Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0817/16
Data do Acordão:01/19/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
PROPOSTA
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
NÃO ADMISSÃO DA PROPOSTA
DESEMPREGO
INCENTIVOS AO EMPREGO
Sumário:I - Deve ser excluída, nos termos dos arts. 42.º, n.º 3, 70.º, n.º 2, al. b), e 146.º, n.º 2, al. o), todos do CCP, a proposta de concorrente que, após “desconto financeiro” pela mesma promovido de motu proprio, vem a redundar num valor inferior ao que, imperativamente, se mostra definido em cláusula do caderno de encargos como parâmetro mínimo de componente associada à formação de preço unitário por refeição.
II - O cumprimento ou a garantia da observância das obrigações e compromissos legais e contratuais por parte dos concorrentes e dos adjudicatários não está unicamente na dependência daquilo que seja uma análise isolada do valor aposto como preço duma proposta por referência ao uso de medidas de apoio à contratação previstas no DL n.º 89/95, dado que naquele juízo outros fatores importam e devem ser considerados, como aquilo que seja a concreta e específica situação e capacidade económica e financeira, a estrutura de custos, aquilo que sejam as capacidades e condições no acesso às fontes de financiamento, e os seus recursos (estrutura/natureza) e o modo como os mesmos são geridos e estão organizados.
III - Inexistindo prova nos autos de que o preço constante da proposta implicasse ou acarretasse um qualquer incumprimento por parte da concorrente daquilo que eram e são as suas obrigações e vinculações legais/contratuais, quer face a entidades públicas ou privadas, quer face aos seus trabalhadores, a exclusão da proposta com tal fundamento mostrar-se-ia ilegal por contrária à al. f) do n.º 2 do art. 70.º do referido Código.
Nº Convencional:JSTA00069986
Nº do Documento:SA1201701190817
Data de Entrada:09/01/2016
Recorrente:MUNICÍPIO DE GONDOMAR E A......, LDA
Recorrido 1:C........, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPTA02 ART1 ART140.
CPC13 ART608 ART613 N2 ART615 N1 D ART616 ART617 ART627 ART635 ART639 ART640 ART666.
CCP ART42 ART56 ART70 N2 B ART74 ART146 N2.
DL 89/95 DE 1995/05/06.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0579/16 DE 2016/12/14.; AC STA PROC01021/15 DE 2016/01/07.; AC STA PROC01355/14 DE 2015/05/07.; AC STA PROC0912/12 DE 2013/02/14.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO
1.1. “MUNICÍPIO DE GONDOMAR” [doravante «MdG»] e “A…………., LDA.” [doravante «A.........»], devidamente identificados nos autos, vieram de per si interpor recurso de revista uma vez inconformados com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [«TCA/N»] [datado de 08.04.2016 - fls. 1080/1126 dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], que, negando provimento aos recursos jurisdicionais que cada um havia interposto, confirmou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [«TAF/P»] [datada de 07.12.2015 - fls. 905/943], proferida na ação administrativa de impugnação urgente [contencioso pré-contratual] n.º 2322/14.4BEPRT [A.: “B………….., SA” (doravanteB……….”) contra RR.: “MdG” e contrainteressadas “A…………”, “C……….., SA” (doravanteC…………”), “D………….., SA” (doravanteD…………..”) e “E…………, SA” (doravante E…………”)] a que se mostram apensas as ações administrativas de impugnação urgente n.º 2360/14.7BEPRT [A.: “D…………..” e RR.: “MdG” e contrainteressadas “A……….”, “C………….” e “B………….] e n.º 2436/14.0BEPRT [A.: “C…………” e RR.: “MdG” e contrainteressadas “A…………..”, “D…………..” e “B………….] [cfr. decisão de fls. 733/738] que: i) “julgou procedente … o pedido de anulação do ato de adjudicação e do contrato celebrado na sequência do mesmo, com fundamento nos vícios de violação de lei por incumprimento do dever de exclusão das propostas apresentadas pela A……… e pela D………..”; ii) “julgou improcedente … o pedido de anulação do ato de adjudicação com fundamento no vício de violação de lei por incumprimento do dever de exclusão da proposta apresentada pela C………….” e, em consequência, iii) condenou “o Município de Gondomar à adjudicação do fornecimento à proposta apresentada pela C…………. e a com esta celebrar o respetivo contrato

1.2. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA «MdG» e «A…………» terminam as suas alegações de recurso apresentando o seguinte quadro conclusivo que, no que releva nesta sede, se passa a reproduzir:

1.2.1. Do Recorrente «MdG» [cfr. fls. 1203/1231]:
...
E. O que está em causa no presente recurso, é saber se:
i. Poderá um concorrente que participe num concurso público, aquando da proposta apresentada, - tendo como objetivo central fazer cumprir as exigências das peças concursais, em particular o respeito pelo atributo do preço - conceder um desconto financeiro à entidade adjudicante? Da ocorrência desse facto resultará a violação do disposto no artigo 70.º, n.º 2 alínea b) do CCP?
ii. A não apresentação de encargos com a Segurança Social na proposta apresentada pela Contrainteressada C…………., baseada essencialmente num mero juízo de probabilidade, traduzir-se-á na violação da legislação da segurança social e regulamentação laboral aplicável levando, consequentemente, à exclusão da sua proposta pela entidade adjudicante, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2 alínea f) do CCP?
iii. O Acórdão recorrido ao recusar-se a analisar o invocado, em sede Recurso para o tribunal a quo, vício atinente ao incumprimento dos salários mínimos dos trabalhadores constantes da proposta da C…………., com fundamento numa alegada falta de arguição de omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 627.º, 635.º, 639.º e 640.º do N.C.P.C, não será nulo, por violação expressa do art. 615.º, n.º 1 d) do N.C.P.C.?
(…)
G. I. As questões decidendas foram erradamente decididas pelo TCA Norte, de forma que justificativa a intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito;
II. Razões por que deve a presente ser revista e admitida
III. A questão jurídica essencial a decidir consistia em saber se existem fundamentos de exclusão das propostas da A………… e da C…………., por forma a determinar quem seria o adjudicatário do procedimento de contratação pública subjacente;
IV. Mal andou o Tribunal a quo quando entendeu existirem fundamentos de exclusão da proposta da A……….. e inexistirem quanto à proposta da C………….;
V. No que respeita à proposta da A……….., não existe qualquer fundamento para a respetiva exclusão já que é entendimento pacífico na jurisprudência atual que as empresas podem, pontualmente, assumir prejuízos para a execução de um determinado contrato público, desde que esse prejuízo se encontre suportado pela atividade do adjudicatário, como este seria o caso dos autos;
VI. No que respeita ao preço proposto pela A……….., este encontra-se plenamente justificado pela concessão de um desconto financeiro ao aqui Recorrente, decorrente das vantagens que a A……….. tem junto dos seus fornecedores em função das condições de pagamento praticadas e que não tem qualquer repercussão direta no custo da matéria-prima ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu;
VII. É que não se pode confundir custo com preço, sendo que a entidade pública apenas pode exigir, e consequentemente controlar, que um concorrente proponha matéria-prima com um determinado custo e não já com um determinado preço;
VIII. Por outro lado, não existe qualquer incumprimento de um aspeto de execução do contrato não submetido à concorrência uma vez que a A……….. não efetuou tal desconto a nenhuma rubrica concreta do preço, pelo que se inexistir o referido desconto a A……….. suportará o prejuízo respetivo;
IX. Nem ficou a A……….. desobrigada de fornecer refeições com matéria-prima incorporada no valor de € 0,80 caso o desconto não fosse efetivamente concedido;
X. É, pois, manifestamente improcedente o alegado vício do ato de adjudicação do concurso em apreço à A……….., devendo ser revogado o Acórdão proferido e julgadas totalmente improcedentes as ações intentadas;
XI. Se assim não se entender, no que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se pondera, sempre se acrescentará que o Tribunal a quo, ao não se pronunciar sobre o invocado vício de violação de lei decorrente do incumprimento por parte da C…………. dos salários mínimos dos trabalhadores constantes da proposta por si apresentada, quando, e ao contrario do que aquele Venerando Tribunal sustenta no acórdão recorrido, tal situação já havia sido objeto de análise em primeira instância mas não procedeu o vício ali invocado pelo ora recorrente, daqui que em sede de Recurso este último tivesse suscitado aquele vício para superior apreciação do Tribunal a quo, incorreu numa situação de nulidade da sentença - no caso, um acórdão - uma vez que,
XII. Conforme estatui o art. 615.º n.º 1 d) do N.C.P.C., é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, o que aconteceu no caso daquele Acórdão ora posto em crise, uma vez que o mesmo entendeu que a sentença de primeira instância apenas apreciou o vício de violação de lei por incumprimento dos salários mínimos da proposta da também contrainteressada D…………, quando o aqui Recorrente também sindicou essa questão relativamente à contrainteressada C………….;
XIII. Pelo que, ao invocar e considerar aquela suscitação de um vício de violação de lei também na proposta da C…………., por incumprimento de salários mínimos dos trabalhadores constantes naquela proposta, uma questão nova, jamais apreciada, em primeira instância, e uma vez que não teria sido arguida a respetiva omissão de pronuncia, tal levou a que não fosse apreciado naquele acórdão;
XIV. Incorreu assim o tribunal a quo numa nulidade do Acórdão, conforme prevê o art. 615.º n.º 1 d) do N.C.P.C., como em reforço já considerou o Acórdão desse Colendo Tribunal de 8 de janeiro de 2014, no âmbito do Processo 1522/13, e aqui citamos literalmente, na sua parte em que apreciou a admissibilidade de arguição de nulidades em sede de recurso de Revista:
«Ora, por um lado, esta revista excecional é, também ela, um recurso ordinário (vide Capitulo II do CPTA) e, em abstrato, pode ter por objeto todas ‘as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo’, independentemente de alçada (vide acórdão STA de 2011.02.08 - rec. n.º 0800/10). Logo, à primeira vista, de acordo com as anteditas normas dos artigos 668.º/4 e 722.º/1/ c) CPC (aplicáveis ex vi do artigo 140.º CPTA) esta sua natureza parece vedar a possibilidade de arguição direta das nulidades do acórdão no tribunal que o proferiu e impor a respetiva invocação por via de recurso, como fundamento de revista.
Mas, por outro lado, num olhar mais fino e penetrante, não podemos ignorar, primeiro, que, a despeito de ordinário, o recurso excecional de revista só é admissível ‘quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito’ (art. 150º/1) e, segundo, que ‘a decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção do Contencioso Administrativo’ (art. 150.º/1).
O recurso de revista regulado no art. 150.º do CPTA é, pois, um recurso sui generis, de exceção à regra do duplo grau que vigora no processo da jurisdição administrativa (vide arts. 24.º/g) e 37.º/a) ETAF), cuja existência é justificada pela necessidade de responder a questões de grande relevância jurídica ou social e/ou assegurar uma melhor aplicação do direito. E se, em abstrato, pode incidir sobre todo e qualquer acórdão de um Tribunal Central administrativo, a verdade é que a decisão sobre a sua concreta admissão está na dependência de um prévia atividade judicativa, de interpretação e aplicação de conceitos indeterminados, de resultado incerto».
XV. Essa questão é deveras pertinente, porque se sentença julgou verificado o incumprimento das regras imperativas respeitantes às retribuições mínimas dos trabalhadores constantes da proposta da D…………, aplicando a mesma metodologia e as mesmas regras de pagamento de retribuições a proposta da C…………., claro e evidente se torna de perceber que esta incorre também num vício de violação de lei e em caso algum poderia ser o aqui Recorrente condenado a adjudicar a esta contrainteressada a prestação de serviços objeto do concurso posto em crise nestes autos.
XVI. Daqui que, o Tribunal a quo ao não ter apreciado aquele vício invocado em sede de recurso, quando o deveria apreciar, fez incorrer o Acórdão numa nulidade, a qual aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos …”.

1.2.2. Da Recorrente «A…………» [cfr. fls. 1169/1185]:
...
E. O que está em causa no presente recurso, é saber se:
i. Poderá um concorrente que participe num concurso público, aquando da proposta apresentada, - tendo como objetivo central fazer cumprir as exigências das peças concursais, em particular o respeito pelo atributo do preço - conceder um desconto financeiro à entidade adjudicante? Da ocorrência desse facto resultará a violação do disposto no artigo 70.º, n.º 2 alínea b) do CCP?
ii. A não apresentação de encargos com a Segurança Social na proposta apresentada pela contrainteressada C…………., baseada essencialmente num mero juízo de probabilidade, traduzir-se-á na violação da legislação da segurança social e regulamentação laboral aplicável levando, consequentemente, à exclusão da sua proposta pela entidade adjudicante, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2 alínea f) do CCP?
I. A questão decidenda tem relevância jurídica e social, na medida em que implicam um esforço interpretativo superior à média e a solução das mesmas ultrapassa significativamente os limites do caso concreto;
II. As questões decidendas foram erradamente decididas pelo TCA Norte, de forma que justifica a intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito;
III. Razões por que deve a presente revista ser admitida;
IV. A questão jurídica essencial a decidir consistia em saber se existem fundamentos de exclusão das propostas da A……….. e da C…………., por forma a determinar quem seria o adjudicatário do procedimento de contratação pública subjacente;
V. Mal andou o Tribunal a quo quando entendeu existirem fundamentos de exclusão da proposta da A……….. e inexistirem quanto à proposta da C………….;
VI. No que respeita à proposta da A……….., não existe qualquer fundamento para a respetiva exclusão já que é entendimento pacífico na jurisprudência atual que as empresas podem, pontualmente, assumir prejuízos para a execução de um determinado contrato público, desde que esse prejuízo se encontre suportado pela atividade do adjudicatário, como seria o caso dos autos;
VII. No que respeita ao preço proposto pela A……….., este encontra-se plenamente justificado pela concessão de um desconto financeiro ao Réu, decorrente das vantagens que a A……….. tem junto dos seus fornecedores em função das condições de pagamento praticadas e que não tem qualquer repercussão direta no custo da matéria-prima ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu;
VIII. É que não se pode confundir custo com preço, sendo que a entidade pública apenas pode exigir, e consequentemente controlar, que um concorrente proponha matéria-prima com um determinado custo e não já com um determinado preço;
IX. Por outro lado, não existe qualquer incumprimento de um aspeto de execução do contrato não submetido à concorrência uma vez que a A……….. não afetou tal desconto a nenhuma rúbrica concreta do preço, pelo que se inexistir o referido desconto a A……….. suportará o prejuízo respetivo;
X. Nem fica a A……….. desobrigada de fornecer refeições com matéria-prima incorporada no valor de € 0,80 caso o desconto não seja efetivamente concedido;
XI. É, pois, manifestamente improcedente o alegado vício do ato de adjudicação do concurso em apreço à A……….., devendo ser revogada a sentença proferida e julgada totalmente improcedentes as ações intentadas;
XII. Se assim não se entender, no que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se pondera, sempre se dirá que, ainda que proceda o pedido de exclusão da proposta da A……….., deverá entender-se que existe fundamento de exclusão da proposta da C…………., pelo que o concurso deveria ser considerado deserto, com as legais consequências;
XIII. Assim, é de tal forma improvável que a C…………. não tenha encargos com a segurança social dos trabalhadores a afetar à prestação de serviços, que a sua declaração de inexistência é falsa e deve ser considerada fundamento de exclusão da sua proposta;
XIV. Com efeito, por força quer dos requisitos da atribuição dos apoios na segurança social quer as regras de transmissão de concessões decorrentes das CCT’s aplicáveis impõem a existência de algum encargo com a segurança social dos trabalhadores, que a C…………. manifestamente não considerou na sua proposta;
XV. O racional que preside à exclusão da proposta da A……….., se existir, terá igualmente de ser utilizado na exclusão da proposta da C…………., sob pena de se violar o princípio da igualdade e da imparcialidade, o que viciaria a decisão proferida pelo Tribunal a quo;
XVI. Assim, uma vez excluída a proposta da C…………., torna-se impossível uma decisão de condenação na adjudicação a qualquer concorrente, em virtude da deserção do concurso …”.

1.3. Devidamente notificada, a «C………….», aqui ora recorrida, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 1257/1299], que termina com o seguinte quadro conclusivo:
...
XIX. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo mostra-se, em si mesma, livre de qualquer erro ou mácula.
XX. Os recursos em apreço carecem em absoluto de qualquer fundamento, pelo que aos mesmos deve ser negado provimento e, consequentemente, deve ser mantida na íntegra a sentença recorrida.
I. Da Ilegalidade da proposta da A………..
XXI. Bem andou a sentença recorrida ao considerar que a proposta da A……….. teria de ser excluída por violação do artigo 70.º, n.º 2 alínea b) do CCP.
XXII. O n.º 1 da cláusula 4.ª do Caderno de Encargos estabelecia como preço base unitário por refeição o valor de € 1,33467, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, não podendo a componente associada a matéria-prima alimentar, em termos de preço unitário das refeições, ser inferior a € 0,80, mais IVA à taxa legal em vigor - cf. ponto 8 do probatório.
XXIII. Nos termos do artigo 16.º, alínea b) e Anexo A do Programa do Procedimento, no preço unitário para cada refeição a componente associada à matéria-prima alimentar não poderia ser inferior a 0,80€, acrescida de IVA à taxa legal em vigor - cf. pontos 6 e do probatório.
XXIV. A A……….. apresentou com a sua proposta uma nota justificativa de preço na qual procede à decomposição do preço unitário genericamente elaborada de acordo com o Anexo A do Programa de Procedimento, mas a que acrescenta uma rubrica que intitula «Desconto Financeiro», através da qual declara, na sua proposta, que vai descontar ao total do preço unitário assim decomposto, um valor unitário de 0,232€ - cf. cf. ponto 13 do probatório e p. 19 da douta sentença do TAF do Porto transcrita na p. 34 do douto acórdão recorrido.
XXV. Como bem entendeu a douta decisão recorrida:
«Este desconto genérico, por incidir na globalidade do preço unitário, deve ser considerado como aplicável a todas as componentes do preço, na proporção que estas têm no preço unitário global.
Contudo tal implicará que, após a aplicação do desconto, a componente do preço referente à matéria prima-alimentar acabará por ter um valor, a final, inferior a 80 cêntimos» - cf. p. 19 da douta sentença do TAF do Porto transcrita na p. 34 do douto acórdão recorrido (sublinhado nosso).
XXVI. Para além disso, a A……….. assumiu, expressamente, nas suas alegações que iria incorporar no fornecimento matéria prima-alimentar no valor de 0,80€, mas que não pagará essa quantidade aos fornecedores.
XXVII. É por demais evidente que proposta da A……….. viola a condição imperativa que resulta das peças de concurso de afetar 0,80€ à aquisição de matéria-prima alimentar.
XXVIII. Bem andou o douto acórdão recorrido quando entendeu que:
«Na verdade, a A……….., na nota justificativa do preço, apresentou, formalmente, para a matéria-prima alimentar, o valor de €0,800, mas em substância, em consequência do que designa por desconto financeiro que entendeu efetuar, decorrente, como justifica, das ‘vantagens financeiras com as compras que efetua’, apresentou um valor inferior em, pelo menos, €0,231 (€0,232 deduzido da matéria-prima não alimentar, por se integrar eventualmente nas compras que efetua, no valor que da nota justificativa consta, de €0,001), ou seja, um valor de, no máximo, €0,569, muito distante, pois, do valor de € 0,800 imposto pelo regulamento do concurso.
Com a concessão à entidade adjudicante deste denominado desconto financeiro, o preço unitário que resulta das rubricas e valores, tal como exarados na nota justificativa e que é de €1,471, passou para €1,24» - Cfr. p. 34 do douto acórdão recorrido.
XXIX. Não merecia qualquer acolhimento a argumentação vertida no Relatório Final para justificar a violação pela A……….. da regra de afetação de 0,80€ à matéria-prima alimentar, de que esta «cumpriu os requisitos exigidos na apresentação da proposta, nada impedindo que o mesmo use, no âmbito da livre concorrência, determinadas condições da empresa (vantagens financeiras com as compras que efetua) para apresentar uma proposta mais vantajosa» - cf. ponto 27 dos factos provados.
XXX. A possibilidade de os concorrentes poderem utilizar «vantagens económicas» não os autoriza a transgredirem as normas imperativas do procedimento, in casu, a exigência de que, no preço unitário de refeição, 0,80€ têm de ser afetos à matéria-prima alimentar.
XXXI. Se a A……….. pretendia utilizar «as vantagens financeiras de que dispõe» para apresentar um preço mais competitivo no concurso em apreço, nada a impedia de o fazer, desde que respeitasse a exigência de afetar 0,80€ à matéria-prima alimentar.
XXXII. A não exclusão da proposta da A……….. por violação da condição estabelecida no Programa de Concurso e no Caderno de Encargos configura um atentado manifesto ao princípio da legalidade.
XXXIII. A não exclusão da proposta da A……….. e o correspondente ato de adjudicação a esta concorrente equivale à alteração, pelo Réu, das regras contidas no Programa de Concurso e no Caderno de Encargos depois de conhecidas as propostas, em violação do princípio da estabilidade das regras do procedimento, sendo este princípio jurídico derivado do princípio da concorrência e do princípio da proteção da confiança.
XXXIV. É manifesto que a proposta da A……….. deveria ter sido excluída, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP e que o ato de adjudicação à A……….. é clamorosamente ilegal por violação do princípio da estabilidade das regras do procedimento.
XXXV. (…)
XXXVI. A A……….. e o Réu pretendem convencer o Tribunal de que o facto de a proposta da A………. conter um desconto que se reflete no valor a afetar à matéria-prima alimentar é uma questão que só à concorrente diz respeito e à sua capacidade negocial e comercial, no âmbito de um mercado concorrencial, bem como que, por via do desconto efetuado não é afetada a qualidade das refeições fornecidas.
XXXVII. Não são, porém, essas as questões em apreço nos presentes autos, pelo que de nada servem os argumentos esgrimidos pelos Recorrentes Município de Gondomar e pela A……….. no sentido de que os concorrentes podem livremente fazer-se valer, na apresentação de propostas em processos adjudicatórios, das melhores condições de que eventualmente beneficiem no mercado, podendo, inclusivamente, ter de suportar, em determinado contrato, prejuízos, na esteira do decidido no douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de fevereiro de 2013 (proc. 912/12), citado por ambos os Recorrentes.
XXXVIII. Em parte alguma da douta decisão recorrida é posto em causa o entendimento sufragado por este Venerando Tribunal no referido aresto, antes pelo contrário, como melhor se verá a propósito da legalidade da proposta da C…………..
XXXIX. (…) - tudo cfr. consta de p. 39 e 40 do douto acórdão recorrido.
XLI. Por mais voltas que dêem e jogos de palavras que façam, procurando fazer crer que o Tribunal a quo confundiu «custo» com «preço», os Recorrentes não conseguem alterar a verdade dos factos:
Admitir a proposta da A………… corresponde a uma alteração substancial ao caderno de encargos, relevante para efeitos de avaliação da proposta.
XLII. Nenhuma crítica merece o acórdão recorrido quando entendeu que «Em face de todo o exposto, é, pois, de concluir dever aquela proposta ser excluída, em face do disposto nos supra apontados normativos e nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º e na alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º, ambos do CCP» - cfr. p. 40 do acórdão recorrido.
XLIII. Para além de violar o princípio da imutabilidade das regras de concurso e o princípio da boa-fé, a não exclusão da proposta da A……….. punha em causa o princípio da comparabilidade das propostas.
XLIV. Nos termos do artigo 16.º, alínea b) do Programa do Procedimento, os concorrentes estavam obrigados a instruir a sua proposta com um documento contendo o atributo da proposta - ou seja, o preço - elaborado em conformidade com o Anexo A, intitulado «Proposta com Nota Justificativa de Preço» - cf. pontos 6 e 7 dos factos provados.
XLV. A Entidade Adjudicante pretendia saber com rigor a decomposição do preço unitário de cada refeição apresentado pelos concorrentes, o que não foi cumprido pela A………...
XLVI. Como bem entendeu a sentença do TAF do Porto, «a concessão de um desconto genérico sobre o preço unitário, sem que se possa perceber em que rubricas ele é aferido e repercutido no preço ou sequer se ele é auferido no âmbito de alguma das rubricas, impede a nota justificativa do preço de alcançar o seu desiderato, que é o de esclarecer quais as exatas componentes do preço apresentado» - cf. p. 24 da sentença.
XLVII. Também por aqui se impunha, como bem decidiu o TAF do Porto, a exclusão da proposta da A……….. «em virtude da falta de apresentação de atributos da proposta, nos termos conjugados dos arts. 57.º, n.º 1, al. b), 70.º, n.º 2 al. a) e 146.º n.º 2, al. o) do CCP».
II. da legalidade da proposta da C………..
XLVIII. O Município de Gondomar não recorreu para o TCA Norte da parte da sentença do TAF do Porto que considerou não existirem razões que levassem à exclusão da proposta da C…………., pelo que aquele não tem legitimidade para o fazer agora para este Venerando Tribunal.
XLIX. Não obstante, verifica-se que os argumentos esgrimidos pelo Recorrentes são essencialmente os mesmos.
L. Ficou bem patente nos presentes autos que a proposta da C…………. não padece de qualquer vício.
LI. Não têm razão os Recorrentes quando invocam que o raciocínio subjacente à decisão de exclusão da proposta da A……….. constante do acórdão recorrido deveria determinar a exclusão da proposta da C…………..
LII. O que estava em causa era saber se a C…………. poderia recorrer aos incentivos governamentais de dispensa de pagamento de contribuições para a Segurança Social ao abrigo das isenções ao incentivo da criação de postos de trabalho, previstos no Decreto-Lei n.º 89/95, de 6 de maio, o que nada tem a ver com o vício imputado à proposta da A……….. - que, pura e simplesmente, não cumpriu com as normas imperativas das peças do procedimento -, sendo totalmente desprovido de fundamento o alegado por aquela no sentido da violação pela decisão recorrida dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
LIII. É claro que da proposta da C…………. não consta nenhuma declaração no sentido de que não irá cumprir aos encargos com a Segurança Social.
LIV. Da proposta da C…………. e dos esclarecimentos por si prestados resulta evidente como é que a concorrente pretende cumprir com as suas obrigações laborais e com as contribuições para a Segurança Social - cf. 11 do probatório.
LV. A C…………. afiançou ao Júri do concurso, através dos esclarecimentos prestados, que está bem ciente das obrigações decorrentes das disposições sobre os efeitos de transmissão dos trabalhadores previstas no Código do Trabalho e na C.T.T. ARESP/FETESE e que deslocará os trabalhadores que possam encontrar-se abrangidos pelos referidos efeitos para outras unidades, em conformidade com a legislação vigente - cf. 18 do probatório.
LVI. Os incentivos legais criados pelo Governo e aos quais a C…………. fez apelo na sua proposta inserem-se na política de combate ao desemprego do Governo, são do conhecimento das empresas e do público em geral, pelo que cabe nas opções próprias de gestão de cada operador económico recorrer ou não aos mesmos.
LVII. O preço constante da proposta da C…………. não foi proposto sob condição de os incentivos à contratação serem concedidos ou se manterem durante toda a execução do contrato.
LVIII. Ainda que se viesse a verificar, posteriormente, a impossibilidade de usufruir dos sobreditos incentivos - no que não se concede - a verdade é que tal situação verificar-se-ia já em sede de execução do contrato e a C…………. teria de manter o preço a que se vinculara, ainda que tal implicasse a assunção por si de um prejuízo, garantindo-se sempre o pontual pagamento das contribuições devidas à Segurança Social.
LIX. No sentido do que vem dito, veja-se o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no douto acórdão proferido em 7 de janeiro de 2016 (proc. n.º 01021/15) e pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 19 de junho de 2015 (proc. 1646/14.5 BESNT).
LX. Bem julgou o douto acórdão recorrido ao aderir integralmente à sentença de primeira instância, considerando inexistir fundamentos para exclusão da proposta da C…………., por entender que:
«É certo que a C…………. veio explicar perante o Júri a estratégia comercial pela qual iria optar para poder usufruir dos benefícios à contratação de jovens, previstos no Decreto-Lei n.º 89/95, com o intuito de dissipar eventuais dúvidas quanto à ilegalidade da sua proposta.
Assim sendo, quanto a esta proposta, não poderia o júri do procedimento concluir com segurança que a mesma incorreria na violação de disposições imperativas do ordenamento jurídico.
Note-se que, em sede de execução do contrato, caso os proponentes não viessem a ser concedidos, por qualquer motivo, os apoios que haviam contabilizado, seria o concorrente que teria de suportar os custos referentes aos encargos sociais obrigatórios com os trabalhadores, ainda que dai resultassem para si prejuízos tendo em consideração a proposta que apresentou (neste sentido, cfr. Ac. do TCAS de 29.01.23015, proc. 11661/14) - cf. p. 45 do acórdão recorrido.
LXI. Tudo na esteira da já citada abundante jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, constante dos acórdãos de 13.12.2015 (proc. n.º 0657/15), 16.12.2015 (proc. n.º 01047/15) e de 28.01.2016 (proc. n.º 1255/15).
LXII. Não há, pois, qualquer fundamento para que a proposta da C…………. fosse excluída com o fundamento de que «o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis», nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.
iii. da suposta nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
LXIII. Não tem qualquer razão o Recorrente Município de Gondomar quando imputa ao douto acórdão recorrido nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
LXIV. O Tribunal a quo pronunciou-se efetivamente sobre a questão do aventado «vício de violação de lei decorrente do incumprimento por parte da C…………. dos salários mínimos dos trabalhadores», tendo decidido que:
«Donde, tendo sido decidido pela sentença recorrida que ‘não deverá proceder o invocado vício de violação de lei do ato de adjudicação, por inadmissibilidade das propostas das concorrentes C…………. e D………… em virtude do incumprimento dos encargos com a Segurança Social’ e sendo certo que o vício por incumprimento dos salários mínimos dos trabalhadores apenas foi conhecido relativamente à proposta apresentada pela D…………, é de concluir que, ao pretender agora o Recorrente Município, em sede de recurso jurisdicional, se conheça de vício atinente a incumprimento dos salários mínimos dos trabalhadores constante da proposta da C…………., consubstancia tal pretensão uma questão nova, jamais apreciada, nem por conhecimento prejudicado, em primeira instância, e, sem que venha arguida a respetiva omissão de pronúncia, está afastada do objeto do presente recurso, nos termos conjugados das normas dos artigos 627.º, 635.º, 639.º e 640.º do CPC» - cfr. p. 42 e 43 do douto acórdão recorrido.
LXV. É patente que o acórdão recorrido não padece de qualquer omissão de pronúncia.
LXVI. Caso o Recorrente pretendesse sindicar tal decisão do Tribunal recorrido teria de lhe imputar erro de julgamento, mormente explicando porque é que considera errada essa decisão, o que o Recorrente não fez.
LXVII. Sempre se dirá que bem andou o Tribunal recorrido ao considerar que a questão agora em apreço é uma «questão nova», sobre a qual o Tribunal de primeira instância jamais se pronunciou e que não faz parte do objeto do recurso, sempre devendo improceder o ora alegado pelo Recorrente.
LXVIII. De resto, a verdade é que o vício que a sentença de primeira instância considerou verificado relativamente à D………… - insuficiência dos montantes por si indicados para suportar os salários dos 39 trabalhadores de refeitório - era absolutamente independente da questão do recurso aos apoios governamentais à contratação e nem sequer se equacionava em relação à proposta da C…………..
LXIX. Em suma, tudo visto e bem visto, resulta claro e inequívoco que não merece qualquer censura o douto acórdão recorrido, pelo que deve ser negado provimento aos recursos interpostos pelos Recorrentes …”.

1.4. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 tal como as referências posteriores ao CPTA - vide art. 15.º, n.ºs 1 e 2, deste DL], datado de 07.07.2016 [cfr. fls. 1311/1315], foram admitidos os recursos.

1.5. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 146.º, n.º 2, e 147.º, n.º 2, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos e confirmado o acórdão recorrido [cfr. fls. 1329/1333], pronúncia essa que, objeto de contraditório, não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 1334 e segs.].

1.6. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. b) e 2, do CPTA foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
No essencial, o objeto de pronúncia mostra-se circunscrito quanto aos recursos de revista interpostos na apreciação: i) da invocada nulidade de decisão [art. 615.º, n.º 1, al. d), 627.º, 635.º, 639.º e 640.º todos do CPC/2013 (tal como as referências posteriores ao CPC salvo expressa indicação em contrário) aplicável ex vi do art. 01.º do CPTA] [sustentada apenas pelo R./«Md- conclusões E)/iii), G)/XI) a XVI)]; ii) do invocado erro de julgamento, sustentado por ambos os Recorrentes, dada a discordância com o juízo invalidatório do ato de adjudicação impugnado assente na ilegalidade da proposta da “A…………” e que deveria ter conduzido à sua exclusão, confirmado pelo TCA Norte no acórdão recorrido, já que considerado proferido em infração do disposto no art. 70.º, n.º 2, al. b), do CCP; e iii) do invocado erro de julgamento, sustentado pela Recorrente “A………..”, dada a sua divergência quanto ao juízo firmado de improcedência quanto à ilegalidade assacada à proposta da “C…………” de incumprimento daquilo que são as obrigações legais em matéria de encargos com a segurança social já que considerado proferido em infração do disposto no art. 70.º, n.º 2, al. f) do CCP e dos princípios da igualdade e da imparcialidade [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente nos autos [retificado o mero lapso material inserto no n.º XVI) o valor do preço unitário de «1,24» quando corresponde antes ao valor de «1,52» face ao teor do documento de fls. 94 dos autos e «P.A.» apenso] o seguinte quadro factual:
I) Em 28.05.2014, a Câmara Municipal do Município de Gondomar, aqui Entidade Demandada, deliberou proceder à abertura de um procedimento de concurso público com publicidade internacional para o fornecimento de refeições escolares às escolas do 1.º ciclo do ensino básico e jardins-de-infância da rede pública do Município de Gondomar no ano letivo 2014/2015, tendo ainda procedido à aprovação das respetivas peças do procedimento [cfr. deliberação a fls. 530 do processo administrativo apenso aos autos cautelares, adiante designado apenas por «P.A.»].
II) Em 11.06.2014, a Entidade Demandada lançou, mediante envio para publicação no Diário da República, um concurso público internacional com vista ao “Fornecimento de Refeições Escolares às Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico e Jardins de Infância da Rede Pública do Município de Gondomar” [cfr. anúncio de fls. 515 do «P.A.» apenso aos presentes autos].
III) O concurso público referido em II) encontra-se regulado pelo Programa de Procedimento e Caderno de Encargos constantes do «P.A.», que aqui se dão por integralmente reproduzidos [cfr. programa de concurso e caderno de encargos de fls. 534 e ss. e 536 e ss., respetivamente, do «P.A.»].
IV) O concurso público referido em II) tinha por objeto “(…) o fornecimento de refeições escolares, para uma quantidade máxima de 1.113.120 unidades, que deverão ser confecionadas, transportadas e servidas nas Escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico e nos Jardins de Infância, da Rede Pública do Município de Gondomar, de acordo com o discriminado no caderno de encargos (…)” [cfr. artigo 01.º do programa de concurso a fls. 534 do «P.A.»].
V) O critério de adjudicação do concurso público referido em II) era o critério do mais baixo preço [cfr. artigo 21.º do programa de concurso a fls. 547 do «P.A.»].
VI) Do Programa de Procedimento referido em III), que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta o seguinte:
(…)
Artigo 16.º
Documentos que constituem as propostas
A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo, sendo constituída pelos seguintes documentos, obrigatoriamente redigidos em língua portuguesa:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao processo de concurso, no qual foram incluídas as alterações introduzidas, ao diploma legal, pelo Decreto-lei n.º 149/2012, de 12 de julho, assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar;
b) Documento contendo o atributo da proposta, elaborado em conformidade com o Anexo A - Modelo de Proposta a apresentar com nota justificativa do preço, e A1 - Incidência dos encargos com o pessoal no preço unitário, que faz parte integrante deste processo de concurso, isto é documento que contenha o preço unitário e o preço total para o objeto do contrato, mencionados em algarismos e em Euros, assim como a nota justificativa do preço unitário, para cada refeição, não podendo a componente associada à matéria-prima alimentar, em termos de preço unitário, ser inferior a € 0,80, mais I.V.A à taxa legal em vigor. A proposta a apresentar deverá indicar expressamente que ao preço total e ao valor total geral da proposta, acresce o imposto à taxa legal em vigor, devendo ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar;
c) Podem igualmente integrar a proposta quaisquer outros documentos que o concorrente considerar indispensáveis para os atributos da proposta apresentada …” [cfr. programa de concurso e caderno de encargos de fls. 534 e ss. do «P.A.»].
VII) Dos anexos ao Programa de Procedimento consta o seguinte:
ANEXO A - MODELO DE PROPOSTA A APRESENTAR
com nota justificativa do preço
(…)
Nota Justificativa do Preço Unitário:
O preço unitário de € ___ , __ (por algarismos e por extenso), mais I.V.A. à taxa legal em vigor, para as refeições escolares, é composto pelas seguintes rubricas e respetivos valores:
a) Matéria-prima alimentar (*) € ___ , __
b) Matéria-prima não alimentar € ___ , __
c) Encargos com o pessoal: vencimentos, encargos sociais, € ___ , __
seguros, medicina no trabalho, subsídios de férias e Natal,
outros encargos, conforme descriminado no Anexo A1,
que faz parte integrante desta proposta.
d) Encargos com a manutenção do equipamento € ___
e) Transporte e acondicionamento da refeição € ___ , __
f) Encargos gerais € ___ , __
g) Lucro € ___ , __

(*) A componente associada à matéria-prima não pode ser inferior a € 0,80, mais I.V.A. à taxa legal em vigor …”.
“(…)
Anexo A1 - Incidência dos Encargos com Pessoal no Preço Unitário
Mapa do Pessoal
Categoria
N.º de Trabalhadores
Retribuição Mensal
Retribuição Mensal Total
Encargos Sociais
Subsídios de Férias e Natal Total
Total despesas com o pessoal
Seg. Social Total
Seg. Acidentes Trabalho Total
Medicina Trabalho Total
Por mês
10 meses do concurso
Tempo Integral (8 horas)
Encarregado B
6
Cozinheiro 2.ª
11
Cozinheiro 3.ª
6
Emp. Ref.
36
Tempo Parcial (3 horas)
Emp. Ref.
92
TOTAL DOS ENCARGOS COM O PESSOAL
(A)

O valor total dos encargos com o pessoal, para o fornecimento de cerca de 1 113 120 refeições e um período de contratação de cerca de 10 meses, é de € ________, ____(A) (…).
A incidência dos encargos com o pessoal no preço unitário de cada refeição, é de € ____ , __ [obtido dividindo o valor total dos encargos com o pessoal (A) pelo número total de refeições: 1 113 120 unidades] ……. (local, ……(data), …… [assinatura]” [cfr. programa de concurso e caderno de encargos de fls. 534 e ss. do «P.A.»].
VIII) Do Caderno de Encargos referido em III), que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta o seguinte:
(…)
Cláusula 3.ª
Prazo de Prestação de Serviço
1 - O contrato mantém-se em vigor durante um período de cerca de 10 meses, reportando-se ao ano letivo 2014/2015, para uma quantidade máxima de contratação de 1 113 120 refeições, renovável automaticamente por períodos de um ano letivo e num máximo de duas vezes, por iniciativa do Município de Gondomar, de acordo com o mencionado nos artigos 440.º e 451º do diploma legal, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do Contrato.
(…)
Cláusula 4ª
Preço Base
1 - O preço base, para o ano letivo 2014/2015, é de € 1 485 647,87, mais I.V.A à taxa legal em vigor, ao qual corresponde um preço base unitário de € 1,33467, mais I.V.A à taxa legal em vigor, para as refeições escolares, não podendo a componente associada a matéria-prima alimentar, em termos de preço unitário das refeições, ser inferior a € 0,80, mais I.V.A à taxa legal em vigor (…)” [cfr. caderno de encargos a fls. 563 e ss. do «P.A.»].
IX) Em 29.07.2014, apresentaram proposta, no âmbito do concurso público referido em II), as sociedades “C………”, “A………..”, “D……….”, “B………….” e “E……………, SA” [cfr. registos de apresentação das propostas a fls. 219, 240, 285, 298 e 375 do «P.A.»].
X) Da proposta apresentada pela C………” consta um valor total da proposta de 1.485.522,09 € e um preço unitário de 1,334557 € para uma quantidade prevista de 1.113.120 [cfr. proposta e retificação a fls. 237 e 198 do «P.A.», respetivamente].
XI) Da proposta apresentada pela “C………” consta o seguinte mapa, sob o título “Incidência dos encargos com pessoal no preço unitário da refeição”:


Mapa do Pessoal
Categoria
N.º de Trabalhadores
Retribuição Mensal
Retribuição Mensal Total
Encargos sociais
(…)
Seg. Social Total (1)
Seg. Acidentes Trabalho Total
Medicina Trabalho Total
Tempo Integral (8 horas)
Encarregado B
6
755,53 €
4.533,18 €
0,00 €
0,00 €
0,00 €
(…)
Cozinheiro de 2.ª
11
615,50 €
6.770,50 €
0,00 €
0,01 €
0,01 €
(…)
Cozinheiro de 3.ª
6
569,73 €
3.418,38 €
0,00 €
0,00 €
0,00 €
(…)
Empregada de Refeitório
36
514,65 €
18.527,40 €
0,00 €
0,02 €
0,02 €
(…)
Tempo parcial (3 horas)
Empregada de Refeitório
92
192,99 €
17.755,08 €
0,00 €
0,02 €
0,02 €
(…)
TOTAL DOS ENCARGOS COM PESSOAL
51.004,54 €
0,00 €
0,05 €
0,05 €
(…)
(…)
(1) Dispensa de pagamento de contribuição para a Segurança Social ao abrigo das isenções ao incentivo da criação de postos de trabalho” [cfr. proposta a fls. 239 do «P.A.»].
XII) Da proposta apresentada pela “A………….” consta um valor total da proposta de 1.380.268,80 € e um preço unitário de 1,24 € para uma quantidade prevista de 1.113.120 [cfr. proposta a fls. 279 do «P.A.»].
XIII) Da proposta apresentada pela “A………….” consta o seguinte:
(…)
Nota Justificativa do Preço Unitário:
O preço unitário de € 1,24 (um euro e vinte e quatro cêntimos), mais I.V.A. à taxa legal em vigor, para as refeições escolares, é composto pelas seguintes rubricas e respetivos valores:
h) Matéria-prima alimentar (*) € 0,800
i) Matéria-prima não alimentar € 0,001
j) Encargos com o pessoal: vencimentos, encargos sociais, € 0,663
seguros, medicina no trabalho, subsídios de férias e Natal,
outros encargos, conforme descriminado no Anexo A1,
que faz parte integrante desta proposta.
k) Encargos com a manutenção do equipamento € 0,001
l) Transporte e acondicionamento da refeição € 0,001
m) Encargos gerais € 0,001
n) Lucro € 0,005
o) Desconto Financeiro - € 0,232

(*) A componente associada à matéria-prima não pode ser inferior a € 0,80, mais I.V.A. à taxa legal em vigor.
(…)

CONCURSO PÚBLICO N.º 04/14
FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES ESCOLARES ÀS ESCOLAS DO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO E AOS JARDINS-DE-INFÂNCIA, DA REDE PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE GONDOMAR
DESCONTO FINANCEIRO
Em conformidade com o esclarecimento prestado pelo Presidente do Júri do Concurso Público n.º 04/2014 em que o preço fixado para este procedimento foi calculado tendo em atenção o estipulado pelo artigo 73.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que fixa que o disposto no artigo 33.º é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços que, em 2014, venham a renovar-se ou a celebrar-se com idêntico objeto e ou contraparte de contrato vigente em 2013, a A…………. propõe aplicar as vantagens financeiras que dispõe com as compras que efetua e, converte em desconto ao Município de Gondomar no valor de € 0,232 por refeição. Assim, o preço a considerar na proposta da A…………. é de € 1,24 que multiplicado pelo número de 1.113.120 Refeições Ano, perfaz o valor global da proposta de € 1.380.268,80 …” [cfr. proposta, a fls. 279 a 281 do «P.A.»].
XIV) Da proposta apresentada pela “D…………..” consta um valor total da proposta de 1.478.654,341 331 € e um preço unitário de 1,328387 € para uma quantidade prevista de 1.113.120 (cfr. proposta a fls. 279 do «P.A.»).

XV) Da proposta apresentada pela “D………….” consta o seguinte mapa, sob o título “Anexo A1 - Incidência dos Encargos com Pessoal no Preço Unitário”:


XVI) Da proposta apresentada pela “B………..” consta um valor total da proposta, para o ano letivo de 2014/2015, de 1.691.942,40 € e um preço unitário de 1,52 € para uma quantidade prevista de 1.113.120 [cfr. proposta a fls. 334 do «P.A.»].

XVII) Da proposta apresentada pela “E……………, SA” consta um valor total da proposta de 1.903.435,200 € [cfr. proposta a fls. 388 do «P.A.»].
XVIII) Em 05.08.2014, o júri do concurso solicitou, entre outros, o seguinte esclarecimento à proposta apresentada pela concorrente “C………”:
(…)
De que modo é possível, de acordo com Anexo A1, apresentar encargos nulos com a Segurança Social para todos os trabalhadores, justificados com a dispensa de pagamento de contribuição para a Segurança Social ao abrigo das isenções ao incentivo da criação de postos de trabalho, tendo em atenção o estabelecido no Código de Trabalho e no Contrato Coletivo de Trabalho das cantinas, nomeadamente o artigo 127.º deste último ….” [cfr. pedido de esclarecimento a fls. 204 do «P.A.»].
XIX) Em 06.08.2014, a “C………” veio prestar ao júri, entre outros, o seguinte esclarecimento relativo à sua proposta:
… A C……….., SA, ciente das disposições sobre os efeitos de transmissão dos trabalhadores previstas no Código do Trabalho e na C.T.T. ARESP/FETESE, deslocará os trabalhadores que possam encontrar-se abrangidos pelos referidos efeitos para outras unidades na mesma área de trabalho ou da sua residência de acordo com a legislação vigente.
Na oportunidade e desde já, esclarecemos que reunimos todas as condições necessárias para obter o direito à dispensa temporária de contribuições à Segurança Social aquando da contratação de jovens à procura de 1.º emprego ou desempregados de longa duração. Trabalhadores esses, que preencherão o quadro de pessoal a afetar ao procedimento em apreço no caso da adjudicação do mesmo.
Pelo exposto, o mapa demonstrativo da incidência dos encargos com pessoal no preço unitário da refeição valoriza a zero as contribuições para a Segurança Social …” [cfr. esclarecimentos a fls. 197 e 198 do «P.A.»].
XX) Em 05.08.2014, o júri do concurso solicitou, entre outros, o seguinte esclarecimento à proposta apresentada pela concorrente “D………..”:
(…)
De que modo é possível, de acordo com Anexo A1, apresentar encargos nulos com a Segurança Social para algumas categorias de trabalhadores, bem como esclarecer o cálculo dos subsídios de Férias e de Natal desses trabalhadores …” [cfr. pedido de esclarecimentos a fls. 194 e 195 do «P.A.»].
XXI) Em 13.08.2014, a “D…………..” veio prestar ao júri, entre outros, o seguinte esclarecimento relativo à sua proposta:
(…)
Relativamente ao solicitado a D………… considerou para este procedimento contratação ao abrigo de apoios do IEFP, mais concretamente neste caso o «Estímulo de 2013», que consistia em apoio, neste caso de 60% do valor do IAS (419,22€) para um máximo de 25 trabalhadores. Sendo assim a D…………. teria que suportar o diferencial para o vencimento de Empregado de Refeitório (95,43 €) mais os 40%.
Acumulável com o incentivo «Estímulo 2013» é o apoio «Dispensa de contribuições», por isso se encontra o valores de contribuições a zero, nestes 25 trabalhadores e nos restantes colaboradores com categoria de «Empregado de refeitório» (…)” [cfr. esclarecimentos a fls. 178 e 179 do «P.A.»].
XXII) Em 14.08.2014, o júri do concurso emitiu o relatório preliminar de análise das propostas, em que propôs (1) a exclusão dos concorrentes “B…………..” e “E…………….. SA”, (2) uma ordenação das propostas admitidas, de que consta a “A………….” em primeiro lugar, a “D…………….” em segundo lugar e a “C…………” em terceiro lugar, e (3) a adjudicação da prestação de serviços à “A………….” [cfr. relatório preliminar a fls. 173 e ss. do «P.A.»].
XXIII) Em 19.08.2014, a “D…………….” apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia, que aqui se dá por integralmente reproduzida, quanto aos projetos de decisão constantes do relatório preliminar referido em XXII), em que requer a exclusão da proposta da concorrente “A………….” e a reordenação das propostas, com adjudicação à “D…………….” [cfr. pronúncia a fls. 161 e ss. do «P.A.»].
XXIV) Em 22.08.2014, a “C…………” apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia, que aqui se dá por integralmente reproduzida, quanto aos projetos de decisão constantes do relatório preliminar referido em XXII), em que requer a exclusão das propostas das concorrentes “A………….” e “D…………….” e a adjudicação à “C…………” [cfr. pronúncia a fls. 125 e ss. do «P.A.»].
XXV) Em 20.08.2014, a “B…………..” apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia, que aqui se dá por integralmente reproduzida, quanto aos projetos de decisão constantes do relatório preliminar referido em XXII), em que concluir requerendo a anulação do procedimento e o lançamento de novo concurso [cfr. pronúncia a fls. 112 e ss. do «P.A.»].
XXVI) Em 29.08.2014, o júri do concurso emitiu o relatório final de análise das propostas, em que mantém a proposta de adjudicação da prestação de serviços, pelo preço contratual de € 4.140.806,40, à concorrente “A………….” [cfr. relatório final a fls. 104 e ss. do «P.A.»].
XXVII) Do relatório referido em XXVI) consta o seguinte, quanto às propostas da “A………….”:
(…)
Da análise da proposta da A………. verifica-se que foi apresentado o documento contendo o atributo da proposta, elaborado em conformidade com o Anexo A - Modelo de Proposta a Apresentar com nota justificativa do preço, e A1 - Incidência dos encargos com o pessoal no preço unitário.
Na nota justificativa do preço unitário, para cada refeição, não podia a componente associada à matéria-prima alimentar, em termos de preço unitário, ser inferior a € 0,80, mais IVA à taxa legal em vigor.
Assim, no entender do Júri, o concorrente A………. cumpriu os requisitos exigidos na apresentação da proposta, nada impedindo que o mesmo use, no âmbito da livre concorrência, determinadas condições da empresa (vantagens financeiras que dispõe com as compras que efetua) para apresentar uma proposta mais vantajosa.
Para além disso, para ser considerada uma proposta variante seria necessário que a mesma obedecesse aos requisitos previsto no art. 59.º do CCP, o que não é o caso ...” [cfr. relatório final a fls. 127 do «P.A.»].
XXVIII) Do relatório referido em XXVI) consta o seguinte, quanto às propostas da “C…………” e “D…………….”:
(…)
Solicita também a exclusão dos concorrentes C………, S.A. e D……………., Lda., por aplicação direta do disposto no art. 70.º, n.º 2, al. f) do CCP, dado que a proposta da C………, S.A não prevê quaisquer encargos com o pessoal relativos a segurança social e a proposta da D………….., Lda. prevê encargos de segurança social com as empregadas de refeitório de 0 € (zero euros).
Relativamente a este ponto, solicitou o Júri esclarecimentos aos respetivos concorrentes que alegaram:
C………, S.A. - Esclareceu que reunia todas as condições necessárias para obter o direito à dispensa temporária de contribuições à Segurança Social aquando da contratação de jovens à procura de 1.º emprego ou desempregados de longa duração. Trabalhadores esses que preencherão o quadro de pessoal a afetar ao procedimento em apreço no caso da adjudicação do mesmo. Ciente das disposições sobre os efeitos de transmissão dos trabalhadores previstas no Código do Trabalho e na C.T.T. ARESP/FETESE, deslocará os trabalhadores que possam encontrar-se abrangidos pelos referidos efeitos para outras unidades da mesma área de trabalho ou da sua residência de acordo com a legislação vigente.
D……………., Lda. - Considerou que as contratações ao abrigo do IEFP, acumuláveis com o incentivo «Estímulo 2013» e o apoio «Dispensa de contribuições» justificam os valores apresentados.
Parecendo plausível que o recurso aos incentivos acima referidos possibilitam a isenção de encargos, considera este Júri que devem ser aceites as justificações apresentadas pelos dois concorrentes.
(…)
Relativamente à D……………:
(…)
Não compete ao Júri, no âmbito deste procedimento, verificar a aplicação desses incentivos ou quais os trabalhadores que estão nas referidas condições.
Considerou este Júri as justificações apresentadas pelo concorrente aceitáveis, e no princípio da boa-fé, acreditar na declaração do concorrente, o que ocorreu também com o concorrente C………, SA …” [cfr. relatório final a fls. 208 e 209 do «P.A.»].
XXIX) Em 03.09.2014, a Câmara Municipal de Gondomar aprovou o conteúdo do Relatório Final referido em XXVI) e a adjudicação do contrato visado pelo Concurso Público referido em II) à “A………..” [cfr. ata de deliberação a fls. … do «P.A.»].
XXX) Em 08.09.2014, os concorrentes foram notificados da deliberação de adjudicação referida em XXIX), bem como do relatório final referido em XXVI) [cfr. impressão da notificação a fls. 85 e ofício a fls. 86 e 87 do «P.A.»].
XXXI) Em 01.10.2014, foi celebrado um contrato entre a Entidade Demandada e a “A……….”, designado por “Contrato de Fornecimento”, que aqui se dá por integralmente reproduzido [cfr. contrato de fls. 03 e ss. do «P.A.»].
*

3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem objeto do presente recurso de revista.

*

3.2.1. DA NULIDADE DE DECISÃO

I. Argumenta o recorrente «MdG» que o acórdão sob impugnação mostra-se lavrado com omissão de pronúncia porquanto ao recusar-se a analisar, em sede recurso de apelação, a ilegalidade atinente ao incumprimento da proposta da “C…………..” daquilo que é o salário mínimo nacional dos respetivos trabalhadores com fundamento numa alegada ausência de arguição da nulidade da decisão do «TAF/P» [por omissão de pronúncia quanto a tal fundamento de ilegalidade], infringiu o disposto conjugadamente nos arts. 615.º, n.º 1, al. d), 627.º, 635.º, 639.º e 640.º todos do CPC [conclusões E)/iii), G)/xi) a xvi) das alegações].

II. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º e 666.º do CPC “ex vi” dos arts. 01.º e 140.º do CPTA, os acórdãos são suscetíveis da imputação não apenas de erros materiais, mas, também, de nulidades.

III. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade” e na parte que ora releva, que as decisões judiciais são nulas “quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento …” [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as “… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença/«acórdão» [cfr. n.º 1 do art. 666.º CPC] se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...” [n.º 4].

IV. As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da função jurisdicional podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - ou por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 615.º do CPC.

V. Caracterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].

VI. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.

VII. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio.

VIII. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes.

IX. Só existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade [art. 615.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte, do CPC] se o tribunal na decisão, contrariando o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, não discriminar os factos que considera provados ou se proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objetos e fundamentos por ela alegados, visto que a ação/pretensão ou a exceção só podem ser julgadas improcedentes se nenhum dos objetos ou dos fundamentos puder proceder.

X. Presentes os considerandos caracterizadores do fundamento de nulidade de decisão invocado temos que, no caso, não se descortina ter ocorrido qualquer omissão de pronúncia já que, independentemente do acerto ou não, existiu juízo sobre a questão.

XI. Na verdade, em sede do ponto “II.2.2” do acórdão recorrido extrai-se do mesmo, naquilo que aqui ora releva, que “[t]endo sido decidido pela sentença recorrida que «não deverá proceder o invocado vício de violação de lei do ato de adjudicação, por inadmissibilidade das propostas das concorrentes C……….. e D………… em virtude do incumprimento dos encargos com a Segurança Social» e sendo certo que o vício por incumprimento dos salários mínimos dos trabalhadores apenas foi conhecido relativamente à proposta apresentada pela D…………, é de concluir que, ao pretender agora o Recorrente Município, em sede de recurso jurisdicional, se conheça de vício atinente a incumprimento dos salários mínimos dos trabalhadores constante da proposta da C……….., consubstancia tal pretensão uma questão nova, jamais apreciada, nem por conhecimento prejudicado, em primeira instância, e, sem que venha arguida a respetiva omissão de pronúncia, está afastada do objeto do presente recurso, nos termos conjugados das normas dos artigos 627.º, 635.º, 639.º e 640.º do CPC …” [sublinhados nossos].

XII. Ora, na situação vertente temos que quanto à questão invocada pelo R., aqui recorrente, e ao invés do que este sustenta, existiu pronúncia por parte da decisão judicial em crise, pronúncia essa no sentido de que o conhecimento da mesma lhe estava vedado à luz dos limites e âmbito do recurso sob pena de infração do disposto no quadro normativo ali invocado.

XIII. Nessa medida, não poderá imputar-se ao acórdão recorrido nesse âmbito qualquer omissão de pronúncia, na certeza de que o saber se tal juízo se mostra acertado ou não isso já não constitui nulidade de decisão mas, ao invés, erro de julgamento.

XIV. De harmonia com o exposto, e não obstante a argumentação desenvolvida pelo recorrente temos que no caso em apreço não ocorre a nulidade assacada à decisão judicial em crise.

*

3.2.2. DOS ERROS DE JULGAMENTO
3.2.2.1. DA VIOLAÇÃO DO ART. 70.º, N.º 2, AL. B) CCP

XV. Insurgem-se os recorrentes contra o juízo de procedência da ilegalidade relativa à proposta da “A…………” conducente à sua necessária exclusão do concurso, juízo esse firmado em alegada infração do disposto no normativo referido em epígrafe.

XVI. Importa, pois, aportar aos autos o quadro normativo posto em evidência como tendo sido erradamente interpretado e aplicado, bem como daquele que se revele pertinente para o seu julgamento.

XVII. Extrai-se, desde logo, do n.º 4 do art. 01.º do CCP que “[à] contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência”, decorrendo do seu art. 42.º que “[a]s cláusulas do caderno de encargos relativas aos aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência podem fixar os respetivos parâmetros base a que as propostas estão vinculadas” [n.º 3], que “[o]s parâmetros base referidos no número anterior podem dizer respeito a quaisquer aspetos da execução do contrato, tais como o preço a pagar ou a receber pela entidade adjudicante, a sua revisão, o prazo de execução das prestações objeto do contrato ou as suas características técnicas ou funcionais, e devem ser definidos através de limites mínimos ou máximos, consoante os casos, sem prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis” [n.º 4] e que “[o] caderno de encargos pode também descrever aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, nomeadamente mediante a fixação de limites mínimos ou máximos a que as propostas estão vinculadas” [n.º 5].

XVIII. Estipula o art. 56.º que “[a] proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo” [n.º 1] e que “[para] efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos” [n.º 2].

XIX. Resulta do art. 70.º, sob a epígrafe de “análise da proposta” e no que para os autos importa, que “[as] propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições” [n.º 1] e que “[são] excluídas as propostas cuja análise revele: (…) b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º” [n.º 2], sendo que nos termos do art. 74.º, relativo ao “critério de adjudicação”, “[a] adjudicação é feita segundo um dos seguintes critérios: (…) a) O da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante; (…) b) O do mais baixo preço” [n.º 1], na certeza de que “[s]ó pode ser adotado o critério de adjudicação do mais baixo preço quando o caderno de encargos defina todos os restantes aspetos da execução do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objeto daquele” [n.º 2].

XX. E, por último, no n.º 2 do art. 146.º dispõe-se que “[n]o relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: (…) o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º”.

XXI. Presente e cientes do quadro normativo acabado de enunciar importa, como nota prévia, ter presente que a “proposta” constitui um ato jurídico praticado no quadro de procedimento de formação de contrato público mediante o qual os interessados, então candidatos [cfr. art. 52.º do CCP], manifestam a intenção/pretensão de vir a celebrar o contrato objeto daquele procedimento, assumindo, na veste agora já de concorrentes [cfr. art. 53.º do CCP], o compromisso jurídico de o fazer com estrita observância daquilo que foram as exigências e condições definidas pela entidade adjudicante nas peças procedimentais, na certeza de que, quanto aos aspetos que nas referidas peças se mostram submetidos à concorrência, aquele ato reveste da natureza duma “proposta negocial”/”declaração negocial” vinculada que é dirigida àquela entidade para que a mesma a aceite ou recuse [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 07.05.2015 - Proc. n.º 01355/14 (e demais jurisprudência deste Supremo nele citada) e de 07.01.2016 - Proc. n.º 01021/15 - ambos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta»].

XXII. Como vimos o CCP [cfr. citado art. 74.º, n.º 2] apenas admite o critério do mais baixo preço quando o caderno de encargos defina todos os restantes aspetos da execução do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objeto daquele.

XXIII. Ora “aspetos submetidos à concorrência” são os elementos da proposta que, à luz do critério de adjudicação e modelo de avaliação definidos no programa do procedimento, irão ser alvo da avaliação para efeitos de escolha da melhor proposta, sendo que essa submissão à concorrência pode ser mais ampla ou mais restrita em função do modo ou dos termos como os parâmetros base se mostram elaborados, porquanto aos concorrentes pode ser conferida maior ou menor liberdade na formulação e conformação dos atributos das respetivas propostas.

XXIV. Da análise, mormente, dos arts. 42.º, n.ºs 3, 4, e 5, 57.º, n.º 1, als. b) e c), 70.º, n.ºs 1, e 2, al. b), 74.º, e 75.º, n.º 1, todos do CCP, resulta, aliás, que existem aspetos da execução de um contrato que são submetidos à concorrência e outros aspetos que o não são, sendo que, da referida al. b) do n.º 2 do art. 70.º na sua conjugação com o art. 146.º do mesmo Código, decorre que serão compreensivelmente excluídas as propostas que apresentam “atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos” ou “quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência”.

XXV. É que a verificação sobre se os termos duma proposta se conformam com os requisitos obrigatórios do caderno de encargos constitui uma operação de análise dirigida à aferição da sua admissibilidade, pelo que mercê da existência de faltas ou falhas, como as referidas na aludida al. b) do n.º 2 do art. 70.º, as mesmas implicam que a proposta é insuscetível de ser alvo duma avaliação à luz do modelo definido pelo programa do procedimento e a sua admissão ao concurso subverte ou é suscetível de subverter os princípios basilares da contratação pública.

XXVI. Assim, se for constatada a não conformidade de atributos da proposta já que violadores de parâmetros base fixados no caderno de encargos ou aposição de termos ou condições que infrinjam aspetos da execução do contrato a celebrar inscritos naquela mesma peça procedimental isso deve conduzir à sua exclusão, sabido que é através do procedimento de contratação pública que se visa escolher um cocontratante e uma proposta que, nas condições económicas e financeiras definidas como adequadas pela entidade adjudicante, satisfaça as necessidades públicas.

XXVII. O critério de adjudicação definido no concurso público em apreço [Concurso Público n.º 04/14 - Fornecimento de Refeições Escolares às Escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico e aos Jardins de Infância da Rede Pública do Município de Gondomar] é o do mais baixo preço [cfr. art. 21.º do Programa do Concurso - doravante «PC»], sendo que o “preço base” para as refeições escolares foi definido na cláusula 04.ª do «CE» para o ano letivo 2014/2015 em “€ 1.485.647,87, mais IVA à taxa legal em vigor, ao qual corresponde um preço base unitário de € 1,33467, mais IVA à taxa legal em vigor”, mais se determinando nesta cláusula de que a componente associada à matéria-prima alimentar, em termos de preço unitário das refeições, não poderia “ser inferior a € 0,80, mais IVA à taxa legal em vigor”, estando os concorrentes obrigados a instruir a sua proposta com documento justificativo do preço quanto a várias rúbricas e respetivos montantes parcelares [no caso: a) matéria-prima alimentar; b) matéria-prima não alimentar; c) encargos com o pessoal (seguros, medicina no trabalho, subsídios de férias e Natal, outros encargos, conforme descriminado no Anexo A1); d) encargos com a manutenção do equipamento; e) transporte e acondicionamento da refeição; f) encargos gerais; e, g) lucro] [cfr. n.ºs I), II), III), IV), V), VI), VII) e VIII) da matéria de facto provada].

XXVIII. Face ao critério de adjudicação definido temos que o preço constitui o único aspeto que se mostra no caso submetido à concorrência, sendo que à luz das regras enunciadas pela entidade adjudicante a definição dum “preço base” introduz um parâmetro base àquele atributo, o qual funciona como um limite máximo gerador de exclusão das propostas que o ultrapassem, porquanto quando o contrato a celebrar implique o pagamento de um preço, como é o caso na situação, tal “preço base” constitui o preço máximo que aquela entidade se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações objeto do contrato a celebrar [cfr. art. 47.º, n.º 1, do CCP].

XXIX. Mas, para além disso, a entidade adjudicante na “conformação” ou “parametrização” do atributo “preço”, único atributo que no caso, frise-se, se mostra submetido à concorrência, visando assegurar, quiçá, a qualidade/quantidade e, eventual, variedade dos produtos e ingredientes incluídos nas refeições a serem fornecidas, elegeu a rúbrica “matéria-prima alimentar”, de entre as demais rúbricas consideradas relevantes para a formação e justificação do preço unitário de cada refeição, impondo que, em termos de custo, a componente associada àquela rúbrica não pudesse ser nunca inferior ao valor de 0,80 €/acrescido do IVA à taxa legal.

XXX. Introduziu-se, assim, no «PC» e no «CE», uma restrição naquilo que é a liberdade conferida aos concorrentes na formação da respetiva proposta quanto ao seu preço e ao preço unitário por refeição, através da inclusão dum parâmetro mínimo delimitador ou balizador das fronteiras da concorrência e abaixo do qual os concorrentes não poderiam descer ou transpor, sob pena da cominação com a respetiva exclusão do procedimento [cfr. arts. 42.º, n.º 3, e 70.º, n.º 2, al. b), do CCP].

XXXI. O preço unitário final apresentado pela “A…………” foi o de 1,24 € por refeição, sendo que ao mesmo chegou considerando as diversas rúbricas componentes de formação de preço elencadas na sua “Nota Justificativa do Preço Unitário” e com que instruiu a sua proposta [cfr. n.ºs XII) e XIII) da factualidade provada], fazendo corresponder a cada uma das rúbricas um determinado custo/valor associado por refeição [i) 0,80 € (matéria-prima alimentar); ii) 0,001 € (matéria-prima não alimentar); iii) 0,663 € (encargos com pessoal); iv) 0,001 € (encargos com manutenção de equipamento); v) 0,001 € (transporte e acondicionamento da refeição); vi) 0,001 € (encargos gerais)], uma margem de lucro também por refeição [de 0,005 €], o que totalizaria um preço bruto unitário de 1,472 €/por refeição, valor esse a ser alvo do que a concorrente denominou de “desconto financeiro” [de 0,232 €/por refeição] enquanto rúbrica pela mesma criada e que inexistia nas peças procedimentais, e que justificou com base nas “vantagens financeiras que dispõe com as compras que efetua” e que resolveu converter “em desconto ao Município de Gondomar” no referido valor, pelo que o preço unitário por refeição “a considerar na proposta da A……….. é de € 1,24 …”.

XXXII. Alegam os Recorrentes que o acórdão recorrido confunde preço da matéria-prima e custo, realidades que não seriam coincidentes, que a proposta da “A…………” cumpre o «PC» e o «CE» quanto ao custo da matéria-prima alimentar a incorporar por cada refeição, ou seja, o valor de 0,80 €/acrescido de IVA, custo esse que não tem que ver ou que terá que corresponder ao ou com o preço que cada concorrente paga pela mesma matéria-prima aos seus fornecedores e que é fruto do valor que consegue obter em face dos descontos que beneficia junto daqueles, pelo que o “desconto financeiro” apresentado pela concorrente não afeta a sua proposta, mormente, os custos que se mostram exigidos pelas peças concursais ao invés do que se passa no “desconto comercial” em que existe um verdadeiro desconto no preço de custo.

XXXIII. Entre as categorias de descontos contam-se, é certo, os “descontos financeiros” [respeitando aos descontos obtidos e concedidos em pagamentos, nomeadamente de pronto pagamento e de antecipação de pagamento] e os “descontos comerciais”/“promocionais” [correspondem a todos os que não sejam de pagamento, obtidos na compra e venda de existências, como por exemplo, rappel, bónus, desconto de quantidade, entre outros].

XXXIV. Em causa está um invocado desconto, que a “A………..” denominou na sua proposta como sendo um “desconto financeiro”, desconto esse que a mesma afirmou deter fruto das “vantagens financeiras que dispõe com as compras que efetua” junto dos seus fornecedores.

XXXV. Ora em face das várias rúbricas pelas quais se decompõe a estrutura de custos definida no «PC» e no «CE» em presença para a formação do preço unitário por cada refeição e daquilo que, nessa estrutura de custos, representa o parâmetro mínimo imposto quanto ao valor do custo da componente associada à matéria-prima alimentar temos que a tese sustentada pelos Recorrentes não poderá proceder.

XXXVI. É que a exigência imposta quanto ao atributo de cada proposta [no caso, quanto ao preço - decorrente do art. 16.º e anexo A) do «PC» e da cláusula 04.ª do «CE» - de que no preço unitário de cada refeição a componente da matéria-prima alimentar nuca poderá ter um valor de custo inferior a 0,80 €] constitui um parâmetro mínimo imperativo a ser respeitado por cada concorrente, parâmetro esse cuja bondade, razoabilidade, adequação e legalidade, não se mostra em parte algum contestado, discutido ou impugnado por ninguém, mormente, pelos concorrentes.

XXXVII. Em termos da liberdade que cada concorrente dispõe de apresentar o seu preço unitário por refeição o mesmo, nos moldes em que se mostra definido, representa um claro cerceamento ou restrição quanto ao que se pode considerar como componente de formação do seu limite mínimo e que acresce ao limite máximo ou superior que deriva do preço base unitário que se mostra definido [no caso, no valor de 1,33467 €/acrescido do IVA].

XXXVIII. Com efeito, interferindo com aquilo que seria a própria liberdade ou margens de liberdade existentes na definição da estrutura de custos na formação daquele preço a restrição em termos da componente do limite mínimo é feita, no caso, por um lado, mediante a definição expressa e taxativa daquilo que, no entendimento da entidade adjudicante, são as rúbricas suscetíveis de serem consideradas como componentes para esse efeito e com necessária indicação parcelar dos respetivos valores por cada rúbrica [sem que ali se inclua ou se admita poder existir uma qualquer rúbrica ou componente relativa a qualquer tipo de “desconto” (e isso independentemente da natureza de que o mesmo possa revestir) e sobre que parcelas o mesmo possa incidir], e, por outro lado, com a imposição de que a estrutura de custos do preço unitário por refeição que cada concorrente apresentasse teria de ter uma componente associada à matéria-prima alimentar em valor nunca inferior a 0,80 €/acrescido de IVA.

XXXIX. Nessa medida, a proposta da “A………..”, à luz das rúbricas previstas nas peças procedimentais, conteria um preço unitário “bruto” de 1,472 €/por refeição, o qual como vimos é superior àquilo que é o preço base unitário definido para o procedimento, sendo que ao incluir uma componente ou rúbrica, que denominou de “desconto financeiro”, na e para a formação do preço unitário por refeição, contraria as regras do procedimento quanto àquilo que são as rúbricas suscetíveis de serem consideradas como componentes para a definição e justificação do aludido preço, para além de que um tal desconto, nos termos em que se mostra justificado, recaindo, pretensamente, sobre o preço unitário “bruto” supra referido e que apenas poderá incidir sobre as rúbricas relativas à matéria-prima [alimentar e não alimentar], já que apenas estas são suscetíveis de serem objeto de “compras” aos fornecedores da aqui recorrente “A………..”, traduz-se também ou acaba por materializar um “contornar” da proibição prevista na cláusula 04.ª do «CE» e, assim, abrir a porta à legitimação do incumprimento dos parâmetros mínimos fixados nas peças procedimentais.

XL. É que se o preço unitário final proposto pela “A………..” incorpora, no seu âmago, o “desconto financeiro”, essa dedução terá de refletir-se necessariamente e, a final, no valor daquelas componentes que formam o preço, no caso restritas à componente associada à matéria-prima [alimentar e não alimentar], desvirtuando ou permitindo a desvirtuação das regras imperativas fixadas pelo «PC» e pelo «CE», e aquilo que constituem os objetivos e os fins prosseguidos pelas mesmas através da definição/imposição da componente associada à matéria-prima alimentar em valor nunca inferior a 0,80 €/acrescido de IVA.

XLI. Daí que, de harmonia com o exposto, a estrita observância dos limites fixados nas peças procedimentais por parte da proposta da “A………..” [quanto ao seu atributo - preço] impunha que o preço proposto se situasse quer a baixo do preço base estipulado quer, em termos de preço unitário das refeições, quanto à componente desse preço associada a matéria-prima alimentar, num valor nunca inferior ao limite mínimo de 0,80 €/acrescido de IVA [porventura, para efeitos de preservar a qualidade dessa matéria-prima], pelo que bastando não observar um destes limites a proposta deveria ter sido excluída como se concluiu.

XLII. Assim, soçobrando pela motivação antecedente as razões aduzidas pelos Recorrentes como críticas dirigidas ao acórdão recorrido terá de improceder este fundamento de recurso.
*

3.2.2.2. DA VIOLAÇÃO DO ART. 70.º, N.º 2, AL. F), DO CCP

XLIII. Sustenta-se, nesta sede, de que a proposta apresentada pela concorrente “C………..” deveria ter sido igualmente excluída, já que a declaração de inexistência de encargos com a segurança social padeceria de ilegalidade por formulada em infração do normativo em epígrafe, termos em que errou no seu julgamento o tribunal a quo quando manteve o juízo de improcedência do pedido de anulação do ato de adjudicação com fundamento no incumprimento do dever de exclusão da proposta da concorrente em referência e condenou o R. «MdG» a adjudicar o fornecimento à proposta daquela e com a mesma celebrar o respetivo contrato.

XLIV. Presente aqui o quadro normativo supra convocado temos que, com relevância para o fundamento sob apreciação, se extrai, ainda, da al. f) do n.º 2 do citado art. 70.º do CCP que “[são] excluídas as propostas cuja análise revele: (…) f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”.

XLV. Tal como vem sendo afirmado por este Supremo Tribunal para que resulte preenchida a previsão da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP importa que se mostre demonstrado nos autos que a proposta permita detetar qualquer incompatibilidade com o bloco de legalidade em vigor [seja de fonte legal ou regulamentar] a ponto de a entidade adjudicante poder formular de imediato um juízo de exclusão da proposta sob pena de pactuar com a ilegalidade e infringir os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público [cfr. arts. 266.º, n.º 2, da CRP, 03.º e 04.º do CPA/91 ou do CPA/2015].

XLVI. Não será, assim, válida uma proposta apresentada em procedimento concorrencial que contenha condição ou proposição que conduza a que o contrato que venha a ser celebrado em decorrência da sua aceitação implique a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares respeitantes às atividades a desenvolver ao abrigo do contrato em questão ou ao quadro normativo do mesmo.

XLVII. Uma tal proposta nos termos do citado preceito teria de ser excluída já que em causa estarão ou poderão estar violações de regras de lei ou de regulamentos aplicáveis ao contrato em si mesmo considerado e, bem assim, às relações/vinculações dos contratantes e que do mesmo emergem.

XLVIII. Para a verificação da ilegalidade em questão importa, pois, que resulte demonstrado que a proposta em questão, pelos seus termos e demais circunstâncias apuradas, se revele como incompatível com o aludido bloco de legalidade em vigor.

XLIX. Revertendo à situação sob apreciação temos que, desde logo, improcede o apelo a um pretenso erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação dos princípios da igualdade e da imparcialidade que legitimariam ou justificariam que, excluída a proposta da concorrente “A……….”, se tivesse de seguir idêntica decisão quanto à proposta da concorrente “C…………”, já que não estão em causa juízos de análise e procedência quanto a fundamentos de ilegalidade idênticos que tivessem merecido decisões diversas e com quebra das garantias de imparcialidade.

L. Por outro lado, temos que, considerando o quadro factual apurado, não resulta do mesmo ter sido feita prova nos autos de que a proposta da concorrente “C……….” se revele como incompatível com o bloco de legalidade disciplinador daquilo que são os encargos com a segurança social e as obrigações que nesse domínio impendem sobre aquela empresa enquanto empregador.

LI. Da estrita análise das propostas de cada concorrente, mormente, do seu preço, não deriva ou não decorre, lógica e necessariamente, que aquele vá cumprir ou não as suas obrigações legais e contratuais, se o conseguirá vir a fazer ou não, tanto mais que, isoladamente, o preço proposto não é conditio sine qua non para se poder concluir, sem mais, que determinado concorrente pelo simples facto de haver oferecido um preço superior ao de outro concorrente irá cumprir as suas obrigações e que este último o não fará ou não conseguirá fazer pelo simples razão de haver apresentado um preço inferior àquele.

LII. Como vem sendo referido por este Supremo, o cumprimento, a garantia da observância das obrigações e compromissos legais e contratuais por parte dos concorrentes e dos adjudicatários não está unicamente na dependência daquilo que seja o valor aposto como preço duma proposta já que no juízo, na equação a efetuar, outros fatores e termos importam e devem ser considerados, como aquilo que seja a sua concreta e específica situação e capacidade económica e financeira, a sua estrutura de custos, aquilo que sejam as suas capacidades e condições no acesso às fontes de financiamento [bancário e/ou no mercado de capitais], aquilo que sejam os seus recursos, sua estrutura/natureza e o modo como os mesmos são geridos e estão organizados.

LIII. À luz do quadro legal que se mostra vigente são os resultados económico-financeiros dum contratante no cômputo geral da sua atividade e, em última análise, todo o seu património que garantem que, nomeadamente, na execução de cada contrato se mostrem observadas e cumpridas pelo mesmo todas obrigações/deveres legais e contratuais.

LIV. Este Supremo assim o considerou no seu acórdão de 14.02.2013 [Proc. n.º 0912/12 in: «www.dgsi.pt/jsta»], entendimento reiterado, nomeadamente, nos acórdãos de 07.01.2016 e de 14.12.2016 [respetivamente, Procs. n.ºs 01021/15 e 0579/16, disponíveis no mesmo sítio], afirmando que não é a execução de cada contrato, de per si ou visto atomisticamente, que tem de garantir, nomeadamente, o pagamento da retribuição mínima garantida, pois é “claro que se em todos os contratos celebrados as remunerações obtidas fossem inferiores aos encargos assumidos, não só estes não poderiam ser assegurados, como a falência logo ficaria à vista”, pelo que bem pode “acontecer que razões estratégicas aconselhem a apresentação de propostas que envolvam a assunção de prejuízos pontuais, sem implicarem a intenção de incumprimento de encargos legalmente impostos, intenção esta que não é sequer imputada às … concorrentes que apresentaram propostas em conformidade com as cláusulas postas em causa”, sendo que é “possível ao proponente apresentar uma proposta de preço inferior àquele valor (custo em abstrato dos encargos sociais e com remunerações) tendo por base a gestão de pessoal com que iria realizar a prestação de serviços conjuntamente com outros contratos” e que “algumas empresas por deterem determinadas condições (pessoal excedentários de outros contratos, proximidade de edifícios ou outras situações) conseguiam apresentar uma proposta mais vantajosa”, “sem que isso violasse qualquer regra de concorrência”, ou pudesse ser qualificado como “abaixo do custo anual” porquanto o custo poder ser “repartido por outros contratos ou mitigado atentas as condições em que essa empresa conseguia colocar o mesmo pessoal a realizar as mesmas horas de trabalho que outro proponente que não detenha essas condições”.

LV. Sustentou-se, aliás, nos últimos dos acórdãos atrás citados que “para além dos custos fixos/impostos legal, administrativa e contratualmente, uma empresa defronta-se com uma gama muito variada de custos variáveis que não estão fixados ou taxados de forma alguma e em que entram fatores que se prendem com capacidades de organização e de gestão detidas ou não, com capacidades comerciais e de negociação, pelo que não poderemos deixar de ter em consideração esta realidade no juízo concreto que importa fazer quando haja de se aferir se a situação em questão preenche ou não a previsão da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP” e de que “neste juízo se é certo que, por um lado, não poderemos esquecer que importa assegurar o respeito estrito da legalidade, daquilo que são as obrigações e vinculações impostas sem margem de manobra para as empresas e que se apresentam a estas como custos fixos, bem como daquilo que sejam os valores duma sã e transparente concorrência, temos, por outro lado, que não poderemos esquecer aquilo que constitui uma realidade evidente e notória e que se prende com a diversidade que cada empresa possui de custos e da estrutura e natureza destes, a margem de lucro com que cada empresa opera no mercado concorrencial, com aquilo que é e são as decorrências da liberdade de empresa, da liberdade de organização e de gestão duma empresa”, sendo que “não se enquadra nas funções do júri ou da entidade adjudicante, nem mesmo, ainda, da entidade pública cocontratante em sede de execução do contrato, a fiscalização das entidades empregadoras, enquanto concorrentes ou já cocontratantes, no que diz respeito ao cumprimento ou garante pelas mesmas das obrigações retributivas e contributivas face aos colaboradores e às instituições públicas, nomeadamente, às supra referidas”.

LVI. Daí que se subjacente à formação do preço aposto numa proposta está uma operação de cálculo na qual deverão ser incluídos os vários custos/encargos obrigatórios que derivam de imposições legais diversas, temos que a mesma não se reconduz unicamente a tais custos, porquanto para a mesma contribuem todos os outros custos variáveis imanentes ao funcionamento, operacionalidade e rentabilidade duma empresa no setor em questão.

LVII. Nessa medida, a proporção com que uns custos e outros custos contribuem para o resultado obtido na operação de cálculo a que cada concorrente chega é ou pode ser muito diverso, já que diversa será, necessariamente, a estrutura de custos fixos e variáveis que cada empresa possui e terá de suportar no desempenho da sua atividade, termos em que, quer em face do teor da proposta quer mesmo à luz no quadro logrado apurar nos autos, a exclusão da proposta não teria cobertura na al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP já que não deriva provado que, em abstrato ou mesmo em concreto, o preço aposto na proposta levasse ou conduzisse a que o contrato a celebrar implicasse a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis.

LVIII. Se é certo que, por um lado, não poderemos esquecer que importa assegurar o respeito estrito da legalidade, daquilo que são as obrigações e vinculações impostas sem margem de manobra para as empresas e que se apresentam a estas como custos fixos, bem como daquilo que sejam os valores duma sã e transparente concorrência, temos, por outro lado, que não poderemos esquecer aquilo que constitui uma realidade evidente e notória e que se prende com a diversidade que cada empresa possui de custos e da estrutura e natureza destes, a margem de lucro com que cada empresa opera no mercado concorrencial, com aquilo que é e são as decorrências da liberdade de empresa, da liberdade de organização e de gestão duma empresa.

LIX. Refira-se, por outro lado, que dúvidas não existem de que não pode reputar-se como constituindo ilegalidade o uso pelos empregadores, na gestão das suas empresas e dos meios/fatores de produção disponíveis, daquilo que são mecanismos e instrumentos legalmente previstos de promoção do emprego e de combate ao desemprego, mormente, as concretas “medidas de apoio à contratação” insertas, nomeadamente, no DL n.º 89/95, tal como se afirma com acerto no acórdão recorrido.

LX. Estamos em presença do uso legítimo e legal de mecanismos ao dispor da generalidade dos empregadores e das empresas, sem que, pelo simples facto destes delas lançarem mão, decorram ou se possam inferir quaisquer consequências negativas para a legalidade e valia das propostas que sejam apresentadas ao nível da contratação pública no quadro de procedimentos concorrenciais que venham a ser abertos.

LXI. De relevar ainda que dos termos insertos nas peças procedimentais não se extrai uma específica enunciação de disposição procedimental por força da qual os concorrentes estivessem limitados ou impedidos, na formação e apresentação das respetivas propostas, de fazer uso dos mecanismos e instrumentos legalmente previstos de promoção do emprego e de combate ao desemprego.

LXII. Inexistindo, por conseguinte, nos autos prova e demonstração factual de que o preço constante da proposta da “C…………” implicasse ou acarretasse um qualquer incumprimento por parte da mesma daquilo que eram e são as suas obrigações e vinculações legais/contratuais, a exclusão da proposta mostrar-se-ia ilegal já que contrária ao que se mostra disposto na al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP, pelo que improcedem as críticas dirigidas ao acórdão recorrido que, assim, não padece do erro de julgamento que lhe foi assacado.

LXIII. Em suma, soçobrando a motivação avançada perante este Supremo na qual os Recorrentes fundam as suas críticas ao acórdão recorrido, impõe-se, por conseguinte e de harmonia com a motivação antecedente, concluir pela total improcedência dos recursos jurisdicionais.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento aos recursos jurisdicionais sub specie e consequentemente, pela motivação antecedente, manter o acórdão recorrido.
Custas a cargo dos Recorrentes.
D.N..



Lisboa, 19 de janeiro de 2017. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.



Segue acórdão de 8 de Março de 2017:

CUSTAS. TAXA DE JUSTIÇA. DISPENSA DO PAGAMENTO. REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA.

Sumário:
Nos casos em que o valor da causa excede 275.000,00 € a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se, nos termos do art. 06.º, n.º 7, do RCP, se, na situação, ocorrer boa conduta processual da parte e quanto às questões jurídicas ali decididas inexista uma elevada especialização ou uma complexidade superior à comum.



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “A…………., SA” [doravante “A………..”] e “B…………., LDA.” [doravante «B………….»], devidamente identificadas nos autos e uma vez notificadas do acórdão deste Supremo, datado de 19.01.2017, que negou total provimento aos recursos jurisdicionais interpostos, vieram, ao abrigo do art. 616.º, n.º 1, do CPC/2013 [redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], peticionar a reforma da decisão quanto a custas, dispensando-as do pagamento do remanescente da taxa de justiça em conformidade com o disposto no art. 06.º, n.º 7, do RCP.

1.2. Devidamente notificadas não foi produzida qualquer resposta [cfr. fls. 1418 e segs. e 1421 e segs.].

1.3. Sem vistos cumpre apreciar e decidir em Conferência.


2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA QUESTÃO
Constituem objeto de apreciação nesta sede os pedidos de reforma deduzidos ao abrigo do art. 616.º do CPC quanto à decisão relativa às custas no segmento em que na mesma as aqui requerentes não foram dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça, alegando, em suma, que nos autos sub specie, aos quais foi fixado o valor de 5.075.827,20 €, inexistem quaisquer atos ou comportamentos julgados inaceitáveis, dado as partes haverem procedido com lisura e em respeito dos seus direitos, para além de que não se descortina que a ação possa ser suscetível de qualificação como complexa.

I. O n.º 1 do art. 616.º do CPC, aplicável ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA, permite às partes requererem ao tribunal que proferiu a decisão a sua “reforma quanto a custas e multa”, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo preceito [relativo às situações em que caiba recurso da decisão que haja condenado em custas ou multa].

II. Se a decisão proferida pelo julgador quanto a custas e multa, ou só quanto a custas ou quanto a multa, for ilegal no entendimento da parte, isto é, se esta considera que a decisão interpretou ou aplicou erradamente a lei pode a mesma pedir que seja reformada.

III. Decorre do n.º 7 do art. 06.º do RCP que “[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

IV. Resulta do n.º 1 do art. 527.º do CPC que “[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito” e abrangendo as custas processuais a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte [cfr. arts. 529.º, n.º 1, do CPC e 03.º, n.º 1, do RCP], temos que, nos termos do art. 530.º do CPC, a taxa de justiça “é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais” [n.º 1], sendo que “[p]ara efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: … a) Contenham articulados ou alegações prolixas; … b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou … c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas” [n.º 7].

V. A taxa de justiça traduz o preço do serviço judicial prestado ou desenvolvido pelo Estado ao garantir, através do exercício, por si, da função jurisdicional, cometida aos tribunais, o proferimento das decisões judiciais que caibam ser aplicadas nos diferendos que sejam presentes a juízo pelos utentes daquela função [cfr., entre outros, o Ac. deste Supremo Tribunal de 03.12.2015 - Proc. n.º 0413/14 in: «www.dgsi.pt/jsta»].

VI. A mesma corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente [cfr. arts. 529.º, n.º 2, do CPC, e 06.º, n.º 1, do RCP] e o seu pagamento é devido pela parte que intervenha na demanda [vide art. 530.º, n.º 1, do CPC], sendo que a é fixada em função do valor e complexidade da causa [cfr. art. 06.º, n.º 1, do RCP].

VII. Tal como afirmado no acórdão atrás citado a decisão judicial de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente [a proferir na decisão final do processo, a pedido de uma das partes ou oficiosamente determinada - cfr. arts. 06.º, n.º 7, 13.º, 14.º, n.º 9, todos do RCP] assenta “numa norma de natureza excecional” relativamente à qual o legislador impôs “fortes condicionalismos” mediante a exigência expressa da “sua fundamentação e enumerando mesmo (ainda que de forma não taxativa), razões a considerar, suscetíveis de a legitimar”.

VIII. E entre os fatores que devem ser relevados no caso concreto para emissão dum tal juízo importa, como sustentado na aludida decisão, ter em consideração, designadamente, i) complexidade da causa e ii) conduta processual das partes, referindo-se a propósito do primeiro que “(… sem prejuízo das particularidades que devam ser atendidas em cada processo), o próprio legislador indica elementos jurídicos de que podemos e devemos partir, por exemplo, articulados ou alegações prolixas; questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso ou, ainda, causas que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas [cfr. art. 530.º, n.º 7, als. a), b) e c) do CPC]”, sendo que “serão de qualificar como questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, aquelas cuja apreciação e decisão exigem do julgador «uma intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Serão questões jurídicas de âmbito muito diverso as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados»” e quanto ao segundo “releva em especial o dever de boa-fé processual com a dimensão que lhe confere o art. 8.º do CPC, a saber, terem as partes atuado ao longo do processo na busca da verdade, cooperando para o alcance desta e para a decisão justa do litígio, sem prejuízo da defesa da sua pretensão” [cfr., neste sentido, também o anterior Ac. deste Supremo de 22.04.2015 - Proc. n.º 099/14 consultável no mesmo sítio].

IX. Cientes e reiterados aqui os considerandos antecedentes e revertendo ao caso em presença temos que os autos tem o valor de 5.075.827,20 €, valor este bem superior ao valor que consta do n.º 7 do art. 06.º do RCP, sendo que as questões apreciadas nas instâncias, assumindo embora complexidade, não são de elevada especialização jurídica.

X. Com efeito, feita a apensação das várias ações, não houve sequer lugar nos autos a audiência de produção de prova, sendo que, em causa, estavam questões de contratação pública [anulação do ato de adjudicação e do contrato celebrado na sua sequência, por alegado incumprimento do dever de exclusão de concorrentes], questões que, apesar de, no caso, envolverem alguns contornos particulares e específicos, acabam, todavia, por se integrar naquilo que, com alguma habitualidade, são os temas debatidos/discutidos e decididos nos tribunais administrativos e aquilo que é a complexidade inerente a estes domínios.

XI. E na revista sub specie as questões em discussão correspondem, no essencial, àquelas que haviam sido debatidas nas instâncias, com a complexidade inerente, tanto que a revista foi admitida, mas a nível que não revestiu duma tão elevada especialização jurídica que inviabilize o preenchimento e operar da faculdade prevista do n.º 7 do art. 06.º do RCP.

XII. Para além disso também não se vislumbra que a conduta assumida por qualquer uma das partes, em 1ª instância, no recurso interposto para o TCA Norte e no recurso perante este Supremo Tribunal, se possa qualificar ou considerar como reprovável, já que a discussão das questões jurídicas e das posições pretensivas por parte das partes, mormente, pelas requerentes, foram feitas no quadro duma defesa adequada e conforme com os ditames da boa-fé processual, sem que revelassem um qualquer comportamento censurável.

XIII. Daí que importe concluir, na procedência do que se mostra requerido, pela dispensa das partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quer porque o circunstancialismo de facto preenche inequivocamente o quadro jurídico acima indicado, quer por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e de promoção e garantia de acesso à justiça previstos nos arts. 02.º, 18.º e 20.º da CRP, reformando-se nesse segmento a decisão em conformidade.

3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em reformular a condenação feita em sede de custas passando a mesma a ter o seguinte teor: Custas a cargo dos recorrentes, dispensando-se as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final [cfr. arts. 03.º, 06.º, n.º 7, do RCP, 527.º, 529.º e 530.º do CPC/2013].
Não são devidas custas do incidente dada a ausência de oposição.
Notifique-se. D.N..


Lisboa, 8 de março de 2017. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.