Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0261/14.8BEPNF 0614/17
Data do Acordão:10/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ARQUIVAMENTO
USURPAÇÃO DE PODER
Sumário:I - A oposição à execução é o meio processual adequado para discussão da legalidade do despacho de reversão proferido em processo de execução fiscal (arts.151º nº1 e 204 nº1 al.b) CPPT)
II - Enferma de vício de usurpação de poder a decisão de arquivamento da oposição à execução proferida pelo OEF, após revogação de despacho de reversão, na medida em que o poder para a prática daquele acto se inscreve na competência exclusiva do tribunal tributário (art.103º nº1 segundo segmento LGT; art.151º nº1 CPPT)
III - A reclamação para o tribunal tributário é o meio processual adequado de reacção contra aquele acto ilegal praticado pelo OEF (art.276º CPPT)
IV - Não constitui fundamento procedente de oposição à execução contra posterior despacho de reversão, proferido após revogação de antecedente despacho de reversão (designadamente com invocação do art. 204º nº1 al.i) CPPT), o ilegal arquivamento pelo OEF da oposição à execução, na medida em que a ilegalidade da decisão de arquivamento não inquina a legalidade do posterior despacho de reversão, objecto da segunda oposição à execução
Nº Convencional:JSTA000P24988
Nº do Documento:SA2201910090261/14
Data de Entrada:05/24/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.RELATÓRIO
1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no TAF Penafiel em 3 fevereiro 2017, a qual julgou procedente a oposição deduzida por A………………. no processo de execução fiscal nº 1759201201017845 (SFPenafiel), e, em consequência, declarou a nulidade do acto de arquivamento da oposição deduzida no processo de execução fiscal nº 1759201209000348 (SF Penafiel) e absolveu a oponente da instância de execução fiscal

Culminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida contra a execução fiscal, movida por reversão, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1759201201017845 e apensos, no valor global de € 120.162,46, originariamente instaurado contra a sociedade comercial B………………, Lda., NIPC: ………………, e a correr termos no Serviço de Finanças de Amarante.

B. Constituem fundamentos de tal oposição (I) Nulidade do despacho de reversão, por vício de usurpação de poderes e violação do princípio da instância executiva, (II) Falta dos pressupostos de direito e de facto para operar a reversão, designadamente a ilegitimidade pela falta de exercício da gerência de facto, inexistência do pressuposto da insuficiência de bens da devedora originária e ausência de culpa do responsável subsidiário.

C. Defendeu-se a Fazenda Pública argumentando, entre outros fundamentos, essencialmente (para efeito de objecto do presente recurso), que a oposição à execução fiscal não é o meio próprio para sindicar da legalidade do acto que revogou o primitivo despacho de revogação e que arquivou a primeira oposição, sem a competente remessa da mesma a Tribunal, cabendo tal sindicância no processo de reclamação de actos praticados pelo órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT;

D. Mais defende que, atenta a extemporaneidade da petição apresentada, não é a presente acção susceptível de ser convolada em tal meio processual, peticionando pela improcedência da pretensão do Oponente.

E. A douta sentença sob recurso julgou procedente a presente oposição, com a consequente declaração de nulidade do acto que ordenou o arquivamento da primeira oposição à execução fiscal apresentada pelo aqui Oponente, por vício de usurpação de funções, absolvendo, por conseguinte o Oponente da instância (ficando prejudicado o conhecimento dos demais pedidos, subsidiariamente apresentados na petição inicial).

F. Considerou o Tribunal a quo, para fundamentar a decisão tomada, que “Apesar de não ter o Oponente, na presente acção, lançado mão de tal incidente autónomo, mas pretendendo que seja declarada nulidade de todo o processado em execução fiscal com fundamento no incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT, considera o Tribunal que tal fundamento se enquadra no disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do mesmo código, assim improcedendo o aduzido pela Fazenda Pública quanto ao erro na forma do processo, o que desde já se declara.”

G. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que da prova produzida não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro de julgamento na apreciação da matéria de direito, uma vez que não efectuou correcta subsunção dos factos dados como provados à norma jurídica invocada – artigo 204.º, n.º 1, alínea i) e artigo 280.º (certamente por lapso foi referido este artigo, pois dever-se-ia pretender referir o art.208.º), n.º 1, ambos do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário), pelas razões que passa a expender:

H. A pretensão formulada pelo Oponente em sede de petição inicial – pedido de declaração de “nulidade do novo despacho de reversão”, devendo a “primitiva oposição à execução, apresentada em 26.11.2012, ser remetida ao Tribunal competente para desta conhecer nos precisos termos aí exarados” – foi qualificada juridicamente de forma indevida pelo Tribunal “a quo”, ao enquadrar tal fundamento no disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea i), do CPPT.

I. A questão que se coloca é a de saber se o pedido formulado pelo Oponente, em sede de petição inicial, é fundamento de Oposição à execução, nos termos da alínea i), do n.º 1, do artigo 204.º, do CPPT, conforme refere a douta Sentença de que se recorre.

J. Entende a Fazenda Pública que o pedido de declaração de nulidade do novo despacho de reversão”, em virtude da primitiva oposição à execução, apresentada em 26.11.2012, não ter sido, como devia, remetida ao Tribunal competente para desta conhecer nos precisos termos aí exarados, seria sempre fundamento de reclamação nos termos do artigo 276.º, e seguintes, do CPPT – meio processual adequado a fazer valer aquela pretensão – a deduzir aquando da notificação do arquivamento da primitiva oposição ao ora Oponente/Recorrido, e nunca de oposição, como o fez agora.
- Vejamos:

K. Conforme o facto dado como provado n.º 7 (fls. 7/28 da sentença recorrida), foi o aqui Oponente/Recorrido, notificado, por intermédio da sua mandatária, em 03.06.2013, através de ofício n.º 2362, “ (…) de que por despacho de 31-05-2013, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças no processo supra identificado, de que se junta cópia, foi revogado o despacho de reversão de 11-10-2012. Mais fica notificado de que o processo de execução fiscal n.º 1759201209000348 foi arquivado neste Serviço de Finanças.”12

L. Ora, se não concordava com o arquivamento do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1759201209000348, e pretendia que a oposição àquele PEF fosse apreciada, julgada e decida, conforme dita a legislação aplicável, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal competente, deveria, desde logo, suscitar junto do órgão de execução fiscal a imediata remessa da primitiva oposição a Tribunal,

M. e do eventual indeferimento da sua pretensão, reclamar judicialmente do respectivo despacho, nos termos do artigo 276.º, do CPPT.

N. Não o tendo feito, conformou-se com o destino dado à mesma – o seu arquivamento.
- Mais,

O. Ainda que não o tivesse concretizado aquando da notificação do ofício com a informação do arquivamento no Serviço de Finanças do PEF 1759201209000348, sempre o Oponente/Recorrido teria a possibilidade de, na sequência da notificação/citação do novo despacho de reversão, poder deduzir reclamação, nos termos do artigo 276.º, do CPPT, contra a decisão de arquivamento da primitiva oposição no Serviço de Finanças, sem a competente remessa da mesma a Tribunal, conforme determina o artigo 208.º, n.º 1, do CPPT.

P. Não o tendo feito, e tendo optado por apresentar apenas oposição à execução fiscal, usou de meio processual impróprio para obter o fim que pretendia – nulidade do novo despacho de reversão, em virtude da decisão de arquivamento da primitiva oposição à execução fiscal apresentada.

Q. A reclamação judicial, nos termos do artigo 276.º, do CPPT, “é o meio processual adequado para impugnar decisões proferidas no âmbito do processo de execução fiscal, pelo que a pretensão aí deduzida visará, em regra, a anulação de uma determinada decisão ou acto em concreto (o acto reclamado) e não a anulação ou extinção da própria execução.

R. Não pode colher a justificação avançada na douta Sentença de que se recorre, no sentido de fundamentar a decisão tomada com o teor do Acórdão do STA, de 15.02.2012, no processo n.º 098/12, do qual transcreve um excerto a fls. 19 e 20.

S. Na verdade, naquele Acórdão, ao contrário do que sucede nos presentes autos, está em causa uma reclamação do acto do órgão de execução fiscal, conforme defende a Fazenda Pública, e não uma Oposição à execução fiscal,

T. razão pela qual, não poderá proceder a fundamentação jurisprudencial avançada na douta Sentença recorrida,

- Pelo contrário,
U. Do excerto do referido Acórdão, transcrito a fls. 19 e 20 da douta sentença recorrida, resulta precisamente o entendimento perfilhado pela Fazenda Pública, no sentido de que apenas através de uma reclamação judicial será possível obter o efeito pretendido;

V. Face aos elementos e aos factos dados como provados, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que o incumprimento do disposto no artigo 208.º, n.º 1, do CPPT não se enquadra no disposto na alínea i), do n.º 1, do artigo 204.º, do CPPT, pelo que não pode ser considerado fundamento de oposição à execução fiscal,

W. mas sim de reclamação judicial nos termos do artigo 276.º, do CPPT.

X. Por outro lado, sempre seria inviável a convolação da petição inicial de Oposição em Reclamação judicial nos termos do artigo 276.º, do CPPT, uma vez que a Oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Amarante em 09.07.2013 – facto provado n.º 19,

Y. ao passo que a decisão de arquivamento da primitiva oposição comunicada ao Oponente, através do seu mandatário(a), ocorreu em 03.06.2013 – facto provado n.º 7,

Z. facilmente se concluindo pela intempestividade da mesma, atento o prazo referido no artigo 277.º, do CPPT, ter sido largamente ultrapassado.

AA. Salvo melhor opinião, não andou bem a douta sentença ao concluir como “Apesar de não ter o Oponente, na presente acção, lançado mão de tal incidente autónomo, mas pretendendo que seja declarada nulidade de todo o processado em execução fiscal com fundamento no incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 280.º (será lapso, o artigo correcto é o 208.º) do CPPT, considera o Tribunal que tal fundamento se enquadra no disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do mesmo código, assim improcedendo o aduzido pela Fazenda Pública quanto ao erro na forma de processo, o que desde já se declara.”

BB. Ao decidir no sentido que decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, fazendo errada interpretação e aplicação dos artigos 208.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea i), ambos do CPPT.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA!

2. A recorrida não apresentou contra-alegações

3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso e da confirmação da sentença recorrida (processo físico fls.749 / 750)


4. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. O Oponente foi sócio da sociedade comercial designada “B……………., Lda.”, com o NIPC ……….., com sede na Rua …….., ………., nº ………., Fração ………, freguesia de São Gonçalo, no concelho de Amarante;
2. O Oponente assumiu o cargo designado de “gerente” da sociedade comercial identificada em 1. desde a data da sua constituição;
3. A 08/04/2012, foi instaurado contra a identificada sociedade comercial o processo de execução fiscal nº 1759201201017845 para cobrança coerciva de coimas, no montante de € 108,45 e cujo prazo legal de pagamento voluntário havia findado a 27/03/2012;
4. Durante os meses de Abril a Agosto de 2012, foram ainda instaurados contra a identificada sociedade comercial mais 11 processos de execução fiscal, apensos ao processo identificado supra, relativos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Imposto sobre o Valor Acrescentado e contraordenações, e que perfazem o valor total de € 144.827,10;
5. Por carta registada com aviso de receção, assinada a 12/10/2012, foi comunicado ao Oponente despacho de reversão do processo de execução identificado em 3.supra, e respetivos apensos, para a efetivação da responsabilidade tributária subsidiária do ora Oponente;
6. A 27/11/2012, o Oponente apresentou junto do Serviço de Finanças de Amarante petição inicial de oposição ao processo de execução fiscal;
7. A 03/06/2013, pelo Ofício nº 2362, o Chefe Adjunto do Serviço de Finanças de Amarante enviou uma comunicação à mandatária do Oponente com o seguinte teor: “Fica V. Exa. notificado, na qualidade de mandatária de A……………, de que por despacho de 31-05-2013, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças no processo supra identificado, de que se junta cópia, foi revogado o despacho de reversão de 11-10-2012. Mais fica notificado de que o processo de execução fiscal nº 1759201209000348 foi arquivado neste Serviço de Finanças.”;
8. Do supra referido despacho consta o seguinte: “Visto que do despacho de reversão contra A……………… não constam as provas da sua gerência de facto, nem as provas da insuficiência do património da devedora originária para o pagamento das dívidas, revogo esse despacho e de seguida profiro novo despacho. (…) O presente processo respeita a dívidas de IRS de retenções na fonte dos meses de Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro a Março de 2012, de IVA de Julho e Outubro de 2011 e de coimas em pagamento nos meses de Fevereiro, Setembro, Novembro e Dezembro de 2011 e Março de 2012, no total de € 144.827,10. A sociedade tem em execução a dívida total de € 182.665,93. Conforme consta do auto de diligências, à sociedade executada, B……………, Lda., não são conhecidos bens penhoráveis suficientes para garantir o pagamento da dívida e acrescido.
Por sentença de 16 de Março de 2012 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante (Proc. 294/12.9), foi declarada a insolvência da sociedade, o que demonstra a insuficiência do seu património para pagamento das suas dívidas. Conforme determina o nº 7 do artigo 23º da LGT, a declaração de insolvência implica que os processos de execução fiscal só poderão ser remetidos ao Tribunal para apensação ao processo de insolvência depois de feita a reversão contra os responsáveis subsidiários. Foi preparado o processo para a reversão contra os responsáveis subsidiários. Consultados os elementos disponíveis, as bases de dados da DGCI e a certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial, verificam-se que foram gerentes da sociedade desde o início A…………….., residente na ……….., ………….. –………. – Amarante e C…………, residente na ………….. – ………, ………….. – Rio Tinto. Foram notificados para exercerem, querendo, o direito de audição prévia, o que não fizeram. Por elementos colhidos junto da Delegação de Amarante do Instituto da Segurança Social, verifica-se que A………………….. se encontrou inscrito e efetuou descontos como sócio gerente da sociedade. Pelos elementos disponíveis neste serviço de finanças, verifica-se que A…………… recebeu e declarou, com referência aos anos de 2004 a 2012, rendimentos de trabalho pagos pela sociedade. Pelas razões apontadas e pelos elementos do processo, verifica-se que A…………….. exercia a gerência de facto quando decorria o prazo de pagamento ou entrega dos impostos em execução, não tendo provado que não lhe é imputável a falta de pagamento. Assim, em face da insuficiência do património da sociedade para satisfação da dívida exequenda e acrescido, reverta a execução das dívidas tributárias contra A………………, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, por ter sido gerente da sociedade quando decorria o prazo de pagamento ou entrega, não tendo provado que não lhe é imputável a falta de pagamento, sem prejuízo de o processo ficar suspenso após o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património da devedora originária. (…)”;
9. Por decisão proferida a 16/03/2012, no âmbito do processo nº 294/12.9TBAMT que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, foi a identificada sociedade comercial declarada insolvente;
10. À data da declaração da insolvência, a sociedade comercial tinha créditos sobre clientes no valor de € 1.165.348,35;
11. O Oponente exercia as funções de ferrageiro no âmbito do exercício da atividade da devedora originária;
12. No âmbito das suas funções, o Oponente não determinava quais as obras que a devedora originária ia executar nem dava ordens a funcionários daquela, apenas exercendo por vezes as funções de encarregado de obra;
13. O Oponente auferia remuneração da categoria A, no montante equivalente ao que é pago a um ferrageiro;
14. Os cheques para pagamento de salários eram assinados por C………….;
15. Era C…………. quem dava ordens aos trabalhadores da devedora originária;
16. Era C………. quem assinada declarações venda de veículos automóveis para registo de propriedade;
17. A assinatura do Oponente figurava nas fichas de assinatura dos bancos ……….., …, …….. e …………, como podendo realizar operações em nome da devedora originária, juntamente com C……. e D………………..;
18. A 04/11/2015, pelo Ofício nº 4010, a AT comunicou a este Tribunal uma informação relativa ao ora Oponente, e com o seguinte teor: “Em resposta ao ofício/notificação em referência, de 29-10-2015, informo que não foram localizados neste Serviço de Finanças requerimentos ou qualquer outro documento subscrito pelo oponente em representação da executada originária
19. A presente oposição à execução fiscal deu entrada no Serviço de Finanças de Amarante em 09/07/2013.

2.2. DE DIREITO
2.2.1. QUESTÃO DECIDENDA: determinação do meio processual adequado de reacção contra a ilegalidade de despacho de reversão proferido em 31.05.2013 no processo de execução fiscal nº 1759201201017845 (SF Penafiel)

2.2.2. Segundo entendimento de doutrina qualificada e jurisprudência consolidada o meio processual adequado para a discussão da legalidade do acto de reversão é a oposição à execução fiscal, de preferência à reclamação contra actos do órgão da execução fiscal (arts.151º nº1 e 204º nº1 al.b) CPPT; acórdãos STA-SCT 29.06.2005 processo nº501/05; 8.03.2006 processonº1249/05; 4.06.2008 processo nº 76/08; 25.06.2008 processo nº 123/08;19.11.2008 processo nº 711/08; 27.05.2009 processo nº 448/09; 29.03.2017 processo nº 0453/16; na doutrina Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 5ª edição Volume II p.355)
Para aferir da forma de processo adequada é relevante o pedido de tutela jurisdicional formulado, e não as causas de pedir invocadas como fundamento da pretensão, cuja procedência/improcedência apenas se reflecte no mérito da causa e no sentido da decisão (art.581º nºs 3 e 4 CPC)
No caso concreto o oponente deduziu oposição contra o despacho de reversão proferido em 31.05.2013 e formulou o pedido de procedência da oposição com os seguintes fundamentos:
- nulidade do novo despacho de reversão;
- falta de verificação dos pressupostos legais da reversão, especificamente o inexercício efectivo da gerência e a ausência de culpa do oponente na situação de insuficiência de bens da devedora principal para satisfação da quantia exequenda (arts 23º nº2 e 24º nº1 LGT; art.153º nº2 CPPT)
Neste contexto a oposição à execução constitui a forma processual adequada à discussão da legalidade do despacho de reversão cuja anulação se pretende (extinção na formulação do pedido expressa na petição, cf. processo físico fls.18).
O despacho de reversão cuja legalidade está em causa foi proferido no em 31.05.2013 no PEF nº …845 após revogação de anterior despacho de reversão proferido em 11.10.2012 (factos provados nºs 7 e 8)
É inquestionada a legalidade do acto administrativo de revogação do primeiro despacho de reversão, com fundamento na sua invalidade, praticado no exercício de competência expressamente conferida ao OEF (art. 141 nº1 CPA aprovado pelo DL nº442/91,15 novembro; art.208º nº2 CPPT)
A decisão de arquivamento da oposição foi proferido com violação da competência legal conferida ao OEF, o qual apenas poderia revogar o despacho de reversão, fundamento da oposição, até ao termo do prazo para o envio do processo ao tribunal de 1ª instância (art.208º nº2 CPPT); e não arquivar o processo de oposição, matéria da competência exclusiva do tribunal tributário (art.103º nº1 segundo segmento LGT; art.151º nº1 CPPT) (factos provados nº 7)
Aquela decisão, embora inquinada por vício de usurpação de funções, consolidou-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, por ausência de reclamação no prazo peremptório de 10 dias após a sua notificação ao oponente (factos provados nº7/ art.133º nº2 al.a) CPA revogado; art.161º nº1 al.a) CPA vigente; art.276º CPPT/no sentido da peremptoriedade do prazo, ainda que com invocação pelo reclamante de causa de nulidade, pronunciou-se o recente acórdão STA-SCT 25.09.2019 processo nº 673/19.0BESNT)
Não obstante, a ilegalidade do despacho do OEF restringe os seus efeitos colaterais ao processo de oposição onde foi proferido, determinando a sua nulidade por usurpação de funções e o envio do processo ao tribunal tributário para eventual proferimento de decisão de extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide (art.277º al.e) CPC/art.2º al.e) CPPT); não interferindo no desenvolvimento normal da tramitação do PEF nem inquinando a legalidade do posterior despacho de reversão, proferido no PEF, e não no processo de oposição indevidamente arquivado (factos provados nº 19),
Resulta das considerações antecedentes que aquele despacho de ilegal arquivamento, embora abstractamente invocável como fundamento de oposição (art.204º nº1 al.i) CPPT),constitui fundamento improcedente no caso concreto, na medida em que não tem eficácia para determinar a anulação do despacho de reversão, cujos pressupostos de validade subsistem (art.23º nº2 LGT; art.153º nº2 CPPT)
A sentença impugnada não pode igualmente subsistir porque o seu dispositivo exprime decisões juridicamente contraditórias:- por um lado julga a oposição procedente, pressupondo a apreciação do mérito da causa (com fundamento no art.204º nº1 al.i) CPPT, como exprime o discurso jurídico da sentença fls.20); o que teria como consequência jurídica a extinção do PEF revertido contra o oponente;
- por outro lado absolve o oponente da instância, pressupondo a verificação de excepção dilatória obstativa do conhecimento do mérito da causa (art.576º nº2 e 577º CPC)
Sendo improcedente o fundamento de oposição apreciado na sentença (art.204º nº1 al.i) CPPT) deve o processo regressar ao tribunal tributário para pronúncia sobre os fundamentos da oposição não apreciados: ausência dos pressupostos da responsabilidade subsidiária imputada ao oponente


3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso (com a fundamentação enunciada);
em consequência
-declarar a adequação da forma processual utilizada pelo oponente e a improcedência do fundamento da oposição apreciado (art.204º nº1 al.i) CPPT); - ordenar a devolução do processo ao TAF Penafiel para conhecimento dos fundamentos da oposição não apreciados
Custas pela recorrida, sem taxa de justiça no Supremo Tribunal Administrativo por não ter apresentado contra-alegações (art.7º nº 2 RCP)

Lisboa, 9 outubro 2019. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - José da Ascensão Nunes Lopes.