Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02801/13.9BEPRT
Data do Acordão:02/16/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INSOLVÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - A declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador, assumindo o mesmo a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (cf. artigos 81.º, n.ºs 1 e 4 do CIRE).
II - Assim, exige-se que a notificação de liquidação tributária efectuada após a declaração de insolvência seja efectuada na pessoa do administrador da insolvência, exigência que não pode ter-se como cumprida se a Administração Tributária enviou a notificação para a caixa postal electrónica da sociedade (cf. artigo 41.º do CPPT).
III - Nesta situação, a sociedade em liquidação pode opor-se à execução fiscal em que estão a ser cobradas dívidas tributárias, com fundamento em inexigibilidade da dívida exequenda (artigo 204.º, n.º 1, alínea i) do CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P28993
Nº do Documento:SA22022021602801/13
Data de Entrada:01/21/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO


1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a Oposição Judicial deduzida por “A………. Lda.”, e com ela se não conformando, interpôs o presente recurso jurisdicional.

1.2. Tendo alegado, aí formulou as seguintes conclusões:

«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a Oposição apresentada por A……… Lda. NIPC …….., no processo de execução fiscal nº 1910201301015648, para cobrança coerciva de Imposto Sobre o Valor Acrescentado, dos períodos de Fevereiro, Setembro e Dezembro de 2010, no montante global de EUR 952.461,46.
B. A douta sentença considerou procedente a oposição, ordenando consequentemente a extinção da execução, quanto ao argumento aduzido pela Oponente da falta de notificação [válida] da liquidação que subjaz à dívida exequenda dentro do prazo de caducidade do prazo de quatro anos uma vez que as notificações eletrónicas não chegaram ao conhecimento, quer do seu gerente, quer do seu administrador de insolvência.
C. O Tribunal a quo considerou provados, entre outros, os seguintes factos:
“B. Por sentença de 22 de Maio de 2012, proferida pelo 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia no âmbito do processo n.º 900/11.2TYVNG, foi declarada a insolvência da ora Oponente A………., Lda. e nomeado Administrador de Insolvência, o Dr. B………...
(…)
J. Por ofícios de 04 de Dezembro de 2012, emitidos pela Direcção de Serviços de Cobrança da Autoridade Tributária e Aduaneira, sob o assunto de “Notificação”, dirigidos à sociedade ora Oponente, foram enviadas, através do sistema Via CTT, o conteúdo das liquidações identificadas na alínea antecedente.
(…)
K. Em 6 de Dezembro de 2012, os ofícios referidos na alínea antecedente foram entregues na caixa postal electrónica da sociedade ora Oponente melhor identificada no Ponto A) do presente elenco.”
D. Da factualidade provada, designadamente dos factos supra transcritos a decisão de que se recorre retirou as seguintes consequências jurídicas:
“Na verdade, como é bom de ver, sem prejuízo de resultar do probatório coligido que as notificações das liquidações que subjazem à dívida exequenda tenham sido efectivamente realizadas através da entrega dos respectivos ofícios de notificação na caixa postal electrónica da Oponente [Pontos I) a K) do elenco dos factos provados] [artigo 39.º, n.º 7 a 10 do CPPT], o certo é que estas não foram [como deveriam ser] expressamente dirigidas ao Administrador de Insolvência que havia sido nomeado e remetidas para o seu respectivo domicílio profissional [ou para a sua caixa postal electrónica] indicado no ponto 3.º da decisão de declaração de insolvência [Rua ………., 4900 - …. Viana do Castelo, conforme ponto 3 a fls. 63 do processo físico].”
(…) o facto de a sociedade declarada insolvente manter a sua personalidade jurídica até ao encerramento da liquidação [artigo 146.º do Código das Sociedades Comerciais], não afasta a necessidade de a sua representação em matéria patrimonial e tributária dever passar sempre pelo administrador da insolvência que fora nomeado, pois é a ele que legalmente compete essa representação. Destarte, considerando que à data em que a notificação das liquidações foi dirigida e remetida para a sociedade ora Oponente [6 de Dezembro de 2012], esta já havia sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado [4 de Julho de 2012], encontrando-se, nessa altura, em fase de liquidação, então dúvidas não devem subsistir de que as liquidações que subjazem à dívida exequenda não foram validamente notificadas, uma vez que essa notificação deveria ter sido efectuada na pessoa do administrador de insolvência [artigos 81.º, n.º 4, do CIRE e 41.º, n.º 3, do CPPT]. E, se assim é, não há como não concluir que, não sendo eficazes os actos de liquidação, por lhes faltar um elemento extrínseco, integrativo de eficácia [artigo 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT], a respectiva dívida exequenda que daí proveio se torna legal e inelutavelmente inexigível [artigo 204.º, n.º 1, alínea e), do CPPT].”
E. A douta sentença concluiu não subsistirem dúvidas de que as liquidações que subjazem à dívida exequenda não foram validamente notificadas uma vez que essa notificação deveria ter sido efetuada na pessoa do administrador de insolvência nos termos dos artigos 81º nº 4 do CIRE e artigo 41º nº 3 do CPPT.
F. A Fazenda Pública não se conforme com o assim decidido.
G. O nº 4 do artº 81 do CIRE dispõe que o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.
H. Dispõe o nº 1 do art.º 41 do CPPT que a notificação ou citação das pessoas coletivas, será realizada na sua caixa postal eletrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
I. Depois, o nº 2 preceitua que, não podendo efetuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do ato, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa coletiva ou sociedade.
J. O nº 3 do artº 41º ao referir que “O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa coletiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efetuada na pessoa do liquidatário, constituirá exceção ao nº 2 daquele artigo 41º do CPPT, mas não ao seu nº 1.
K. Mantendo-se em nosso entendimento a norma do nº 1, que diz textualmente que a notificação ou citação das pessoas coletivas, será realizada na sua caixa postal eletrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
L. Determina o n.º 9 do art. 19.º da LGT (redação Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) que os sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português são obrigados a possuir caixa postal eletrónica e a comunicá-la à administração fiscal.
M. Nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 151.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, as entidades sujeitas a IRC tinham a obrigação de criar a caixa postal eletrónica e comunicá-la à AT, até 30 de Março de 2012.
N. Ou seja, a adesão às notificações eletrónicas, com a ativação da caixa eletrónica, está consignada na lei, com carácter obrigatório para todos os sujeitos de IRC e/ou de IVA.
O. Nos termos do n.º 9 do art. 39.º do CPPT, as notificações efetuadas por transmissão eletrónica de dados consideram-se feitas no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica.
P. Assim, o art.º 41.º do CPPT determina que as pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal eletrónica.
Q. E, mais uma vez ressalvado o devido respeito por diversa opinião, a Fazenda Pública entende que o preceituado no nº 3 do artº 41º do CPPT não vem excecionar o disposto no nº 1 daquele artigo, mas o previsto no nº 2.
R. Caso constituísse o nº 3 regime excecional afigura-se que o legislador teria proferido “O disposto nos números anteriores” incluindo no regime excecional toda e qualquer notificação, desde que a pessoa coletiva ou sociedade se encontrasse em fase de liquidação ou falência.
S. No panorama atual, as notificações e as citações de agentes económicos designadamente das sociedades comerciais, assumem cada vez mais a forma eletrónica, obedecendo a critérios de celeridade e de economia de recursos físicos que oneram a despesa do Estado enquanto organização.
T. No rumo traçado, a Administração Pública Portuguesa, incluindo a que proporciona o exercício do poder judicial tem vindo, por sucessivas alterações aos códigos que regulam os processos judiciais, a evoluir para uma administração pública eletrónica, onde tem de garantir celeridade, desburocratização e qualidade dos serviços prestados;
U. Assim, não se compreende porque, chegados à fase de insolvência, se entende que o administrador fica excluído do dever de aceder a caixa eletrónica da sociedade, quando nada na lei o exclui do acesso ou mesmo dessa obrigação.
V. Incumbindo nos termos do nº 4 do art.º 81º do CIRE ao administrador de insolvência a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, não se compreende que o administrador de insolvência fique excluído do dever de assegurar o acesso à caixa eletrónica da sociedade, por ser este o meio que a lei elegeu como meio preferencial para que a Administração Pública em, geral e a AT, em particular, se relacionar com o contribuinte.
Termos em que, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida fez errada interpretação e consequente errada aplicação do preceituado nos nº 4 do artº 81º do CIRE e nos nºs 1, 2 e 3 do artº 41º e nº 9 do artº 39 do CPPT, devendo ser revogada».
1.3. A Recorrida, notificada da interposição do recurso, contra-alegou, finalizando a defesa do julgado nos seguintes termos:

«I. As notificações remetidas à insolvente em data posterior à declaração da insolvência e da comunicação do encerramento do estabelecimento relativas a correção à matéria tributável são obrigatoriamente remetidas ao administrador da insolvência através de carta registada.

II. A douta sentença recorrida interpreta corretamente o art. 81º-4 do CIRE e os art. 41º-1, 2 e 3 e 39º-9, do CPPT (este último atualmente revogado).

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, após realizar uma profunda excursão sobre o regime das notificações electrónicas e sobre os poderes conferidos ao Administrador de Insolvência, concluiu o seu douto parecer promovendo que seja negado provimento ao recurso.

1.5. Colhidos os vistos, submetem-se os autos à conferência para decisão.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso, emerge teor das conclusões que a questão principal a decidir é apenas uma, qual seja, a de saber se a notificação de uma liquidação adicional oficiosa, relativa a créditos fiscais emergentes de facto tributário anterior à declaração de insolvência de uma sociedade mas determinado posteriormente a essa declaração, ou seja, vencidos após a declaração, só é eficaz se for notificada ao Administrador Judicial por carta registada com aviso de recepção, por força do preceituado, conjugadamente, nos artigos 81.º, n.º 4 do CIRE e 41.º, n.º 3 do CPPT (como decidiu a sentença recorrida) ou, pelo contrário, tal eficácia em nada fica afectada se essa notificação tiver sido realizada via ctt, para a caixa electrónica da insolvente, devendo, neste caso, julgar-se que produz todos os seus efeitos, nos termos dos artigo 41.º, n.º 1 e 39, n.º 9 do CPPT e 19.º, n.º 9 da LGT, a partir do momento em que o sujeito passivo acede à caixa postal ou, não realizando tal acesso, decorridos 25 dias contados da data em que essa notificação foi recepcionada (como defende a Recorrente).

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Na sentença recorrida ficaram apurados os seguintes factos:

A. Em 5 de Abril de 2012, a sociedade ora Oponente aderiu ao sistema de notificação Via CTT [cf. admissão por acordo; impressão constante do documento n.º 4 junto com a contestação a fls. 109 do processo físico]

B. Por sentença de 22 de Maio de 2012, proferida pelo 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia no âmbito do processo n.º 900/11.2TYVNG, foi declarada a insolvência da ora Oponente A…………, Lda. e nomeado Administrador de Insolvência, o Dr. B………. [cf. cópia da certidão de fls. 55 a 69 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzida]

C. Por anúncio n.º 12881/2012, publicado na 2ª série do Diário da República, n.º 114 de 14 de Junho de 2012, o 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia publicitou o conteúdo da declaração de insolvência identificada na alínea antecedente [facto notório, de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea c), primeira parte, do CPC aqui aplicável por via do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT e acessível na seguinte hiperligação https://dre.pt/application/conteudo/3338614].

D. A secretaria do 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia passou certidão no âmbito do processo identificado na alínea antecedente, onde consta, além do mais, que “a sentença transitou em julgado em 4 de Julho de 2012[cf. certidão de fls. 158 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]

E. Em 4 de Julho de 2012, o 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia proferiu, em assembleia de credores constituídos no processo n.º 900/11.2TYVNG, o seguinte despacho:

“(…) Tendo em consideração a deliberação, declara-se encerrado o estabelecimento compreendido na mesma, ordenando-se a sua imediata liquidação (…) Oficie à ATA para os fins requeridos a fls. 218 (…)” [cf. cópia de acta de fls. 205 e seguintes do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]

F. Por despacho de 10 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 900/11.2TYVNG, o 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia determinou, além do mais, o seguinte:

“(…) O ofício deste tribunal – referência 1842935 de 05-7-2012, sob o assunto "encerramento fiscal" - diz tão só "Por ordem do Meritíssimo Juiz solicita-se a Vª Exa. se digne providenciar no sentido de proceder ao encerramento fiscal em sede de IVA e IRC da insolvente infra identificada"

(…)

Vejamos então como poderia/ deveria ter sido o cumprimento do mesmo despacho judicial: "Comunica-se a V.ª Ex.ª para efeitos de cessação de actividade em sede de IRC e IVA que, na assembleia de credores de 04-07-2012, foi deliberado o encerramento da actividade do estabelecimento explorado pela insolvente abaixo identificada, nos termos do n. º 2 do artigo 156.º, pelo que se extinguem todas as obrigações declarativas e fiscais da mesma, por força do disposto no artigo 65.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa na redacção da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril”.

Neste contexto, até para evitar consequências desvaliosas para o A.I. ou subsequentes incidentes processuais, p. se proceda a novo cumprimento da comunicação anteriormente efectuada ao serviço de finanças, com o cuidado similar ao que se sugeriu.” [cf. cópia constante de documentos n.º 2 e 3 junto com a resposta da Oponente a fls. 173 e 174 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]

G. Por ofício de 20 de Setembro de 2012, dirigido ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1, sob o assunto “Comunicação art. 65.º, n.º 3, do CIRE”, o 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia comunicou, além do mais, o seguinte:

“(…) Para efeitos de cessação de actividade em sede de IRC e IVA, levo ao conhecimento de V. Exa. de que em Assembleia de Credores realizada nos autos supra referenciados e que se junta cópia, foi deliberado o encerramento da actividade do estabelecimento insolvente (…) com a consequente extinção de todas as obrigações declarativas e fiscais.” [cf. ofício de fls. 204 e acta de fls. 205 e seguintes do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]

H. Em 18 de Outubro de 2012, os serviços da Divisão de Inspecção Tributária IV da Direcção de Finanças do Porto concluíram a acção inspectiva levada a cabo ao IRC e IVA do exercício de 2010 da sociedade ora Oponente, no âmbito da qual foram introduzidas correcções de natureza aritmética, respectivamente, nos montantes de EUR 1.568.270,40 e EUR 882.267,32 [cf. cópia junta como documento n.º 1 da contestação a fls. 93 e 94 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]

I. Em 4 de Dezembro de 2012, na sequência da correcção identificada na alínea antecedente, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, em nome da sociedade ora Oponente, as seguintes liquidações adicionais de IVA:

Tipo de LiquidaçãoPeríodoNº de liquidaçãoData pagamentoValor (€)
Imposto2010/12
12138300
31.01.2013
7.365,64
Imposto2010/09
12138298
31.01.2013
874.901,68
Juros compensatórios2010/12
12138301
31.01.2013
498,04
Juros compensatórios2010/09
12138299
31.01.2013
67.978,66
Juros compensatórios2010/09
12138297
31.01.2013
1.620,34
Juros compensatórios2010/09
12138296
31.01.2013
97,10
[cf. documento n.º 3 da contestação, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]

J. Por ofícios de 04 de Dezembro de 2012, emitidos pela Direcção de Serviços de Cobrança da Autoridade Tributária e Aduaneira, sob o assunto de “Notificação”, dirigidos à sociedade ora Oponente, foram enviadas, através do sistema Via CTT, o conteúdo das liquidações identificadas na alínea antecedente [cf. ofícios em documento n.º 2 junto com a contestação a fls. 95 e seguintes do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]

K. Em 6 de Dezembro de 2012, os ofícios referidos na alínea antecedente foram entregues na caixa postal electrónica da sociedade ora Oponente melhor identificada no Ponto A) do presente elenco [cf. cotejo entre o “número de liquidação adicional” constante dos ofícios de notificação e o número “código documento” indicado nas impressões de fls. 2, 4, 6, 8, 10 e 12 do documento n.º 2 junto com a contestação a fls. 96, 98, 100, 102, 104 e 106 do processo físico]

L. Em 26 de Fevereiro de 2013 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 contra a sociedade ora Oponente, o processo de execução fiscal n.º 3190201910201301015648 originado por dívidas provenientes de IVA e respectivos juros compensatórios relativos aos períodos de Fevereiro, Setembro e Dezembro de 2010, da qual resultou o montante de imposto a pagar de EUR 952.461,46. [cf. autuação e certidões de dívida, respectivamente, em fls. 79 e seguintes do SITAF e fls. 5 e seguintes do processo físico].

M. Em 10 de Outubro de 2013, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 emitiu o ofício de citação para o processo de execução fiscal identificado na alínea antecedente, dirigido a C………., na qualidade de gerente da sociedade ora Oponente, do qual consta como quantia exequenda o montante de EUR 952.461,46 referentes a IVA de Fevereiro, Setembro e Dezembro de 2010 e respectivos juros compensatórios [cf. Ofício em fls. 79 e seguintes do SITAF e fls. 20 do processo físico].

N. Em 18 de Outubro de 2013, o aviso de recepção do ofício de citação identificado na alínea antecedente foi assinado por C……….. [cf. recibo de recepção dos CTT em fls. 23 do processo físico].

3.2. Fundamentação de Direito

3.2.1. Deixámos já assente que a única questão que cumpre decidir é a de saber se na sentença recorrida foi cometido erro de julgamento ao decidir que nos autos se verifica a inexigibilidade da dívida exequenda por a notificação das liquidações que lhes deram origem não ter sido efectuada na pessoa do administrador da insolvência e para o domicílio profissional deste.

3.2.2. A questão enunciada foi, perante circunstancialismos de facto e de direito substancialmente idênticos, recentemente apreciada e decidida por esta Secção e Tribunal com fundamentação que, sem qualquer reserva, subscrevemos, razão pela qual nos limitamos, acolhendo-a, a transcrever na parte pertinente:

«2.2.2 DA NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO A SOCIEDADE DECLARADA INSOLVENTE

No caso, é inequívoco que as liquidações foram efectuadas após a declaração de insolvência da sociedade, o que significa que, à data em que foram realizadas as diligências para a notificação daqueles actos tributários, já a sociedade estava privada dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que deixaram de competir aos seus administradores e se transferiram para o administrador da insolvência. Na verdade, com a declaração de insolvência abre-se uma nova fase na vida da sociedade – a sua liquidação –, na qual competem em exclusivo ao administrador da insolvência os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, incluindo os de representação para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, como resulta do disposto no art. 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE (Diz o art. 81.º do CIRE, nos seus n.ºs 1 e 4:

«1- Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.

[…]

4- O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência».)).

Assim, como bem salientaram o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, a notificação das liquidações era a efectuar na pessoa do representante da sociedade para os efeitos de carácter patrimonial, ou seja, na pessoa do administrador da insolvência.

Argumenta a Recorrente que a notificação era a efectuar para a caixa postal electrónica da sociedade notificanda, nos termos da primeira parte do n.º 1 do art. 41.º do CPPT, tendo em conta que esta era obrigada a ter essa caixa e que a lei impõe que a notificação seja efectuada por esse meio; mais argumenta, interpretando o art. 41.º do CPPT, que o n.º 3 apenas afasta a aplicação do n.º 2, o que, a seu ver, significa que apenas impõe a notificação na pessoa do administrador da insolvência quando a notificação seja a efectuar pessoalmente e já não quando, como no caso, a notificação é a efectuar para a caixa postal electrónica da notificanda; argumenta ainda que o administrador da insolvência podia e devia ter pedido a senha de acesso àquela caixa postal. Por isso, conclui que «após a declaração de insolvência as notificações das sociedades não são obrigatoriamente feitas na pessoa do Administrador de Insolvência por força do disposto no artigo 41.º, n.º 3 do CPPT».

Antes do mais recordemos o teor do art. 41.º o CPPT:

«1- As pessoas colectivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal electrónica ou na sua área reservada do Portal das Finanças, nos termos previstos no artigo 38.º-A, ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.

2- Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.

3- O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário».

O principal argumento da Recorrente é o de que o n.º 3 apenas afasta a aplicação do n.º 2 do art. 41.º do CPPT, ou seja, apenas determina a notificação na pessoa do administrador da insolvência quando a notificação for a efectuar pessoalmente e já não quando, como no caso, a notificação é a efectuar para a caixa postal electrónica da notificanda, nos termos da primeira parte do n.º 1 do mesmo artigo.

Salvo o devido respeito, a Recorrente extrai do n.º 3 do art. 41.º, designadamente do seu segmento inicial, onde refere «[o] disposto no número anterior não se aplica» um argumento que a melhor interpretação do artigo não autoriza.

Antes do mais cumpre ter presente que o n.º 1 do art. 41.º do CPPT, na sua redacção original, não comportava a possibilidade de a notificação ser efectuada na caixa postal electrónica da sociedade ou pessoa colectiva a notificar (Nem «na sua área reservada do Portal das Finanças, nos termos previstos no artigo 38.º-A», possibilidade que foi introduzida pela mais recente alteração da norma, efectuada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019). À data, esse preceito dizia: «As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem». A referida possibilidade só veio a ter consagração legal com a alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2012).

Assim, na redacção inicial do preceito não faria sentido que o n.º 3 do art. 41.º do CPPT, em ordem a assegurar que, em caso de sociedade declarada insolvente, a notificação ou citação da mesma se fizesse na pessoa do administrador da insolvência, se referisse senão ao “número anterior”: é que a notificação e citação da sociedade não estavam previstas serem efectuadas senão na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes e isto, quer fossem efectuadas por via postal quer o fossem por contacto pessoal (Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume I, notas 2 e 3 ao art. 41.º, págs. 400/401).

O referido n.º 3 permite, no entanto, dele extrair um princípio geral, em harmonia com o regime da insolvência, qual seja o de que as notificações a efectuar a uma sociedade declarada insolvente devem ser efectuadas na pessoa do administrador da insolvência (Princípio que, relativamente à citação, encontra também expressão no art. 156.º do CPPT.)). Só assim se assegura que a notificação chegue ao efectivo conhecimento deste e sejam salvaguardados os interesses que o legislador visa com a sua nomeação.

Com a referida alteração na redacção do n.º 1 do art. 41.º do CPPT, o legislador passou a permitir que a notificação ou citação de uma sociedade se fizesse na sua caixa postal electrónica, visando assim substituir o tradicional envio de correspondência por via postal, se bem que tenha mantido outros meios de notificação e citação. Mas essa alteração não significa que o legislador se tenha desinteressado por que os administradores ou gerentes tivessem efectivo conhecimento da notificação ou citação; significa apenas que presume que o acesso a essa caixa postal é efectuado por eles, que são os representantes legais da sociedade, ou por alguém a quem eles tenham cometido esse encargo.

A possibilidade de a notificação da sociedade ser efectuada através da caixa postal electrónica não significa, pois, que tenha havido uma diminuição na exigência de que o acto notificando chegue ao efectivo conhecimento da sociedade notificanda, mais concretamente, ao conhecimento dos seus representantes legais. Ora, no caso em que a sociedade foi declarada insolvente, a representação dela, se bem que restrita aos aspectos patrimoniais que relevem para a insolvência, está cometida ao administrador da insolvência (cf. n.º 4 do art. 81.º do CIRE), motivo por que, como prescreve o n.º 3 do art. 41.º do CPPT, deverá a notificação ser efectuada na sua pessoa.

Poderá argumentar-se, como o faz a Recorrente, que o administrador deve diligenciar pela obtenção da senha de acesso à caixa postal electrónica e manter-se atento às notificações que aí sejam recebidas.

Mas não podemos olvidar, por um lado, que «os órgãos sociais do devedor mantêm-se em funcionamento após a declaração de insolvência» (cf. n.º 1 do art. 82.º do CIRE), pelo que não é inequívoco que o administrador da insolvência possa obter esse acesso e, por outro lado, que o administrador da insolvência, apesar de lhe estar cometida a representação da sociedade para fins patrimoniais, não é a sociedade, nem tem a estrutura empresarial dela ao seu dispor, pelo que não se pode, razoavelmente, exigir que possa desempenhar funções que, em algumas empresas, estarão cometidas a muitas pessoas, apoiadas por recursos técnicos que não estão ao alcance do administrador da insolvência.

Tudo a aconselhar que se mantenha o princípio desde sempre assumido pelo legislador e que melhor garante o princípio, constitucionalmente consagrado, do direito à notificação dos actos da Administração (cf. n.º 3 do art. 268.º da CRP), que se nos afigura ser o resultante da melhor interpretação do art. 41.º, n.º 3, do CPPT: a notificação da liquidação tributária efectuada a uma sociedade que tenha sido declarada insolvente deve ser feita na pessoa do administrador da insolvência.

Se o legislador pretendia que, mesmo relativamente às sociedades em liquidação, a notificação dos actos tributários efectuados após a declaração de insolvência pudesse ser efectuada na sua caixa postal electrónica e não na pessoa do administrador da insolvência, deveria tê-lo deixado inequivocamente expresso, o que não fez.

A sentença recorrida, que assim o entendeu e, por isso, decidiu no sentido de que as liquidações que deram origem às dívidas exequendas não podem considerar-se validamente notificadas e, em consequência, julgou a oposição à execução fiscal procedente com fundamento na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, não merece a censura que lhe é feita pela Recorrente» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-11-2020, proferido no processo n.º 871/19.7BEAVR, integralmente disponível em www.dgsi.pt).

3.2.3. Há, pois, com esta fundamentação, que concluir pela total improcedência das alegações de recurso jurisdicional e pelo não provimento deste, o que, a final, se decidirá.

3.2.4. Custas pela Recorrente, integralmente vencida na presente instância de recurso (artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 280.º do CPPT).

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2022 - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.