Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0461/11.2BEPRT
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:Não se verifica caducidade do direito de acção se o Impugnante, notificado a 11 de Outubro de 2010 da liquidação relativa ao exercício fiscal de 2007, interpôs a 9 de Fevereiro de 2011 Impugnação Judicial, uma vez que, nesta última data, o prazo previsto no artigo 102.º do CPPT não se mostrava terminado.
Nº Convencional:JSTA000P27198
Nº do Documento:SA2202102170461/11
Data de Entrada:01/14/2020
Recorrente:A......- SGPS, UNIPESSOAL. LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1.A…….. SGPS, Unipessoal, Lda.,” recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu a Autoridade Tributária do pedido de anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento Colectivo (IRC) relativa ao exercício de 2007.

1.2. Notificada da admissão do recurso, a Recorrente juntou aos autos alegações que rematou com as seguintes conclusões:

«1. A correcção da matéria colectável do exercício de 2007 do grupo encabeçado pela recorrente, e que esta impugna, deveu-se a três causas distintas:

a) Não aceitação da aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF a mais valias realizadas pela recorrente, no exercício de 2007, o que provocou uma correcção de EUR 539.487,65;

b) Não aceitação da aplicação do nº 4 do artigo 56º-D do EBF a um donativo feito pela recorrente, no exercício de 2007, o que envolveu uma correcção de EUR 35.000,00; e

c) Não aceitação dos prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, o que desembocou numa correcção nos prejuízos deduzidos de EUR 186.911,70.

2. A AT revogou parcialmente o acto tributário, anulando a correcção de EUR 35.000,00 efectuada à matéria tributável da recorrente, decorrente da não aceitação do benefício relativo ao donativo concedido, “com todas as consequências legais, quer na esfera individual da empresa, quer em sede do grupo ...”.

3. Quanto às duas outras questões, a impugnação prosseguiu, mas só a não aceitação dos prejuízos fiscais reportados pelo grupo veio a ser efectivamente conhecida na douta sentença recorrida. Com efeito,

4. A decisão censurou a falta de reacção contra o acto de liquidação do exercício de 2005, cujas correcções se teriam repercutido na matéria colectável do exercício de 2007, notando que a recorrente não poderia valer-se do prazo de notificação da liquidação de 2007 para reabrir a discussão sobre as correcções de 2005.

5. E, sublinhando que as rectificações à matéria colectável do exercício de 2005 se consolidaram no ordenamento jurídico, por não terem sido sindicadas aquando da notificação dos respectivos relatórios de inspecção e liquidação, concluiu pela absolvição da

AT do pedido, com fundamento na excepção de caducidade.

6. Nada dizendo sobre a divergência sobre o sentido do artigo 31º, nº 2, do EBF, que opõe a AT ao recorrente no que respeita à rectificação da matéria colectável por não aceitação da aplicação a mais valias realizadas no exercício de 2007, a sentença recorrida deixa a impressão de ter incorrido numa omissão de pronúncia.

7. A entender-se assim, a sentença recorrida enfermaria da nulidade prevista no artigo 125º, nº 1,do CPPT, que expressamente se invoca, ainda que por mera cautela, pois...

8. A procedência da excepção de caducidade relativamente à totalidade da impugnação, a ter bom fundamento, prejudicaria, de acordo com o artigo 608º, nº 2, do C.P.C., aplicável ex vi artigo 2º do CPPT, a resolução das demais questões suscitadas...

9. E, assim, tudo acaba por se esgotar numa solução errónea da questão de direito, traduzida na decisão de julgar caducado “in totum” o direito de acção da recorrente – tanto quanto à correcção nos prejuízos deduzidos, por não aceitação do reporte dos de 2005, como à correcção resultante da desaplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, apesar de só quanto à impugnação da primeira destas correcções se poder verificar caducidade.

10. A recorrente conforma-se com a caducidade no que toca à correcção nos prejuízos deduzidos de EUR 186.911,70, por não aceitação dos prejuízos fiscais reportados pelo grupo, e não recorre quanto a ela, mas não quanto ao direito de acção relativamente à correcção à matéria tributável de EUR 539.487,65 decorrente da não aceitação da aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF a mais valias por ela realizadas no exercício de 2007.

11. A AT não invocou a esse respeito qualquer caducidade, nem poderia fazê-lo, pois a recorrente, notificada em 11.10.2010 da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2007 e da demonstração de acerto de contas, instaurou a presente acção em 09.02.2011, respeitando, portanto, o prazo de três meses previsto no artigo 102º, nº 1, do CPPT.

12. E dúvidas não há de que a divergência interpretativa sobre a aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, a correcção da matéria colectável que se lhe seguiu e a impugnação dessa correcção, com exclusivo fundamento nessa norma do EBF, são inteiramente alheias às correcções aos prejuízos registados pelo grupo da recorrente no exercício de 2005.

13. Não podendo manter-se, no que toca à correcção à matéria tributável decorrente da não aceitação da aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, a decisão que julgou caducado o direito da recorrente, também não pode a própria correcção da matéria tributável subsistir no ordenamento jurídico, pelas razões invocadas na petição.

14. Face ao que então dispunha o artigo 31º, nº 2, do EBF, a recorrente podia deduzir, como deduziu, ao seu resultado líquido, o valor de EUR 539.487,65 que, no exercício de 2007, constituía o saldo final da conta 7941 – Proveitos e Ganhos Extraordinários – Ganhos em Imobilizações – Alienação de Investimentos Financeiros e que resultou das mais valias realizadas com a alienação de acções representativas do capital social da B………. .

15. A tese da AT de que a aquisição e alienação das partes representativas do capital da B………, por estar fora do objecto social da recorrente, afastaria a aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, não tem suporte no regime do Decreto-Lei nº 495/88 e é contrariada pela redacção do artigo 31º, nº 2, do EBF.

16. O artigo 1º, nº 4, e o artigo 3º, nº 3, do Decreto-Lei nº 495/88 permitem que as SGPS adquiram e detenham participações de montante inferior a 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, até ao montante de 30% do valor total das participações iguais ou superiores a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado.

17. A aquisição e detenção de participações ao abrigo da permissão contida nos referidos normativos não são incompatíveis com o objecto de uma SGPS, pois, se a admissibilidade de tais participações está balizada, podendo elas ser consideradas “participações- excepção”, não é menos verdade que são elegíveis por uma SGPS e que se encontram, no essencial, em pé de igualdade para efeitos da aplicação da lei. Ora,

18. A participação da recorrente na B…….. cabia no artigo 3º, nº 3, alínea a), do Decreto-Lei nº 495/88, pois foi detida por mais de um ano, representava menos de 10% do capital social com direito de voto da participada e foi sempre de montante inferior a 30% do valor total das participações iguais a superiores a 10% do capital social com direito de voto das participadas incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado da recorrente.

19. Ainda que se tratasse de uma participação insusceptível de constituir forma indirecta de exercício de actividades económicas, era, aos olhos da lei, uma participação perfeitamente compatível com o objecto social da recorrente, enquanto SGPS.

20. Este preceito exige a não ocasionalidade da participação social, mas não a representação de uma percentagem igual ou superior a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, de que depende a qualificação da participação social como forma indirecta do exercício de actividades económicas.

21. A AT, por constatar que a recorrente apenas deteve 2,909% do capital da B………. e assumiu contratualmente perante o Banco ………… determinadas obrigações quanto ao exercício do seu direito de voto na B………, presumiu que a participação social não constituía uma forma indirecta do exercício de actividades económicas.

22. Mas, independentemente do questionável valor da presunção de que se socorre a AT, a verdade é que, nos casos previstos no nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 495/88, as SGPS podem adquirir e deter participações sociais que não constituem forma indirecta do exercício de actividades económicas.

23. A aquisição e detenção de tais participações sociais não é incompatível com o objecto das SGPS e não há razão para distinguir, para efeitos da aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, entre mais valias realizadas com partes de capital não ocasionais, consoante estas constituam ou não forma indirecta do exercício de actividades económicas.

24. De acordo com o então artigo 31º, nº 2, do EBF, as mais valias realizadas com participações não ocasionais, dentro dos limites em que a lei as permite, não concorrem para o lucro tributável.

25. Pelo que a AT não tinha fundamento para corrigir o lucro tributável individualmente declarado da recorrente no montante correspondente às mais valias realizadas com a participação social na B………, nem tinha, consequentemente, fundamento para corrigir na mesma medida o lucro tributável do grupo: tal correcção, no avultadíssimo valor de EUR 539.487,65, não se pode manter.

26. A douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 102º, nº 1, do CPPT, nos artigos 1º, nº 4, e 3º, nº 3, do Decreto-Lei nº 495/88, e no artigo 31º, nº 2, do EBF».

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto prenunciou-se no sentido de ser provido recurso, mais promovendo que fosse determinada a baixa dos autos à 1.ª instância para apreciação da legalidade da correcção à matéria tributável relativa à não aplicação da norma do artigo 31.º, n.º 2 do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais) às mais-valias realizadas em 2007, desconsideradas pela Autoridade Tributária na inspecção realizada.

1.5 Cumpre decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. Face aos termos em que a Recorrente conformou o seu recurso nas conclusões que formulou, não temos dúvidas quanto a constituir sua efectiva pretensão que apreciemos o erro de julgamento de direito que imputa à sentença recorrida na parte em que julgou verificada a caducidade do direito de acção e absolveu totalmente do pedido a Autoridade Tributária.

Na verdade, embora seja certo que a Recorrente, nas conclusões 7 e 8 das suas alegações, equaciona a hipótese de a situação dos autos se traduzir em nulidade por omissão de pronúncia e não erro de julgamento, afasta essa qualificação nas conclusões subsequentes, convocando, em abono do seu entendimento, a interpretação que realiza da sentença recorrida e, sobretudo, marcando impressivamente, que no caso há um erro de julgamento e que é este erro que quer ver apreciado por este Supremo Tribunal Administrativo.

Foi neste contexto que delimitamos o objecto do recurso, sem prejuízo, o que desde já se adianta, de este Tribunal, julgando incorrecta alegação realizada, apreciar a pretensão da Recorrente sob a égide de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que, como é sabido, a qualificação jurídica do vício avançada pelas partes não vincula os Tribunais.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Do contexto processual relevante:

• Vem impugnada a liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício económico de 2007 e respectivos acréscimos legais, identificada com o n.º 20108310005296, emitida em 30/09/2010, consubstanciada na Nota de Cobrança - Demonstração de Compensação n.º 20101930325, emitida em 06/10/2010, na qual foi apurado o valor total a pagar de €206.896,61 - cfr. extractos informáticos de fls. 24 e 25, do Processo Administrativo (PA) e fls. 24, dos autos;

A correcção efectuada à matéria colectável declarada pelo grupo derivada, no valor global de €761.399,35, é proveniente do acréscimo de €574.487,65 ao lucro tributável, na sequência de correcção, em igual montante e sentido, produzida ao lucro tributável declarado individualmente pela empresa dominante e da não consideração de €186.911,70 relativo a prejuízos fiscais deduzidos no exercício em causa pelo grupo, em face do ajustamento do reporte de prejuízos efectuado na esfera individual de empresa do grupo – relatório de inspecção a fls. 44 e ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

O ajustamento dos prejuízos fiscais reportados, de que resultou a correcção à matéria colectável de €186.911,70, para determinação da matéria colectável do grupo, derivou da inexistência de tais prejuízos, o mesmo acontecendo com os prejuízos fiscais no valor de €230.073,73 indicados pela impugnante na declaração periódica de rendimentos modelo 22 do grupo, como reportáveis para exercícios futuros - relatório de inspecção a fls. 44 e ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Pela Ordem de Serviço n.º 01200902311 a Impugnante foi sujeita a inspecção em sede IRC do exercício de 2005 - PA;

Através do Oficio n.º 70767/0506, de 16/10/2009, enviado por carta registada com AR, foram notificadas as conclusões do referido procedimento inspectivo – PA e acordo (fls. 157) e fls. 92 e ss.;

Bem como a liquidação de IRC de 2005 n.º 20098500018091, de 28/10/2009 – PA, acordo (fls. 158) e fls. 161;

Liquidação a fls. 161, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com um valor a reembolsar de €65.331,05;

• A Impugnante não reclamou nem impugnou a referida liquidação – fls. 130.

Tudo conforme resulta dos autos e PA, como indicado em cada facto».

3.2. Fundamentação de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que absolveu a Autoridade Tributária do pedido de anulação da liquidação impugnada relativa ao exercício de 2007.

Adiantamos, desde já, que o recurso merece provimento e que a sentença recorrida não pode, por erro de julgamento, manter-se na ordem jurídica.

Vejamos, então, por que assim o concluímos, deixando aqui transcrita, na parte relevante, o que ficou exarado na sentença sob recurso:

Para tanto invoca que na sua declaração de grupo a A…….. SGPS declarou um resultado de €186.911,70 a que deduziu prejuízos fiscais do mesmo montante que anularam a matéria colectável, tendo a AT corrigido esse montante para €761.399,35, devendo-se tal correcção da matéria colectável a três factores: não aceitação da aplicação do art. 31, 2, do EBF a mais valias realizadas pela A………SGPS; não aceitação da aplicação do n.º 4, do art. 56.º do EBF a um donativo concedido pela A…….. SGPS; e não aceitação dos prejuízos reportados pelo grupo.

(…)

Válida e regularmente citada, a Fazenda Publica contestou, por excepção, invocando a caducidade do direito de impugnar a liquidação alegando para tanto que as correcções tiveram origem no exercício de 2005, que a Impugnante não atacou e cujas correcções se repercutem na matéria colectável dos exercícios de 2006 e 2007, pelo que não tendo impugnado aquela liquidação de 2005 já não o pode fazer por intempestividade – fls. 119 e ss.

(…)

Na base do acto de liquidação encontram-se correcções, de natureza meramente aritmética para o exercício de 2007, por ter entendido a AT que se verificavam inexactidões na Declaração de Rendimentos Modelo 22, no âmbito de inspecção efectuada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 01201004174.

A impugnante, tal como a própria refere, é uma sociedade abrangida pelo Regime Especial de Tributação Grupos de Sociedades (RETGS) previsto no art. 63, do CIRC, a empresa dominante e responsável pelo grupo constituído ainda pelas sociedades "A……… Comercial …………. Unipessoal, LDA.", com o NIPC ………… e “C…………., SA.", com o NIPC ………….

A correcção efectuada à matéria colectável declarada pelo grupo derivada, no valor global de €761.399,35, é proveniente do acréscimo de €574.487,65 ao lucro tributável, na sequência de correcção, em igual montante e sentido, produzida ao lucro tributável declarado individualmente pela empresa dominante e da não consideração de €186.911,70 relativo a prejuízos fiscais deduzidos no exercício em causa pelo grupo, em face do ajustamento do reporte de prejuízos efectuado na esfera individual da empresa do grupo "A……..….Comercial Unipessoal, LDA".

Os respectivos motivos e fundamentos que estão na base das correcções litigadas constam do Relatório da Inspecção Tributária.

Aí se pode verificar que no âmbito da actividade desenvolvida pela A………SGPS, a AF desconsiderou a participação social detida na empresa "B………. - SGPS, SA", com a consequente inaplicabilidade do regime fiscal previsto no n.º 2 do artigo 31, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) às mais-valias realizadas com a sua alienação, originando a não permissão da sua exclusão tributária, antes sujeitando-as a tributação, determinando um acréscimo ao lucro tributável declarado de €539.487,65.

O ajustamento dos prejuízos fiscais reportados, de que resultou a correcção à matéria colectável de €186.911,70, para determinação da matéria colectável do grupo, derivou da inexistência de tais prejuízos, o mesmo acontecendo com os prejuízos fiscais no valor de €230.073,73 indicados pela impugnante na declaração periódica de rendimentos modelo 22 do grupo, como reportáveis para exercícios futuros. Esta impossibilidade quer de deduzir prejuízos fiscais no exercício económico de 2007, quer de reportar prejuízos ainda não deduzidos, prendem-se, tão só, com as rectificações a que tais valores já foram sujeitos, em resultado das acções inspectivas realizadas em sede de IRC aos exercícios económicos a que dizem respeito, conforme resulta do Relatório de Inspecção.

Ora, tais rectificações deveriam ter sido sindicadas aquando da notificação do relatório de inspecção e respectiva liquidação do exercício de 2005, o que não ocorreu. Assim sendo, tais correcções consolidaram-se no ordenamento jurídico.

Por outro lado, ficou demonstrado que o Impugnante foi notificado das conclusões do procedimento inspectivo realizado em sede de IRC ao exercício de 2005, tendo sido enviado o Relatório de Inspecção, no qual foi exposta a fundamentação das correcções efectuadas, bem como a fixação da matéria colectável e a liquidação de IRC. A impugnante não reagiu contra o acto tributário de liquidação de IRC daquele exercício, cujas correcções que lhe estiveram subjacentes se repercutiram na matéria colectável dos exercícios económicos seguintes (anos de 2006 e 2007).

Assim sendo, estando aqui em discussão o exercício de 2007 com as correcções à matéria colectável provenientes da correcção efectuada ao exercício de 2005, não impugnado, não pode o Impugnante fazer-se valer do prazo da notificação da liquidação de 2007 para impugnar uma liquidação da qual foi notificado em 2009. Pelo exposto, entendemos que assiste razão à AT, tendo caducado o direito processual da impugnante obter a invalidação daquele acto que adquiriu a sua eficácia preclusiva plena».

Em suma, para o Tribunal a quo todas as correcções que estiveram na génese da liquidação impugnada reportam-se ao exercício de 2005, pelo que, sem prejuízo do reconhecimento, que faz, de que tais correcções tiveram repercussões nos exercícios subsequentes de 2006 e 2007, tendo a liquidação relativa ao ano de 2005 sido notificada à Recorrente em 2009, sem que tenha sido impugnada, ser manifesto que a 9 de Fevereiro de 2011, o acto impugnado há muito se tinha consolidado na ordem jurídica, julgando, assim, verificada a caducidade do direito de acção com a consequente e integral improcedência da presente Impugnação.

3.2.2. A Recorrente, como se vê das conclusões, está conformada com o julgado na parte que respeita à correcção nos prejuízos deduzidos de EUR 186.911,70, por não-aceitação dos prejuízos fiscais reportados pelo grupo, excluindo-a expressamente do objecto do recurso.

Não se conforma, porém, com a sentença na parte em que também julgou caduco o direito de acção relativamente à correcção à matéria tributável de EUR 539.487,65 decorrente da não-aceitação da aplicação do artigo 31º, nº 2 do EBF a mais-valias por ela realizadas no exercício de 2007.

Sublinha, a este propósito, por um lado, que a própria Fazenda Pública não invocou quanto a esse fundamento a caducidade - como não o podia fazer já que dessa correcção a ora Recorrente apenas foi ido notificada com a notificação da liquidação relativa ao exercício de 2007 e demonstração de acerto de contas a 11 de Outubro de 2007 e a presente acção foi instaurada a 9 de Fevereiro de 2011, ou seja, dentro do prazo de três meses previsto no artigo 102º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT); por outro, que a divergência interpretativa sobre a aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF, a correcção da matéria colectável que se lhe seguiu e a impugnação dessa correcção, com exclusivo fundamento nessa norma do EBF, é inteiramente alheia às correcções aos prejuízos registados pelo grupo da recorrente no exercício de 2005.

Já o dissemos, tem razão.

Como resulta da leitura do processo, particularmente da petição inicial, o pedido de anulação da liquidação impugnada, relativa ao exercício do ano de 2007, funda-se na discordância da então Impugnante com a correcção da matéria colectável do grupo de sociedades, de que é empresa dominante, por discordar de três das causas que motivaram as correcções que lhe estão subjacentes: (i) não-aceitação da aplicação do artigo 31º, nº 2, do EBF a mais-valias realizadas pela recorrente, no exercício de 2007, o que provocou uma correcção de EUR 539.487,65; (ii) não-aceitação da aplicação do nº 4 do artigo 56º-D do EBF a um donativo feito pela recorrente, no exercício de 2007, o que envolveu uma correcção de EUR 35.000,00 e (iii) não-aceitação dos prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, que conduziram a uma correcção nos prejuízos deduzidos de EUR 186.911,70.

Como também resulta dos autos, a Autoridade Tributária, em contestação, veio esclarecer (remetendo para o parecer junto no processo administrativo), que na sequência da apresentação desta Impugnação Judicial revogara a liquidação impugnada na parte relativa à correcção efectuada à matéria tributável no valor de € 35.000,00, decorrente da não-aceitação do benefício relativo ao donativo concedido.

No mais, dividiu expressamente a defesa da legalidade da liquidação em duas partes.

Quanto à correcção relativa à não-aceitação dos prejuízos fiscais reportados de exercícios anteriores, no montante de € 186.911, invocou a caducidade do direito de acção, por se tratar de correcção decorrente de prejuízos corrigidos no âmbito da inspecção realizada ao exercício de 2005, cujo relatório e subsequente liquidação tinham sido notificados à Impugnante em 2009, sem que tivesse sido objecto de impugnação (cfr. artigos 8.2. a 13.º da peça processual em referência).

No que concerne à correcção à matéria tributável, no montante de € 539.487,65, decorrente da não-aceitação da aplicação do artigo 31.º/2 do EBF a mais-valias realizadas no exercício de 2007, também impugna a posição da ora Recorrente, limitando-se a remeter para o relatório e a dar como reproduzidos o Parecer e decisão da DRFP, constantes do processo administrativo, que determinara a manutenção, em parte, do ato de liquidação impugnado (cfr. artigo 7.º da contestação).

Ora, quanto a esta ultima correcção, não-aceitação do valor de € 539.487, 65, a título de mais-valiasúnica que nos importa atento o conformismo da Recorrente com o julgado na parte relativa aos prejuízos fiscais reportados de exercícios anterioresnão existem dúvidas quanto à mesma ser absolutamente alheia às correcções relativas ao exercício fiscal de 2005 convocadas na decisão recorrida, a que se referem os cinco últimos “considerandos” do probatório.

Nota-se que a Autoridade Tributária, bem, quer no relatório de inspecção relativo ao exercício de 2007, quer no parecer e decisão já mencionados, teve o cuidado de identificar os três tipos de correcções (artigo 8. do parecer), analisando, depois, cada uma das ilegalidades que lhe eram imputadas [artigos 9. a 29 (correcções às mais-valias, correcção que manteve)., 30. a 44. e 60. (não aceitação do donativo, correcção que revogou) e 45.º a 58.º (correcção aos prejuízos fiscais decorrentes de correcções realizadas ao exercício fiscal de 2005, que manteve por entender que não lhes era aplicável o artigo 32.º do EBF)

Aliás, no relatório de inspecção relativo ao ano de 2007, os Senhores Inspectores exararam de forma clara que foi “em 2007 que A………. SGPS realizou as mais-valias mediante a alienação das partes representativas do capital da B………”) (…) que não têm enquadramento no benefício fiscal previsto no actual artigo 32.º do EBF”. Aí se concluindo, ainda, que “a A……….. SGPS, no exercício de 2007 deduziu indevidamente o valor de € 539.487,65 MODELO 22 de IRC afectando, desta forma, negativamente o apuramento do lucro tributável.».

Na sentença recorrida, a Meritíssima Juíza, sem atentar no recorte fáctico e jurídico realizado pela própria Fazenda Pública, nem no teor do relatório de inspecção e demais elementos documentais por ela juntos, não obstante a eles se reportar no julgamento de facto, julgou ambas as correcções realizadas pela Autoridade Tributária como reportando-se a prejuízos fiscais do ano de 2005, repercutidos nos exercícios posteriores, abrangendo, desta forma, ambas as operações correctivas na excepção de caducidade suscitada.

Em suma, para a Meritíssima Juíza, as correcções no valor de € 539. 487,65 reportavam-se a prejuízos reportados pelo grupo decorrentes de anos anteriores e não a mais-valias realizadas no exercício de 2007, que a Autoridade Tributária, na sequência da inspecção realizada a esse mesmo exercício fiscal, entendeu que não eram integráveis no artigo 32.º do EBF.

É neste contexto que se “compreende” que o Tribunal a quo não tenha dado qualquer relevo ao facto de a Recorrente ter alegado que só tinha sido notificada da liquidação adicional impugnada, relativa ao ano fiscal de 2007, a 11 de Outubro de 2011 (conforme documento n.º 1 que juntou aos autos), que, segundo consta do primeiro “considerando” do probatório (e dos documentos para que aí remete) foi emitida a 6-10-2010. E que, por este motivo, a 9-2-2011 ainda não tinha terminado o prazo previsto no artigo 102.º do CPPT.

Em suma, a sentença recorrida errou ao julgar caduco o direito de acção relativamente à correcção à matéria tributável relativa a mais-valias no valor de € 539. 487,65, realizada na sequência da inspecção promovida ao exercício fiscal do ano de 2007, por factos ocorridos nesse ano, impondo-se, por isso, nesta parte, a sua revogação e a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que conheça da legalidade da liquidação impugnada nesta parte, ampliando para tal, se necessário, o probatório fixado.

4. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concedendo provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que aprecie a legalidade da liquidação na parte relativa à correcção da matéria tributável resultante da não-aceitação de aplicação do artigo 31.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais às mais-valias realizadas pela Impugnante no exercício de 2007, que determinaram a correcção no valor de € 539.487,65.

Custas pela Recorrida, que fica dispensada do pagamento de taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.