Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:044572
Data do Acordão:06/23/2004
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ABEL ATANÁSIO
Descritores:CASINO.
JOGOS DE FORTUNA OU AZAR.
ACESSO A SALA DE JOGOSS.
TUTELA ADMINISTRATIVA.
ACTO SUJEITO A CONFIRMAÇÃO.
INTEGRAÇÃO DE LACUNAS.
Sumário:I - As decisões proferidas ao abrigo do nº 1 do artº 36º do DL nº 422/89, de 2/12, pelos directores do serviço de jogos, em matéria de recusa de emissão de cartões de entrada em salas de jogos de fortuna ou azar ou de acesso às mesmas de indivíduos cuja presença seja considerada inconveniente estão sujeitas ao controle da Inspecção Geral de Jogos;
II - A tutela exercida pelo Governo sobre um concessionário de zona de jogo, em regime de exclusivo, não tem carácter excepcional, constituindo antes o regime-regra, que se justifica por o direito de explorar o jogo se achar reservado ao Estado, não se inscrevendo nos poderes próprios do ente tutelado.
III - Por isso, não existe obstáculo à integração analógica de lacunas de regulamentação em matéria de fiscalização de concessionários pelo concedente e, no caso em apreço, à aplicação do regime previsto no nº 2 do artº 37º do DL nº 422/89 à situação prevista no nº 1 do seu artº 36º - os actos de recusa de emissão de cartão de entrada ou de acesso à sala de jogos, quando praticados pelo director do serviço de jogos, estão sujeitos a confirmação pelo Inspector-Geral dos Jogos, com recurso para o membro do Governo responsável pelo sector do turismo.
Nº Convencional:JSTA00060618
Nº do Documento:SA120040623044572
Data de Entrada:01/19/1999
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO TURISMO N780/98/SET.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER.
Legislação Nacional:DL 422/89 DE 1989/12/02 NA REDACÇÃO DO DL 10/95 DE 1995/01/19 ART23 ART29 ART36 ART37 ART38.
L 14/89 DE 1989/07/30 ART1 ART2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC42229 DE 2003/09/23.; AC STA PROC44798 DE 2002/05/22.
Referência a Pareceres:P PGR 44/98 IN DR 2S DE 1999/03/01.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I - RELATÓRIO
A A...., pessoa colectiva n º 500.101.221, com sede na rua ..., nº ..., no ..., com o capital social de Esc. 5.050.000.000$00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o nº 53, concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo do ..., veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho nº 780/98/SET, de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela recorrente em 28/03/98, do acto do Senhor Inspector-Geral de Jogos de 19/03/98 que decidiu não confirmar o acto da recorrente que recusou a emissão de cartão de acesso às salas de Jogos a 43 frequentadores.
A autoridade recorrida respondeu, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.
A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
a) O presente recurso vem interposto do Despacho n.º 780/98/SET.
de sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo, de que foi notificada em 21/11/98, pelo qual indeferiu o Recurso Hierárquico interposto pela ora Recorrente, em 28 de Março de 1998, do acto do Senhor Inspector Geral de Jogos de 19 de Março de 1998, notificado em 25 de Março do mesmo ano, que decidiu não confirmar o acto pelo qual a ora Recorrente decidiu recusar a emissão de cartão de acesso às salas de Jogos Tradicionais e restringir o acesso à Sala de Máquinas do Casino do ... a um conjunto de pessoas identificadas;
b) Em 28 de Dezembro de 1997, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 36º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na que lhe foi dada pela redacção Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, a Recorrente informou a Inspecção-Geral de Jogos da sua deliberação de recusar a emissão de cartão de acesso às Salas de Jogos Tradicionais a 42 frequentadores cuja presença considerava inconveniente, indicando, em anexo, o nome dos frequentadores;
c) Em 16 de Janeiro de 1998, a Administração da Recorrente comunicou à Inspecção-Geral de Jogos que iria recusar o acesso à sala de máquinas aos mesmos indivíduos e com o mesmo fundamento;
d) No seguimento destas comunicações, em 4 de Fevereiro de 1998, a Recorrente foi notificada do despacho do Senhor Inspector Geral de Jogos que determinava a instauração de processo de averiguações sobre a matéria e convidava a ora Recorrente a "completar aquelas participações com os elementos que entenda convenientes, indicando, nomeadamente, quaisquer outras circunstâncias, testemunhas e meios probatórios que julgue necessários para prova da situação invocada" ..., fixando à Recorrente um prazo máximo de oito dias;
e) Na sequência da referida notificação, a Recorrente, em 11 de Fevereiro de 1998, deu conta do seu entendimento sobre a competência que lhe era conferida por lei para aplicar a medida de recusa de acesso às salas de jogos a pessoas cuja frequência considere inconveniente;
f) Por Despacho de 19/03/98, notificada à Recorrente em 25 de Março de 1998, o Senhor Inspector-Geral de Jogos decidiu: "não confirmar a medida de recusa de acesso aos frequentadores melhor identificados nos presentes autos às salas de jogos do Casino do ... oportunamente comunicada a esta Inspecção-Geral, devendo, em consequência, a concessionária A..., se solicitado lhe for pelos frequentadores que identifica, emitir os cartões de acesso àquelas salas de jogos ;
g) A Recorrente interpôs o competente Recurso Hierárquico do referido despacho, para Sua Excelência o Senhor Inspector-Geral de Jogos e invocou os vícios de violação de lei por violação do disposto nos artigos 36.0 e 37.0 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito de que depende a fundamentação e, vício de incompetência;
h) O recurso foi, oficiosamente, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 34.0 do Código de Procedimento Administrativo, remetido para o Senhor Secretário de Estado do Turismo;
i) Na sequência do Recurso Hierárquico, Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado decidiu:
1. a) Indefiro o recurso interposto pela A... em 28.03.98 do despacho de 19.03.98 do Senhor Inspector de Jogos, nos termos e com os fundamentos constantes da informação de 09.11.98 do Senhor Inspector Geral de Jogos;
b) Notifique a recorrente A..., com conhecimento da Inspecção-Geral de Jogos;
c) A recorrente A... deverá dar conhecimento do resultado de indeferimento do presente recurso a todos os interessados e/ou visados na "recusa de acesso de diversos frequentadores às salas de jogo do Casino do ..." tomada por aquela concessionária em finais de 1997 e inícios do ano em curso".
2 a) Homologo o parecer nº 44/98, votado na sessão de 24.09.98 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 43, nº 1 da Lei 60/98, de 27 de Agosto, ordenando a sua publicação na 2ª série do Diário da República;
b) Comunique a presente homologação ao Exmo Senhor Procurador Geral da República.
3. Comunique o presente despacho ao Exmo Senhor Provedor de Justiça, bem como ao Exmo Senhor Procurador da República junto do Círculo Judicial de Cascais;
j) A questão sub-judice e que cumpre decidir passa pela análise da competência da Recorrente, enquanto concessionária, para recusar o acesso a frequentadores às salas de jogos tradicionais e de máquinas e pela necessidade ou não dessa medida carecer de confirmação por parte do Inspector de Jogo junto do Casino;
k) O legislador autonomizou e regulamentou de modo distinto o acesso aos casinos do acesso às salas de jogos, sendo certo que o acesso aos casinos é o que decorre dos artigos 270 e 290 da Lei do Jogo e o acesso às salas de jogos é o que decorre do artigo 360;
l) Tendo em conta que o exercício da actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar é levada a efeito em regime de concessão, o legislador cuidou de estabelecer e articular a competência da Administração e das Concessionárias para permitirem o acesso aos casinos e às salas de jogos;
m) Nos termos do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 29º da Lei do Jogo impôs às concessionárias o dever de não permitirem o acesso aos casinos a determinadas categorias de indivíduos, sendo que sempre que exerçam esse dever têm de comunicar, no prazo de 24 horas, a decisão ao serviço de inspecção no casino, indicando os motivos justificativos, indicando testemunhas a ser ouvidas sobre os factos e devendo pedir a confirmação da medida adoptada;
n) Só a partir do artigo 340 o legislador cuidou de regular o acesso às salas de jogos, tendo estabelecido quem tem livre acesso às salas de jogos, mesmo que esteja impedido de jogar, e quem, para ter acesso tem de ser portador de cartão de entrada ou de acesso a ser passado pela concessionária, nos termos do nº 1 do artigo 35º;
o) O nº 1 do artigo 36º, vem conferir competência ao Director de Serviço de Jogos e à Inspecção-Geral de Jogos para recusar a emissão de cartões de entrada ou acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente; no entanto,
p) Não impõe que a decisão de não emissão de cartão de acesso por parte do Director de Serviço de Jogos fique sujeita a confirmação por parte da Inspecção;
q) Impõe a confirmação, isso sim, quanto à recusa de acesso ao casino (nºs 2 e 3 do artigo 29º), e quanto à expulsão de jogadores das salas, (nº 1 e 2 do artigo 37º); pelo que,
r) No caso em apreço, salvo melhor entendimento, a Recorrente não estava obrigada a requerer a confirmação e a entidade recorrida não tinha competência ara não confirmar a decisão; e,
s) Contrariamente, ao entendimento da entidade recorrida não existe lacuna de regulamentação no artigo 36º a ser integrada nos termos do artigo 37º: o legislador pretendeu, inequivocamente, estabelecer um regime de acesso às salas de jogos diferente daquele que estabeleceu para o acesso aos casinos e para a expulsão das salas;
t) O artigo 36º foi consagrado com o intuito de conferir competência, quer à concessionária, por intermédio do Director de Serviço, quer à Administração, por intermédio da Inspecção-Geral de Jogos, para restringir o acesso às salas a indivíduos cuja presença seja considerada inconveniente por qualquer deles;
u) Não foi intenção do legislador possibilitar que a decisão da concessionária de recusa de emissão de cartão de acesso, ficasse sujeita a confirmação da Inspecção-Geral de Jogos, na medida em que quando assim decida, a concessionária age no interesse da defesa do seu negócio e, só assim agirá, se for de todo inconveniente a presença de determinado indivíduo nas salas de jogos;
v) Daqui se infere que o legislador, convicto disso, tenha admitido apenas à Inspecção a confirmação dos actos de emissão e não dos actos de recusa;
w) Bem sabendo que a Recorrente só em in extremis, iria recusar a emissão de cartões de acesso e, nesses casos é porque ponderosas razões o impunham;
x) Ao não confirmar os actos de recusa, a Inspecção-Geral de Jogos praticou um acto para o qual não tinha competência, daí a sua ilegalidade por vício de incompetência;
y) E, não se diga que a competência não lhe advém do artigo 36 da Lei do Jogo, mas dos poderes de tutela e que só assim ficam garantidos os direitos dos particulares;
z) Quanto à posição dos particulares visados, esta está plenamente salvaguardada, uma vez que estamos perante um acto da Concessionária passível de recurso contencioso nos termos gerais;
aa) Quanto à atribuição de competência por via da tutela, cumpre salientar que não é legítimo inferir a existência de qualquer tipo de tutela correctiva ou integrativa a favor da Inspecção Geral de Jogo, na medida em que esta não é expressa ou tacitamente prevista, sendo certo que, a admitir, ela deveria sempre ser expressamente referida, o que, manifestamente, não sucede nem decorre do disposto no nº 3 do artigo 38;
bb) o legislador quis que não tivessem acesso às salas de jogos os indivíduos cuja presença fosse considerada inconveniente pela Concessionária ou pela Inspecção Geral de Jogos, por isso, nos termos do artigo 36.º, conferiu competência a ambas as entidades para recusar a emissão de cartão de entrada e para recusar o acesso a frequentadores, bastando que uma recuse para que o acesso não seja permitido; Assim
cc) O acto recorrido é inválido por ilegalidade por violação de lei por violação do disposto nos artigos 36.º e 37.º, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, uma vez que a entidade recorrida, ao contrário, do que dispõe o nº. 1 do artigo 36.º, considerou que o legislador atribuiu expressamente competência correctiva ou integrativa à Inspecção Geral de Jogos, integrada nos termos do nº 2 do artigo 37º.
dd) o acto recorrido é inválido por ilegalidade por violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que a entidade recorrida fez errónea interpretação e aplicação do nº 1 do artigo 36.º, considerou que existia uma lacuna a integrar nos termos do nº 2 do artigo 37.º e, consequentemente considerou que a Recorrente estava obrigada a pedir a confirmação da sua decisão e que tinha competência para a não confirmar, o que, salvo melhor entendimento, não acontece; acresce que,
ee) o acto é inválido por ilegalidade por vício de incompetência, uma vez que a entidade recorrida se arrogou de competência para confirmar as decisões da Recorrente relativas à recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos tradicionais e de máquinas, quando tem apenas competência para confirmar ou não os actos de recusa de acesso ao casino e os actos de expulsão de frequentadores das salas;
ff) A competência é de ordem pública não se presume nem se pode inferir, por analogia, no pressuposto de que existem lacunas a integrar, como acabou por fazer a entidade recorrida;
gg) Também, salvo o devido respeito, não assiste razão à entidade Recorrida quando afirma que a Lei do Jogo confere ao Governo poderes de tutela administrativa sobre as concessionárias de exploração de jogo de fortuna ou azar nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva, uma vez que, no caso em apreço, resulta claro que existe apenas tutela inspectiva e o acto recorrido caracteriza uma forma de tutela que em última análise configura tutela integrativa ou substitutiva: a entidade recorrida, por este meio permitiria o acesso a indivíduos a quem a Recorrente o recusou;
ora,
hh) Como muito bem se afirma no douto Parecer da Procuradoria Geral citado na fundamentação do acto recorrido "A intervenção tutelar, como limite (ou excepção) à autonomia dos entes descentralizados, supõe a concorrência de uma habilitação legal para agir. A tutela apenas pode ser exercida nos casos, nos limites e segundo as condições previstas na lei; o controlo de tutela há-de ser expressamente atribuído pelo direito positivo", o que significa que está proibida a interpretação extensiva e analógica;
ii) o legislador não conferiu competência à Inspecção para pôr em crise a decisão de recusa de emissão de cartão de entrada ou recusa de acesso tomada pela Concessionária, não pode a mesma ser presumida ou encontrada por recurso à analogia ou a qualquer forma de interpretação, que não a literal, pressupondo a sua consagração expressa por parte do legislador;
jj) Conferiu-lhe competência, isso sim, para pôr em crise decisões de emissão de cartões de entrada ou permissões de ingresso tomadas pela Recorrente, desde que considere que a presença dos indivíduos a quem foi emitido cartão de entrada ou permitido o acesso é inconveniente;
kk) o legislador regulou o acesso às salas de jogos em termos precisos e rigorosos, não existe qualquer lacuna de regulamentação e, a existir, nunca poderia ser integrada por recurso à analogia, uma vez que estamos perante normas de atribuição de competência em direito público;
ll) Ainda que assim não se entendesse, sempre se diria que o legislador sempre tinha tido oportunidades de alterar o regime legal expresso, senão a todo o tempo, pelo menos aquando da introdução de alterações ao Decreto-Lei nº 422/89, pelo Decreto-Lei nº 10/95, o que não ocorreu;
Nestes termos e nos melhores de Direito e do Douto suprimento de V. Excias. deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser anulado o acto recorrido, com todas as devidas e legais consequências, com o que se fará, A COSTUMADA JUSTIÇA
Em sede de contra-alegações concluiu o Senhor Secretário de Estado do Turismo:
«1ª- O Governo, através do responsável pelo sector do Turismo exerce, relativamente às concessionárias da exploração do jogo de fortuna e azar, a tutela administrativa, nas suas formas correctiva substitutiva e inspectiva;
2ª - À Inspecção-Geral de Jogos compete, no âmbito do exercício dos poderes de tutela do Governo, acompanhar, dirigir e fiscalizara actividade das concessionárias;
3ª - A competência da Inspecção-Geral de Jogos abrange não só o controlo da permanência e proibição de entrada nos casinos e salas de jogos, mas também o da reserva e recusa de acesso a estes locais;
4ª - O artigo 36º do Decreto-Lei n º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37º, nº 2 do mesmo diploma;
5ª- Ao utilizar, no Decreto-Lei 422/89, a expressão "presença inconveniente", como fundamento de recusa de acesso às salas de jogo de fortuna e azar, o legislador quis intencionalmente utilizar um conceito vago ou indeterminado, a preencher em cada caso concreto, após ponderação das circunstâncias específicas apuradas;
6ª - No sentido das anteriores conclusões se pronunciou o Parecer nº 44/98 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, homologado e publicado no Diário da República, II Série, nº 64. de 17.03.1999;
7ª - Não depende, pois, do exclusivo critério da concessionária a decisão de vedar o acesso de frequentadores às salas de jogos, ao invés;
8ª - Tal decisão deve ser fundamentada, a fim de permitir a apreciação da sua justeza e razoabilidade por parte da Inspecção-Geral de Jogos;
9ª - No caso concreto em apreço nos autos, a recorrente não forneceu à Inspecção-Geral de Jogos os elementos factuais que permitiriam concluir pela inconveniência da presença de determinados frequentadores nas salas de jogos de fortuna e azar do Casino do ...;
10ª - A Inspecção-Geral de Jogos, ao não confirmar a recusa de emissão de cartão de acesso a tais frequentadores, agiu pois em conformidade com a lei;
11ª - De igual modo, o despacho recorrido, ao indeferir o recurso hierárquico interposto daquela decisão da Inspecção-Geral de Jogos, não enferma de qualquer vício.
Termos em que,
Deve o recurso ser julgado improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.»
Igualmente em sede contra-alegações, veio o contra-interessado B... concluir:
«1. O Despacho nº 780/98/SET, de 16 de Novembro de 1998, através do qual o Senhor Secretário de Estado do Turismo, indeferiu o recurso hierárquico do acto do Senhor Inspector Coordenador da Equipa de Inspecção junto do Casino ... que não confirmou a medida da então denominada A... de recusa de emissão de cartão de acesso às salas de Jogos Tradicionais e restrição de acesso à Sala de Máquinas a um conjunto de 42 frequentadores sumariamente identificados ora posto em crise É VÁLIDO,
2. Não padecendo de nenhum dos vícios (a saber, ilegalidade por vício de violação do disposto nos artigos 36º e 37º do DL 422/89, de 2/12, na redacção dada do DL 10/95, de 19/01; ilegalidade por violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, por a entidade recorrida ter feito errónea interpretação e aplicação do artigo 36º, nº 1, ao considerar existir uma lacuna a integrar nos termos do artigo 37º, nº 2 daquele diploma e, por último, o vício da incompetência, por a entidade recorrida se ter arrogado a competência para confirmar as decisões da Recorrente relativamente à matéria respeitante ao artigo 36º, nº 1, quando, defende a Recorrente, apenas lhe assiste tal poder relativamente às matérias dos artigos 29º e 37º do DL 422/89, de 2/12), que a Recorrente imputa ao acto recorrido.
3. Para tanto, cinge-se à interpretação literal do artigo 36º (sob a epígrafe, "Restrições de acesso") do Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12 que, não prevê expressamente tal acto confirmativo pela IGJ, ao contrário até do que está previsto para outros casos, nomeadamente nos artigos 290 ("Reserva do direito de acesso aos casinos") e 370 ("Expulsão das salas de jogos") do mesmo diploma legal.
4. No entender da Recorrente, o legislador regulou, como quis, o acesso às salas de jogos e fê-la em termos precisos, pelo que não existe qualquer lacuna de regulamentação e, mesmo que existisse, defende, nunca poderia ser integrada por recurso à analogia, por se tratar de normas de atribuição de competência em direito público.
5. Não assiste razão à Recorrente.
6. Sobre esta matéria já se pronunciou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, através do Parecer nº 44/98, homologado por Despacho nº780/98/SET, de 16.11.1998, o qual constituiu interpretação oficial, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 43º da Lei nº 60/98, de 27 de Agosto, e como tal deverá ser atendido.
7. Assim, nos termos das conclusões aí plasmadas, cabe à Inspecção-Geral de Jogos o poder de fiscalização, direcção e acompanhamento da actividade de exploração de jogo concessionada à Recorrente, quer quanto à permanência e proibição de entrada no casino e salas de jogos, quer na recusa de acesso aos mesmos.
8. O artigo 36º do DL 422/89, de 2/12, na redacção do DL 10/95, de 19/01, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por via analogia, com recurso ao disposto no artigo 37º, nº 2, daquele diploma legal.
9. O legislador usou, no referido DL 422/89, "um conceito vago ou indeterminado, a preencher em cada caso concreto, após a ponderação das circunstâncias específicas apuradas". (negrito nosso) para enquadrar a expressão "presença inconveniente", como fundamento das situações previstas quer no artigo 29º, quer nos artigos 36º e 37º.
10. Para os casos de recusa de frequência nos casinos (29) e de expulsão das salas de jogos, a Lei prevê expressamente a subordinação da decisão do Director de serviços de jogos (funcionário da concessionária) a acto confirmativo da IGJ, a verdade é que não o fez, pelo menos expressamente, para os casos do artigo 36º do mesmo diploma.
11. Há uma lacuna de regulamentação na redacção daquele preceito, que deve e pode ser colmatada por recurso à analogia, como impõe o nº 1 do art. 10º do Código Civil.
12. Dada a similitude de situações, o relacionamento entre as mesmas entidades, e a identidade de interesses, seja nos casos de emissão de cartão, de simples acesso ou de proibição deste (artigos 29º, 36º, 37º e 38º do Decreto Lei nº 422/89, de 2/12) e ao poder conferido à entidade concessionária, sobreleva-se o poder de controlo e fiscalização da Inspecção-Geral de Jogos, cfr. nº 4 do artigo 95º da Lei de Jogo.
13. Em última análise é à I.G.J. que cabe, uma vez recebida a comunicação da concessionária de pretender impedir o acesso às Salas de Jogo a determinada pessoa, averiguar e decidir se essa intenção, face às circunstâncias específicas apuradas em cada caso concreto, é legítima.
14. E à interpretação analógica, nos termos ora alegados, não é oponível o argumento do artº 11º do Código Civil proibir a aplicação analógica de normas excepcionais e a tutela ter carácter excepcional no que concerne a órgãos que detêm em nome próprio poderes de autoridade, uma vez que em matéria de concessão dos jogos de fortuna e azar, não existe qualquer relação tutelar, já que a concessionária não é titular de quaisquer poderes próprios. Os poderes de que goza, são-lhe cedidos pela Administração.
15. Tal cessão de poderes foi feita, mas dentro de caros limites e contornos, que o Estado entendeu por adequados à prossecução do interesse público que deve salvaguardar.
16. E, como tal, por via da interpretação analógica, o Senhor Inspector-Geral de Jogos, em aplicação da Lei, podia e devia ter decidido, como decidiu, não confirmar o acto da Recorrente de recusa de emissão de cartão de acesso às Salas de Jogos e de Máquinas a determinados frequentadores.
17. Foi das conclusões do referido Parecer nº 44/98, que se valeu o Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado do Turismo para indeferir o Recurso Hierárquico interposto pela Recorrente. E com isso fez uma correcta aplicação e interpretação da Lei!
18. Questão idêntica ao thema decidendum foi já objecto de decisão, por este Tribunal, em Acórdão datado de 22.05.2002, no qual se decidiu, e bem, em convergência com o referido Parecer nº 44/98 e as razões supra mencionadas, negando-se provimento ao recurso interposto.
19. Mas ainda que não seja este o entendimento de V. Ex.as, sempre se dirá que, o recurso interposto pela recorrente terá que improceder, pois,
20. Pretende a Recorrente que o Senhor Inspector-Geral de Jogos apenas tem competência para a prática de actos de não aprovação ou de não confirmação das medidas do Director de serviço de jogos (a pretendida tutela revogatória ou substitutiva) nas hipóteses previstas nos artigos 29º e 37º, uma vez que só quanto a estas o legislador expressamente se pronunciou nos nºs 2 e 3 desses preceitos.
21. Nessa medida estaria a Inspecção-Geral de Jogos limitada, em matéria de acesso ás salas de jogos - artigo 36º - e, à falta de disposição legal expressa sobre os poderes concretos poderes da IGJ -, ao regime de tutela inspectiva e fiscalizadora enunciado no artigo 95º do referido diploma legal.
22. Mais uma vez, a tese da Recorrente não pode colher, como aliás tem vindo a ser entendimento deste Tribunal, designadamente no recentíssimo Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, em 12.11.2003.
23. É que apesar das várias alterações e inovações que se introduziram na Lei de Jogo, e diplomas conexos, continua a transparecer do seu teor uma tradição de apertada fiscalização do acesso, permanência e proibição de acesso nas Salas de Jogos e de Máquinas.
24. Essa fiscalização que pode e deve, nos termos da lei, ser exercida, em concorrência pela Inspecção-Geral de Jogos e pelo Director do Serviço de Jogos da concessionária tem como limite, quanto a este último, a fiscalização e comprovação final pela entidade pública aí presente: a Inspecção-Geral de Jogos. Como previsto expressamente nos artigos 29º e 37º do DL 422/89.
25. Ora, sendo as situações acauteladas nos artigos 29º, 36º, e 37º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, são similares e claramente convergentes, a própria redacção dos preceitos aponta para uma unidade de tratamento das situações aí previstas que pode e deve ser salvaguardada.
26. E situações idênticas, merecem e impõem tratamento idêntico.
27. Com efeito, a exclusiva ponderação do teor literal daquelas disposições, a tomar-se por certa, como pretende a Recorrente, levar-nos-ia a constatar a incongruência do sistema gizado para a Lei do Jogo, em particular na vertente ora posta em crise, designadamente pela sua comparação com o teor do nº 3 do art. 38º do referido DL 422/89, de 2/12.
28. Resulta claramente da letra e espírito do Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, que o Inspector-Geral de Jogos ocupa, em termos funcionais, uma posição de supremacia face ao Director de serviço de jogos, competindo-lhe, sobre a actuação da concessionária amplos poderes de fiscalização e controle, que abrangem quer as modalidades de tutela revogatória ou substitutiva, como a inspectiva ou fiscalizadora, nos termos do disposto no artigo 95º, nº 4 do referido DL 422/89.
29. É inconcebível a estatuição deliberada, pelo legislador, desta "isenção" de controle e subordinação nas situações a que se refere o artigo 36º, quando o não fez em nenhuma outra situação.
30. Nas situações previstas no nº 1 do artigo 36º, como noutras, é à Inspecção-Geral de Jogos, enquanto entidade pública que incumbe, perante os actos da concessionária, o dever de zelar pela salvaguarda dos direitos individuais, em obediência ao princípio da legalidade democrática - arts, 18º, nº1, 199,º alínea f), e 266.º, nº 1, da C.R.P.
31. São razões de unidade e a coerência do sistema, como referido no citado Acórdão de 12.11.2003, que impõem a sujeição dos actos de recusa da emissão de cartões de entrada ou de acesso às salas de jogos, quando praticados pelo director do serviço de jogos ao abrigo do art. 36º do DL 422/89, a confirmação pelo Inspector-Geral dos Jogos.
32. Dai que, a Inspecção-Geral de Jogos ao receber a comunicação da ora Recorrente, como era seu dever, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 36º, nº 1 e 37º, nº 2 do DL 422/89, de 2/12 limitou-se a interpelar a entidade concessionária para que esta fundamentasse a decisão, apontando os factos e os meios de prova que lhe deram causa.
33. A ora Recorrente, recusou-se a fazê-lo. Sibi imputet
34. E no seu silêncio, a IGJ decidiu.
35. O acto do Senhor Secretário de Estado do Turismo de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto pela Recorrente da decisão da IGJ é assim, válido, não lhe podendo ser assacado qualquer dos vícios referidos pela Recorrente, e como tal deverá manter-se na ordem jurídica e produzir os respectivos efeitos.»
Colhidos os vistos legais cumpre decidir:
II – OS FACTOS
Com base nos elementos constantes do processo consideram-se provados os seguintes factos:
a) A recorrente é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo da costa do ....
b) Nessa qualidade e por decisão sua e com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1998 a recorrente recusou a emissão de cartão de acesso às salas de jogos tradicionais a 43 frequentadores, por considerar inconveniente a presença dos mesmos naqueles locais.
c) Essa decisão foi comunicada, pelo Director do Serviço de Jogos da recorrente, ao serviço da Inspecção de Jogos junto daquele Casino em 28 de Dezembro de 1997.
d) Em 16 de Janeiro de 1998 a Administração da recorrente comunicou à Inspecção-Geral de Jogos que iria recusar o acesso à sala de máquinas aos mesmos indivíduos e com os mesmos fundamentos.
e) Na sequência da referida comunicação a recorrente foi notificada, em 4 de Fevereiro de 1998, do despacho do Senhor Inspector-Geral de Jogos que determinava a instauração de processo de averiguações sobre a matéria.
f) Tal despacho intimava a recorrente a "completar aquelas participações com os elementos que entenda convenientes, indicando, nomeadamente, quaisquer outras circunstâncias, testemunhas e meios probatórios que julgue necessários para prova da situação invocada...”
s) Na sequência de tal notificação, a recorrente, em 11 de Fevereiro de 1998, deu conhecimento do seu entendimento acerca das competências que lhe são atribuídas por lei para aplicar a medida de recusa de acesso às salas de jogos a pessoas que considere inconvenientes, alegando nomeadamente que os casinos não são locais públicos mas sim de acesso reservado tendo a concessionária o direito de recusar o acesso de determinada pessoa, sem que de tal decisão dependa a instauração de qualquer tipo de processo.
h) Por despacho de 19/03/98, notificado à recorrente em 25 de Março do mesmo mês, o Senhor Inspector-Geral de Jogos decidiu “não confirmar a medida de recusa de acesso a frequentadores melhor identificados nos presentes autos às salas do Casino do ... oportunamente comunicada a esta Inspecção-Geral, devendo, em consequência, a concessionária A..., se solicitado lhe for pelos frequentadores que identifica, emitir os cartões de acesso àquelas salas de jogos”.
i) Em 28 de Março de 1998, a ora recorrente interpôs recurso hierárquico deste despacho para o Senhor Secretário de Estado do Turismo, por entender encontrar-se o acto recorrido inquinado dos vícios de violação de lei e incompetência, alegando concretamente “...desde que considere inconveniente a presença de uma dada pessoa dentro das salas de jogos, a Concessionária, nos termos daquelas disposições legais, e em particular do citado art 36º, não só pode mas deve recusar o acesso dessa pessoa, sem que essa decisão, do exclusivo critério da Concessionária, dependa da instauração de qualquer processo onde se aleguem e provem factos concretos praticados pelo frequentador.”.
j) Em 16 de Novembro de 1998, o Senhor Secretário de Estado do Turismo proferiu o Despacho nº 780/98/SET com o seguinte teor:
“Visto
1.a) Indefiro o recurso interposto pela A... em 28.03.98 do despacho de 19.03.98 do Senhor Inspector-Geral de Jogos, nos termos e com os fundamentos constantes da Informação de 09.11.98 do Senhor Inspector-Geral de Jogos;
1. Violação de lei por contraposição com o preceituado nos artigos 36º, e 37º do Decreto Lei n º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Lei n º 10/95, de 19 de Janeiro".
III - O DIREITO
A questão essencial a decidir no presente recurso consiste em saber se, face aos normativos vigentes, a recorrente, na qualidade de concessionária tem competência para recusar a emissão de cartão de acesso às salas de Jogos Tradicionais, bem como restringir o acesso à Sala de Máquinas do Casino ..., sem necessidade de confirmação por parte da Inspecção-Geral de Jogos.
O artigo 36º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n º 10/95, de 19 de Janeiro, dispõe:
"1- O acesso às salas de jogos de fortuna ou azar é reservado, devendo o director do serviço de jogos ou a Inspecção-Geral de Jogos recusar a emissão de cartões de entrada ou o acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente, designadamente nos casos do n º 2 do artigo 29º.
2- Independentemente do disposto no número anterior, é vedada a entrada nas salas de jogos, designadamente, aos indivíduos;
a) Menores de 18 anos;
b) Incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados;
c) Membros das Forças Armadas e das corporações paramilitares de qualquer nacionalidade quando se apresentem fardados;
d) Empregados das concessionárias que prestam serviço em salas de jogos, quando não em serviço;
e) Portadores de armas, engenhos ou matérias explosivas e de aparelhos de registo e transmissão de dados, de imagem ou de som".
O artigo 29º do mesmo diploma legal dispõe:
"1- As concessionárias podem cobrar bilhetes de entrada nos casinos, cujo preço não deverá exceder um montante máximo a fixar anualmente pela Inspecção-Geral de Jogos.
2- O acesso aos casinos é reservado devendo as concessionárias não permitir a frequência de indivíduos que designadamente:
a) A partir das 22 horas, sejam menores de 14 anos, excepto quando maiores de 10 anos, desde que acompanhados pelo respectivo encarregado de educação;
b) Não manifestem a intenção de utilizar ou consumir os serviços neles prestados;
c) Se recusem, sem causa legitima, a pagar os serviços utilizados ou consumidos;
d) Possam causar cenas de violência, distúrbios do ambiente ou causar estragos;
e) Possam incomodar os demais utentes do casino com o seu comportamento e apresentação;
f) Sejam acompanhados por animais, exerçam a venda ambulante ou prestem serviços.
3- Sempre que a direcção do casino exerça o dever que lhe é imposto no número anterior, deverá comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no casino, no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada."
Por seu lado o artigo 37º dispõe ainda:
"1- Todo aquele que for encontrado numa sala de jogos em infracção às disposições legais, ou quando seja inconveniente a sua presença, será mandado retirar pelos inspectores da Inspecção-Geral de Jogos ou pelo director do serviço de jogos, sendo a recusa de saída considerada crime de desobediência qualificada, no caso de a ordem ser dada ou confirmada pelos respectivos inspectores.
2- Sempre que o director do serviço de jogos tenha de exercer o poder que lhe confere o nº1, deve comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada.
3- A expulsão das salas de jogos por força do disposto nos números anteriores implica a proibição preventiva de acesso a essas salas, a decretar nos termos do artigo seguinte, e dá lugar:
a) A processo contra-ordenacional, nos termos dos artigos 144º e seguintes, quando a expulsão se funde na prática de contra-ordenação;
b) A processo criminal, quando a expulsão se funde na prática de um crime.
Enquanto que no artigo 36º não se prevê que a recusa de emissão cartões de entrada para as salas de jogos determinada pela concessionária seja sujeita a confirmação por parte de qualquer entidade, tanto o nº 3 do artigo 23º, como o nº 2 do artigo 37º determinam que os actos da concessionária tendentes à proibição da frequência, ou abandono das salas de jogos por parte dos indivíduos aí previstos, sejam objecto de confirmação por parte do serviço da inspecção de jogos, devendo, para o efeito, a referida intervenção ser solicitada pela própria concessionária nos termos do disposto nos referidos artigos.
Contrariamente ao defendido pela recorrente, existem vários elementos que apontam no sentido de que o silêncio do artigo 36º, quanto à necessidade de confirmação pela Inspecção-Geral de Jogos, não pode ser entendido no sentido de que o legislador quis prescindir dessa intervenção, nos casos expressamente previstos naquele artigo.
Assim tem sido entendido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal.
No sentido referido, veja-se nomeadamente, o teor dos acórdãos de 23 de Setembro de 2003 e de 22 de Maio de 2002, proferidos, respectivamente, nos processos nº 42229 e nº 44798.
Com efeito, em sede de interpretação, não deve o intérprete atender unicamente à letra da lei, devendo, nos termos do disposto no artigo 9º do Código Civil, respeitar o espírito ou pensamento do legislador que elaborou determinado diploma.
Tendo presente o teor da lei de autorização legislativa, Lei n º 14/89, de 30 de Julho, não se pode inferir que tenha sido intenção do Governo proceder a qualquer afrouxamento na já tradicional apertada fiscalização no que se refere a acesso, permanência e proibição de entrada nas salas de jogo (ver artigos 1º e 2º).
O mesmo se diga da chamada lei do jogo, o Decreto-Lei n º 422//89, de 2 de Dezembro, com as alterações constantes do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro.
Ainda que a lei, no artigo 36º em análise, estabeleça uma partilha do poder de recusa de acesso às salas de jogo entre o Estado (Inspecção-Geral) e a concessionária (Director do Serviço de Jogos), segundo o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n º 44/98, de 24 de Setembro de 1998 (publicado no D.R. II Série. de 1 de Março de 1999) o que pretendeu foi "...chamar as concessionárias à co-responsabilidade de, numa primeira análise e ponderadas as circunstancias, elas próprias colaborarem na selecção qualitativa dos frequentadores, através da não emissão de cartões de entrada, ou não permitindo o acesso às salas de jogo, por decisão, porém sujeita sempre à fiscalização e comprovação últimas por banda da Inspecção-Geral de Jogos".
Refira-se ainda que as situações de facto sobre que versam os artigos 29º, 36º e 37º atrás transcritos, são essencialmente idênticas, não se caracterizando, qualquer delas, de alguns particularidade especial que justificasse um regime jurídico distinto.
Nos termos do disposto no artigo 29º, a concessionária pode e deve recusar a frequência das salas de jogos a indivíduos que se recusem "sem causa legítima a pagar os serviços utilizados" ou "possam incomodar os demais utentes ... com o seu comportamento e apresentação". Tal efeito pode ser alcançado por via do disposto no aludido artigo 36º.
Acresce que, figurando o Inspector Geral de Jogos, no âmbito do Decreto-Lei nº 422/89, numa posição de supremacia em relação aos directores de serviço de jogos, cabendo-lhe inclusivamente uma função fiscalizadora relativamente à acção daqueles, não se compreenderia que as decisões tomadas pelo Director do Serviço de Jogos, ao abrigo do artigo 36º não necessitem de confirmação, e o mesmo tipo de decisões tomadas pelo Inspector-Geral de Jogos, estejam sujeitas, nos termos expressos no artigo 38º nº3 a recurso para o membro do Governo responsável pelo Turismo.
Como se refere no citado Acórdão de 22 de Maio de 2002 proferido no recurso nº 44798," ... Não se refere neste artigo 36º qual a forma como o controle das decisões do director de serviços de jogos aí previstas pode ser assegurado pelo Inspector-Geral de Jogos.
Porém, sendo a existência deste controle pressuposta pelo referido n º 3 do art 38º, tem de ter-se por seguro que falta de indicação do processamento a adoptar constitui uma lacuna de regulamentação e não a manifestação de uma intenção legislativa de inexistência de controle.
Havendo uma lacuna de regulamentação, ela tem de ser preenchida prioritariamente por via analógica, como impõe o nº 1 do art 10º do Código Civil.
A esta aplicação analógica não é obstáculo o facto de o art 11 º do Código Civil proibir a aplicação analógica de normas excepcionais e a tutela ter carácter excepcional no que concerne a órgãos que detêm em nome próprio poderes de autoridade. O direito de explorar jogos de fortuna e azar é reservado ao Estado (artº 9º do Decreto Lei nº 422/89) sendo os poderes de que gozam transitoriamente as concessionárias, durante a vigência da concessão, poderes próprios do Estado. (Como se salienta no douto Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República junto aos autos.) Nesta matéria de concessões, a tutela pelo concedente é que é a regra, enunciada pela fórmula «o concessionário gere, a Administração controla» (() Pedro Gonçalves, A concessão de serviços públicos, 1999, página 246, citando Linotte/Mestre, services publics et droit public économique, página 310, e Garrido Falla, Tratado de Derecho Administrativo, volume II, página 333), sendo o poder de fiscalização inerente à relação de concessão, com o suporte legal no art. 180º, alínea d), em que se atribui à Administração, nos contratos administrativos, o poder de «fiscalizar o modo de execução do contrato». (() Pedro Gonçalves, obra citada, página 247, acrescenta, citando Elio Caseta, Vigilânza e tutela dello Stato sulle società concessionairie du pubblici servizi, página 297, que, «o controlo sobre o concessionário não ocorrência excepcional, estando implicado no uso da técnica concessória»).
Por isso, não há qualquer obstáculo à possibilidade de integração da lacuna através da analogia.
No caso em apreço, é manifesto que essa analogia existirá não só com a situação regulada no nº 3 do art 29º (em que se prevê comunicação a fazer pela direcção do casino), mas principalmente com a do nº 2 do art. 37º, em que se prevê a comunicação pelos directores de serviço de jogos ao serviço de inspecção das decisões por aqueles proferidas, no prazo de 24 horas, com a respectiva motivação e testemunhas que possam ser ouvidas pedindo a confirmação da medida adoptada.
Trata-se de situações absolutamente análogas, não só por estar em causa o relacionamento entre as mesmas entidades, mas também porque os interesses em causa são precisamente os mesmos.»
Conclui-se do exposto que o acto recorrido não se encontra ferido dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de direito que lhe são imputados pela recorrente já que é correcta a integração da lacuna de regulamentação do artigo 36º com recurso ao regime previsto no nº 2 do art. 37º do Decreto-Lei nº 422/89, nomeadamente a obrigação da concessionária pedir a confirmação da do director do serviço de jogos no que se refere à recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos, bem como sobre a competência da Inspecção-Geral de Jogos para a referida confirmação.
Improcedem assim os vícios imputados pela recorrente ao acto recorrido.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 450 € e a procuradoria em 50% desse valor.
Lisboa, 23 de Junho de 2004
Abel Atanásio – Relator – Jorge de Sousa – Edmundo Moscoso –