Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:06/11.4BESNT 0436/16
Data do Acordão:11/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
Sumário: As operações de cash pooling estão sujeitas à tributação em imposto de selo nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e verba 17.1.4 da TGIS.
Nº Convencional:JSTA000P23895
Nº do Documento:SA22018112806/11
Data de Entrada:03/03/2017
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…….., LDA, inconformada, interpôs recurso de revista nos termos do artº 150º do CPTA, da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) datada de 3 de dezembro de 2015, que, negou provimento ao recurso por aquela interposto, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, por decisão datada de 20 de Fevereiro de 2013, julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto de Selo e juros compensatórios.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição considera a Recorrente verificar-se violação de lei substantiva na interpretação conferida à verba 17.1.4 da TGIS, bem como à norma de incidência territorial do IS prevista no artigo 4º, n.º 1, do CIS, cumprindo dilucidar o seguinte:
a) Saber se a mera disponibilização de fundos no âmbito de um contrato de centralização de tesouraria (contrato de “cash pooling” na modalidade de “cash concentration”), nos termos do qual uma sociedade canaliza os seus excedentes de tesouraria para uma entidade centralizadora pertencente ao mesmo grupo de sociedades, podendo esta entidade investir os excedentes de tesouraria globais junto de entidades terceiras ou disponibilizá-los a outras sociedades do mesmo grupo em situação deficitária, e devendo restituir os excedentes de tesouraria daquela sociedade sempre e quando aquela o solicitar, configura uma operação de crédito sujeita a IS nos termos da verba 17.1.4 da TGIS;
2) Saber se o crédito sob a forma de conta corrente, concedido por uma entidade com sede em território português a uma entidade com sede noutro Estado, no qual se procederá à utilização do crédito, é sujeita a IS em Portugal ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do CIS.
2.ª No caso vertente estão verificados os pressupostos de que depende a admissibilidade do presente recurso de revista, uma vez que as supra enunciadas questões assumem quer relevância jurídica, quer social, sendo a admissão da revista necessária para uma melhor aplicação do direito (cf., entre outros, o acórdão de 29.06.2011, proferido no âmbito do processo n.º 0569/11);
3.ª No que concerne à primeira questão em equação a revista impõe-se para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica fundamental;
4.ª O acórdão recorrido concluiu, em suma, de modo manifestamente erróneo, que todas as operações de transferência de excedentes de tesouraria estão sujeitas a IS nos termos da verba 17.1.4 do TGIS;
5.ª De facto, parece o Tribunal a quo entender que perante uma operação deste género não assume relevo a análise da operação em concreto por forma a determinar se no âmbito de determinado contrato de centralização de tesouraria está prevista a “utilização de crédito” que, sublinhe-se, constitui o facto tributário sujeito a IS nos termos da verba 17.1.4 da TGIS;
6.ª Sucede que, este juízo revela um erro manifesto e grosseiro por parte do Tribunal a quo, por traduzir uma total desconsideração da norma de incidência objetiva que poderá, ainda, conduzir à violação do princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da Constituição);
7.ª Considera a recorrente que a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo é imprescindível por forma a obstar que tal entendimento manifestamente ilegal se consolide no ordenamento jurídico, com consequências gravosas nos inúmeros grupos empresariais que recorrem à gestão centralizada de tesouraria;
8.ª A interpretação e aplicação da verba 17.1.4 convoca uma operação lógica e jurídica complexa que consiste, por um lado, em determinar qual o facto que se pretende tributar e, por outro lado, interpretar o contrato de “cash pooling” e identificar a vontade das partes;
9.ª Em face do crescente recurso por parte dos mais diversos grupos empresariais e nacionais e multinacionais à gestão centralizada de tesouraria, a questão em apreço é suscetível de se repetir num número considerável de litígios futuros o que, também, demonstra a sua relevância social de importância fundamental;
10.ª Relativamente à segunda questão em equação a revista impõe-se também para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica fundamental;
11.ª O Tribunal a quo entendeu que, apesar das normas de incidência territorial não serem de interpretação clara e inequívoca, se deverá considerar que todas as operações de natureza financeira estão sujeitas a IS;
12.ª Tal juízo configura um erro grosseiro do disposto no artigo 4º, n.º 1, do CIS — preceito legal cuja aplicação se discute — o qual manda tributar em território português apenas os factos tributários que ocorram em território português;
13.ª Tendo em consideração que o Tribunal a quo, salvaguardando o devido respeito, não logrou aventar cuidadosamente da regra ínsita à norma em discussão, concluindo, aliás, em evidente conflito com a letra da lei, não pode esta interpretação manter-se, justificando-se assim a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo;
14.ª De facto, só a intervenção deste Venerando Tribunal obstará a que tal inadmissível interpretação se consolide no ordenamento jurídico, com as inerentes consequências ao nível dos grupos empresariais multinacionais que recorrem à gestão centralizada de tesouraria, e cujas filiais com sede em território português procedem à transferência de excedentes para uma entidade centralizadora sita noutro Estado;
15.ª Apesar de o artigo 4.º, n.º 1, do CIS se afigurar de aparente leitura fácil o que é certo, é que, o facto de a sua aplicação ao convocar quer, por um lado, a apreciação do regime previsto em normas específicas e, por outro, as próprias normas de incidência, traduz uma complexidade técnica superior ao comum;
16.ª Tal complexidade na compatibilização do regime do artigo 4.º com a norma de incidência decorre, desde logo, do próprio acórdão recorrido no qual o Tribunal a quo, por forma a alargar o âmbito de incidência territorial do IS é levado a defender que o facto tributário, em situações idênticas à dos presentes autos, consiste na concessão do crédito, interpretação que, claramente, configura uma discriminação e restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo Direito Comunitário, e que impõe a admissão da revista (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.05.2015, proferido no processo n.º 0770/14);
17.ª Se é certo que também quanto a esta segunda questão a complexidade inerente não se manifestou ainda de forma muito proeminente na jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, é seguro que, face à proliferação da gestão centralizada de tesouraria por grupos empresariais nacionais e multinacionais, o número de litígios terá tendência a aumentar e a persistir até que as dúvidas sobre a incidência territorial se dissipem;
18.ª E, o facto de este entendimento se aplicar em numerosos novos litígios administrativos e judiciais, justifica também a revista com fundamento na relevância social da questão de importância fundamental;
19.ª No que concerne à apreciação do mérito do recurso, é evidente que se impõe decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo;
20.ª Considera o Tribunal a quo que a verba 17.1 da TGIS incide sobre todas as operações de natureza financeira, realizadas a qualquer título por qualquer entidade, independentemente de o facto tributário se considerar verificado em território português, e que, por seu turno, são de incluir na previsão da verba 17.1.4 da TGIS todas as transferências de excedentes de tesouraria para entidades centralizadoras de gestão;
21.ª Contudo, lavra em erro o Tribunal a quo, porquanto descura de forma flagrante que o facto tributário previsto na verba 17.1.4 da TGIS consiste na “utilização de crédito” (cf., neste sentido, embora numa questão diversa, decisão arbitral de 28.01.2014, proferida no processo n.º 104/2013-T) e que a mera transferência de excedentes acordada entre a Recorrente e a entidade centralizadora de tesouraria, por si só não configura uma operação de crédito, e que, por outro lado, não ocorre in casu qualquer utilização de excedentes pela A’……..;
22.ª O acórdão recorrido padece, pois de erro de julgamento na subsunção à norma de incidência — verba 17.1 — uma vez que a averiguação da situação concreta determinaria uma conclusão de não subsunção;
23.ª De facto é erróneo o juízo de que toda e qualquer operação de tesouraria é sujeita a IS, revelando-se tal interpretação errónea não só face ao elemento histórico (anterior exclusão de tributação na verba 54 da TGIS) mas também, por presentemente, o legislador tributário apenas sujeita a tributação as operações de tesouraria se e quando envolvam um financiamento, o que não ocorre no âmbito de contratos de “cash pooling”, na modalidade “cash concentration”;
24.ª Assim, a interpretação vertida no douto acórdão recorrido de que a mera transferência de fundos constitui por si só um crédito/empréstimo é errónea pois, se assim fosse, todo e qualquer depósito bancário à ordem ou a prazo seria sujeito face à inexistência de qualquer exclusão ou isenção a esse respeito;
25.ª Por fim, importa ter presente que apenas será legítima a tributação da operação financeira que revele rendimento ou riqueza, pelo que a entender, sem mais, que toda e qualquer disponibilização de fundos cai no âmbito de aplicação da verba em questão, colide manifestamente com o princípio constitucional da capacidade contributiva;
26.ª Acresce que, o erro de julgamento na subsunção à norma de incidência decorre não só da inexistência de um financiamento mas também por não se poderem reconduzir as aplicações em causa a uma utilização de crédito “sob a forma de conta corrente”, uma vez que não existiu qualquer contrato de conta-corrente ou de abertura de crédito;
27.ª Verifica-se, ainda, errada interpretação das normas de incidência territorial, concretamente do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do CIS, invocado pelos serviços de inspeção tributária como fundamento da correção em crise;
28.ª Com efeito, com clara violação daquele preceito legal, o Tribunal a quo considerou que, apesar das normas de incidência territorial não se considerarem isentas de dúvidas, as operações de crédito, independentemente de o facto tributário se considerar verificado fora do território português, são sempre sujeitas a IS;
29.ª Ora, na interpretação do artigo 4.º, n.º 1, do CIS, o Tribunal não pode alhear-se da localização do facto tributário;
30.ª De acordo com a verba 17.1.4 da TGIS o facto tributário consiste na “utilização de crédito” (cf., neste sentido, embora numa questão diversa, decisão arbitral de 28.01.2014, proferida no processo n.º 104/2013-T), pelo que o pretenso facto tributário, na situação vertente, terá ocorrido em território sueco e não em território português, pelo que resulta cristalino não estar a operação em apreço sujeita a IS em território português;
31.ª Não se pode entender que facto tributário previsto na verba 17.1.4 da TGIS consiste na concessão de crédito, pois não estamos perante um facto tributário dúplice — concessão de crédito e utilização de crédito —, que necessariamente contraria toda a lógica do imposto;
32.ª Não há, de facto, sujeição a IS, nos termos do artigo 4.º do Código, quando o facto tributário ocorre fora do território português e o beneficiário não é residente pois, se interpretássemos que nas situações em que o beneficiário é não residente o facto tributário deixa de ser a utilização de crédito para passar a ser a concessão de crédito, tal interpretação normativa padeceria de discriminação e restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo Direito Comunitário (cf. artigo 63.º TFUE e ao artigo 40.º do Acordo EEE), aplicável não só em relação a outros Estados-membros mas também em relação a países terceiros;
33.ª Por fim, importa referir que não se pode acompanhar o Tribunal recorrido na parte em que, para concluir que de acordo com as normas de incidência territorial a situação sub judice deve ser tributada em território português, traz à colação o disposto no artigo 2º, n.º 1, alínea d) do CIS, bem como a alteração ao artigo 4.º do CIS efetuada pela Lei do Orçamento do Estado para 2002, visto que ambos os normativos se aplicam a situações inversas à dos presentes autos.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja a Recorrente dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

Não houve contra-alegações.

Por acórdão de 8 de Fevereiro de 2016, o STA admitiu a revista.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso. Resumidamente, entende que se mostram preenchidas as normas de incidência subjectiva, objectiva e territorial para aplicação do Imposto.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

A Sentença do tribunal de primeira instância deu como assente a seguinte factualidade concreta:
1-Em 18/12/2009, foi estruturada a liquidação de Imposto de Selo e de juros compensatórios, com o nº 2009 6430001198, no montante total de € 665.825,55, devidamente notificada à sociedade impugnante, cujo termo final do prazo para pagamento voluntário ocorreu em 27/01/2010;
2-A liquidação adicional identificada no nº 1 teve por base as conclusões do relatório, Parecer e Despacho constante de fls.49 e 50, elaborado pela I.T. em resultado da acção inspectiva externa realizada ao sujeito passivo ao exercício de 2006, cujo relatório final de fls.49 a 144 dos presentes autos, se dá aqui por reproduzido e do qual consta, no ponto III.4., designadamente, que:
(…)
Da análise às contas do razão.... Verifica-se a movimentação contabilística em disponibilidades à relevação de importâncias relativas à cedência de excedentes de tesouraria para a sociedade “A’……….”, ao abrigo de um acordo de centralização de tesouraria, o qual se destina a cobrir carências de tesouraria e de aplicação de excedentes por parte das sociedades aderentes, tendo-se apurado no exercício em análise na cedência de excedentes de tesouraria para aquela entidade, tendo o s.p. recebido juros dessa cedência movimentadas a crédito da conta de juros obtidos em outras aplicações financeiras por contrapartida da conta de outras aplicações de tesouraria.., tal transferência dos excedentes de tesouraria corresponde a uma operação financeira de concessão de crédito sob a forma de fundos... sob a forma de conta corrente, não se encontrando isentas de Imposto de Selo., procedeu-se ao respectivo cálculo, determinando os saldos em dívida.., apurou-se o valor de imposto em falta, resultante da aplicação da verba 17.1.4, da Tabela Anexa ao Código, ao crédito concedido pelo s.p. à A’……..”, de acordo com os cálculos desenvolvidos no anexo 7 do relatório, determinado sobre a média mensal, obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente durante o mês e dividido por trinta, aplicando-se a taxa de 0,04% fixada na verba 17.1.4 da tabela anexa, e sujeita a juros compensatórios.
(…)”
3-Dão-se aqui por reproduzidas as cópias do Contrato de Centralização de Tesouraria” junta a fls.112 a 121 dos presentes autos, da procuração de fls.122 a 133 dos presentes autos, do extracto da conta corrente e documentos de suporte de fls.134 a 138 dos presentes autos e do apuramento do imposto em falta de fls.139 a 144 dos presentes autos;
4-Da liquidação de imposto referida no nº1 foi deduzida reclamação graciosa ainda não decidida à data da interposição da presente impugnação;
5-O imposto e os juros liquidados identificados no nº.1 foram pagos em 24/02/2010.
No acórdão recorrido aditou-se a seguinte factualidade:
6-Do relatório da A. Fiscal devidamente identificado no nº2 do probatório, igualmente consta o seguinte:
(…)
A A……….., Lda., com o n.i.p.c. ………., com sede social no Edifício ………….., Paço de Arcos, desenvolve a título principal a actividade de comércio de veículos automóveis, CAE 045 110, sendo um contribuinte sujeito passivo de IRC pelo regime geral de tributação, não beneficiando de qualquer redução de taxa ou isenção de tributação, e sujeito passivo de IVA, pelo regime normal de periodicidade mensal.
(...)
III.4 Imposto de Selo (IS) em falta - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente
A) Acordo de cash pooling do Grupo A………
Da análise às contas do razão verificou-se a existência de uma conta na rubrica disponibilidades “1800000 - Outras Aplicações de tesouraria (Conta A……... - S0140100000) com um saldo devedor, em 31.12.2006, de € 111.018.066,97, o qual resulta do relacionamento com a empresa do grupo “A’……… (A’………) entidade com sede na Suécia. Este relacionamento encontra-se contratualizado, fazendo os respectivos contratos parte do Dossier de Preços de Transferência do sujeito passivo para o exercício em análise (Ver Anexo VII, folhas 22 a 31).
Através deste contrato denominado por “Deposit/Loan Agreement’ as entidades aderentes estabelecem um acordo de centralização de tesouraria, passando a cobrir as suas carências de tesouraria e efectuar as suas aplicações de excedentes de tesouraria através da A’………..
É um contrato mediante o qual a A’…………. é a entidade que aceita os depósitos por parte de todas as diversas filiais do Grupo A………. e empresta fundos a outras filiais do mesmo Grupo.
Como é referido no artigo 11º do contrato, o acordo apresenta duas vertentes:
-Por um lado, a A’………. aceita depósitos por parte das empresas aderentes as quais concedem um crédito correspondente;
-Por outro lado, a A’……… concede créditos as empresas aderentes que retiram os fundos correspondentes.
No artigo 3.º do contrato, são definidas as condições que regem os pagamentos/recebimentos dos juros associados às referidas operações financeiras.
Relativamente aos depósitos (aplicações) efectuados pelas empresas aderentes, a A’……… compromete-se a pagar juros a taxa de mercado fixada (Fixed Rate), minorada de um número predefinido de pontos base, que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil de cada mês (artigo 3º do “Deposit/Loan Agreement”).
Por sua vez, pelos montantes emprestados pela A’………. às empresas aderentes, são pagos juros a taxa de mercado fixada (Fixed Rate), majorada de um número predefinido de pontos base, que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil da cada mês.
A denominada “Fixed Rate” é definida a 2-semanas EURIBOR, que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil de cada mês.
No artigo 4º, são acordadas as formas de movimentação dos fundos, onde se preconiza que sempre que, neste caso a A……….., tenha um excedente de tesouraria deposita-o numa conta sua, aberta no Deutsch Bank Portugal (“Overlay account”), que por sua vez a A’………., transferirá para a designada “Reference Account of the Counterparty”, ou seja, para uma sub-conta do Deutsch Bank Frankfurt, própria da A’…………., que será exclusivamente usada para as transferências verificadas entre as companhias do grupo aderentes e a A’………..
Os movimentos entre estas duas contas são efectuados pela A’……….. através de um sistema de pagamento electrónico do Deutsch Bank, designado por sistema automático “cashsweep”.
Estamos assim em presença da modalidade de cash pooling designada por “cash concentration”, pois nesta modalidade, a centralização de tesouraria é operada em conta da entidade centralizadora constituída junto do banco, efectuam-se efectivas transferências de capital para a conta global, ou seja, os fundos são fisicamente direccionados para uma única conta bancária agregada.
O artigo 4º do referido acordo, indica como são efectuados os pagamentos. No que respeita às transacções resultantes de um contrato da Cash Pooling os pagamentos/recebimentos referentes às operações mencionadas na convenção serão feitos em Euros, a débito ou a crédito da conta que cada entidade possui junto da entidade bancária do país onde essas entidades têm a sua sede social, no caso da A……… é o Deutsch Bank Portugal.
O registo dos fluxos financeiros ocorridos entre a A’……….. e as entidades aderentes, processa-se em contas específicas para cada empresa aderente, podendo as mesmas assumir a forma de conta corrente.
B) Reflexos do acordo de cash pooling na A……..
A A………., Lda (A………) celebrou um contrato com a A’……….. (A’………..), pelo que se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para a A’………., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo A…………. Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da A’……….., no caso de necessitar dos mesmos.
No exercício objecto de análise, a relação entre a A……… e a A’……….. consistiu na cedência de excedentes de tesouraria da primeira à segunda entidade. Por sua vez, a A’……….. pôde utilizar estes montantes para satisfazer necessidades de financiamento de outras empresas do grupo A………. aderentes ao referido contrato.
A A’……….., no caso da A………., transfere o excesso de liquidez ou o reembolso de um empréstimo da conta aberta no Deutsch Bank Portugal para a conta de referência Deutsch Bank Frankfurt, conta própria da A’………, procedimento que só é possível se a entidade aderente autorizar a A’………. a aceder à sua conta aberta no país onde reside, autorização concedida por “Procuração” (ver “Mandate Letter” assinado em Outubro de 2006 no Anexo VII folhas 32 a 43).
A A’………, pela utilização destes excedentes de tesouraria, paga mensalmente à A………, juros nos termos estabelecidos no artigo 3: “Terms and interest of Transaction” do “Deposit/Loan Agreement”, celebrado entre as partes, que se resume basicamente à utilização da taxa de mercado fixada, definida (2-semanas EURIBOR), que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil da cada mês.
No exercício de 2006, por apenas se terem verificado depósitos resultantes de excedentes de tesouraria, a A’………. pagou à A……. juros no montante € 3.626.988,59, juros estes aquando do recebimento são creditados (conta - 781500- Juros Obtidos em Outras Aplicações Financeiras) por contrapartida da conta 12.
Quanto ao prazo de reembolso destes fundos, este não se encontra definido, uma vez que dependem das necessidades de tesouraria da A………., ou seja o reembolso processa-se na data e pelo montante indicado no pedido de fundos que a A……… emite e envia a A’……….
As transacções financeiras ocorridas entre a A………… e a A’……….. encontram-se registadas em contas tudo conforme documentação apresentada no Anexo VII folhas 44 a 48.
(…)
C) Enquadramento da operação em sede de Imposto do Selo
O sistema de “Cash Pooling” consubstancia-se num serviço financeiro que poderá ser utilizado entre contas bancárias de uma só empresa, ou entre contas bancárias de várias empresas do mesmo grupo, tratando-se da gestão conjunta desses capitais na vertente da rendibilidade do capital. Ou seja, mediante excedentes de tesouraria que existam de forma dispersa em várias contas, e/ou carências de tesouraria noutras contas, poderá proceder-se à sua gestão conjunta e possibilitar a concessão de créditos entre empresas do grupo.
Ora, as operações financeiras, nas quais se inclui a concessão e utilização de crédito a qualquer título, estão sujeitas a Imposto do Selo.
De facto, de acordo com o princípio da territorialidade estabelecido pelo n.º 1 do art,º 4.º do Código do Imposto do Selo (CIS) “o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo lº ocorridos em território nacional”.
Por sua vez o n.º1 do art.º 1 do CIS (incidência objectiva) refere que “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
O Código do Imposto do Selo tributa a “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, de acordo com as taxas referidas no ponto 17.1 da Tabela Geral, anexa ao Código do Imposto do Selo “sobre o respectivo valor em função do prazo”.
A taxa a aplicar ao referido crédito é a referida na Tabela Geral do Imposto do Selo no ponto 17.1.4 ou seja 0,04% “sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em divida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30”.
Por força da amplitude da norma estarão assim necessariamente sujeitas a este imposto, quer os excedentes de fundos disponibilizados pela entidade centralizadora às aderentes, quando do seu saque por parte destas, quer em sentido inverso, os excedentes por estas colocados à disposição da entidade centralizadora de tesouraria, no momento em que sejam objecto de levantamento.
Refere-se que a transferência dos excedentes de tesouraria da conta da A………. (através do DBP) para a A’………., corresponde a uma operação financeira de concessão de crédito (disponibilização de fundos) sob a forma de fundos, que ocorre em território nacional, dado que a A………… tem sede em Portugal (entidade mutuante) e a A’……….. tem sede na Suécia (entidade mutuária). As entidades responsáveis pela liquidação e entrega do imposto serão sempre, em qualquer dos casos, as entidades domiciliadas em território nacional.
Assim, a realização do crédito (sob a forma de conta corrente), é uma situação sujeita a Imposto do Selo de acordo com o nº. 1 do art.º 4 do CIS e em que a obrigação do imposto se considera constituída no último dia de cada mês, de acordo com a alínea g) do artº 5 do mesmo diploma.
No que respeita aos juros pagos pela A’……….. à A………, estes não estão sujeitos a Imposto do Selo, por não se enquadrarem no ponto 17.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo “Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”.
O conceito de intermediação consagrado nesta disposição legal deve ser entendido na sua acepção material: só constituirá intermediação, para este efeito, a participação daquelas entidades no próprio negócio de concessão do crédito ou de financiamento. No caso em concreto, o banco limita-se a actuar como mero depositário, não se verificando, por isso, qualquer intermediação na acepção acima referida.
Embora pertencendo ao mesmo grupo empresarial, as operações financeiras entre elas (A……… e A’…………) não beneficiam das isenções consagradas nas alíneas g) e h) do nº 1 do art.7 do CIS, já que para tal deveriam:
-Ser operações financeiras com prazo não superior a um ano;
-Destinar-se exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria;
-Serem realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação não inferior a 10% e desde que tenha permanecido na sua titularidade por um período mínimo de um ano consecutivo ou desde a constituição da sociedade participada.
No caso em apreço não se verificam o segundo e terceiro pressupostos, pois, embora as operações tenham um prazo não superior a um ano, elas não se destinam exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria e a A………… não possui qualquer participação directa na A’…………
Desta forma e uma vez que não são cumpridas cumulativamente as condições de isenção previstas nas alíneas g) e h) do n.º 1 do art.º 7 do CIS, as operações financeiras entre as duas entidades A………/A’……… não poderão beneficiar dela.
Estando delimitada a incidência do imposto e não existindo qualquer isenção prevista para esta operação, procedeu-se ao seu respectivo cálculo, determinando o saldo médio mensal em dívida de cada mês e aplicando a taxa de 0,04%, para apurar o imposto em falta.
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do art.º 2 e dos artigos 23 e 41 do CIS, a liquidação deste imposto e a sua entrega nos cofres do Estado compete à entidade concedente do crédito, neste caso à A………., pelo que esta entidade deveria ter pago o imposto até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (n.º 1 do art.º 44 do CIS).
Tendo em vista o descrito anteriormente, apurou-se, no anexo VII, folhas 49 a 54, o valor de imposto do selo em falta, no montante de €587.119,30 (quinhentos e oitenta e sete mil, cento e dezanove euros e trinta cêntimos), resultante da aplicação da verba 17.1.4 da Tabela anexa ao Código do Imposto do Selo (TGIS), ao crédito concedido pela A……….. sobre a forma de conta corrente.
(…)
O imposto em falta está sujeito a juros compensatórios nos termos do n.º 1 do artigo 35 da LGT e artigo 40 do CIS, desde o dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído, nos termos do n.º 1 do artigo 44 do CIS.
(…);
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
No acórdão datado de 08.02.2017, pelo qual se admitiu este recurso de revista, identificaram-se as seguintes questões que cumpre resolver e que serão o objecto da pronúncia deste Supremo Tribunal:
a) Saber se a disponibilização de fundos no âmbito de um contrato de centralização de tesouraria (contrato de “cash pooling” na modalidade de “cash concentration”), nos termos do qual uma sociedade canaliza os seus excedentes de tesouraria para uma entidade centralizadora pertencente ao mesmo grupo de sociedades, podendo esta entidade investir os excedentes de tesouraria globais junto de entidades terceiras ou disponibilizá-los a outras sociedades do mesmo grupo em situação deficitária, e devendo restituir os excedentes de tesouraria daquela sociedade sempre e quando aquela o solicitar, configura uma operação de crédito sujeita a IS nos termos da verba 17.1.4 da TGIS;
b) Saber se o crédito sob a forma de conta corrente, concedido por uma entidade com sede em território português a uma entidade com sede noutro Estado, no qual se procederá à utilização do crédito, é sujeita a IS em Portugal ao abrigo do disposto no artigo 4.º n.º1, do CIS.

Dispõe a verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de selo que, o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

Resumidamente, a situação de facto é a seguinte: a A………., Lda (A……..) celebrou um contrato com a A’……….. (A’………), pelo qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para esta A’……….., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo A…….. Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da A’……….., no caso de necessitar dos mesmos.
Pelas transferências de fundos realizadas a A………… recebeu juros no montante € 3.626.988,59.
A A………… tem sede em Portugal e a A’………… tem sede na Suécia.

Não há dúvida, porque está provado documentalmente, que a impugnante e a referida A’………… fazem parte de um acordo de gestão integrada de tesouraria em que perante a existência de excedentes de tesouraria, no caso da impugnante, tais excedentes foram remetidos à A’………… que os utilizou no auxilio a outras empresas que necessitavam de capital e em contrapartida pagou juros à impugnante pela disponibilização desses excedentes com os quais contribuiu para a o referido acordo de gestão integrada.
Ocorreu, portanto, uma ou mais operações de transferência de saldos entre a(s) conta(s) da impugnante e a(s) conta(s) da entidade centralizadora, a A’…………, que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.
Com esta verba do IS pretende-se tributar as transferências de saldos entre a impugnante, enquanto empresa nacional, e a entidade centralizadora, sedeada na Suécia, devendo tais transferências de saldos ser qualificadas como financiamentos concedidos também para efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS. Portanto, no caso concreto, incumbiria à impugnante a liquidação do imposto de selo, na qualidade de concedente do crédito, que seguidamente o deveria debitar à A’………… não residente.
E tais transferências de saldos, tanto são tributadas quando ocorrem entre empresas nacionais, entre empresas de estados-membros ou até entre empresas de estados-membros e de países terceiros, aplicando-se sempre as normas constantes dos artigos 1º. n º 1, 2º, b), 3º, n.º 1, f), 4º, n.º 1, 23º, n.º 1, 41º e 44º, todos do CIS.
Nesta medida, não se vislumbra que sejam ofendidas as normas do artigo 63º do TFUE e 40º do Acordo EEE, que consagram a livre circulação de capitais, uma vez que estas normas relativas ao IS são aplicadas indistintamente a todas as operações económicas legalmente previstas, sem discriminação em função da nacionalidade ou do território, quando duas empresas operem nas mesmas condições e sujeitas aos mesmos acordos que a impugnante e a A’………., em sentido coincidente, onde se decidiu que o direito da União era ofendido por haver um tratamento diferente em razão do território, pode ver-se o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-439/97.

Efectivamente a operação de transferência de capitais realizada entre a impugnante e a dita A’…………, e ao contrário do que defende a impugnante, tem que ser necessariamente subsumida ao disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e respectiva verba 17.1.4 da TGIS, desde logo porque tem que ser qualificada como uma operação de crédito com contrapartida, isto é, remunerada por via do pagamento dos juros calculados a uma taxa acordada entre as partes e durante o período de tempo de duração da cedência do capital. E sempre que haja a utilização desse mesmo capital por parte da A’………..–crédito utilizado- ocorre a possibilidade de tributação ao abrigo das normas respeitantes ao CIS e à TGIS atrás indicadas.
Podemos, assim, concluir que não procede o recurso que nos vinha dirigido, respondendo-se às duas questões colocadas em sentido contrário ao pretendido pela impugnante.

Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
D.n.

Lisboa, 28 de Novembro de 2018. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Francisco Rothes.