Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0627/20.4BEAVR
Data do Acordão:07/14/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
PLANO DE TRABALHOS
Sumário:I – Da conjugação dos arts. 43º nº 4 b), 57º nº 2 b) e 361º nº 1 do Código dos Contratos Públicos não resulta a imposição, para todos os casos, de um nível único de detalhe do “plano de trabalhos” (e de pagamentos, de equipamentos e de mão-de-obra), a apresentar com as propostas em procedimentos de formação de contratos de empreitada de obras públicas, designadamente que exceda o necessário para assegurar o objetivo legal (“ratio legis”) de permitir um adequado controlo, por parte do dono da obra, da execução da empreitada concretamente em causa, tal como fixado quanto ao seu ritmo e sequência e meios utilizados.
II – Não se destinando o “plano de trabalhos” a garantir o compromisso da efetiva realização, por parte do empreiteiro, de todas as espécies de trabalho previstas, necessárias para a realização da obra – objetivo atingido através da declaração de aceitação, pelo empreiteiro, do conteúdo do Caderno de Encargos (e, portanto, da realização de todas as espécies de trabalho discriminadas, pelo dono da obra, no “projeto de execução” e no respetivo “mapa de quantidades”) -, nada impede que o “plano de trabalhos” possa agregar ou agrupar diversas espécies de trabalho, desde que permita, em concreto, controlar adequadamente o ritmo e a sequência da execução da empreitada, e os meios nela utilizados, e respeite as eventuais exigências do Caderno de Encargos (nomeadamente, quanto à unidade de tempo e periodicidade aí definidas pelo dono da obra).
Nº Convencional:JSTA00071524
Nº do Documento:SA1202207140627/20
Data de Entrada:06/08/2022
Recorrente:MUNICÍPIO DE AVEIRO E OUTROS
Recorrido 1:A............ II - ............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. O “MUNICÍPIO DE AVEIRO” interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido, nos presentes autos, pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em 11/2/2022 (cfr. fls. 2926 e segs. SITAF), que concedeu provimento ao recurso intentado pela Autora “A………… II - …………, Lda,” da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Juízo dos Contratos Públicos (TAF/Porto-JCP), de 25/10/2021, que havia julgado a ação totalmente improcedente (cfr. fls. 2760 e segs. SITAF), assim revogando esta sentença e julgando a ação procedente, anulou o ato impugnado e o respetivo contrato e condenou o então Recorrido “Município de Aveiro” o objeto do procedimento concursal à Autora, assim como na outorga do respetivo contrato.

2. Inconformado com este julgamento do TCAN, veio a Entidade Ré “Município de Aveiro” interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 3054 e segs. SITAF):

«1ª) O presente Recurso é admissível, nos termos do Artº 150º/1 do CPTA, tanto para pronúncia e orientação sobre o grau de detalhe e especificação que deva ser exigível a um Plano de Trabalhos, como para pronúncia e orientação sobre o afastamento do efeito anulatório, nos termos do Artº 283º/4 do CCP – vd. antecedentes parágrafos 2 a 9 –.
2ª) Ao invés do decidido pela 2ª Instância, o Plano de Trabalhos apresentado a concurso pela Adjudicatária (B............) não padece de qualquer insuficiência e/ou desconformidade, muito menos viola o preceituado no Artº 361º do CCP, não havendo, portanto, motivo para a sua exclusão e para a anulação da adjudicação que lhe foi feita e do contrato que com ela foi celebrado – vd. antecedentes parágrafos 10 a 38 –.
3ª) Ainda que, porventura, assim não seja entendido, as irregularidades da proposta da própria Autora (A............), a diminuta gravidade da viciação (meramente procedimental) apontada pela 2ª Instância, a ponderação dos interesses em presença e as ocorrências posteriores à adjudicação (execução da empreitada a cerca de metade e consequências que poderão advir da anulação da adjudicação e do contrato, sobretudo tal como decorrerão do julgado em 2ª Instância) deverão determinar o afastamento do efeito anulatório, nos termos do Artº 283º/4 do CCP – vd. Antecedentes parágrafos 39 a 57 –.
4ª) Em todo o caso, os fundamentos da 2ª Instância estão em manifesta contradição com a respectiva decisão, no que concerne à determinação de que seja adjudicado à Autora (A............) o “objecto do procedimento concursal”, sem qualquer ressalva ou limitação – ou seja, a reabilitação da totalidade dos 10 blocos habitacionais, não apenas os 5 que foram pressupostos como ainda não intervencionados pela Adjudicatária (B............) –, o que constitui e consubstancia uma nulidade – vd. antecedentes parágrafos 58 a 61 –.
5ª) A 2ª Instância incorreu, pois, em violação ou, pelo menos, insuficiente aplicação do preceituado nos Artºs 70º/2/f), 72º/4, 146º/2º/o), 283º/4 e 361º/1 do CCP, assim como nos Artºs 236º, 237º e 249º do CC, pelo que,
nestes termos,
deverá o presente Recurso ser admitido e, a seu tempo,
julgado procedente, com revogação do Acórdão recorrido
e confirmação da douta Sentença da Primeira Instância,
assim sendo feita Justiça!».

3. A Contrainteressada “B............, Lda.” veio expressamente manifestar a sua adesão ao intentado recurso de revista, nos termos e para os efeitos do art. 634º nºs 2 e 3 do CPC, “ex vi” do art. 140º nº e do CPTA (cfr. fls. 3079 SITAF).

4. A Autora/Recorrida “A............ II” contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões (cfr. fls. 3082 e segs. SITAF):

«a) As questões suscitadas pela revista não se revestem de importância fundamental, nem suscitam uma melhor aplicação do direito;
b) O plano de trabalhos da contrainteressada Recorrente não foi submetido à concorrência, pelo que o Acórdão recorrido conforma-se com o Acórdão do STA, de 27.01.2022, proferido no processo 917/21.9BEPRT, razão pela qual a questão não se reveste de importância fundamental, nem suscita uma melhor aplicação do direito;
c) A questão referente ao afastamento do efeito anulatório só foi alegada em sede de recurso para o TCA-Norte e não em primeira instância e em nenhuma delas foram alegados os respetivos factos constitutivos daquele pedido, tanto mais que não foram comunicadas, como exige o artigo 8.º n.º 3 do CPTA, as superveniências entretanto ocorridas em matéria de execução da empreitada. Por essa razão, a questão do afastamento anulatório perde a natureza de importância fundamental, porque, de acordo com o «plano de trabalhos» da contrainteressada também Recorrente, a obra ainda vai a meio…
d) Por via de tudo isto, quando o Acórdão recorrido conclui «[n]ão prevendo o Plano de trabalhos elaborado pela adjudicatária a fixação de prazos parciais de execução de cada uma das espécies de trabalhos previstos, e consequentemente, sem observância dos respectivos plano de equipamentos e de mão-de-obra, tal resulta no não cumprimento de vinculações legais que vêm a afectar o contrato celebrado, pois que traduzem a final a violação do disposto no artigo 361.º, n.º 1 do CCP, e que por si eram determinantes da exclusão da proposta, em face do que dispõem os artigos 70.º, n.º 2, alínea f), e 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do CCP. […]», não é «produto de interpretação insólita ou francamente duvidosa do regime legal pertinente […]», que justifique um recurso de revista (cfr. Acórdão do STA, processo 01603/13, de 31-10-2013);
e) A entidade adjudicante, o Município Recorrente, definiu aspetos do caderno de encargos submetidos à concorrência, não submetendo outros, como é o caso do plano de trabalhos;
f) A julgar-se procedente a conclusão do recurso, violar-se-ia a igualdade, já que a Recorrida submeteu um plano em conformidade com o conteúdo e essencial previsto na lei e o contrainteressado não;
g) As omissões não poderiam ser supridas por via de esclarecimentos, como demonstram os Acórdãos C-599/10, cuja jurisprudência é reiterada no processo C-336/12 e cuja leitura conforma a interpretação do artigo 72.º do CCP;
h) O artigo 361.º do CCP não consente que o plano seja diferente do aí previsto, nem que os seus elementos estruturais sejam adulterados, sem que o mesmo seja submetido à concorrência. O regime é injuntivo na sua forma essencial.
i) Por essa razão e mais uma vez, haveria violação da igualdade, em caso de procedência da conclusão de que o plano apresentado era o bastante para cumprir a sua função, porquanto o plano submetido pela Recorrida contém os elementos essenciais previsto no artigo 361.º que injuntivamente a vinculam, por não terem submetidos à concorrência;
j) Mas também não é a existência de um ajustamento ao plano de trabalhos que supre a ausência do plano com que o contrainteressado instruiu a sua proposta, como concluiu o Acórdão recorrido;
k) E ao contrário do que alega a Recorrente, o Acórdão não é nulo.
l) Estando a empreitada executada em cerca de metade dos seus trabalhos, há impossibilidade de execução da sentença em relação a essa parte, pelo que há lugar ao pagamento de uma indeminização correspondente ao lucro que se deixou de obter com a execução dessa parte (interesse contratual positivo), pois a probabilidade de ganhar o concurso é de 100%, obrigando-se a Recorrida a executar as prestações contratuais referentes à parte da obra que falta executar. O Acórdão não é contraditório na sua fundamentação, a Recorrente é que não reconhece que a Recorrida tem direito a ser indemnizada pelo interesse contratual positivo em relação à parte da obra que deixou de executar, devendo executar a remanescente, em função do direito à adjudicação de que é titular. Isto não é nulidade, é incompreensão do alcance regime de execução das sentenças administrativas de anulação!
m) Em conclusão final, os recursos interpostos pelos Recorrentes, pelos motivos expostos, deverão ser REJEITADOS ou, caso assim V.ªs Ex.ªs não entendam, deverão os mesmos ser julgados totalmente IMPROCEDENTES, mantendo-se o acórdão recorrido talqualmente foi proferido.

Assim fazendo, Vossas Excelências farão a costumada
JUSTIÇA!».

5. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 19/5/2022 (cfr. fls. 7136 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) 6. O TAF/PRT-JCP julgou a ação totalmente improcedente, para tal tendo considerado que o ato de adjudicação da proposta à CI não se mostrava inquinado das ilegalidades invocadas [cfr. fls. 2760/2821], juízo esse que foi revogado pelo TCA/N que considerou ocorrer violação do disposto no art. 361.º, n.º 1 do CCP, determinante da exclusão da proposta em face do que dispõem os arts 70.º, n.º 2, al. f), e 146.º, n.º 2, al. o), ambos do CCP.
(…)
8. De entre as questões suscitadas na presente revista discute-se se o oferecimento, com a proposta, de um plano de trabalhos [exigido no procedimento] carece dos detalhes previstos no art. 361.º do CCP e devia conduzir à exclusão da proposta da adjudicatária CI [como defendeu a A. e foi decidido pelo TCA/N] ou se, ao invés, os observa e não haverá lugar à exclusão, soçobrando a impugnação/pretensão [como sustentam R. e CI e foi decidido pelo TAF/PRT-JCP].
9. Tal quaestio juris encerra dificuldades óbvias, expressas, desde logo, nos juízos diametralmente divergentes das instâncias, e é suscetível de recolocação, seja administrativamente noutros procedimentos de formação de contratos, seja, também, em sede judicial, apresentando-se, nesse contexto, como relevante revisitar, desenvolver e aprofundar a jurisprudência deste Supremo e que se mostra firmada, mormente nos Acs. de 14.06.2018 - Proc. n.º 0395/18, de 27.01.2022 - Proc. n.º 0917/21.9BEPRT e de 07.04.2022 - Proc. n.º 01513/20.3BELSB.
10. Flui, assim, do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista».

6. O Ministério Público junto deste STA, notificado nos termos do art. 146º nº 1 do CPTA, juntou parecer onde se pronunciou pelo provimento do recurso de revista, nomeadamente nos seguintes termos (cfr. fls. 7147 e segs. SITAF):

«(…) Acompanhando a Entidade Recorrente, defendo, com ela, a procedência do recurso. Além da argumentação vertida na sua Alegação, aditaria apenas o seguinte:
Posto que, no enfoque casuístico, o Plano de Trabalhos não se assume como um segmento da execução do contrato submetido à concorrência, com potencialidade de exclusão da Proposta, não será importável, para a decisão a proferir, a doutrina que dimana do Acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Junho de 2018, proferido no recurso nº 0395/18 – o qual não enfrenta situação análoga, como se refere, com acerto, na Acta do Júri do Concurso, de 8 de Setembro de 2020, transcrita a fls. 38, da sentença do TAF do Porto – nem a do Acórdão de 7 de Abril de 2022, proferido no recurso nº 1513/20 1, que, citando o de 3 de Dezembro de 2020, proferido no recurso nº 2189/19, cuja doutrina convoca – se pronuncia sobre a relevância da insuficiência do conteúdo do Plano de Trabalhos, enquanto aspecto de execução de contrato submetido à concorrência (o que não se verifica na situação em presença) e, por isso, factor de avaliação da Proposta e não da sua exclusão.
III.
Concluindo:
Pese embora o merecido respeito pela argumentação vertida no Acórdão recorrido e na Alegação da Entidade Recorrida, deve ser julgado procedente o recurso».

Conquanto para tanto notificadas (cfr. fls. 7150 a 7152 SITAF), as partes não se pronunciaram sobre o parecer apresentado pelo MºPº.

7. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, mas com prévia divulgação do projeto do acórdão pelos Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos, o processo vem submetido à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*
II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

8. Atentas as conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente “Município de Aveiro”, constitui objeto do presente recurso de revista, apreciar e decidir, liminarmente, se o Ac.TCAN recorrido é nulo por eventual contradição da decisão com os seus fundamentos, nos termos do art. 615º nº 1 c) do CPC, e, se o não for, saber se o mesmo procedeu a um correto julgamento do recurso de apelação interposto, em face dos erros de julgamento que lhe são apontados, cumprindo nomeadamente decidir sobre: se a proposta da concorrente adjudicatária, Contrainteressada “B............”, não poderia ter sido admitida, impondo-se a sua exclusão, nos termos dos arts. 57º nº 2 b) e 146º nº 2 d) do CCP, por não cumprimento da exigência da apresentação de um “plano de trabalhos” tal como definido no art. 361º nº 1 do mesmo; ainda que assim fosse, se seria de afastar o efeito anulatório do vício, nos termos previstos no art. 283º nº 4 do CCP.
*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

9. Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos dados como provados nas instâncias (na sentença do TAF/Porto, com o aditamento efetuado pelo Ac.TCAN recorrido, nos termos do art. 662º nº 1 do CPC) – arts. 663º nº 6 e 679º do CPC, aplicáveis “ex vi” do disposto nos arts. 1º e 140º nº 3 do CPTA.
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III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.B.1 – DA ARGUIÇÃO DA NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO

10. No presente recurso de revista que a Entidade Ré “Município de Aveiro” interpôs do Acórdão proferido pelo TCAN em 11/2/2022, para além dos erros de julgamento que lhe assaca, alega, nos pontos 58 a 61 e na conclusão 4ª das suas alegações, que o mesmo sofre de nulidade por contradição da decisão com os respetivos fundamentos - cfr. art. 615º nº 1 c) do CPC.

Refere, a este respeito que, se no aresto se pressupôs que «a Autora (A............) “na temporalidade atual ainda o poder efetuar” [executar a obra], uma vez que a Adjudicatária (B............) “no mês de fevereiro de 2022, está a executar obra no bloco 27, [pelo que] estão assim então ainda, intocados, cerca de metade dos blocos sem qualquer intervenção por parte da B............” – vd. págs. 106 e 107 do douto Acórdão recorrido –; decidiram, porém, pela anulação da adjudicação e do contrato com a B............ (na sua totalidade, sem ressalva nenhuma) e pela condenação do Município “a adjudicar o objeto do procedimento concursal à Autora” (na sua totalidade, também sem ressalva ou limitação nenhumas) – vd. pág. 109 do douto Acórdão recorrido –, 61. o que, salvo melhor entendimento, além de suscitar as questões atrás referenciadas – vd. 56.3 e 57 supra (assim como as notas de rodapé 24 e 25) –, constitui e consubstancia uma nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, visando adjudicar à Autora (A............) apenas a metade dos blocos habitacionais ainda não intervencionada pela Adjudicatária (B............), os Meritíssimos Desembargadores acabaram por sentenciar a adjudicação àquela (A............) da totalidade dos 10 blocos habitacionais objeto do procedimento concursal – Artº 615º/1c) do CPC –».

Ou seja, haverá contradição entre a fundamentação e a decisão uma vez que, pretendendo outorgar à Autora “A............” a parte final da obra ainda não concluída, (metade dos blocos habitacionais ainda não intervencionados pela adjudicatária Contrainteressada “B............”), o aresto decide, afinal, anular, na sua totalidade e sem qualquer ressalva, a adjudicação efetuada à Contrainteressada.

Mas não tem razão o Recorrente “Município” nesta parte, como o TCAN bem explicitou no seu posterior Acórdão de 29/4/2022 (cfr. fls. 3103 e segs. SITAF), em que, indeferindo a arguição da referida nulidade, sustentou o decidido.

É que o Acórdão recorrido, tendo concluído pela verificação de vício invalidante do ato de adjudicação (à Contrainteressada “B............”), anulou este ato e, em consequência, condenou o “Município” a adjudicar a empreitada à Autora “A............”.

Se, em resultado desta decisão anulatória, a sua execução se torna possível na sua totalidade ou só em parte, é questão que toca com a execução do julgado anulatório e não, propriamente, com o julgado anulatório em si mesmo considerado.

Assim, o Acórdão recorrido (julgado anulatório) não tinha, sequer, que se pronunciar sobre a possibilidade ou o modo da sua execução. E se o fez, referindo que a Autora “A............” ainda poderia executar a parte final da empreitada, foi, apenas, em razão de outra específica questão levantada nos autos – do afastamento, ou não, do efeito anulatório, ao abrigo do art. 283º nº 4 do CCP.

Ora, como o TCAN bem sustenta, o Acórdão recorrido limitou-se a decidir a revogação da sentença de 1ª instância e a determinar a anulação do ato impugnado e o contrato outorgado bem como a condenar o “Município” a adjudicar o objeto do procedimento concursal à Autora “A............” e a outorgar com esta o contrato. Se a Autora já não o puder executar na totalidade, e relativamente à parte em que o não possa, funcionarão as regras atinentes à execução dos julgados anulatórios a que se reportam os arts. 157º e segs. do CPTA.

Deste modo, confirmando o sustentado pelo TCAN no seu Acórdão de 29/4/2022, concluímos não ter razão o Recorrente “Município” nesta parte, referente à arguição de vício de nulidade do Acórdão recorrido.

III. B.2 – DOS ALEGADOS ERROS DE JULGAMENTO

11. Neste seu Recurso de revista, o Recorrente “Município” defende, em suma, que o Ac.TCAN recorrido errou ao ter julgado que a proposta da concorrente adjudicatária, Contrainteressada “B............”, não poderia ter sido admitida, impondo-se a sua exclusão, nos termos dos arts. 57º nº 2 b) e 146º nº 2 d) do CCP, por não cumprimento da exigência da apresentação de um “plano de trabalhos” tal como definido no art. 361º nº 1 do mesmo.

E mais defende, subsidiariamente, que, ainda que fosse correto concluir pela verificação de tal vício, sempre o Ac.TCAN teria errado ao não afastar o inerente efeito anulatório, nos termos previstos no art. 283º nº 4 do CCP, em face das circunstâncias do caso.

12. Como já este STA reconheceu em anteriores Acórdãos citados nos presentes autos, a questão do cumprimento da exigência, formulada nos arts. 57º nº 2 b) e 361º nº 1 do CCP, quando, como é regra nos procedimentos de formação de contratos de empreitada, o caderno de encargos seja integrado por um projeto de execução, não é uma questão nova na jurisprudência recente deste STA.

Aparentemente, poderá considerar-se que esta jurisprudência não tem sido constante, pois que tanto tem confirmado a exclusão de propostas em resultado de apresentação de “planos de trabalho” considerados como insuficientemente detalhados (v.g., Acórdãos de 14/6/2018, proc. 0395/18, e de 7/4/2022, proc. 01513/20 – linha confessadamente seguida pelo Ac.TCAN recorrido), como tem confirmado a não exclusão de propostas que, embora admitindo que não sejam exaustivamente detalhadas, se julga que cumprem, ainda assim, o objetivo legal de permitir um controlo da execução da empreitada, bem como asseguram o nível de detalhe exigido nos respetivos documentos concursais (v.g., Acórdãos de 3/12/2020, proc. 02189/19, e de 237/1/2022, proc. 0917/21).

Esta aparente inconstância – para além da relevância atribuída à circunstância de, nuns casos, o plano de trabalhos estar previsto como um “atributo” da proposta (submetido, pois, à concorrência) e, noutros casos, não - é, porém, a nosso ver, um resultado das características próprias de cada caso, uma vez que consideramos que a lei não prevê, nem conseguiria prever, nomeadamente no artigo 361º nº 1 do CCP, um formulário-tipo, único para todos os procedimentos pré-contratuais referentes a empreitadas de obras públicas, atendendo às características próprias de cada uma, e à diversidade de empreitadas em causa, quer quanto à sua dimensão e importância relativa, e inerentes custo envolvidos, quer sobretudo à sua maior simplicidade ou complexidade e inerentes necessidades de grau de decomposição das operações materiais que as integram.

Daqui que fosse impossível prever um modelo de “plano de trabalho” que fosse adequado e apropriado a todo o tipo de espécies e características de obras públicas a empreender em todas as empreitadas. Como é impossível, ou irreal, querer submeter todos os casos a um mesmo “plano de trabalhos” como crivo/modelo para avaliar da suficiência de detalhe e da adequação dos planos de trabalho de todos os casos concretos.

É, pois, uma decorrência lógica desta realidade a conclusão constante do Acórdão deste STA de 27/1/2022 (0917/21), já acima citado, que «tanto o nº 1 do artigo 361º como a alínea b) do nº 4 do art. 43º, ambos do CCP (…) o que exigem, apenas, é que o plano de trabalhos contenha uma lista completa de todas as espécies de trabalhos necessários à execução da obra e a especificação dos meios com que o empreiteiro se propõe executá-las, sem impor o respetivo nível de detalhe».

E, na verdade, não só como já dissemos, não seria possível ou realista prever, legalmente (designadamente, no art. 361º nº 1 do CCP) um formulário-tipo que fosse adequado às necessidades de todas as diferentes empreitadas, como sempre essa tentativa pecaria, em praticamente todos os casos, como desadequada, fosse por excesso fosse por insuficiência.

13. Se a previsão legal da necessidade de apresentação de um “plano de trabalhos” tem um objetivo, será através da compreensão desse objetivo que poderemos melhor ajuizar das pautas de exigência para o cumprimento desse dever legal.

Na verdade, não se exige, no caso de procedimentos concursais relativos a empreitadas de obras públicas, que os concorrentes apresentem com as suas propostas um plano de trabalhos por mero formalismo. Esta exigência legal é feita porque corresponde a uma necessidade real que cumpre satisfazer.

Como se referiu no Ac.STA de 7/4/2022 (01513/20), em concordância com o Ac.STA de 14/6/2018 (0395/18):
«As exigências do artigo 361º não são apenas de natureza formal, ainda encontram o seu fundamento em aspetos materiais relacionados quer com a correta avaliação das propostas quer com a futura execução do contrato».

Diz, a este respeito, Gonçalo Guerra Tavares (“Comentário ao CCP”, Almedina, Jan/2019, págs. 843/844, em anotação I ao art. 361º nº 1 do CCP):
«o plano de trabalhos é um documento obrigatoriamente apresentado com proposta (nos termos do disposto na alínea b do nº 2 do artigo 57º do Código), no qual o empreiteiro descreve a sequência e o prazo de execução de cada uma das espécies de trabalhos que fazem parte da empreitada, bem como os meios com que se propõe a executá-los, incluindo o plano de pagamentos.
Este documento habilita o dono da obra a fiscalizar e a controlar o ritmo da execução da obra, no sentido de evitar atrasos que se possam revelar irrecuperáveis».

E, em anotação X ao art. 57º nº 2, explicita o mesmo Autor, na mesma obra (pág. 272), que o plano de trabalhos:
«é o documento onde o empreiteiro fixa a sequência e prazos, parciais e global, da execução da obra».


No mesmo sentido Licínio Lopes Martins (“Alguns aspetos da empreitada de obras públicas no CCP”, Estudos de Contratação Pública, II, pág. 383, Coimbra Editora), também citado por Pedro Fernandez Sánchez (“Direito da Contratação Pública”, II, AAFDL, 2012, págs. 77/78):
«“o plano de trabalhos (…) para o empreiteiro constitui uma obrigação contratual em face do dono da obra, cujo incumprimento pode conduzir quer à aplicação, pelo dono da obra, de sanções pecuniárias, quer à resolução do contrato” e ainda para o mesmo efeito de controlo do empreiteiro, constitui “o documento essencial ou a base para o exercício do poder de fiscalização da execução do contrato por parte do dono da obra” que o utiliza para “controlar a cadência ou o ritmo da obra”, mas também para a vinculação do dono da obra, a integração do plano de trabalho na proposta implica a sua incorporação no contrato, o que faz com que a sua modificação só possa ser operada no exercício do poder de modificação dos contratos administrativos (artigos 311º e seguintes e 370º e seguintes)».

É, pois, de concluir, tal como, aliás, resulta claramente da letra do nº 1 do art. 361º do CCP, que o plano de trabalhos (documento onde o empreiteiro fixa a sequência e prazos da execução da obra, por espécies de trabalhos que fazem parte da empreitada) se destina – e tem como objetivo, causador da sua exigência – “habilitar o dono da obra a controlar a execução da obra, designadamente o seu ritmo, para permitir detetar e evitar eventuais atrasos”.

Sendo, porém, as empreitadas de obras públicas, muito diferenciadas entre si, designadamente quanto à sua espécie, dimensão e/ou complexidade, e com projetos de execução sempre distintos (cfr. art. 43º do CCP), os planos de trabalhos não podem ser iguais em todos os casos, para a prossecução do objetivo de “habilitar o dono da obra a controlar o ritmo e sequência da sua execução”, impondo-se que cada caso requeira um plano adequado às suas características, não necessariamente igual ao de outra empreitada bastante distinta.

Por isso se sublinhou no Ac.STA de 14/6/2018 (0395/18) que:
«No procedimento de formação de um contrato de empreitada, as exigências do artigo 361º do CCP (plano de trabalhos) devem ser lidas em conjugação com o disposto no artigo 43º do CCP (caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada)».

E como refere, em anotação a este Acórdão, Pedro Matias Pereira (“Revista de Contratos Públicos”, nº 19, pág. 139), também citado na sentença de 1ª instância:
«(…) Em linha com a “ratio decidendi” subjacente ao Acórdão, deve ressalvar-se que a necessidade de uma leitura conjugada das exigências do “Projeto de Execução” e do “Plano de Trabalhos” significa, também, que o nível de detalhe exigido tem que ser adequado, não se exigindo um detalhe irrealista (e desnecessário) que vá ao nível mais básico da desagregação necessário para não colocar em causa os objectivos que presidem à exigência desse documento (designadamente, o de dar cumprimento ao regime substantivo do contrato de empreitada, com o regime das prorrogações de prazo à cabeça (…)».

Ou seja, as exigências do art. 361º nº 1 do CCP quanto ao plano de trabalhos, a ser apresentado com determinada proposta, não devem ser consideradas em abstrato – isto é, independentemente das características da empreitada de obras públicas que esteja concretamente em causa -, mas sim em conjugação com o disposto no art. 43º do mesmo CCP, isto é, com o projeto de execução da obra em questão e com as suas características próprias.

Em suma, a exigência legal dos arts. 57º nº 2 b) e 361º nº 1 do CCP ter-se-á que considerar cumprida sempre que, para o caso concreto em questão, o plano de trabalhos permita, adequadamente, “habilitar o dono da obra a controlar o ritmo e sequência da obra concretamente em causa”.

Ou, visto por outro prisma, não terá sentido racional – nem os princípios da legalidade, da proporcionalidade ou da concorrência o permitem – excluir uma proposta que apresente um plano de trabalhos que, no caso concreto, permita ao “dono da obra controlar o ritmo e sequência da obra em causa”, ainda que, porventura não inclua um nível de detalhe, ou detalhes, que seriam “in casu” inúteis e desproporcionados (e, até, perturbadores) para o controlo daquela obra concretamente em causa (ainda que, acaso, necessários para outra obra de diferentes características).

14. Em consonância com este entendimento, o TAF/Porto julgou, e bem, na sentença proferida nos autos em 25/10/2021, que:

«(…) analisando o teor da cláusula 10ª nº 2 alínea a) do programa de procedimento em causa, à luz do disposto no artigo 132º do CCP, o Tribunal conclui que este não contém qualquer verdadeira inovação, ou sequer autorregulação que contenda com o disposto naquele normativo, seja o previsto na sua alínea h) do nº 1 ou no seu nº 4.
Com efeito, a remissão para o disposto no artigo 361º, mesmo conjugada com o disposto no artigo 43º, ambos do CCP, e a exigência daí decorrente de que a proposta integre um plano de trabalhos consentâneo com o projecto de execução que acompanha o caderno de encargos daquela obra, denota que este plano de trabalhos - a apresentar - há-de estar adequado à obra em concreto levada a concurso».

E o Ac.TCAN recorrido concordou expressamente com este julgamento do TAF/Porto na parte em que conclui que a cláusula 10º nº 2 a) do programa do concurso não viola o disposto nos arts. 57º nº 2 b) e 361º do CCP, referindo expressamente que: «(…) pese embora os termos em que o Recorrido se defende nos autos, incluindo nesta instância de recurso, desde já dizemos que não errou o Tribunal a quo no julgamento por si prosseguido neste conspecto». E justificou: «A redação da alínea a), mais não é do que um acréscimo introduzido sobre o disposto naquele artigo 361.º, n.º 1, mas que não inova face ao que imperativamente dispõe este mesmo normativo. (…) Portanto, o Município de Aveiro, na redação conferida àquela norma, não retirou ao artigo 361.º do CCP nenhuma das suas previsões».

A divergência entre o Acórdão recorrido e a sentença do TAF/Porto não se situa, pois, na previsão do programa do procedimento, que a Autora/Recorrida “A............” alegava ser contrária, por menos exigente, ao disposto no CCP – alegação que as instâncias tiveram, ambas, como improcedente -, mas sim no preenchimento, ou não, por parte do concreto plano de trabalhos apresentado pela Contrainteressada “B............”, dos requisitos tidos por exigidos pelo CCP, designadamente no seu art. 361º nº 1.

É que, tendo o plano de trabalhos em questão, apresentado pela Contrainteressada “B............”, agregado, agrupando-as, as espécies de trabalho previstas no projeto de execução constante do caderno de encargos, o TAF/Porto entendeu que tal não violava as exigências legais ou do procedimento, já que não deixava de estabelecer a sequência e prazos das espécies de trabalho previstas, ainda que agrupadas, enquanto o TCAN julgou que esse agrupamento de espécies de trabalho não satisfazia a exigência legal de individualização (desagregada, portanto) de cada espécie de trabalho prevista no projeto de execução, como, a seu ver, exige o art. 361º nº 1 do CCP.

Temos, no entanto, por desnecessariamente exigente, em consequência de uma leitura demasiado formalista do disposto no nº 1 do art. 361º do CCP, este julgamento do Ac.TCAN recorrido, uma vez que se trata de uma exigência que não tem já correspondência com a “ratio legis” daquela norma, que, como acima dissemos, se destina a permitir ao dono da obra controlar a sequência e ritmo da execução da obra, prevenindo desvios ou atrasos e, eventualmente, sancionando o empreiteiro ou resolvendo o contrato.

Ora, ainda que agrupando as espécies de trabalho previstas, o “plano de trabalho” em questão, incluindo o “plano de equipamentos” e o “plano de mão-de-obra”, não deixa de demonstrar a sequência e o ritmo/prazos dos da execução dos trabalhos, e de especificar os meios com que o empreiteiro se propõe executar os trabalhos, fazendo-o, ademais, tomando como base a unidade temporal (mensal) tal como pretendido expressamente pelo dono da obra tendo em vista o que este entendeu necessário para o controlo da execução da obra concreta em causa.

Veja-se que no caderno de encargos se explicitou (cláusula 7ª) que «a unidade de tempo que serve de base à programação dos planos de pagamentos, trabalho, mão-de-obra e equipamentos, é o mês de 30 dias, sem quaisquer subdivisões» - critério, aliás, desrespeitado pela Autora “A............” -, que o plano de trabalhos deve «indicar as quantidades e a qualificação profissional da mão-de-obra necessária, em cada unidade de tempo, à execução da empreitada», «indicar as quantidades e a natureza do equipamento necessário, em cada unidade de tempo, à execução da empreitada» e que «o plano de pagamentos deve conter a previsão, quantificada e escalonada no tempo, do valor dos trabalhos a realizar pelo empreiteiro, na periodicidade definida para os pagamentos a efetuar pelo dono da obra» (sublinhados nossos).

E o agrupamento efetuado – das 1587 espécies de trabalho (!) constantes do “Mapa de Quantidades” do “Projeto de execução” - obedeceu aos 17 “Capítulos” em que o próprio “Mapa de Quantidades” organizara/agrupara as espécies de trabalho, seguindo assim o mesmo padrão de sequência organizativa da execução da obra previsto no “Projeto de execução”.

Mais uma vez apelando a recentes julgamentos deste STA, entendemos que o disposto no nº 1 do art. 361º e na alínea b) do nº 4 do art. 43º, ambos do CCP, não têm o significado de impor um nível de detalhe das espécies de trabalho previstas no projeto de execução que não seja o nível de detalhe adequado para assegurar e controlar a boa execução da obra concreta em causa (cfr. Ac.STA de 27/1/2022, proc. 0917/21) e que, portanto, as exigências do nº 1 do art. 361º do CCP não são as mesmas para todos os casos, devendo ser lidas em conjugação com o disposto no art. 43º do mesmo CCP (cfr. Ac.STA de 14/6/2018, proc. 0395/18), isto é, de acordo com o projeto de execução próprio de cada concreta empreitada e, naturalmente, também em conjugação com as disposições específicas de cada caderno de encargos.

Note-se que o “plano de trabalhos” não visa assegurar o comprometimento dos concorrentes à realização de todas as espécies de trabalho tidas como necessárias para a execução da obra. Se assim fosse, a sua especificação teria aí, obviamente, que ser “completa” e “detalhada”. Mas este é o objetivo do “projeto de execução” a que os concorrentes têm que aderir através da “declaração de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos”. Daqui que, nos termos do nº 1 do art. 43º, «o caderno de encargos do procedimento de formação de contratos de empreitada de obras públicas deve incluir um projeto de execução» e que, nos termos do nº 4, o projeto de execução deve ser acompanhado, para além de «uma descrição dos trabalhos preparatórios ou acessórios», de «uma lista completa de todas as espécies de trabalhos necessárias à execução da obra a realizar».

Com este entendimento subjacente, não se vê que o plano de trabalhos apresentado pela Contrainteressada “B............” desrespeite exigências legais ou procedimentais, considerando que: o plano de trabalhos não é, no presente caso, atributo das propostas, não sendo aspeto submetido à concorrência; que o mesmo não deixa de contemplar e estabelecer a sequência e prazos das espécies de trabalhos previstas, ainda que agrupadas; que este agrupamento é efetuado de acordo com a solicitação expressamente constante do “Programa de Procedimento” - cláusula 10ª nº 2 a) («ilustrando o desenvolvimento das principais operações de execução dos trabalhos»); e tomando como referencial a unidade de tempo que o próprio dono da obra definiu no “Caderno de Encargos”, tendo em vista o controlo, pela sua parte, da execução da obra («mês de 30 dias, sem quaisquer subdivisões», cfr. cláusula 7ª, tendo em vista a informação mensal sobre eventuais desvios, cfr. cláusula 10ª).

Desta forma, se o “plano de trabalhos” é adequado ao controlo da sequência e ritmo/prazos de execução da concreta empreitada em causa por parte do dono da obra, seria incoerente concluir que o mesmo viola uma norma cuja “ratio legis” é, precisamente, a de permitir esse controlo por parte do dono da obra. Apenas um infundado formalismo e não, já, uma razão substancial o justificaria.

15. Acresce que, a adotar-se um critério rigorosamente formalista do disposto no art. 361º nº 1 do CCP quanto ao “plano de trabalhos”, no sentido de exigir-se uma referência completa e detalhada a todas as espécies de trabalho previstas no projeto de execução da obra, então também se teria de concluir – ainda que mal - que a proposta da Autora “A............” também não cumpriria tal requisito, por também ter agregado determinadas espécies de trabalho. E ainda que o tivesse feito em grau menor, e sem que tenha posto em causa a viabilidade de controlo da execução da obra, tal não impede que haja que se optar por um critério: ou o, substancial, ligado ao objetivo de viabilizar o controlo da execução da obra, ou o, formal, da exigência do detalhe (ainda que acaso supérfluo) de todas as espécies de trabalhos previstas no projeto de execução da empreitada.

16. Tendo-se concluído que a proposta da Contrainteressada “B............” cumpre as exigências legais e procedimentais relativamente ao “plano de trabalhos” apresentado, fica logicamente prejudicado ponderar-se outras questões, como a viabilidade de pedidos de esclarecimentos, a necessidade de um plano ajustado, ou o eventual afastamento do efeito anulatório, o que só teria sentido se se tivesse confirmado o vício que determinaria esse efeito anulatório.

Não se poderá deixar, no entanto, de considerar que, caso se tivesse adotado uma exigência mais formalista, considerando que o “plano de trabalhos” da proposta da “B............” não cumpria os requisitos legais, por se entender que estes exigiriam uma referência completa e detalhada a todas as espécies de trabalho, sempre o afastamento do efeito anulatório, ao abrigo do disposto no art. 283º nº 4 do CCP (de carácter oficioso e devendo considerar as ocorrências posteriores à adjudicação), seria plausível de ser determinado, considerando, por um lado, que o plano de trabalhos não é, no presente caso, atributo das propostas, não sendo aspeto submetido à concorrência; que o mesmo não deixa de contemplar e estabelecer a sequência e prazos das espécies de trabalhos previstas, ainda que agrupadas, permitindo um adequado controlo da sequência e ritmo da execução da empreitada; que este agrupamento é efetuado de acordo com a solicitação expressamente constante do “Programa de Procedimento” - cláusula 10ª nº 2 a) («ilustrando o desenvolvimento das principais operações de execução dos trabalhos»); e tomando como referencial a unidade de tempo que o próprio dono da obra definiu no “Caderno de Encargos”, tendo em vista o controlo, pela sua parte, da execução da obra («mês de 30 dias, sem quaisquer subdivisões», cfr. cláusula 7ª, tendo em vista a informação mensal sobre eventuais desvios, cfr. cláusula 10ª) e de acordo com os Capítulos previstos no próprio “Mapa de Trabalhos” do “Projeto de Execução”; e, por outro lado, que a proposta da Autora “A............” também não seria, nessa interpretação, isenta de vício; e considerando, também, que a Contrainteressada “B............” já executou mais de metade do contrato de empreitada em causa (o prazo de realização da empreitada era de 18 meses – 540 dias – e a Contrainteressada iniciou a sua execução em abril de 2021). Pelo que sempre relevariam a pouca gravidade do suposto vício que estaria em causa (para efeitos do pretendido objetivo legal de controlo da execução da obra) e a perturbação e o prejuízo para o interesse público que sempre adviriam da alteração do empreiteiro em momento já tão avançado da execução da obra.

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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Conceder provimento ao presente recurso de revista interposto pelo Recorrente “Município de Aveiro”, a que aderiu a “Contrainteressada B............”, revogando-se, assim, o Acórdão do TCAN recorrido, e fazendo subsistir a sentença do TAF/Porto, que julgara a ação improcedente.

Custas a cargo da Recorrida/Autora.

D.N.

Lisboa, 14 de julho de 2022 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) - José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.