Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01191/09
Data do Acordão:02/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:AVALIAÇÃO FISCAL
FIXAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
PODERES DE COGNIÇÃO
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
VALOR PATRIMONIAL
IRC
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
Sumário:I - De acordo com o artº 45º, nº 1 do CIMI "O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação".
II - Constando do acto de avaliação os elementos referidos nessa norma e sendo ainda aplicáveis as normas restantes do mesmo artigo de modo a apurar-se o valor tributável, não constitui insuficiência de fundamentação a falta de qualquer explicação expressa sobre o modo como foi encontrada a área (A na ficha de avaliação), pois esta resulta da lei e dos restantes elementos indicados na ficha de avaliação.
III - Tendo o tribunal de 1ª instância deixado de conhecer questões suscitadas pela impugnante na sua petição e pela FP na sua contestação, em virtude desse conhecimento ter sido ficado prejudicado por resposta dada a outra questão, estando em causa questões exclusivamente de direito, cabe ao STA conhecer das questões não apreciadas, em substituição do tribunal de 1ª instância, por força do disposto nos artºs 102º da LPTA e 749º, 762º, nº 1 e 726º todos do CPC.
IV - Tendo as partes já tido oportunidade de se pronunciar em 1ª instância sobre todas as questões a decidir pelo tribunal de recurso, não se justifica nova audição ao abrigo do nº 3 do artº 715º do CPC, uma vez que esta norma visa assegurar o contraditório, sendo que este já foi anteriormente cumprido.
V - Não existe erro de facto na avaliação, se o resultado final constante da respectiva ficha resulta de equação elaborada com base em normas legais e de acordo com valores apurados pela Comissão de Avaliação, não impugnados pelo contribuinte.
VI - Porque são realidades distintas, o valor de um imóvel para efeitos de lucro tributável e o de tributação sobre o património, o facto de ter sido avaliado ao abrigo do CIMI, um imóvel alienado pela impugnante, em montante superior ao do preço da transmissão, não constitui qualquer ilegalidade. Aliás, para efeitos de lucro tributável sempre a impugnante pode fazer uso do disposto nos artºs 58º-A, nºs 1 e 2 e 129º, nº 1 do CIRC.
Nº Convencional:JSTA00066277
Nº do Documento:SA22010021001191
Data de Entrada:12/03/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL/REC JURISDICIONAL.
DIR FISC - IMI.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC96 ART715 N2 N3 ART726 ART729 ART730 ART749 ART762 N1.
CIMI03 ART30 ART40 ART41 ART42 ART43 ART45.
CIRC01 ART58-A ART129.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1850/02 DE 2003/02/12.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. A FAZENDA PÚBLICA veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação deduzida pela sociedade “A…, Ldª”, com os demais sinais dos autos, contra o acto de fixação do valor tributável de um prédio inscrito na matriz predial urbana de Fermentões - Guimarães, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª). Para a recorrente, o Tribunal a quo só podia conhecer do eventual mérito da causa depois de convidada a recorrida a corrigir, a aperfeiçoar o pedido da sua p.i. e uma vez reformulado esse pedido nos termos legalmente admissíveis.
2ª). O Tribunal a quo, salvo melhor opinião, violou o artigo 508°, n°1, alínea b) e n° 2, do CPC, aplicável por força do artigo 2°, alínea e), do CPPT.
Caso se entenda o contrário, o que por mera cautela se admite:
3ª). O perito e representante da recorrida, como qualquer perito e representante, agiu em nome, no interesse e como se a recorrida presente estivesse na diligência de (2ª) avaliação do prédio, tendo as áreas sido rectificadas para os valores indicados pela recorrida e não tendo discordado do VPT fixado.
4ª). O acto que fixou o VPT do prédio (terreno para construção) não merece qualquer censura pois tal acto limitou-se a reproduzir, aderindo e fazendo sua, a decisão técnica e dos técnicos (entre eles o perito e representante da recorrida) que procederam à avaliação daquele terreno mediante a aplicação da regra prevista no artigo 45°, do CIMI e contemplando argumentos aduzidos pela recorrida no seu pedido de (2ª) avaliação, designadamente, áreas do terreno.
5ª). Pelo termo de avaliação (fls. 33 do processo apenso), pela ficha de avaliação (fls. 34 e 35 do processo apenso) e pela notificação do resultado da 2ª avaliação (fls. 20 dos presentes autos) verifica-se que a decisão ou o acto da Administração Fiscal que fixou o VPT do prédio em causa corresponde à decisão técnica e dos técnicos que realizaram a avaliação, entre eles, o técnico e o representante da recorrida.
6ª). O grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado pelo que, no caso dos autos, o acto que fixou o VPT encontra-se fundamentado, ainda que de forma sucinta mas, seguramente, de forma clara e adequada.
7ª). O tribunal a quo violou o artigo 45°, o artigo 76°, n° 2, ambos do CPPT e não valorizou devidamente a jurisprudência deste Tribunal Superior (Acórdão deste STA, de 11 de Dezembro de 2007, recurso n° 615/04).
Nestes termos e nos mais de direito que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deve o presente recurso obter provimento.
II. A Recorrida não contra alegou.
III. O Exmº Magistrado do MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 91 e seguintes, no qual defende a manutenção da decisão recorrida, uma vez que a fundamentação se revela insuficiente, pois que um destinatário normal não ficaria em condições de conhecer o motivo por que decidiu num sentido e não outro qualquer.
IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
a) No dia 25 de Janeiro de 2006, através de escritura pública, a Impugnante declarou vender à sociedade B…, Limitada, que declarou aceitar a venda, pelo preço de 275.000 euros, o prédio urbano composto de terreno para construção, Lote numero 6, situado no lugar da …, freguesia de Fermentões, concelho de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1567.
b) Na sequência da apresentação da Declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz (Modelo 1) apresentada pela sociedade B…, Limitada foi efectuada a avaliação do referido prédio em 22 de Abril de 2007, da qual resultou a atribuição de um valor patrimonial tributário de 597.210,00 euros, nos termos que constam da ficha de avaliação de fls. 12 e 13 do apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
c) A Impugnante, não se conformando com a referida avaliação, requereu a realização de 2ª avaliação nos termos que constam de fls. 15 a 18 do processo administrativo apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
d) Realizada a 2ª avaliação, veio a ser atribuído ao prédio referido o valor patrimonial tributário de 517.330,00 euros, nos termos que constam do termo de avaliação e da ficha de avaliação cujos teores constam de fls. 33 e de fls. 34 e 35 do processo administrativo apenso e aqui se dá por reproduzido.
e) A Impugnante foi notificada do resultado da 2ª avaliação nos termos que constam de fls. 20 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
VI. De acordo com as conclusões das alegações da recorrente, as questões suscitadas no presente recurso são as seguintes:
a) Violação do disposto no artº 508º, nº 1, alínea b) e 2 do CPC;
b) Admissibilidade ou não de impugnação do valor tributário fixado, uma vez que o perito designado pela recorrente deu o seu acordo à avaliação;
c) Insuficiência de fundamentação do acto recorrido.
Então, seriam estas as questões que este Tribunal deveria apreciar.
Porém, como é sabido, os recursos destinam-se a apreciar as decisões dos tribunais de grau hierárquico inferior, em ordem a verificar a sua conformidade com o direito, podendo o tribunal superior alterar ou anular tais decisões, tal como resulta do disposto no artº 685º-A do CPC.
Quer isto dizer que, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso apenas pode conhecer de questões das quais o tribunal recorrido também tenha conhecido. E se, eventualmente, o tribunal recorrido não conheceu de questão submetida à sua apreciação, quando o deveria ter feito, então ocorre omissão de pronúncia conducente à nulidade da decisão (artº 668º, nº 1, alínea d) do CPC).
No caso dos autos, verifica-se que, tendo embora a recorrente suscitado a 1ª questão acima enunciada na sua contestação, o tribunal dela não conheceu, não tendo a recorrente invocado o acima referido vício de omissão de pronúncia no recurso.
Também quanto à 2ª questão, a sentença recorrida dela não tomou conhecimento. Porém, não tinha de o fazer, dado que a decisão assumida prejudicou o conhecimento daquela questão.
Deste modo, subsiste para conhecimento no recurso a questão da insuficiência da fundamentação do acto de avaliação.
VI.1. Para julgar procedente o vício de forma da insuficiência de fundamentação do acto de avaliação, na sentença recorrida escreveu-se o seguinte:
“No caso dos autos, a impugnante alega ocorrer insuficiência na fundamentação do acto alegando que não consegue entender como é que faz incidir o valor de 615,00 euros sobre a área de 3.163,00 m2 quando na 1ª avaliação se tinha feito incidir esse valor sobre a área de 3.665,20 m2.
Afigura-se-nos que a impugnante tem razão.
... Ora da análise da ficha de avaliação através da qual foi fixado o valor aqui em causa, não é possível apreender a razão pela qual na equação de que resultou o valor patrimonial tributário, o valor “A” foi fixado em 3,163,2000.
Com efeito, não consta dessa ficha a concreta explicitação do percurso cognoscitivo que conduziu aquele valor, encontrando-se apenas enunciados os valores respeitantes à área total do terreno, à área de implantação do edifício, à área bruta de construção, à área bruta dependente, às coordenadas X, Y, à percentagem para cálculo da área de implantação, ao tipo de coeficiente de localização e ao coeficiente de localização.
Admite-se que as variáveis enunciadas permitam chegar ao dito valor, no entanto, isso bastará para se ter por satisfeita a exigência constitucional da fundamentação dos actos administrativos, porquanto, de acordo com a norma do artº 268º, nº 3 da CRP, a fundamentação deve ser acessível. Manifestamente, isso não sucede no presente caso.
Aliás, a explicitação que consta da parte final da ficha de avaliação e que pretende dar a conhecer o significado da fórmula utilizada é, ela própria pouco clara, tendo sobretudo em vista que está em causa a avaliação de um terreno para construção.
Com efeito, diz-se aí: “Tratando-se de terrenos para construção, A= área bruta de construção integrada de Ab, sendo que “Ab representa as áreas brutas dependentes”.
Ora, desde logo, não é inequívoco o significado da expressão “integrada” aplicada a uma operação aritmética, e, por outro lado, tomando como referência a área bruta de construção (4.538,0000m2) e o valor das áreas brutas dependentes (1.964,0000m2) que constam da ficha, não vemos qual a operação que permite o resultado de 3.163,2000”.
A recorrente, por sua vez, entende que “O grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado pelo que, no caso dos autos, o acto que fixou o VPT encontra-se fundamentado, ainda que de forma sucinta mas, seguramente, de forma clara e adequada”.
Com efeito, “Pelo termo de avaliação (fls. 33 do processo apenso), pela ficha de avaliação (fls. 34 e 35 do processo apenso) e pela notificação do resultado da 2ª avaliação (fls. 20 dos presentes autos) verifica-se que a decisão ou o acto da Administração Fiscal que fixou o VPT do prédio em causa corresponde à decisão técnica e dos técnicos que realizaram a avaliação, entre eles, o técnico e o representante da recorrida”.
VI.2. Com a última reforma fiscal sobre o património, operada pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou o Código do IMI e o Código do IMT, o legislador pretendeu introduzir objectividade, justiça e imparcialidade nas avaliações de imóveis, nomeadamente através da introdução de critérios objectivos como sejam a adopção de fórmulas matemáticas e tabelas, tal como resulta do disposto nos artºs 37º a 46º do CIMI.
No caso dos autos, está em causa a avaliação de terreno para construção, relativamente à qual o artº 45º do citado CIMI dispõe o seguinte:
“Artigo 45º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 — O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 — O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 — Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 42º.
4 — O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do nº 4 do artigo 40º”.
Importa ainda ter em atenção outras normas relevantes nesta matéria, nomeadamente, os artºs 39º, 40º, 41º, 42º e 43º do Código do Imposto Municipal de Imóveis.
Ora, sendo assim, e estando os valores necessários ao cálculo deste valor patrimonial indicados a fls. 34 do apenso, não é necessária qualquer outra fundamentação para se chegar ao resultado legal. Isto é, os elementos constantes da ficha de avaliação são suficientes e correspondem aos critérios legais para se compreender o modo como se chegou ao valor patrimonial.
De todo o modo, sempre a recorrida poderia ter pedido ao respectivo Serviço de Finanças esclarecimentos sobre o modo como foi obtido o referido valor de “A” = 3.163,2000m2.
Situação diversa é a de o valor enunciado de 3.163,2000m2 como correspondendo a “A” não estar correcto em face dos critérios legais. Dito de outro modo, se o valor indicado padece de erro de facto por se basear em áreas erradas ou de erro de cálculo, então estaremos perante questão que se prende com o mérito e não com vício de forma do acto impugnado.
Pelo que ficou dito, considerando-se fundamentada a avaliação, a decisão recorrida não pode manter-se, procedendo o recurso, pelo que caberia remeter os autos ao tribunal recorrido para conhecimento das outras questões suscitadas pela recorrente na petição inicial - erro de facto na fixação do valor e erro de direito.
Acontece, porém, que o tribunal tributário não conheceu dos outros vícios suscitados pelo impugnante na petição inicial, porque o conhecimento do vício de forma acima referido, prejudicou o conhecimento daqueles.
Ora, nestes casos, estabelece o artº 715º, nº 2 do CPC que: “ Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, (na jurisdição administrativa e fiscal, os tribunais centrais administrativos) se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Esta norma é também aplicável aos recursos interpostos para o STA, por força dos artºs 102º da LPTA, 749º e 762º, nº 1 do CPC, sendo certo que, por força do artº 726º deste mesmo diploma, ao recurso de revista se aplica também aquela norma (artº 715º, nº 2).
E isto sucederá, desde que não esteja em causa matéria de facto, já que, neste caso, seria de dar cumprimento aos artºs 729º e 730º do CPC.
Ora, as matérias a apreciar na petição e na contestação constituem questões exclusivamente de direito, oferecendo os autos todos os elementos de facto necessários à decisão.
Cabe aqui referir, no entanto, que de acordo com o artº 715º, nº 3 citado, antes de proferida a decisão, deveriam as partes ser ouvidas, pelo prazo de dez dias, tendo em vista garantir o exercício do contraditório.
Porém, tal como ficou escrito no Acórdão deste Tribunal e Secção, de 12.02.2003 - Recurso n.° 1850/02, essa audição não se justifica quando as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar sobre todas as questões a apreciar pelo tribunal de recurso em substituição do tribunal recorrido.
A argumentação utilizada naquele aresto e com a qual se concorda, é a seguinte:
“Segundo o n.º 1 do artigo 9º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Ora, como se lê no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que, procedendo a profunda reforma do CPC, introduziu a sobredita redacção no artigo 715°, com ela, "consagra-se expressamente a vigência da regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido", "assegurado que seja o contraditório e prevenido o risco de serem proferidas decisões surpresa."
É que, nos termos do n.º 3 do artigo 3° do mesmo compêndio adjectivo, o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Segue-se que o n.º 3 do falado artigo 715° rege para os casos em que não tenha sido previamente assegurado o princípio do contraditório e/ou prevenido o risco de decisão surpresa. Para tal aponta, claramente, a lógica, a coerência, a harmonia do sistema jurídico”. (Neste sentido se pronunciou também o Acórdão de 05.05.2004 – Recurso nº 207/2004).
Ora, as partes já tiveram ocasião de se pronunciar sobre as questões que irão ser apreciadas – a recorrente na contestação e a recorrida na petição inicial. Sendo assim, entende-se não haver necessidade de ouvir as partes.
Posto isto, passemos às questões suscitadas na petição inicial e na contestação apreciação do pedido da impugnante que são as seguintes:
a) Erro de facto na fixação do valor (nºs 9.1 a 9.4 e 9.7 da petição);
b) Erro de direito na avaliação (nºs 10.1 e segs. da petição);
c) Impropriedade do meio (nºs 19 e 20 da contestação),
Comecemos pelo conhecimento da questão enunciada em último lugar.
VI.3. A Fazenda Pública entende que, visando o pedido da impugnante obter a declaração de nulidade da notificação do resultado da 2ª avaliação, a impugnação judicial não constitui meio adequado para esse efeito. Deste modo, e não podendo o Tribunal corrigir o pedido em substituição da impugnante, não pode conhecer pedido diferente do formulado, pelo que deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a FP da instância.
Vejamos se tem razão.
É certo que o pedido da impugnante é no sentido de que “esta impugnação, seja totalmente procedente, e por via disso, ser declarada nula e de nenhum efeito a notificação que lhe foi efectuada na sequência do seu pedido de 2ª avaliação ao prédio supra identificado”. Porém, no seu articulado o que a impugnante sempre pôs em causa foi a validade da avaliação por a considerar padecendo de erro de facto e de erro de direito. E, apesar da fórmula final do pedido, depreende-se que o que a impugnante pretende é, efectivamente, a anulação da 2ª avaliação.
Sendo assim, não ocorre qualquer erro na forma do processo.
VI.4. Segundo a impugnante, verificar-se-á erro de facto na fixação do valor, porque os cálculos efectuados através da planta de arquitectura não terão sido determinados com rigor, influenciando o resultado final (nº 9.7 da petição – fls. 4 “in fine”). Isto porque a área de 3.163,2000m2 (e não 3.163,00m2 como por lapso refere), constante de “A” na ficha de fls. 35 do apenso, não se consegue obter através da fórmula constante do artº 40º do CIMI.
Vejamos então se os valores apurados pelos peritos avaliadores conduzem ou não ao valor de “A” - área referida na ficha de avaliação de fls. 35 do apenso.
De acordo com ficha de avaliação que constitui fls. 34 do apenso, e para a qual remete o facto da alínea d) do probatório, os elementos fixados para a avaliação do terreno, foram os seguintes:
Área total do terreno – 1.100,0000m2
Área de implantação do edifício – 897,0000m2
Área bruta de construção – 4.538,0000m2
Área bruta dependente – 1.964,0000m2
Percentagem para cálculo da área de implantação – 22,00
Tipo de coeficiente de localização – Habitação
Coeficiente de localização – 1,20
Considerando o disposto no artº 45º do CIMI e no artº 40º, nº 3 do mesmo diploma, temos que o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é encontrado pela fórmula: Vt implantação+Vtadjacente. Equação elaborada de acordo com os artºs 45º e 40º, nº 3, ambos do CIMI.
Vtiimplantação = Vc x [(Abc – Ab) + (Ab x 0,3)] x %ai x Ca x Cl x Cq em que:
Vc Valor base dos prédios edificados
Abc Área de construção autorizada ou prevista
Ab Área bruta dependente
%ai Percentagem da área de implantação
(variando entre 15 e 45% do valor das edificações previstas ou
autorizadas)
Ca Coeficiente de afectação
Cl Coeficiente de localização
Cq Coeficiente majorativo para moradias unifamiliares (só se aplica o cq
neste caso)
Vtadjacente = Vc x [(Ac x 0,025) + (Ad x 0,005)] x Ca x Cl x Cq
em que:
Vc Valor base dos prédios edificados
Ac Área do terreno livre até ao limite de duas vezes a área de
implantação
Ca Coeficiente de afectação
Cl Coeficiente de localização
Cq Coeficiente majorativo para moradias unifamiliares (só se aplica o
cq neste caso)
Da conjugação de Vtimplantação e de Vtadjacente resulta o seguinte desenvolvimento da equação geral:
Vt = Vc x [(Abc – Ab) + (Ab x 0,3) x %ai + (Ac x 0,025) + (Ad x 0,005)] x Ca Cl x Cq
Preenchendo esta equação com os valores constantes da ficha de avaliação acima referidos, temos:
517.330,00 = 615,00 (4538-1964+1964 x0,3) x22,00+203x0,025+0,0000x1,00x1,20 x1,00.
Neste caso o valor de “A” - 3.163,20m2 resulta de (Abc-Ab)+(Ab x 0,3) =(4.538,0000m2 -1964)+(1964 x0,3)= 3.163,20m2
Conclui-se, do que ficou dito, que o valor patrimonial tributário se encontra calculado de acordo com os critérios e fórmulas legais e os valores apurados, pelo que não sofre de erro de facto.
VI.5. Relativamente ao erro de direito, com todo o respeito devido, parece-nos que a impugnante elabora numa confusão entre imposto sobre rendimento – IRC e imposto sobre o património – IMI.
Com efeito, vem a impugnante invocar a sua contabilidade para defender que o valor do imóvel avaliado deve ser o do preço declarado na transmissão. Ora, tal como refere a Fazenda Pública na sua contestação, uma coisa é o valor real, comercial e corrente resultante de acordo entre quem compra e quem vende, outro o valor patrimonial tributário para efeitos fiscais.
Para efeitos de imposto sobre o rendimento (IRC), estabelecem os artºs 58º-A e 129º, ambos do CIRC:
Artigo 58º-A
Este artigo foi aditado pelo artigo 6º do Decreto –Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro.
Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1. Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
Artigo 129º
Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”.
Portanto, para efeitos de lucro tributável, nada obsta a que a recorrente veja considerado na sua contabilidade o valor de 275.000,00 euros que refere ter sido o do preço da transmissão, contanto que cumpra o disposto nas normas acima transcritas.
Já o valor para efeitos de inscrição na matriz e tributação sobre o património é determinado por regras próprias fixadas no CIMI, acima citadas.
Trata-se, portanto, de realidades distintas sendo que, no caso dos autos, a avaliação nada tem a ver com o princípio da capacidade contributiva ou da tributação do rendimento real, pelo que a avaliação não padece de ilegalidade ou ofensa de princípios constitucionais, tendo decorrido de acordo com as normas legais aplicáveis.
VII. Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar decisão recorrida e, em substituição do tribunal de 1ª instância e ao abrigo do disposto nos artºs 726º e 715º, nº 2 do CPC, julgar improcedente a impugnação.
Custas pela impugnante em 1ª instância e neste Tribunal, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Pimenta do Vale.