Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02733/17.3BEPRT
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
CONCESSÃO
TERRENO
DOMÍNIO PÚBLICO
Sumário:I - Sendo certo que não é devido IMI pelo terreno que integre o domínio público (cf. art. 11.º, n.º 1, do CIMI), não há norma ou princípio legal que isente as construções nele implantadas ao abrigo de contrato de concessão e que integrem o conceito de prédio tal como definido no art. 2.º do CIMI.
II - Nos termos do contrato de concessão em causa, o concessionário de terreno do domínio público hídrico é proprietário das construções que nele implanta até ao termo dessa concessão e, nessa qualidade, é sujeito passivo de IMI (cf. art. 8.º, n.º 1, do CIMI).
Nº Convencional:JSTA000P27499
Nº do Documento:SA22021040702733/17
Data de Entrada:02/26/2021
Recorrente:A........................., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2733/17.3BEPRT
Recorrente: A………………….., S.A.
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativa ao ano de 2016 e a vários prédios identificados na nota de liquidação, após indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra o mesmo acto.

1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1. A douta decisão ora em crise faz uma interpretação errada do disposto no artigo 8.º do C.I.M.I. e do disposto no artigo 11.º do C.I.M.I.;

2. A Impugnante/Recorrente não é proprietária nem superficiária do Terrapleno Adjacente ao Cais de Gaia;

3. A douta sentença ora em crise afasta os argumentos invocados pela Impugnante/Recorrente na sua impugnação e onde a mesma provava a inexistência do direito de propriedade sobre os terrenos em questão para justificar a tributação para efeitos de IMI, na existência de direito de superfície sobre tais solos;

4. Sucede que, os terrenos objecto de discussão nestes autos são terrenos de domínio público e os terrenos de domínio público não podem ser objecto de contratos de natureza privada;

5. Logo, os terrenos de domínio público não podem ser objecto de contratos de constituição de direito de superfície;

6. O contrato de concessão celebrado de uso privativo do domínio público, não conferiu à aqui Impugnante/Recorrente o estatuto de superficiária conforme descrito no artigo 1527.º do Código Civil, antes, a aqui Impugnante/Recorrente encontra-se sujeita a um regime jurídico autónomo, estabelecido pelo contrato de concessão mencionado e que nem nada se relaciona como o regime jurídico do direito de superfície;

7. Falece assim a argumentação constante da douta sentença ora em crise e que fundamenta a tributação para efeitos de IMI, na titularidade do direito de superfície pela Impugnante/Recorrente;

8. Não se verifica, deste modo, o pressuposto de tributação para efeitos de imposto de IMI tal como disposto no artigo 8.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, que determina que: “1- O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar. 2- Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.”;

9. A liquidação de IMI objecto de impugnação é, pelo exposto, ilegal, pelo que deve a mesma ser anulada;

10. A Impugnante/Recorrente, conforme já alegado e por cessão de posição contratual, tornou-se apenas titular do direito de exploração turístico-hoteleira desse do terrapleno em causa e nos termos do Contrato de Concessão celebrado entre a APDL – Administração dos Portos do Douro e Leixões, S.A. e a B…………………., S.A. a 03 de Março de 2000 e já junto aos autos;

11. O referido Contrato de Concessão impõe, desde logo, um conjunto de limitações quanto ao tempo, ao espaço, ao uso e obrigações para com a Concedente e tais limitações em nada se coadunam com o pleno direito de propriedade, tanto mais que o contrato é limitado no tempo pois prevê a possibilidade de resgate da concessão por parte da Concedente;

12. Assim, os imóveis em causa são detidos pela Impugnante/Recorrente: ao abrigo de um simples contrato de concessão e de forma temporária e limitada;

13. Assim também quanto ao exposto não tem aplicação a previsão constante do artigo 8.º, n.º 4 do CIMI, de que se presume “proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n.º 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio”;

14. Tendo em conta as limitações e condicionalismos previstos naquele Contrato de Concessão, não faz qualquer sentido a manutenção da presunção constante da norma supra transcrita ou seja, não faz qualquer sentido ser o concessionário ou mero detentor do bem, o onerado com a omissão pelo proprietário da inscrição do prédio na respectiva matriz;

15. Sendo o disposto naquele n.º 4, do artigo 8.º do CIMI uma mera presunção, a mesma é ilidível e só tem aplicação quando se desconheça o proprietário do imóvel o que não sucede no caso em apreço;

16. Relativamente à não aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 8.º do C.I.M.I. aos imóveis objecto de tributação nestes autos, é ainda necessário fazer a distinção entre a posse e a mera detenção ou posse precária;

17. O artigo 1251.º do Código Civil determina que: “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”. Por outro lado, O artigo 1253.º do Código Civil determina que: “São havidos como detentores ou possuidores precários: a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.” (Sublinhado nosso).

18. A Impugnante/Recorrente, como concessionária do direito de exploração sobre os imóveis aqui objecto de tributação, nunca exerceu a posse sobre estes, em nome próprio e como se se considerasse dona dos mesmos;

19. A Impugnante/Recorrente sabia e sempre soube que que os imóveis em causa não lhe pertenciam e que apenas os usava ao abrigo do referido contrato de concessão;

20. A Impugnante/Recorrente é uma “detentora ou possuidora precária”, nos termos e para os efeitos do artigo 1290.º do Código Civil, conjugado com os artigos 1253.º e 1265.º do mesmo código;

21. Não sendo a Impugnante/Recorrente a verdadeira possuidora dos imóveis em causa, também nunca será sujeito passivo e IMI nos termos da previsão constante do artigo 8.º n.º 4 do CIMI.

22. O art. 11.º do CIMI refere que, “estão isentos do IMI o Estado, as Regiões Autónomas e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendendo os institutos públicos, que não tenham carácter empresarial, bem como as autarquias locais e as suas associações e federações de municípios de direito público”;

23. A 30 de Novembro de 2007 foi publicado o Decreto-Lei n.º 388/2007, que procedeu à subtracção da área da zona ribeirinha entra a Ponte D. Luís I e o extremo jusante ao Cais de Gaia, da zona de intervenção do Programa Polis em Vila Nova de Gaia, o que significa que os terrenos em causa, mantêm-se muito, integrados no domínio público, pelo que, nos termos da norma transcrita e sendo pertencente ao Estado, os terrenos em causa não são passíveis de tributação de IMI;

24. A douta sentença ora em crise e salvo o devido respeito, parte de um pressuposto errado, ao afirmar que a Impugnante/Recorrente, tendo natureza jurídica privada não integra nenhuma das previsões da norma citada mas não é a “natureza” da Impugnante/Recorrente que está em causa, é a “natureza” pública dos terrenos em causa, que os isenta de tributação para efeitos daquele Imposto Municipal de Imóveis nos termos da norma citada;

25. E tanto assim é que, mesmo a considerar-se que os mesmos continuarão sob a jurisdição da APDL – Administração dos Portos do Douro e Leixões, S.A. – o que a Impugnante desconhece – deverão, pelo exposto, considerar-se abrangidos pela isenção do art. 11.º CIMI;

26. A Impugnante/Recorrente não é sujeito passivo de IMI, pelo que, a nota de liquidação de IMI n.º 124356153, referente ao ano de 2016, consubstanciada na nota de cobrança n.º 2016193949303, deve ser anulada;

Termos em que,

Revogando a douta sentença que julgou improcedente a impugnação apresentada e substituindo por outra que julgue procedente tal impugnação com a consequente anulação da nota de liquidação de IMI n.º 124356153, referente ao ano de 2016, consubstanciada na nota de cobrança n.º 2016193949303, farão V. Exas., Sábios Conselheiros, a habitual Justiça!».

1.3 A Recorrida não contra-alegou o recurso.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder.
A douta sentença recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada e apoiada em jurisprudência deste STA, bem como em doutrina que, a propósito cita, não sendo passível de quaisquer censuras.
Pois,
I – Não está sujeito a IMI o titular de subconcessão de terreno do domínio público hídrico, uma vez que este não pode considerar-se terreno para construção no sentido conferido pelo Código, não sendo possível aqui interpretação analógica.
II – Já nenhum obstáculo existe a que, relativamente às construções efectuadas no terreno e autorizadas no contrato de concessão (subconcessão), estas fiquem sujeitas a IMI, uma vez que o Decreto-Lei n.º 468/71 estabelece expressamente que as construções se mantêm na propriedade do concessionário (subconcessionário) enquanto durar a concessão (subconcessão).
Ver sumário do acórdão deste STA de 19.10.2011, in processo n.º 0351/11.
Situação que ocorre no caso presente».

1.5 Cumpre apreciar e decidir se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fez correcto julgamento quando considerou que sobre os prédios em causa – que haverá também que determinar quais sejam – incidia IMI e que o sujeito passivo do imposto era a aí Impugnante (ora Recorrente).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu como provados os seguintes factos:

«A) A AT emitiu em nome da Impugnante a liquidação de IMI relativa ao ano de 2016, n.º 2016 193949303 de 03/03/2017 no valor de € 8.373,67, nos seguintes termos:

[omissis]


Cf. fls. 75 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) Em 09/06/2017, a Impugnante reclamou graciosamente da liquidação a que se alude na alínea antecedente - Cf. fls. 75 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) Por despacho de 01/08/2017 foi indeferida a reclamação graciosa, nos seguintes termos:
14. Dispõe o artigo 2.º n.º 1 do CIMI que “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” e bem assim o n.º 3 do mesmo preceito legal que “presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.
15. Quanto ao sujeito passivo do IMI, dispõe o artigo 8.º n.ºs 1, 2 e 4 do CIMI, em que “O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar” e “Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação”. No n.º 4 “Presume-se proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n.º 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio”.
16. Por falta de pagamento da 1.ª prestação do IMI do ano de 2016, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1910201701126288, actualmente suspenso por Processo de Recuperação de Empresa (fase F101).
CONCLUSÃO
Por tudo quanto o exposto, analisados os fundamentos e os elementos julgado relevantes, verifica-se que os pressupostos da incidência objectiva e subjectiva se encontram reunidos, já que a reclamante usufrui da “utilização exclusiva do terreno”, não existindo isenção ou não sujeição aplicáveis, pelo que se conclui que é a A……………………….. S.A. sujeito passivo do IMI, sendo portanto de indeferir a pretensão por ela formulada.
À consideração superior.

Cf. fls. 75 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Por ofício datado de 02/08/2017 foi a Impugnante notificada do despacho a que se alude na alínea antecedente - Cf. fls. 5 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) A presente impugnação deu entrada em 10/11/2017- Cf. fls. 13 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F) Em 03/03/2000, a “APDL - Administração dos Porto do Douro e Leixões, SA” e “B…………….., SA” outorgaram documento designado “contrato de concessão do direito de exploração turístico-hoteleira do terrapleno-adjacente ao Cais de Gaia (construção/exploração) nos seguintes termos, no que ao caso releva:
a) Concessionária: B………………….., SA ou a sociedade anónima que lhe venha a suceder nesta posição nos termos da cláusula 3 do presente contrato;
b) Concedente: APDL - Administração dos Portos do Douro e Leixões, S.A.;
c) APDL, SA: APDL - Administração dos Portos do Douro e Leixões, SA;
d) Concessão: o conjunto de direitos e obrigações atribuídos à Concessionária por efeito do Contrato de Concessão;
e) Contrato de Concessão: o presente contrato;
f) Estabelecimento da Concessão: conjunto de bens, direitos e obrigações afectos à exploração da Concessão referidos na cláusula 8;
g) Proposta: proposta apresentada pela Concessionária tal como resultou da fase de negociações;

4. Objecto da Concessão
4.1 A Concessão tem por objecto a construção e exploração turístico-hoteleira do terrapleno adjacente ao cais de Gaia, conforme os termos do presente contrato e seus anexos.
4.2 A outorga deste contrato confere à Concessionária o direito de utilização exclusiva do terreno dominial a que respeita, para os fins e com os limites aqui expressamente consignados, sem prejuízo do referido no número seguinte, não excluindo quaisquer outras licenças ou autorizações necessárias para o exercício das actividades a desenvolver.

8. Estabelecimento da Concessão
Compreendem-se no Estabelecimento da Concessão:
a) A área afecta à Concessão, incluindo as infra-estruturas de electricidade, água e telefone;
b) As obras, bens, equipamentos ou instalações que venham a ser realizadas, implantados ou adquiridos pela Concessionária.

9. Regime dos bens afectos à Concessão
9.1 A Concessionária obriga-se a manter em estado de bom funcionamento, conservação e segurança, os bens que constituem o estabelecimento e a substituir, de sua conta e responsabilidade, todos os que se destruírem ou se mostrarem inadequados para o fim de exploração da presente concessão
9.2 A Concessionária deverá, ainda, manter permanentemente actualizado o registo discriminado dos bens por ela adquiridos ou- construídos que estejam afectos ao Estabelecimento da Concessão, com a indicação dos respectivos valores, presumindo-se, na falta de registo, como sendo propriedade da Concedente.
9.3 Os bens referidos no número anterior, desde que devidamente registados, constituem propriedade da Concessionária, até ao termo da Concessão ou das suas prorrogações.
9.4 Os cubos, paralelepípedos ou cantarias de granito, bem como os transformadores do Posto de Transformação, que, após as demolições, não venham a ser reutilizados na área da concessão serão entregues à concedente no local que esta venha a indicar, no estado em que se encontrem após a demolição.

25. Reversão
25.1 No termo da Concessão, por decurso do prazo ou das suas prorrogações, por rescisão ou por resgate, a Concedente entra de imediato na posse do Estabelecimento da Concessão, o qual reverte gratuitamente para ela, livre de quaisquer ónus ou encargos, ou quaisquer compromissos contratuais perante terceiros, em bom estado de conservação, funcionamento e segurança, não podendo a Concessionária reclamar por esse facto, salvo no que respeita ao resgate, qualquer indemnização nem invocar, a qualquer título, o direito de retenção sobre esses bens.
25.2 Para os efeitos do número anterior a Concessionária, até 2 anos antes do final do período de duração da Concessão, deverá apresentar à Concedente e manter anualmente actualizadas até ao termo do prazo ou/e das suas prorrogações;
a) Relação dos bens do Estabelecimento da Concessão então existentes com a indicação do seu estado de conservação e das suas condições de funcionamento e segurança;
b) Relação dos direitos da Concessionária sobre terceiros e que se revelem necessários à continuidade da Concessão.
25.3 A reversão dos bens referida na presente cláusula e a transferência para a Concedente dos direitos referidos operam-se automaticamente a favor da Concedente no termo da Concessão ou das suas prorrogações sem o recurso a qualquer formalidade, sem prejuízo de notificação dos terceiros obrigados

Cfr. fls. 75 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

G) [esta alínea reproduz a anterior, provavelmente por lapso de impressão]

H) Em 17/01/2001, a “APDL” e a aqui Impugnante outorgaram documento designado “contrato adicional de concessão do direito de exploração turístico-hoteleira do terrapleno-adjacente ao Cais de Gaia (construção/exploração)” nos seguintes termos, no que ao caso releva:

[omissis]


Cf. fls. 47 e 75 do sitaf cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

I) A “APDL” dirigiu à aqui Impugnante notificação epigrafada “notificação da rescisão unilateral, com justa causa, do contrato de concessão do direito de exploração Turístico-Hoteleira do Terrapleno-Adjacente ao Cais de Gaia”, nos seguintes termos:

[omissis ]

Cf. fls. 9 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

J) A APDL não tomou posse administrativa da concessão a que alude no ofício mencionado na alínea antecedente, em virtude da Impugnante ter instaurado uma providência cautelar para suspensão de eficácia do acto - Cf. fls. 171 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A AT liquidou à sociedade ora Recorrente o IMI que considerou ser por esta devido relativamente às construções erigidas no terreno que, pertencendo ao domínio público, lhe está concessionado.

2.2.1.2 A ora Recorrente impugnou essa liquidação perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto; entendeu, em suma, que a liquidação viola as regras de incidência objectiva e subjectiva do imposto, ou seja, i) que os prédios, que considerou serem os terrenos objecto de concessão, não estão sujeitos a tributação a IMI, por pertencerem ao Estado, e que, ii) se o estivessem, não seria ela a devedora, por não ser proprietária dos terrenos nem sobre os mesmos se poder constituir direito de superfície.

2.2.1.3 A sentença julgou improcedente a impugnação judicial.
Para tanto, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, após tecer diversos considerandos em torno dos pressupostos da incidência objectiva e subjectiva do IMI, por referência aos arts. 2.º e 8.º do respectivo Código, e tendo em conta a factualidade tida por pertinente – designadamente, que a ora Recorrente, ao abrigo de contrato de concessão, implantou no terreno do domínio público um conjunto de edifícios que deram origem aos artigos matriciais a que se refere a liquidação impugnada –, concluiu, por um lado, que «a impugnante é a titular do direito de superfície dos solos em que ela própria edificou os imóveis a que se refere as liquidação de IMI em crise» e, por outro lado, que «não estando em causa a qualidade de proprietária dos solos onde a impugnante edificou os imóveis em causa, em nada releva para a solução da situação as transferências do direito de propriedade dos solos que decorreram por via legislativa, conforme pretende o impugnante» …

2.2.1.4 Inconformada com a sentença, a Impugnante dela recorreu para este Supremo Tribunal.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, a Recorrente mantém a tese, que sustenta desde a petição inicial, de que não é proprietária ou superficiária do terreno em causa, mas mera detentora ao abrigo do contrato de concessão, pelo que nunca seria ela a devedora do imposto e, ademais, que sobre o terreno não pode incidir IMI, porque integra o domínio público.
Por isso, a seu ver, a sentença deverá ser revogada e a liquidação impugnada deverá manter-se na ordem jurídica.

2.2.1.5 Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado ser devido IMI e ser devido pela ora Recorrente, ou seja, por errada interpretação e aplicação das regras de incidência real ou objectiva e das regras de incidência pessoal ou subjectiva.

2.2.2 DO ERRO DE JULGAMENTO – VIOLAÇÃO DAS NORMAS DE INCIDÊNCIA REAL E SUBJECTIVA

A questão que ora cumpre apreciar foi recentemente abordada por este Supremo Tribunal, no acórdão de 18 de Novembro de 2020, proferido no processo com o n.º 38/09.2BEPRT (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/10bbe24fba3e9f568025863200335c44.), que decidiu recurso em tudo idêntico ao ora sub judice. Assim, quer em obediência ao disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, quer porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, vamos remeter para a fundamentação adoptada no referido acórdão, que aqui reproduzimos:

«Subjacente às liquidações sindicadas está o Contrato de Concessão do Direito de Exploração Turística - Hoteleira do Terrapleno Adjacente ao Cais de Gaia, celebrado em 03/03/2000, entre a APDL - Administração dos Portos do Douro e Leixões, SA, e a sociedade B…………………, SA, e que teve por objecto a construção e exploração turístico-hoteleira do terrapleno adjacente ao cais de Gaia, conferindo à concessionária o direito de utilização exclusiva do terreno dominial a que respeita. Nesse contrato constava que a outorgante, B……………….., SA, constituiria uma sociedade anónima, a qual sucederia na posição e titularidade de todos os direitos e obrigações emergentes do contrato. Constava ainda do contrato (cláusula 8) que a área afecta à concessão, incluindo as infra-estruturas de electricidade, água e telefone, as obras, bens equipamentos ou instalações que viessem a ser realizadas, implantadas, ou adquiridas pela Concessionária integrariam o estabelecimento da concessão, sendo da sua responsabilidade a manutenção em estado de bom funcionamento, conservação e segurança destes bens e a substituição de todos os que se destruíssem ou se mostrassem inadequados para o fim da concessão. No termo da concessão ou no momento do seu eventual resgate, entrariam imediatamente na posse da Concedente, não assistindo à Concessionária quaisquer direitos sobre os mesmos (cláusula 9.1 e 25.1 do contrato). Prevê ainda o contrato que “A concessionária deverá, ainda manter permanentemente actualizado o registo discriminado de bens por ela adquiridos ou construídos que estejam afectos ao Estabelecimento da Concessão, com a indiciação dos respectivos valores, presumindo-se, na falta de registo, como sendo propriedade da Concedente” (cláusula 9.2) e que “Os bens adquiridos no número anterior, desde que devidamente registados, constituem propriedade da Concessionária” (cláusula 9.3.). A ora Recorrente assumiu a posição contratual da sociedade B…………………………., SA.
Defende a Recorrente que nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código do IMI, a obrigatoriedade do pagamento do imposto incide em primeira linha sobre o proprietário do prédio, e que não é ela a proprietária do terrapleno adjacente ao cais de Gaia, mas antes a Gaia Polis, para quem a propriedade foi transmitida, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 330/2000, independentemente de quaisquer outras formalidades.
E tendo sido tributada em sede de IMI na qualidade de proprietária das referidas fracções, as liquidações assentam em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que o tribunal a quo não valorou, ao afirmar a legalidade das liquidações por considerar que a Recorrente detém um direito de superfície sobre o prédio. Alega ainda que a sentença recorrida na parte em que decide que a Recorrente é sujeito passivo do imposto, exonerando a entidade gestora e proprietária e sobre o qual, por via contratual, acautelou a obtenção de um substancial proveito económico, é ofensivo do princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e valida a tributação sobre uma entidade que não detém capacidade contributiva pois não detém a propriedade do prédio. Por último, alega que sobre os bens do domínio público, como era o caso ao tempo da concessão, apenas pode haver lugar a aquisição de direitos de uso privativo através de concessão e licença, direitos esses que não podem ser considerados de natureza real, seja de propriedade, usufruto ou superfície. E que os bens do domínio público não podem ser considerados pela definição de prédio do artigo 2.º do Código do IMI, pelo que a respectiva incidência não está prevista no Código do IMI, violando a liquidação o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º n.º 2 da CRP.
Como refere o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, a questão controvertida, saber se são tributáveis em IMI os imóveis construídos pelo concessionário, ao abrigo de contrato de concessão em terreno do domínio público hídrico, não é nova, e tem vindo a ser decidida no sentido positivo pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (acórdãos de 02/06/2010, processo 027/10, de 19/10/2011, processo 0351/11 e de 14/01/2015, processo 0280/12).
Importa notar que apesar de na petição inicial e em sede de alegações de recurso a Recorrente se reportar sempre ao terrapleno adjacente ao cais de Gaia, o IMI sindicado respeita, não ao terrapleno, mas às fracções acima identificadas, que correspondem a edifícios nele implantados pela Recorrente com base no contrato de concessão [lê-se na sentença recorrida, e não é posto em causa no recurso: “Com base no referido contrato de concessão, a Impugnante implantou naquele terreno dominial um conjunto de edifícios, que originaram os artigos matriciais a que respeita a liquidação impugnada: fracções “A”, “B”, “C”, “E1”, “E2”, “F” e “PARQ” do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ……… sob o artigo 9001”].
A sentença recorrida entendeu que o poder de se construir em solo alheio configura o direito de superfície, regulado nos artigos 1524.º e seguintes do Código Civil (CC), e que a Recorrente é titular de um direito de superfície dos solos em que ela própria edificou os imóveis a que respeitam as liquidações, tendo assim “adquirido a qualidade de superficiária das obras que edificou, no exercício do direito de uso privativo do terreno”.
Em abono da sua tese cita o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 19/10/2011, proferido no processo 0351/11, que, na verdade, sustenta tese diferente da sua, mas que na prática conduz, como veremos, a resultado idêntico, o da legalidade das liquidações.
Efectivamente, no acórdão citado foram apreciadas duas situações que mereceram soluções opostas. Por um lado, estava em causa a liquidação do IMI respeitante ao terreno que integrava o domínio público hídrico e, por outro, a liquidação respeitante à construção nele implantada pelo concessionário.
No que respeita à primeira situação, o Supremo entendeu que os contratos de concessão de uso privativo do domínio público hídrico por particulares, não confere a estes o estatuto de superficiários, ao contrário do decidido na sentença recorrida. Pode ler-se nesse acórdão:
É, certo que é inquestionável que o terreno onde a impugnante procedeu à edificação do prédio constitui um terreno do domínio público hídrico.
Ora, o direito de superfície (isto é, a concessão para plantar ou edificar em terreno alheio) é um direito real inerente a um imóvel, na maioria dos casos um prédio rústico, e que, no caso vertente, teria necessariamente de incidir sobre a parcela de terreno do domínio público.
E, como é sabido, os terrenos do domínio público não podem ser objecto de contratos de natureza privatística, designadamente de contratos de constituição de direito de superfície. Eles apenas podem ser objecto de contratos administrativos de concessão, como resulta expressamente do DL n.º 468/71, de 5/11, que prevê o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico.
Mas, embora sendo discutível se o direito do concessionário tem natureza jurídica de um verdadeiro direito real sobre coisa alheia, ou se tem natureza jurídica de direito pessoal de gozo sobre coisa pública (questão a que, aliás, a sentença recorrida dá resposta – afirmando, com suporte na jurisprudência e doutrina ali citadas, que pode qualificar-se como um direito pessoal de gozo de natureza pública), ou, ainda, se tem natureza jurídica de um mero direito obrigacional (cfr. Freitas do Amaral, A Utilização do Domínio Público pelos Particulares, Lisboa, 1965, 266 e sgts. – devendo ter-se em conta, apesar de tudo, que esta obra é anterior à reformulação do regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, operada pelo DL n.º 468/71), o que nos parece manifesto é que os contratos de concessão de uso privativo do domínio hídrico por particulares não conferem a estes o estatuto de superficiários (direito real típico previsto no art. 1524.º e sgts. do CCivil), estando os respectivos concessionários sujeitos a um regime jurídico autónomo e diferenciado daquele a que está sujeito o superficiário (embora os respectivos regimes possam ter algumas semelhanças em determinados aspectos).
Sendo assim, não sendo a impugnante, nem podendo ser, titular de qualquer direito de superfície sobre a dita parcela de terreno, que integra o domínio público hídrico, e não podendo, igualmente, de acordo com as regras de interpretação das normas jurídicas tributárias, reconduzir-se o conceito de superficiário inserto no n.º 2 do art. 8.º do CIMI ao conceito de concessionário, as liquidações de IMI […] relativas ao terreno concessionado não podem manter-se, pelo que serão anuladas”.
Ou seja, relativamente à liquidação do IMI que havia sido feita a incidir sobre o terreno, o Supremo entendeu que o concessionário não era nem proprietário (porque nem podia ser), nem usufrutuário e, assim, a liquidação era ilegal. Já no que toca à liquidação de IMI respeitante à edificação implantada pelo concessionário no terreno, entendeu que em termos de conteúdo do direito de uso privativo, o direito do concessionário sobre os edifícios ou prédios que tenha construído na área afecta ao seu uso privativo é, nos termos da lei, um verdadeiro direito de propriedade, independentemente da existência de algumas limitações a esse direito. A este propósito escreveu-se:
E, assim sendo, adquirindo o concessionário ou subconcessionário o estatuto de proprietário das construções que edificou no exercício do direito de uso privativo do terreno do domínio público, as quais são objecto de descrição autónoma tanto no registo predial como na matriz predial, como prédios urbanos, torna-se inquestionável que ele é o sujeito passivo de IMI, nos termos do n.º 1 do art. 8.º do Código do IMI, segundo o qual «o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar», não havendo qualquer interpretação extensiva ou aplicação analógica do preceito (só ocorre interpretação extensiva quando a solução para uma determinada hipótese não está contida no texto da lei mas é abrangida pelo seu espírito e só ocorre integração analógica quando a solução de determinada hipótese não se encontra nem na letra nem no espírito da norma) nem, consequentemente se verificando as invocadas inconstitucionalidades.
Portanto, e independentemente de existência de algumas limitações ao direito de propriedade, a verdade é que a recorrente, enquanto se mantiver titular da concessão, é a verdadeira proprietária das construções, constituindo-se, por isso sujeito passivo de IMI”.
Ora, a questão que é colocada nos autos, e em particular neste recurso, enquadra-se neste segundo segmento do aresto citado, cuja fundamentação aqui se acolhe. O direito da Recorrente sobre as edificações que implantou no terrapleno adjacente ao cais de Gaia não é de usufrutuário, como entendeu a sentença recorrida, mas sim de proprietário, sendo por isso sujeito passivo de IMI.
E sendo proprietária das edificações sobre as quais incidiu o IMI impugnado, carece de sustento o invocado pela Recorrente relativamente à violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, uma vez que paga imposto nos mesmos termos que os outros proprietários de prédios urbanos, e da legalidade fiscal, porque ao contrário do que defende, o imposto não incide sobre bens do domínio público.
O recurso não merece, pois, provimento».
Com estes fundamentos, que têm sido acolhidos pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 2 de Junho de 2010, proferido no processo com o n.º 27/10, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/972fc01e674820d18025773c004cf121;
- de 19 de Outubro de 2011, proferido no processo com o n.º 351/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/bcaa07319e6544a6802579340032fad2;
- de 14 de Janeiro de 2015, proferido no processo com o n.º 280/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/d77eeb4bd4a7903680257dcf00594296.), também o presente recurso não será provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Sendo certo que não é devido IMI pelo terreno que integre o domínio público (cf. art. 11.º, n.º 1, do CIMI), não há norma ou princípio legal que isente as construções nele implantadas ao abrigo de contrato de concessão e que integrem o conceito de prédio tal como definido no art. 2.º do CIMI.
II - Nos termos do contrato de concessão em causa, o concessionário de terreno do domínio público hídrico é proprietário das construções que nele implanta até ao termo dessa concessão e, nessa qualidade, é sujeito passivo de IMI (cf. art. 8.º, n.º 1, do CIMI).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e), do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

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Lisboa, 7 de Abril de 2021. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes.