Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0674/14.5BESNT
Data do Acordão:04/24/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24473
Nº do Documento:SA2201904240674/14
Data de Entrada:01/21/2019
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:INSTITUTO DO TURISMO DE PORTUGAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………… S.A., impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o ato de liquidação da contrapartida anual relativa ao ano de 2013, referente à concessão da zona de jogo do ………, no montante de 7.118.875,31€, que engloba, designadamente, o imposto especial de jogo, peticionando que esta liquidação seja considerada ilegal.
Aquele Tribunal, por sentença de 22/10/2018, julgou a ação improcedente.
É dessa decisão que a impugnante, ora recorrente, vem interpor o presente recurso para este Supremo Tribunal, terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1ª) Na presente impugnação judicial, a ora recorrente contestou a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, referente à chamada "contrapartida anual" exigida às empresas concessionárias da actividade do jogo;
2ª) A referida contrapartida anual está prevista e regulada no Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10 e é constituída por 50% das receitas brutas dos jogos explorados nos Casinos;
3ª) O referido Decreto-Lei n° 275/2001, de 17/10, estabelece, também, que a referida contrapartida anual não pode ser inferior a um determinado montante, mesmo que o valor dos 50% das receitas brutas dos jogos não atinja esse mínimo;
4ª) Essa contrapartida anual tem a natureza de um imposto, desde logo porque, ao menos em parte, é pago através das liquidações de Imposto do Jogo e, fundamentalmente, porque se trata de uma prestação definitiva, pecuniária, coerciva e que não corresponde a uma contra prestação específica;
5ª) Não obstante exista um contrato de concessão celebrado entre o Estado e a recorrente para a exploração de jogos de sorte e azar, essa contrapartida anual não tem matriz contratual;
6ª) O contrato de concessão limita-se a reproduzir o conteúdo de actos legislativos anteriores - o Decreto-Regulamentar n° 56/84, de 3/8 e o Decreto-Lei n° 275/2001, de 17/10;
7ª) A exigência do pagamento da contrapartida anual e a sua fórmula de cálculo estão estabelecidos nos referidos instrumentos legais;
8ª) Além de que, recorde-se, o pagamento, ao menos em parte, dessa contrapartida é feita com os pagamentos do Imposto de Jogo, imposto esse previsto em acto legislativo - DL n° 422/89, de 2/12;
9ª) A circunstância de haver um contrato de concessão e de a recorrente ter "aceite" o pagamento de tributos, não sana as inconstitucionalidades e/ou ilegalidades dos tributos (Imposto do Jogo e contrapartida anual) já que o Estado e os particulares apenas podem validamente obrigar-se dentro dos limites que a Constituição lhes permite;
10ª) Aliás, o STA, a propósito da questão da competência da jurisdição fiscal, já se pronunciou no sentido de que a contrapartida é um tributo;
11ª) Não há, assim, ao invés do decidido na douta sentença recorrida, qualquer impossibilidade de se apreciar as ilegalidades que a recorrente considera existirem na impugnada liquidação da contrapartida;
12ª) É que a referida liquidação é ilegal porque o diploma, com base na qual foi emitida tal liquidação (Decreto-Lei n° 275/2001, de 17/10) é organicamente inconstitucional por violação dos art.ºs 103°, n° 2 e 165°, n° 1, i), da Constituição da República Portuguesa;
13ª) É que o Decreto-Lei n° 275/2001, foi aprovado sem ser com base em qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo;
14ª) Acresce que, conforme referido, uma parte da contrapartida anual é paga através de pagamentos do Imposto do Jogo;
15ª) Ora, o Imposto do Jogo está previsto no Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12, diploma esse aprovado com base na autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei nº 14/89, de 30/6;
16ª) Porém, essa autorização legislativa é amplamente genérica, não cumprindo o requisito constitucionalmente expresso de definir com rigor e precisão, "o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma" (cf., à época, o art° 168º, nº 11 e, hoje, o art° 165°, da Constituição).
17ª) Na medida em que está em causa matéria fiscal, que é da competência da Assembleia da República, o referido Decreto-Lei n° 422/89, é organicamente inconstitucional e, portanto, ilegais as liquidações de Imposto do Jogo e, deste modo, ilegal a contrapartida, na parte em que ela é constituída por tal imposto;
18ª) Por outro lado, sendo, como é, a "contrapartida anual" um imposto, a sua exigência/liquidação é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real;
19ª) Na verdade, a "contrapartida anual" incide sobre as receitas brutas obtidas pela recorrente e o valor de tal contrapartida nunca pode ser inferior a um mínimo estabelecido na lei;
20ª) O que quer dizer, portanto, que a recorrente é tributada de forma completamente desligada do seu rendimento real/efectivo, podendo ocorrer, até, uma relação inversamente proporcional entre as receitas que obtém e o tributo que é forçado a suportar;
21ª) No limite, com a consagração de uma "contrapartida mínima" poderia a recorrente não ter quaisquer receitas e, não obstante, está obrigada a pagar a contrapartida;
22ª) Aliás, o próprio imposto de jogo que, conforme referido, "integra" a contrapartida anual, é também inconstitucional por violação desses princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real;
23ª) É que, como decorre do artº 85º da Lei do Jogo (Decreto-Lei nº 422/89), a tributação sobre os chamados "jogos bancados" incide sobre a receita bruta, afastando-se, assim, do lucro real e efectivo;
24ª) E, quanto à tributação sobre as máquinas automáticas, ela incide sobre um "capital" fixado administrativamente pelo Turismo de Portugal, IP, havendo, deste modo, uma tributação sobre meras presunções de rendimento;
25ª) Deste modo, a impugnada liquidação é ilegal, pelo que não pode manter-se a douta sentença recorrida.

O recorrido contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Considerando que as questões em discussão nos autos já foram anteriormente resolvidas por este STA em sentido contrário ao defendido pela recorrente e que a matéria de facto é essencialmente a mesma em todos os processos, por uma questão de economia dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório da sentença recorrida.

As questões suscitadas pela recorrente, no presente recurso, foram já apreciadas, entre outros, no recurso n.º 01037/14, (0891/17), de 23.01.2019.
Estamos perante idêntica situação de facto em que o quadro normativo aplicável é o mesmo.
Acresce que as conclusões do presente recurso são em tudo semelhantes às que foram apresentadas naquele recurso.
E o STA apreciou, ainda, as mesmas questões nos acórdãos 01681/14.3BESNT (01357/17) de 23-01-2019, e 01671/13.3BESNT (0351/18) de 30-01-2019, em sentido idêntico.
Porque se acompanha a referida decisão bem como a respetiva fundamentação remete-se para o primeiro dos acórdãos referidos (n.º 01037/14, (0891/17), de 23.01.2019) no qual se escreveu o seguinte:
"4.1. Considerando a evolução histórica da regulamentação jurídica das concessões do jogo e do modo como foram legal e contratualmente definidas as respectivas contrapartidas, o que se constata é que embora a exploração do jogo não se reconduza a uma actividade de interesse público, ela tem sido objecto de intervenção legislativa por parte do Estado, com vista à regulação (sobretudo através do instrumento jurídico da "concessão") dos vários sectores em que aquela se desenvolve, bem como à diminuição do interesse pelo jogo ilícito e clandestino.
Por isso, como sublinha o Prof. Vieira de Andrade (no parecer junto aos autos), a concessão da exploração de jogos de fortuna e azar haveria de operar-se num contrato pré-regulado por lei «(não constituindo a prestação de um serviço público), mediante uma forte contrapartida patrimonial, dado o alto potencial lucrativo da actividade (exercida em exclusivo territorial), com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo. E, neste contexto, também a necessária tributação desta actividade concessionada, enquanto actividade económica, haveria de ser especial: opta-se, desde sempre, no que respeita à exploração do jogo, pela substituição dos impostos regulares (hoje, IRC, IVA, Imposto de selo) por um imposto de regime especial, também com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo.»
Sendo que, no entanto, cada uma das prestações financeiras (a contrapartida patrimonial fixada no contrato de concessão do direito e o imposto estabelecido pela lei) «tem a sua estrutura específica, independentemente da finalidade comum e das suas interconexões práticas: uma, a contrapartida, tem natureza administrativa e contratual, outra, o imposto, tem natureza tributária e legal.»
E neste entendimento as contrapartidas pecuniárias (quer a inicial, quando prevista, quer a anual) não terão natureza tributária mas, antes, patrimonial, reconduzindo-se à «contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo a concessão numa zona territorial pré-determinada», independentemente até de o pagamento do imposto de jogo contribuir, juntamente com outros pagamentos, para a realização e preenchimento da contrapartida anual (casos há, aliás, em que não há que pagar qualquer contrapartida anual, mas somente imposto de jogo).
E nem a circunstância de no Decreto n° 14.643, de 3/12/1927 (diploma que inicialmente regulou a actividade do jogo) se considerar na epígrafe que antecede os arts. 44º e seguintes, a menção «Imposto sobre o jogo. Sua consignação», não obstante o art. 45º se reportar ao pagamento das contrapartidas, nem a circunstância de os valores destas poderem ser consignados às mesmas entidades e finalidades do imposto de jogo, tem a virtualidade de determinar a mutação da natureza jurídica da prestação financeira patrimonial em prestação tributária. Estas obrigações financeiras (contrapartidas financeiras mínimas ou de natureza não pecuniária devidas como contra prestação pela concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como o modo de pagamento das mesmas - cfr. o art. 11º, nº 4 e) da Lei do Jogo - e assumidas pela concessionária por efeito da concessão) têm fundamento diferente do imposto e constituem receitas de natureza patrimonial.
Acresce que, como igualmente se acentua no parecer citado, a distinção entre ambas as figuras também não é afectada pelo facto de existir uma pré-fixação legal dos montantes e das formas de cálculo e de pagamento: tal prática é frequente nos contratos de concessão, «cujas bases contratuais são, em regra, estabelecidas na lei» e «a obrigação de pagamento destes montantes não nasce coactivamente da lei, mas do contrato de concessão, dado que só existe, a título de remuneração do exclusivo concedido, para as empresas que aceitam, nas condições estabelecidas na lei, ser concessionárias do Estado na exploração do jogo», sendo normal «que a contrapartida pela outorga de um direito de exclusivo para a exploração de um bem ou de um serviço seja calculada a partir de uma percentagem da receita das concessionárias», sendo que também as «receitas patrimoniais podem em regra ser consignadas a finalidades específicas de interesse público - as limitações orçamentais à consignação reportam-se, essencialmente, ao domínio dos impostos» (aliás, relativamente à contrapartida, prevêem-se casos em que o pagamento do imposto do jogo se soma integralmente ao pagamento da contrapartida anual, e casos em que o pagamento deste é deduzido no cálculo da contrapartida anual, o que bem mostra que imposto e contrapartida não são a mesma coisa e não têm, por isso, de ser da mesma natureza).
E em todo o caso, dado que o modo de cálculo da contrapartida não altera a sua natureza jurídica de prestação contratual, também fica desprovida de relevância a argumentação da recorrente no que respeita à unilateralidade da própria contrapartida mínima, não relevando, igualmente, a invocação de jurisprudência do STA no sentido da ilegalidade da liquidação: com efeito, como bem realça a recorrida, em termos do que foi expressamente decidido e no que respeita a liquidações relativas a contrapartidas idênticas à ora impugnada, o STA pronunciou-se apenas quanto à competência dos tribunais tributários (de acordo com os termos em que a autora configura a relação material), não se pronunciando sobre o mérito da pretensão ali formulada.
E neste contexto, dando resposta àquela primeira questão suscitada no recurso, conclui-se agora que a "contrapartida anual", prevista no DL n° 275/2001, de 17/10, se reconduz a uma prestação de natureza patrimonial.
4.2. Daí que (considerando as demais questões suscitadas no recurso), por não estarmos perante pagamento de uma qualquer quantia destinada a afastar uma proibição legal (a quantia não é paga para que a concessionária fique autorizada a explorar os jogos de fortuna ou azar, mas sim porque foi ela a adjudicatária no concurso público aberto para a concessão da respectiva zona de jogo) e por a contrapartida impugnada também não assumir natureza unilateral e/ou coactiva, então mesmo por referência ao enquadramento legal sustentado pela recorrente (que faz equivaler a contrapartida a uma taxa ou a integra no âmbito do próprio imposto de jogo), também não pudessem proceder a impugnação, e consequentemente o recurso, quer face à inexistência dos pressupostos para a qualificação como imposto e como taxa, quer face à não verificação das ilegalidades imputadas à liquidação, alegadamente decorrentes da violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica do DL nº 275/2001, de 17/10; inconstitucionalidade orgânica do DL n° 422/89, de 2/12, por assentar numa autorização legislativa genérica que não cumpre o requisito (n° 11 do art. 168° - actual 165° - da CRP) de definir com rigor e precisão, "o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma" e inconstitucionalidade material, quer daquele mesmo diploma, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, quer do próprio imposto, por ter sido criada uma tributação sobre meras presunções de rendimento].
Aliás, neste âmbito, sempre o recurso teria que improceder, atendendo à jurisprudência, com a qual se concorda, firmada no acórdão deste STA, de 5/12/2018 [em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148° do CPTA, no processo n° 2224/13.1BEPRT (1457/15) e para o qual se remete ao abrigo do disposto no n° 5 do art. 663° do CPC], sendo que, naquela perspectiva da recorrente, as questões suscitadas no presente recurso também seriam substancialmente idênticas às que foram objecto de tal julgamento ampliado, mediante o qual se visa, precisamente, «garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (...)».".
Acompanha-se, ainda, a referida jurisprudência quando afirma que "atenta a decisão, temos por verificado o requisito de "menor complexidade" a que alude o n° 7 do art. 6° do RCP, acrescendo que também o montante da taxa de justiça devida se afigura manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.".

Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
D.n.
Lisboa, 24 de Abril de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.