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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0766/11.2BEAVR
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CORRECÇÃO
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
RELAÇÕES ESPECIAIS
FIANÇA
GARANTIA BANCÁRIA
AUTONOMIA
Sumário:I - De acordo com o disposto no artº 58º do CIRC (redacção ao tempo dos factos), a AT poderia efectuar correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações.
II - Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.
III - Compete à Fazenda Pública o ónus da prova da existência dessas relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, devendo o acto ser anulado se tal prova não for feita.
IV - A correcção a que se refere o art. 58º do CIRC não pode, pois, assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AT que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo de tal regime.
V - Sendo assim, é de aplicar o citado normativo, considerando-se a existência de relações especiais, quando a recorrente é participada por uma SGPS, com uma participação superior a 70%, integrando o mesmo grupo económico, pertencendo o controlo e a direcção efectiva do Grupo pertence à empresa mãe.
VI - A determinação da situação de condições especiais, diferentes das que seriam normalmente acordadas entre empresas independentes, poderá ser feita pela AT com uma certa margem de discricionariedade técnica desde que adopte um método legítimo e devidamente fundamentado, e que tal situação se enquadre no conceito de relações especiais previsto no art. 9º, nº 1, al. b) do Modelo de Convenção da OCDE.
VII - Face à presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte (art. 75º da LGT), cabe à AT o ónus de prova dos pressupostos que justificam a correcção bem como do valor do preço de plena concorrência, não podendo a correcção a que se refere o art. 58º do CIRC assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AT que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 58º do CIRC.
VIII - Assim, era exigível à AT que demonstrasse que ocorria comparabilidade entre a situação e o serviço prestado pela impugnante à sua participada e o mesmo serviço/situação se prestado por uma empresa independente quando estava em causa a emissão de uma carta de conforto pela Impugnante a uma empresa a si vinculada para que esta tivesse facilidade na obtenção de crédito bancário.
IX - E a carta de conforto aproxima-se mais da figura da garantia pessoal da fiança do que com a figura da garantia bancária, na medida em que a característica essencial é a acessoriedade, que se traduz no facto de a obrigação do fiador se moldar necessariamente à do afiançado.
X - A garantia bancária é uma obrigação assumida por uma instituição de crédito de indemnizar alguém pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso de um contrato sendo que, no caso de incluir uma cláusula “on first demand” (à primeira solicitação ou primeira interpelação), não pode ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia, o que equivale a dizer que o garante assegura a verificação de um determinado resultado, totalmente independente da obrigação assumida.
XI - E a garantia autónoma diferencia-se da fiança precisamente porque aquela não é acessória da obrigação garantida, ao invés, é autónoma com respeito à dívida que garante assim se visando que não possam ser opostas excepções relacionadas com o contrato garantido, ou seja, objecções exteriores ao contrato de garantia, embora possam opor-se excepções próprias deste contrato, como seja o erro na declaração do negócio jurídico ou do prazo de pagamento nele acordado.
XII - Assim, estando em causa contratos em que as sociedades envolvidas se obrigaram conjunta e solidariamente na satisfação do crédito nos exactos termos contratuais, a sua responsabilidade é determinada pelo próprio contrato por imperativo do princípio da liberdade contratual, e, ainda que uma delas seja dominante da outra, a sua posição contratual é própria, nos termos contratuais, e não pode ser transmutada em garantia atípica de obrigações sujeita ao regime de preços de transferência, por falta de verificação dos seus pressupostos.
Nº Convencional:JSTA000P27662
Nº do Documento:SA2202105120766/11
Data de Entrada:11/17/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........................., S.G.P.S., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento: