ser acrescida à matéria colectável a importância de 1.870.492,1] (375 mil contos)».

3. Em resposta ao direito de audição exercido sobre o projecto de conclusões do relatório, consignou-se neste, designadamente, o seguinte: «(...) transcreve (leia-se, a impugnante) do projecto de relatório um princípio de neutralidade fiscal que foi enquadrado na fundamentação, que menciona a expressão “relações especiais” e depreende mal, que a razão da correcção foi baseada numa situação de relação especial, o que efectivamente não se verificou, em virtude de se ter concluído, inequívoca e somente, tal perda que não podia ser fiscalmente considerada custo do exercício, nos termos do art. 23.º do CIRC, uma vez que em nada contribuiu para a angariação ou formação dos proveitos.
Para terminar, a Sociedade entende que a correcção em causa apenas poderia ser efectuada seguindo o regime do art. 63.º do CPPT; no entanto, mais uma vez se reforça que a correcção foi efectuada com base no incumprimento do artigo atrás referido» (vd. fls. 11/198 do apenso);

4. A correcção resultante da não aceitação daquela perda originou para o exercício de 2001 a liquidação de IRC n.º 2005 8310123083, de 12/12/2005, no montante de € 768.340,75 correspondendo € 109.941,18 a juros compensatórios (“prints” das demonstrações de liquidação e de compensação, a fls. 68 do apenso e demonstração de liquidação junta pela impugnante a fls. 64);

5. A demonstração de compensação tem como data limite de pagamento 23/01/2006 (“print” de fls. 68 do apenso),

6. A impugnação deu entrada no tribunal em 24/05/2006, conforme carimbo aposto a fls. 4;

7. Por escritura de 23/11/2001 a impugnante adquiriu o artigo matricial 1.988 da freguesia ……….., concelho de Leiria, a B………….. e mulher, C……………., pelo preço declarado de 225.000.000$00 (fls. 13/198 e ss. do apenso);

8. Por escritura celebrada naquela mesma data, a impugnante adquiriu o artigo matricial 1.987 da freguesia ……….., concelho de Leiria, a D…………, pelo preço declarado de 225.000.000$00 (fls. 17/198 e ss. do apenso);

9. Por escritura de 26/12/2001, a impugnante vendeu ambos os referidos artigos matriciais a E………….., pelo preço de 75.000.000$00 (fls. 26/198 do apenso),

10. Da liquidação de juros compensatórios consta a indicação das taxas aplicadas e os períodos de tempo a que respeitam, bem como do montante de imposto e período de tributação sobre que incidiram (“print” relativo à demonstração de liquidação de juros, a fls. 86 dos autos)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT considerou que a ora Recorrente, com referência ao exercício do ano de 2001, no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC, tinha relevado como custo o montante de € 1.870.492,11 (Esc. 375.000.000$00), correspondente à diferença entre os preços por que adquiriu (Esc. 450.000.000$00) e vendeu (Esc. 75.000.000$00) dois prédios. Assim, com fundamento na não demonstração da indispensabilidade desse custo, uma vez que entre aqueles negócios mediou pouco mais de um mês e a Contribuinte, apesar de instada para justificar a perda, nada disse, entendeu desconsiderá-lo.
Consequentemente, a AT procedeu à correcção do lucro tributável declarado e à liquidação adicional do IRC que considerou em falta.
A Recorrente impugnou judicialmente essa liquidação e o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação. Começou por referir que a fundamentação utilizada pela AT para corrigir a matéria tributável declarada foi a de que não ficou demonstrado que esse custo fosse indispensável para «a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», ou seja, que não cumpria os critérios previstos no art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção em vigor à data. Depois, considerou que, contrariamente ao que alegou a Impugnante, não se lhe impunha recorrer ao procedimento previsto no art. 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), uma vez que a correcção efectuada não assenta na desconsideração dos negócios efectuados, cuja existência e validade a AT não questiona. Finalmente, considerou que bem andou a AT ao considerar que não se comprovava a indispensabilidade do custo em questão para a obtenção dos proveitos ou a manutenção da fonte produtora, pois, apesar de ter convidado a Contribuinte a justificar a “racionalidade económica” subjacente aos referidos negócios, esta não apresentou explicação alguma para os motivos por que, pouco mais de um mês após a aquisição dos prédios, os vendeu por um preço seis vezes inferior àquele por que os comprou.
A Impugnante discorda da sentença e dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, entende, em síntese,
i) que a AT não podia corrigir a matéria tributável declarada por desconsideração da diferença entre os preços por que comprou e vendeu os prédios, uma vez que não se trata de um custo ou perda, mas antes de prejuízo e, como tal, insusceptível de correcção com fundamento no art. 23.º do CIRC [cfr. as conclusões A) a I) e S)];
ii) que, não pondo a AT em causa a validade dos negócios jurídicos em causa (compra e venda dos referidos prédios), para proceder à correcção da matéria tributável declarada, deveria a AT lançar mão do regime previsto no art. 63.º do CPPT [cfr. as conclusões A) a E), J) a M) e S)]; sem prescindir,
iii) que sempre o custo associado à aquisição dos prédios deveria ser aceite à luz da letra e do espírito do art. 23.º do CIRC [cfr. as conclusões A) a E) e N) a S)].
Daí termos elegido como questão a apreciar e decidir a que deixámos enunciada em 1.6.

2.2.2 DOS CUSTOS FISCAIS E DA INDISPENSABILIDADE COMO UM DOS SEUS REQUISITOS

A Recorrente começa por sustentar que a AT não podia considerar como custo a diferença (Esc. 375.000.000$00, a que equivalem € 1.870.492,11) entre o preço por que comprou os dois prédios em causa (Esc. 450.000.000$00) e o preço por que os vendeu (Esc. 75.000.000$00). Isto porque custo é o valor por que a Contribuinte adquiriu os prédios, sendo que a diferença entre esse custo e o proveito resultante da venda dos mesmos prédios, constitui (porque negativa) prejuízo. Ou seja, a diferença entre os custos e os proveitos não pode, ela própria ser tratada como um custo.
Embora se compreenda a argumentação da Recorrente, não é exclusivamente com base nela que poderá sustentar-se a ilegalidade da correcção e da consequente liquidação impugnada.
Na verdade, sempre pode sustentar-se que a AT se limitou a não aceitar como custo o valor pago pelos prédios na parte em que excedeu o valor de Esc. 75.000.000$00.
A Recorrente sustenta também que a correcção operada pela AT apenas podia ser efectuada se a AT se tivesse socorrido do regime do art. 63.º do CPPT, ou seja, se tivesse aberto procedimento para aplicação de normas antiabuso.
Mas, salvo o devido respeito, não cumpre aqui e agora averiguar qual deveria ter sido o procedimento seguido pela AT para proceder à correcção. O que temos que indagar é se a correcção que deu origem à liquidação impugnada podia ou não ser efectuada com o fundamento que o foi, i.e., ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC, por a AT considerar que não estava verificado um dos requisitos de que essa norma fazia depender a caracterização de um custo como custo fiscal: a indispensabilidade.
Dizia o art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável à data:
«1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;
[…]»
Em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável (Nos termos do n.º 1 do art. 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».), tanto mais que, por imperativo constitucional [cfr. art. 104.º, n.º 2 («A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».), da Constituição da República Portuguesa (CRP)], a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.
Há, no entanto, que ter presente que o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes (E que se prendem com os fins extra-fiscais prosseguidos pelo Direito Fiscal, com os princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica, bem como com o princípio da soberania fiscal e com fins de prevenção e combate à evasão fiscal.), não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais (Adoptando um modelo de dependência parcial, que tomando como ponto de referência as normas contabilísticas e o resultado contabilístico, sujeita-o a ajustes extra-contabilísticos para cumprimento das normas fiscais) e entendeu que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável «os [custos] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC).
No caso sub judice não está em causa a comprovação da efectividade do custo, mas apenas a sua indispensabilidade. Impõe-se-nos, pois, indagar em que consiste essa indispensabilidade, uma vez que a lei, não obstante a enunciação exemplificativa das várias categorias concretas de encargos dedutíveis, constantes das diversas alíneas do referido art. 23.º, exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).
Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Julho de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32240.pdf), págs. 2185 a 2189, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0debd9869a94ea78025795f003be743?OpenDocument.).
Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).
Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2001, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.
«A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.
A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (Cfr. acórdão de 15 de Junho de 2012 do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, proferido no processo n.º 29 2012 - T, disponível em
http://www.caad.org.pt/userfiles/file/P29%202012T%20-%202012-06-15%20-%20JURISPRUDENCIA%20-%20Decisao%20Arbitral.pdf. ).
Ou seja, a AT não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação economicamente infrutífera ou até ruinosa.
O que significa que, nos termos do citado art. 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).
A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa.
Ora, tendo em conta que a actividade da ora Recorrente consiste na construção de edifícios (cfr. 1 dos factos provados), afigura-se-nos inquestionável que o custo respeitante à aquisição de imóveis está associado à sua actividade, sendo um acto de gestão, pois a aquisição de prédios para neles construir edifícios constitui um acto típico da actividade exercida e, à luz das regras da experiência, potencialmente gerador de proveitos. Não pode sequer considerar-se existir, no momento relevante para aferir da indispensabilidade, qualquer dúvida quanto à correlação do custo com a actividade da ora Recorrente (Se a AT tiver dúvidas, em face de um determinado custo, quanto à sua correlação com o escopo social do contribuinte, deverá solicitar a colaboração deste (que é que está em melhor situação para o efeito), indicando qual a motivação inerente e o objectivo prosseguido com o custo em causa. Trata-se aqui, contrariamente ao que parece entender o Juiz a quo, não de uma questão de repartição de ónus da prova, mas antes de um «dever de motivação ou “explicação acerca da congruência económica da operação”» (cfr. ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade…, pág. 276, bem como VÍTOR FAVEIRO, Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra, 2002, pág. 848).).
Assim, salvo o devido respeito, não é possível esgrimir a indispensabilidade para, com base na falta desse requisito, afastar a relevância fiscal do custo incorrido com a aquisição dos prédios em causa no cômputo do lucro tributável do ano de 2001; e essa impossibilidade verifica-se relativamente a todo o custo (Esc. 450.000.000$00), sendo que não vislumbramos (nem em abstracto nem face às circunstâncias do caso sub judice) como, à face dos critérios legais, poderá cindir-se o custo, aceitando-o numa parte e desconsiderando-o noutra, como parece tê-lo feito a AT.
É certo que esse acto veio a revelar-se como economicamente não rentável, uma vez que a aquisição dos referidos prédios, em vez de gerar proveitos, gerou um prejuízo, decorrente da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos (cfr. 7 a 9 dos factos provados). Mas, como deixámos já dito, essa avaliação ex post não releva para aferir da indispensabilidade; releva, isso sim, a avaliação feita no momento em que a Contribuinte incorreu no gasto. A intervenção da AT, que corrigiu a declaração de rendimentos da ora Recorrente com fundamento em não se comprovar a indispensabilidade dos custos em causa para a obtenção dos proveitos, não podia, pois, alicerçar-se no concreto resultado obtido.
Essa correcção enferma, pois, de violação de lei, o que determina a sua anulação e, consequentemente, que também a liquidação adicional deva ser anulada.
A sentença recorrida, que decidiu em sentido contrário, não pode manter-se, devendo ser revogada, como pedido pela Recorrente.
Em jeito de nota final, e retomando a argumentação da Recorrente, poderíamos, agora sim, dizer que, se a AT tem algum motivo para suspeitar de que os valores reais por que foram celebrados os referidos negócios não são os que constam das escrituras ou que algum deles foi efectuado com o intuito de manipular ilegitimamente a matéria tributável, deveria ter escolhido outro caminho que não o da desconsideração parcial do custo com fundamento na falta de verificação da exigida indispensabilidade.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando a impugnação judicial procedente, anular a liquidação impugnada.

Custas pela Fazenda Pública, mas apenas em 1.ª instância uma vez que não contra alegou o recurso.

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Lisboa, 24 de Setembro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.