Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:086/21.4BALSB
Data do Acordão:06/27/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS
Sumário:I - Existem normas legais em matéria de saúde pública (art. 17º da Lei n.º 81/2009 de 21 de Agosto) que habilitam o Governo a adotar medidas, mais ou menos amplas, de interferência sobre direitos fundamentais. em especial perante cenários de emergência de saúde pública como é o caso de combate a uma pandemia como tal declarada há já vários meses pela Organização Mundial de Saúde.
II - A RCM não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte da CRP por a medida em causa ser adequada, com as suas inúmeras exceções, ao controle de doença pandémica em ambiência de incerteza científica, mas em que é facto público e notório que se propaga por contactos interpessoais e que neste momento na AML domina a variante Delta altamente contagiosa.
III - Não foram postergadas quaisquer expetativas dos requerentes juridicamente tuteláveis pelo que não foi violado o princípio da confiança.
Nº Convencional:JSTA00071204
Nº do Documento:SA120210627086/21
Data de Entrada:06/25/2021
Recorrente:A................ E OUTROS
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E
GARANTIAS,
Objecto:Resolução do Conselho de Ministros n.º 77-A/2021
Decisão:JULGA IMPROCEDENTE
Área Temática 1:DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
Legislação Nacional:ARTIGO 17º da Lei n.º 81/2009 de 21 de Agosto
Aditamento:
Texto Integral: Não se admite a réplica apresentada por inadmissível.
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1.º A…………………., 2.º B……………, 3.º C……………., 4.º D………………… e 5.º E……………., vêm, nos termos do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. A), iii) e al. C) ETAF e 109.º, nº 1 do CPTA requerer INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, contra CONSELHO DE MINISTROS pedindo que esta seja condenada a respeitar o seu direito de livre deslocação como consequência da desaplicação do artigo 3.º-A à Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021 no caso concreto.
Para tanto alegam que está em causa a sua Livre deslocação de e para a Área Metropolitana de Lisboa, a qual encontra proteção no artigo 44.º, n.º 1 da CRP atenta a Resolução do Conselho de Ministros n.º 77-A/2021, que modificou a redação do artigo 3.º-A à Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021.
E que os 1.º e 3.º requerentes residem durante a semana em municípios localizados na Área Metropolitana de Lisboa (AML), Odivelas e Lisboa, respetivamente, enquanto trabalhadores deslocados da sua residência habitual, deslocando-se aos fins de semana para as suas residências efetivas, localizadas em Alcanena e Guifões, respetivamente.
A 4.ª Demandante, reside em Lisboa, município localizado na Área Metropolitana de Lisboa, o 2.º Demandante, B………………, reside no município de Alcanena, fora da Área Metropolitana de Lisboa e a 5.ª Demandante é residente no município de Lisboa, portanto na AML e está em viagem de turismo à ilha da Madeira na Região Autónoma da Madeira (RAM) entre 24 e 27 de Junho, tendo pago passagem aérea (TAP) e hotel (……).
E que, em consequência da aplicação imediata da norma contida no artigo 3.º-A da Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021, na redação atribuída pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 77-A/2021, de 24 de junho, ficaram furtados da possibilidade de se deslocar livremente e sem a necessidade de apresentar justificação ou qualquer documento perante qualquer autoridade, no período compreendido entre as 15h do dia 25 de junho e as 06h do dia 28 de junho de 2021, de e para a Área Metropolitana de Lisboa, sem a certeza jurídica se nos próximos fins-de-semana tal “regime” será aplicado, sendo maior a probabilidade de renovação por mera alteração da norma regulamentar.
O que viola o direito fundamental de liberdade de deslocação consagrado no artigo 44.º, n.º 1 da CRP.
Ora, a CRP estabelece, em matéria de direitos, liberdades e garantias, uma reserva relativa de competência legislativa à Assembleia da República, no seu artigo 165.º, n.º 1, al. b), sendo os atos legislativos os previstos no artigo 112.º, n.º 1, e as restrições aos direitos, liberdades e garantias deverão ser realizadas por “LEI”, cf. artigo 18.º, n.º 2 CRP.
A Resolução do Conselho de Ministros em causa reveste-se da forma de Regulamento Administrativo, nos termos dos artigos 135.º e, mais expressamente, 138.º, n.º 3, al. b), ambos do CPA.
Ora, em cumprimento do comando constitucional vertido no artigo 112.º, n.º 7 CRP, tal regulamento invoca como normas habilitantes “os artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, por força do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, do artigo 17.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, do artigo 19.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição”.
Ora, o artigo 21.º, n.º 2, al. b) da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho autoriza o Conselho de Ministros, através de regulamento administrativo (RCM), a determinar limites à circulação de pessoas.
Contudo, como toda a legislação infraconstitucional, esta norma terá de ser interpretada conforme a CRP, nomeadamente, o seu artigo 112.º, n.º 5 quanto à proibição de uma lei criar uma nova categoria de atos legislativos, não podendo uma Resolução de Conselho de Ministros ser elevada à categoria de ato legislativo por esta via.
E, assim é, porque as medidas que se preveem com esta norma encontram a sua fundamentação numa situação em que a Administração tem, na verdade, o dever de agir imediatamente e de forma temporalmente limitada no tempo, estando por isso vedada a possibilidade da própria LBPC legitimar o estabelecimento de medidas que não preenchem os pressupostos desta atuação de urgência que se faz necessária ante um “acidente grave”.
E que, se um “acidente grave é um acontecimento inusitado com efeitos relativamente limitados no tempo e no espaço”, a circulação do vírus SARS CoV-2 já não é inusitada, como era em março de 2020.
Conclui que não é possível encontrar uma cadeia de legitimação na LBPC, pois, falham os seus pressupostos de aplicação, por mais que o Governo insista em manter a declaração de situação de calamidade pública.
Ainda que assim não se entenda, nunca se poderá negar que a letra do artigo 21.º, n.º 2, al. b) LBPC é taxativa quanto aos interesses a salvaguardar pela medida de limitação à circulação – “por razões de segurança dos próprios ou das operações” – sendo que na medida do artigo 3.º-A da Resolução 74-A/2021, nas palavras do próprio Governo, proferidas por S.E. a Senhora Ministra de Estado e da Presidência (disponíveis em https://24.sapo.pt/atualidade /artigos/conselho-de-ministrosacompanhe-aqui-em-direto-4) "uma medida de tentativa de conter neste território, não alastrando para o resto do país, aquilo que estamos a viver em Lisboa", ou seja, nem é uma medida para garantir a segurança de quem é limitado no seu direito a sair da AML e a ela regressar, por nela se encontrar ou ter de se encontrar, e, tampouco é uma medida para garantir a segurança das operações, visto que estas seriam medidas de salvaguarda das operações e dos operacionais de resgate ou auxílio aos afetados pela catástrofe, mas, afinal a restrição é estabelecida, nas palavras do próprio Governo não em favor das operações de combate à pandemia na AML, "não é o facto de esta medida existir que vai fazer com que os números da pandemia baixem na AML".
Portanto, de acordo com o artigo 21.º, n.º 2, al. b) LBPC, na verdade e a contrário, resulta indubitavelmente que, se a restrição à circulação de pessoas não for estabelecida com o propósito e não for adequada a garantir a segurança das pessoas afetadas pela medida – “razões de segurança dos próprios” – nem das operações que conduzam ao resgate, salvamento, combate à catástrofe que afeta os restringidos, esta não poderá ser estabelecida com a declaração da situação de calamidade.
Consequentemente, na falta de norma legal habilitante, o artigo 3.º-A da Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021 padece de inconstitucionalidade formal e orgânica, nos termos dos artigos 18.º, n.º 2, 112.º, n.º 1 e 7, 165.º, n.º 1, al. b), todos da CRP.
Padece, também de inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte da CRP.
Assim, quanto à finalidade de contenção da propagação de doença contagiosa, colocando-se em causa a proteção do direito à saúde, artigo 63.º CRP e do direito à vida, artigo 24.º CRP, será lícito afirmar que o fim da medida encontra amparo constitucional.
No entanto, quanto à necessidade da medida de criação de uma “bolha” na AML, aos fins de semana, as próprias declarações oficiais do Governo - em conferência de imprensa - colocam a medida em causa como inadequada para reduzir o surgimento de novas infeções ou contenção da pandemia na Área Metropolitana de Lisboa "não é o facto de esta medida existir que vai fazer com que os números da pandemia baixem na AML".
Nos casos concretos dos Demandantes, na verdade, resulta expressamente que as medidas que foram e têm sido até agora idóneas são medidas não ou muito menos restritivas, as referentes à profilaxia e o recurso à testagem gratuita fornecida pelos municípios.
Não se vislumbra, como que, impedir os Demandantes de regressarem à AML em dia anterior ao do início do seu trabalho, ou, de circularem para qualquer outro fim para outras partes do território nacional, poderá ser uma medida sequer idónea para conter a pandemia na AML, uma vez que, esta já se encontra alastrada por todo o país, mas sobretudo, que o meio de contágio (contatos interpessoais), no caso concreto, não tem alterações significativas, atendendo aos hábitos sociais e medidas já adotadas repetidamente pelos Demandantes.
Além disso, quanto à necessidade desta medida, devemos considerar que, o contexto do Acórdão 122/20 supra referido é substancialmente diferente do atual, pois, atendendo à existência de vacinas que se encontram em fase de aplicação à população, bem como de realização de testes gratuitos de despiste da doença, será lícito afirmar, ainda dentro dos poderes de pronúncia deste douto Tribunal, que haverão outros meios menos lesivos e, verdadeiramente, eficazes para conter o avanço da pandemia e controlar a proliferação do vírus.
Tendo em conta os benefícios que poderiam ser alegados pela implementação da referida medida, o sacrifício exigido aos mesmos não é passível de superar o residual benefício resultante da proibição de circulação, o qual nem sequer é identificado pelo próprio governo.
Por fim referem que foi violado o princípio da Tutela da Confiança e da Segurança Jurídica dos particulares, cf. art.º 2.º CRP que impedem, por um lado, que sejam adotadas medidas restritivas de Direitos, Liberdades e Garantias, como o direito à livre deslocação, artigo 44.º, n.º 1 CRP, que sejam injustificadamente imprevisíveis e/ou não impliquem um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas.
Toda a atuação do Governo (elaboração e implementação de plano de desconfinamento), faria prever apenas a aplicação das medidas ali previstas, pelo menos de forma imediata, sendo totalmente imprevisível, por não constar de tal plano, a medida vertida no artigo 3.º-A aditado à Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021.
Os Demandantes confiaram legitimamente que, caso fosse atingido determinado nível de risco nos seus respetivos municípios, estes estariam sujeitos às medidas previstas no referido Plano de Desconfinamento para cada nível de risco, e, com base nisso programaram a sua vida quotidiana.
Ao aditar o artigo 3.º-A à Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021, tal confiança foi frustrada, pois os Demandantes não poderão sair ou, depois de sair, voltar a entrar na AML no período ali estabelecido, e, permanece a dúvida quanto à possibilidade desta norma vigorar ou não na semana seguinte.
A circunstância de não ser possível encontrar na norma em análise a estatuição de uma restrição para a semana seguinte, conjugada com a geração de uma incerteza nos particulares sobre a alteração e prolongamento da duração destas medidas é incompatível com o princípio da Segurança Jurídica;

Questionados, viram, em resposta a despacho pré-liminar, esclarecer que não são detentores de “Certificado Digital COVID” e retificar o mês referido na viagem do 5º demandante.
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O Conselho de Ministros veio apresentar a sua defesa impugnando o alegado pela requerente, concluindo no sentido da improcedência do pedido.
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Sem vistos, cumpre decidir.
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Factualidade a considerar
A RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS N° 77-A/2021 (DR n° 121/2021, 1° Suplemento, I série de 24/06/2021):
Sumário: Altera as medidas aplicáveis a determinados municípios no âmbito da situação de calamidade.
«Não obstante o calendário indicativo previsto na estratégia de levantamento de medidas de confinamento no âmbito do combate à pandemia da doença COVID-19 fixada através da Resolução do Conselho de Ministros n.° 70-B/2021, de 4 de junho, a evolução da situação epidemiológica no território nacional continental não recomenda que aquela estratégia prossiga no dia 28 de junho de 2021.
Atento o exposto, devem continuar a vigorar as regras vigentes nos últimos 15 dias, motivo pelo qual a presente resolução prorroga a vigência da Resolução do Conselho de Ministros n.° 74-A/2021, de 9 de junho, na sua redação atual, até às 23:59 h do dia 11 de julho de 2021, continuando a aplicar-se aquelas regras, sem progressão no desconfinamento de qualquer município do território nacional continental.
Concomitantemente, na sequência da revisão semanal do âmbito de aplicação territorial das medidas de contenção e mitigação da doença COVID-19, fica também determinado que os seguintes municípios são considerados «municípios de risco elevado» para efeitos de aplicabilidade daquelas medidas até à próxima revisão: Alcochete, Almada, Amadora, Arruda dos Vinhos, Barreiro, Braga, Cascais, Grândola, Lagos, Loulé, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odemira, Odivelas, Oeiras, Palmela, Sardoal, Seixal, Setúbal, Sines, Sintra, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira.
Já aos municípios de Albufeira, Lisboa e Sesimbra são aplicáveis as medidas respeitantes aos «municípios de risco muito elevado».
Por fim, considerando o contexto epidemiológico, é igualmente prorrogada a limitação à deslocação ou circulação de e para a Área Metropolitana de Lisboa. No entanto, para além das exceções já anteriormente aplicáveis, passa também a ser admitida a circulação mediante apresentação de comprovativo de realização laboratorial de teste com resultado negativo, nos termos previstos na presente resolução, ou, alternativamente, mediante apresentação do Certificado Digital COVID da União Europeia.
Assim:
Nos termos dos artigos 12.° e 13.° do Decreto-Lei n.° 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, por força do disposto no artigo 2.° da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, da base 34 da Lei n.° 95/2019, de 4 de setembro, do artigo 17.° da Lei n.° 81/2009, de 21 de agosto, do artigo 19.° da Lei n.° 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, e da alínea g) do artigo 199.° da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Alterar o n.° 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.° 74-A/2021, de 9 de junho, na sua redação atual, o qual passa a ter a seguinte redação:
«1 - Declarar, na sequência da situação epidemiológica da COVID-19, até às 23:59 h do dia 11 de julho de 2021, a situação de calamidade em todo o território nacional continental.»
2 - Alterar os artigos 2.° e 3.°-A do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.° 74-A/2021, de 9 de junho, na sua redação atual, os quais passam a ter a seguinte redação:
«(…) Artigo 3.°-A [...]
1 - Sem prejuízo do número seguinte, é proibida a circulação de e para a Área Metropolitana de Lisboa no período compreendido entre as 15:00 h do dia 25 de junho de 2021 e as 06:00 h do dia 28 de junho de 2021, sem prejuízo das exceções previstas no artigo 11.° do Decreto n.° 9/2020, de 21 de novembro, as quais são aplicáveis com as necessárias adaptações.
2 - É ainda admitida a circulação mediante apresentação de comprovativo de realização laboratorial de teste de amplificação de ácidos nucleicos (TAAN) ou de teste rápido de antigénio (TRAg) para despiste da infeção por SARS-CoV-2 com resultado negativo, realizado, respetivamente, nas 72 ou 48 horas anteriores à sua apresentação, ou, alternativamente, mediante apresentação do Certificado Digital COVID da União Europeia, o qual dispensa a apresentação de comprovativo de realização de teste para despiste da infeção por SARS-CoV-2.»
3 - Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, sem prejuízo do número seguinte.
4 - Determinar que o disposto no n.° 1 produz efeitos às 00:00 h do dia 28 de junho de 2021”.
2.2. Cabe notar que, para além da admissão de circulação em caso de apresentação de comprovativo de realização de testes, com resultado negativo, mantêm-se as exceções previstas no artigo 11° do Decreto n.° 9/2020, de 21 de novembro, aplicáveis com as necessárias adaptações, pelo que as restrições em causa não se aplicam:
«a) Às deslocações para desempenho de funções profissionais ou equiparadas, conforme atestado por:
i) Declaração emitida pela entidade empregadora ou equiparada;
ii) De compromisso de honra, se a deslocação se realizar entre concelhos limítrofes ao do domicílio ou na mesma área metropolitana, bem como no caso de se tratar de trabalhadores do setor agrícola, pecuário e das pescas;
iii) Declaração emitida pelo próprio, no caso dos trabalhadores independentes, empresários em nome individual ou membros de órgão estatutário;
b) Às deslocações no exercício das respetivas funções ou por causa delas, sem necessidade de declaração emitida pela entidade empregadora ou equiparada:
i) De profissionais de saúde e outros trabalhadores de instituições de saúde e de apoio social, bem como de pessoal docente e não docente dos estabelecimentos escolares;
ii) De pessoal dos agentes de proteção civil, das forças e serviços de segurança, militares, militarizados e pessoal civil das Forças Armadas e inspetores da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE);
iii) De titulares dos órgãos de soberania, dirigentes dos parceiros sociais e dos partidos políticos representados na Assembleia da República e pessoas portadoras de livre-trânsito emitido nos termos legais;
iv) De ministros de culto, mediante credenciação pelos órgãos competentes da respetiva igreja ou comunidade religiosa, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, na sua redação atual;
v) De pessoal das missões diplomáticas, consulares e das organizações internacionais localizadas em Portugal, desde que relacionadas com o desempenho de funções oficiais;
c) Às deslocações de menores e seus acompanhantes para estabelecimentos escolares, creches e atividades de tempos livres, bem como às deslocações de estudantes para instituições de ensino superior ou outros estabelecimentos escolares;
d) Às deslocações dos utentes e seus acompanhantes para Centros de Atividades Ocupacionais e Centros de Dia;
e) Às deslocações para a frequência de formação e realização de provas e exames, bem como de inspeções;
f) Às deslocações para participação em atos processuais junto das entidades judiciárias ou em atos da competência de notários, advogados, solicitadores, conservadores e oficiais de registos, bem como para atendimento em serviços públicos, desde que munidos de um comprovativo do respetivo agendamento;
g) Às deslocações necessárias para saída de território nacional continental;
h) Às deslocações de cidadãos não residentes para locais de permanência comprovada;
i) Deslocações por outras razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente;
j) Ao retorno ao domicílio.
3 - Os veículos particulares podem circular na via pública para realizar as atividades mencionadas no número anterior ou para reabastecimento em postos de combustível no âmbito das deslocações referidas nos números anteriores.
4 - A restrição prevista no n.º 1 não obsta à circulação entre as parcelas dos concelhos em que haja descontinuidade territorial».
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O DIREITO
Os requerentes intentam a presente intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias invocando que a Resolução do Conselho de Ministros n° 77-A/2021, de 24 de junho, consubstancia uma restrição do seu direito à liberdade de circulação, protegido pelo art. 44º nº 1 da CRP, o seu direito de livre saída e entrada na Área Metropolitana de Lisboa.
1. Começam os requerentes por invocar a violação da reserva de lei parlamentar habilitante da restrição da liberdade de circulação nos termos dos artigos 18° n° 2 e 165° n° 1 b) da CRP.
Entendem, assim, que se impunha uma lei habilitante para restringir o referido direito.
Por sua vez o Conselho de Ministros entende que existe essa habilitação, não obstante não provir de uma lei parlamentar específica, já que pode considerar-se a mesma resultar de uma cadeia de legitimação que tem no seu topo uma lei parlamentar, ou seja, a restrição encontra em preceitos legais do Parlamento ou em decretos-lei autorizados uma expressão textual que a contempla.
Está aqui em causa a Resolução do Conselho de Ministros n° 77-A/2021, de 24/6, a qual indica como “lei habilitante” os artigos 12° e 13° do DL n° 10-A/2020, de 13/3 (diploma ratificado pelo artigo 2° da Lei n° 1-A/2020, de 19/3), a base 34 da Lei nº 95/2019, de 4/9, (Aprova a Lei de Bases da Saúde), o artigo 17° da Lei nº 81/2009, de 21/8 (Lei do sistema de vigilância em saúde pública) e o artigo 19° da Lei n° 27/2006, de 3/7 (Lei de Bases da Proteção Civil), todos nas suas redações atualizadas.
Pelo que, a questão que começa por se colocar é a de saber se as normas ao abrigo das quais é proferida a Resolução do Conselho de Ministros permite a restrição aqui em causa.
E isto independentemente, ainda, de saber se existem outras normas ao abrigo das quais a mesma medida poderia ter sido tomada, isto é, se haveria norma habilitante, mas que não foram usadas na referida Resolução.
A medida aqui posta em causa é a “proibição de circulação de e para a Área Metropolitana de Lisboa no período entre as 15:00h do dia 25 de junho de 2021 e as 06:00h do dia 28 de junho de 2021”.
Desde logo o art. 44º da CRP inserido no Título II Direitos, liberdades e garantias, capítulo I Direitos, liberdades e garantias pessoais dispõe:
“1. A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.
2. A todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar.”
E, não podemos esquecer que o nº1 do art. 19º da CRP dispõe que:
“Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.”
E, portanto, apenas nestas situações pode ocorrer suspensão.
Ora, na suspensão de direitos fundamentais o que está em causa é, em síntese, “uma impossibilidade geral e temporária do exercício do direito” (J. REIS NOVAIS, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 193, nota 328).
Ou seja, uma “afetação que atinge em abstrato certos efeitos de proteção da norma de direito fundamental”, isto é, “a suspensão atinge o direito fundamental em abstrato, na sua feição de situação jurídica compreensiva, não se dirigindo a uma ou a várias situações jurídicas concretas de certas pessoas, individualmente consideradas” (J. MELO ALEXANDRINO, Introdução aos Direitos Fundamentais, 2.ª ed., Cascais: Principia, 2010, pp. 143-144).
O que significa, por conseguinte, que “o instituto da suspensão determin[a] que, por todo o período em que ela vigore, o respetivo direito fundamental fique obnubilado, como que se apagando temporariamente, deixando a correspondente norma constitucional de proteção de produzir efeitos jurídicos. Ou seja, é como se naquele período o direito fundamental deixasse de existir” (J. REIS NOVAIS, ‘Direitos Fundamentais e Inconstitucionalidade em situação de crise ― a propósito da epidemia COVID-10’, e-Pública 7/1 (2020), p. 92).
Ou seja, a suspensão de um determinado direito fundamental implica uma afetação global do seu âmbito de proteção.
A RCM n.º 77/2021, de 24 de junho de 2021, não determinou essa proibição de forma a paralisar, em termos globais, o âmbito de proteção da previsão constitucional de que “a todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional”.
A medida em causa só se aplica durante o fim de semana, das 15h00 de sexta-feira dia 25 de junho às 06h00 de segunda-feira dia 28 de junho, mantendo todos cidadãos, incluindo os requerentes ― mantêm, durante os dias abrangidos pela medida adotada, a plena liberdade de circular no interior da Área Metropolitana de Lisboa.
Por outro lado são inúmeras as exceções àquela proibição, sendo delas excluídas não abrange, todas as deslocações que se devam a “motivos de saúde ou por outros motivos de urgência imperiosa” (cfr. artigo 11.º, n.º 1, in fine, do Decreto n.º 9/2020, de 21 de novembro, ex vi artigo 3.º-A do Regime da situação de calamidade publicado em anexo à RCM n.º 74-A/2021, de 9 de junho, na redação que lhe foi dada pelo n.º 2 da RCM n.º 77/2021, de 24 de junho de 2021).
São também aditadas exceções explícitas e concretizadas de variadíssima ordem e com muito largo alcance, quais sejam, por exemplo:
(a) As deslocações para desempenho de funções profissionais ou equiparadas, conforme atestado por: (i) declaração emitida pela entidade empregadora ou equiparada; (ii) compromisso de honra, se a deslocação se realizar entre concelhos limítrofes ao do domicílio ou na mesma área metropolitana, bem como no caso de se tratar de trabalhadores do setor agrícola, pecuário e das pescas; (iii) declaração emitida pelo próprio, no caso dos trabalhadores independentes, empresários em nome individual ou membros de órgão estatutário;
(b) As deslocações no exercício das respetivas funções ou por causa delas, sem necessidade de declaração emitida pela entidade empregadora ou equiparada: (i) de profissionais de saúde e outros trabalhadores de instituições de saúde e de apoio social, bem como de pessoal docente e não docente dos estabelecimentos escolares; (ii) de pessoal dos agentes de proteção civil, das forças e serviços de segurança, militares, militarizados e pessoal civil das Forças Armadas e inspetores da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE); (iii) de titulares dos órgãos de soberania, dirigentes dos parceiros sociais e dos partidos políticos representados na Assembleia da República e pessoas portadoras de livre-trânsito emitido nos termos legais; (iv) de ministros de culto, mediante credenciação pelos órgãos competentes da respetiva igreja ou comunidade religiosa; (v) de pessoal das missões diplomáticas, consulares e das organizações internacionais localizadas em Portugal, desde que relacionadas com o desempenho de funções oficiais;
(c) As deslocações de menores e seus acompanhantes para estabelecimentos escolares, creches e atividades de tempos livres, bem como às deslocações de estudantes para instituições de ensino superior ou outros estabelecimentos escolares;
(d) As deslocações dos utentes e seus acompanhantes para Centros de Atividades Ocupacionais e Centros de Dia;
(e) As deslocações para a frequência de formação e realização de provas e exames, bem como de inspeções;
(f) As deslocações para participação em atos processuais junto das entidades judiciárias ou em atos da competência de notários, advogados, solicitadores, conservadores e oficiais de registos, bem como para atendimento em serviços públicos, desde que munidos de um comprovativo do respetivo agendamento;
(g) As deslocações necessárias para saída de território nacional continental;
(h) As deslocações de cidadãos não residentes para locais de permanência
comprovada;
(i) As deslocações por outras razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente;
(j) As deslocações para retorno ao domicílio.
A que acresce, por fim, a possibilidade de circular: “mediante apresentação de comprovativo de realização laboratorial de teste de amplificação de ácidos nucleicos (TAAN) ou de teste rápido de antigénio (TRAg) para despiste da infeção por SARS-CoV-2 com resultado negativo, realizado, respetivamente, nas 72 ou 48 horas anteriores à sua apresentação, ou, alternativamente, mediante apresentação do Certificado Digital COVID da União Europeia, o qual dispensa a apresentação de comprovativo de realização de teste para despiste da infeção por SARS-CoV-2” (cfr. artigo 3.º-A, n.º 2, do Regime da situação de calamidade publicado em anexo à RCM n.º 74-A/2021, de 9 de junho, na redação, bem como artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54-A/2021, de 25 de junho).
Podemos, assim, concluir que a norma contida no artigo 44.º, n.º 1, da Constituição não foi nem se encontra, de modo algum, suspensa mas antes que sofreu fortes restrições.
Comecemos por aferir se dos preceitos das normas em que se habilita a referida Resolução resulta a possibilidade de restrição aqui em causa.
Chamando à colação a RCM verifica-se que o quadro normativo nela invocado como justificador ou legitimador da e para a emanação da mesma e determinações ali inscritas são os arts. 12.º e 13.º do DL n.º 10-A/2020 («na sua redação atual, por força do disposto no art. 2.º da Lei n.º 1-A/2020 … na sua redação atual), 17.º da Lei n.º 81/2009, 19.º da Lei n.º 27/2006, e 199.º, al. g) da CRP.
Resulta do art. 12º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março que:
Artigo 12.º
Restrições de acesso a estabelecimentos
1 - É suspenso o acesso ao público dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas que disponham de espaços destinados a dança ou onde habitualmente se dance.
2 - A afetação dos espaços acessíveis ao público dos demais estabelecimentos de restauração ou de bebidas e de estabelecimentos comerciais deve observar as regras de ocupação que vierem a ser definidas por portaria do membro do Governo responsável pela área da economia.
3 - Na portaria referida no número anterior podem ser estabelecidas restrições totais ou parciais da afetação dos espaços acessíveis ao público.
Artigo 13.º
Restrições de acesso a serviços e edifícios públicos
Pode ser limitado o acesso a serviços e a edifícios públicos mediante despacho do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública e pela área a que o serviço ou edifício.”
Este preceito não se refere à situação dos autos.
Contudo, resulta do art. 17º da Lei n.º 81/2009 de 21 de Agosto:
“Artigo 17.º
Poder regulamentar excepcional
1 - De acordo com o estipulado na base xx da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de exceção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo a restrição, a suspensão ou o encerramento de atividades ou a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de forma a evitar a eventual disseminação da infecção ou contaminação.
2 - O membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta do diretor-geral da Saúde, como autoridade de saúde nacional, pode emitir orientações e normas regulamentares no exercício dos poderes de autoridade, com força executiva imediata, no âmbito das situações de emergência em saúde pública com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação.
3 - As medidas previstas nos números anteriores devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei.
4 - As medidas e orientações previstas nos n.ºs 1 e 2 são coordenadas, quando necessário, com o membro do Governo responsável pelas áreas da segurança interna e proteção civil, designadamente no que se reporta à mobilização e à prontidão dos dispositivos de segurança interna e de proteção e socorro, devendo ser comunicadas à Assembleia da República.”
Por sua vez a atual base 34 da Lei de Bases da Saúde (LBS), aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, dispõe:
«1 - À autoridade de saúde compete a decisão de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, nas situações suscetíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde dos cidadãos ou das comunidades, e na vigilância de saúde no âmbito territorial nacional que derive da circulação de pessoas e bens no tráfego internacional.
2 - Para a defesa da saúde pública, cabe, em especial, à autoridade de saúde:
a) Ordenar a suspensão de atividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais de utilização pública e privada, quando funcionem em condições de risco para a saúde pública;
b) Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública;
c) Exercer a vigilância sanitária do território nacional e fiscalizar o cumprimento do Regulamento Sanitário Internacional ou de outros instrumentos internacionais correspondentes, articulando-se com as autoridades nacionais e internacionais no âmbito da preparação para resposta a ameaças, deteção precoce, avaliação e comunicação de risco e da coordenação da resposta a ameaças;
d) Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações semelhantes.
3 - Em situação de emergência de saúde pública, o membro do Governo responsável pela área da saúde toma as medidas de exceção indispensáveis, se necessário mobilizando a intervenção das entidades privadas, do setor social e de outros serviços e entidades do Estado».
Ora, o referido art. 17º sob pena de contradição interna permite que o membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta do diretor-geral da Saúde, como autoridade de saúde nacional, possa emitir orientações e normas regulamentares no exercício dos poderes de autoridade, com força executiva imediata, no âmbito das situações de emergência em saúde pública com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação.
E ao referir-se que essas medidas devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei, está, pois, a admitir que a possibilidade de aquelas medidas interferirem com os mesmos.
Podemos, assim, dizer que existem normas legais em matéria de saúde pública que habilitam o Governo a adotar medidas, mais ou menos amplas, de interferência sobre direitos fundamentais, em especial perante cenários de emergência de saúde pública ― como é o caso, evidentemente, de combate a uma pandemia como tal declarada há já vários meses pela Organização Mundial de Saúde.
Pelo que, a RCM não padece da inconstitucionalidade assacada por falta de intervenção legislativa e já que nos termos do art. 200º nº1 al. g) da CRP compete ao Conselho de Ministros “deliberar sobre outros assuntos da competência do Governo que lhe sejam atribuídos por lei ou apresentados pelo Primeiro-Ministro ou por qualquer Ministro”.
2. Invocam, também, os requerentes que a RCM padece de Inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte da CRP.
Assim, quanto à finalidade de contenção da propagação de doença contagiosa, colocando-se em causa a proteção do direito à saúde, artigo 63.º CRP e do direito à vida, artigo 24.º CRP, será lícito afirmar que o fim da medida encontra amparo constitucional.
No entanto, quanto à necessidade da medida de criação de uma “bolha” na AML, aos fins de semana, as próprias declarações oficiais do Governo - em conferência de imprensa - colocam a medida em causa como inadequada para reduzir o surgimento de novas infeções ou contenção da pandemia na Área Metropolitana de Lisboa “não é o facto de esta medida existir que vai fazer com que os números da pandemia baixem na AML".
Concluem que no seu caso não se vislumbra, como impedi-los de regressarem à AML em dia anterior ao do início do seu trabalho, ou, de circularem para qualquer outro fim para outras partes do território nacional, poderá ser uma medida sequer idónea para conter a pandemia na AML, uma vez que, esta já se encontra alastrada por todo o país, mas sobretudo, que o meio de contágio (contatos interpessoais), no caso concreto, não tem alterações significativas, atendendo aos hábitos sociais e medidas já adotadas repetidamente pelos Demandantes.
Então vejamos.
A justificação da medida é enunciada da seguinte forma: “Face à situação excecional que se vive em Portugal e no mundo, e de modo a evitar a proliferação de casos registados de contágio de COVID-19 e um retrocesso na contenção da transmissão do vírus e da expansão da doença COVID-19 que as medidas adotadas permitiram, importa considerar, no âmbito da situação de calamidade, a limitação das deslocações das pessoas no período entre 30 de outubro e 3 de novembro de 2020.
Esta limitação, imposta com o intuito de conter a transmissão do vírus e a expansão da doença, visa evitar que a circulação de cidadãos para fora do concelho de residência habitual que poderia verificar-se em função do feriado de todos os Santos e do dia dos finados, contribua como foco de transmissão da doença.
Nesse sentido, permitem-se apenas deslocações para fora dos concelhos em casos muito específicos”.
Ora, independentemente de a medida ser a mais eficaz e de quais sejam as medidas mais eficazes o que é certo é que basta atentar na divulgação dos dados da DGS através do seu site institucional para verificar que os casos confirmados por concelho apresentam índices variados o que, em si, é apto a justificar que a redução da mobilidade inter-concelhos é uma medida adequada a limitar a propagação de um vírus que se transmite (facto público e notório) por contactos interpessoais.
E a invocação de que não se vislumbra, como impedir os requerentes de regressarem à AML em dia anterior ao do início do seu trabalho, ou, de circularem para qualquer outro fim para outras partes do território nacional, poderá ser uma medida sequer idónea para conter a pandemia na AML padece de erro.
Sendo a medida abstrata não contempla este ou aquele e visa um comportamento social e é nessa medida que é aferida a sua eficácia.
Por outro lado visa conter-se a pandemia não a nível da AML mas a nível do país e portanto que quem se desloca de Lisboa para o interior ou vice-versa corra maiores riscos de contrair a variante Delta altamente contagiosa.
Por outro lado não nos compete interferir na atividade administrativa, ponderando a adopção de medidas alternativas à que foi adoptada, bastando aferir de que a mesma não constitui um erro sendo antes adequada por ser uma medida que corresponda ao meio mais benigno de limitação do direito dentro do leque de medidas adequadas.
O que acontece como é público e notório face à incerteza científica sobre esta nova doença pandémica que tem registado um aumento significativo do número de contágios, apesar das diversas medidas e recomendações já adoptadas e que se têm ido enraizando nas práticas quotidianas da população a nível nacional e mundial.
Podemos, assim, concluir pela adequação e proporcionalidade da medida que, como vimos, tem inúmeras exceções e possibilidades de a contornar.
Como se diz no proc. 85/21, acabado de ser relatado, que por sua vez remete para o Ac. deste STA 0122/20.1BALSB de 31/10/2020:
“No fundo, saber se, ponderada a concreta restrição imposta ao direito-liberdade de circulação — que se consubstancia, como supra caracterizámos, na obrigação de justificação atendível para efectuar deslocações para fora do concelho entre as 00.00h do dia 30 de Outubro e as 6.00h do dia 03 de Novembro, e que se traduz no “sentimento da autora de restrição da liberdade de circulação para fora do concelho”, que ela caracteriza como uma “prisão ao ar livre” (artigo 46.° da p. i.) —, com os objectivos que a medida visa alcançar, e que são “conter a transmissão do vírus e a expansão da doença”, daqui resulta uma restrição intolerável ao direito/liberdade da A..
E afigura-se-nos que não, face ao limitado período de tempo pelo qual a medida é imposta, o seu concreto conteúdo, que é, como dissemos, muito elástico, e a imperiosidade dos fins últimos que se visam alcançar com a adopção da medida (salvaguarda da capacidade resposta dos serviços de saúde para proporcionar a todos, os que venham a padecer de forma grave da doença COVID-19 e dos restantes que precisem de cuidados de saúde hospitalar durante o período da pandemia, com o objectivo de proteger a vida humana em condições dignas), mediante os fins imediatos a prosseguir, que são a contenção da transmissão do vírus e do número de contágios, não se nos afigura que exista em concreto, desproporcionalidade da restrição que é imposta à A..
Para este juízo de não violação do princípio da proporcionalidade em sentido restricto contribui igualmente o facto de se ter de considerar que o núcleo do direito à liberdade de circulação fica salvaguardado pela medida, também na circulação para fora do concelho, seja ao não impedir totalmente as deslocações inter-concelhos, seja ao permitir uma futura análise de eventuais situações concretas em que tenha havido essa violação, seja por erro na aplicação da medida pelas autoridades públicas, seja porque, em concreto, se venha a verificar que a medida se revelou desproporcionada e deva dar lugar a uma condenação do Estado à reparação do direito violado.
Neste juízo derradeiro que supra explicitámos, o Tribunal tomou também em conta que a pretensão da A. (como resulta do artigos 21.° a 28.° da p. i.) é expressão de uma preocupação geral decorrente do prolongamento no tempo da limitação das liberdades pessoais e da autodeterminação individual que vem sendo imposta pelas medidas administrativas de combate à pandemia e do risco que, em abstracto, tais limitações podem representar no estrito plano jurídico-constitucional em que se encontram actualmente conformados, quer as garantias destes direitos, quer os poderes do Governo para, através de actos da sua exclusiva autoria, fundamentados na sua competência genérica de condução de políticas públicas (artigo 199.°/g CRP), adoptar ingerências deste tipo no âmbito daqueles direitos.
Mas também no resultado desta ponderação se concluiu, em linha de resto com as conclusões a respeito da conformidade jurídico-constitucional da medida normativa, que a ausência de um quadro legislativo especial para os poderes de autoridade em contexto de pandemia não pode inviabilizar totalmente, no contexto de um Estado de normalidade constitucional, como o actual, a adopção de medidas necessárias à gestão do risco de propagação da doença, sempre e quando as mesmas encontrem a sua fonte de legitimação parlamentar mediante cadeias normativas e se atenham à proporcionalidade que lhes é exigida. Como consideramos ser o caso aqui.(...)
Alega o Requerente que a medida em causa – de proibição de circulação de e para a Área Metropolitana de Lisboa (salvaguardadas as exceções previstas) – será “muito pouco eficaz” no combate à pandemia. Porém, como o Acórdão citado reconheceu, a redução da mobilidade é uma medida adequada a limitar a propagação de um vírus que se transmite (facto público e notório) por contactos interpessoais. É certo que, quanto mais branda for a restrição menor será a eficácia da medida; no entanto, havendo sempre que salvaguardar a proporcionalidade das restrições impostas, a medida ora em questão afigura-se, ainda assim, útil, e por isso justificada e adequada, de modo a desincentivar a maior mobilidade dos cidadãos em período de fim de semana (e, consequentemente, a maior possibilidade de transmissão do vírus), precisamente o período que, por razões de descanso laboral, maior mobilidade global permite.
3. Vêm os aqui requerentes invocar, também, a violação do princípio da tutela da confiança.
Mas, também, o mesmo não ocorre.
Desde logo os requerentes ― e todos os cidadãos portugueses ― sabem, desde há muito, que vigora no território nacional a situação de calamidade, ao abrigo da qual o Governo tem vindo a adotar medidas conjunturais atendendo à forma como os casos de infeções vão aumentando ou diminuindo no país.
Aliás, é da própria natureza da calamidade que se enfrenta que as medidas adotadas tenham de o ser de imediato dependentes da evolução diária dos dados epidemiológicos.
Aliás, o Governo tem definido, desde a Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-C/2020, de 3 de abril (e também na Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2021, de 13 de março), que o “calendário da estratégia de levantamento de medidas de confinamento contém um período de 15 dias entre cada fase de desconfinamento para que sejam avaliados os impactos das medidas na evolução da pandemia” (cfr. n.º 2 da referida Resolução do Conselho de Ministros).
Como se refere no Ac. do TC n.º 128/09 (Proc. n.º 772/2007) princípio da tutela da confiança depende, da não-concorrência de razões de interesse público que «derrotem» as expetativas potencialmente afetadas por dada medida.
Pelo que, a expetativa dos requerentes, a ser fundada, na não-adoção da medida imposta, sempre cederia perante os relevantes interesses públicos que a suportam.
Não verificam, pois, as inconstitucionalidades invocadas.
*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em julgar improcedente a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, por considerar não verificada a violação de direitos, liberdades e garantias invocada pelo Requerente.
Sem custas.
Lisboa, 27/06/2021
Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (com voto vencido).



Vencido, não acompanhando a fundamentação/motivação do juízo de improcedência da presente intimação.

1. Não secundo o entendimento que obteve vencimento, porquanto presentes o quadro situacional/circunstancial de normalidade constitucional em que o ato normativo contido no ponto n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 77-A/2021 [doravante RCM] [que introduz uma nova redação ao art. 03.º-A da RCM n.º 74-A/2021 e determina a proibição de circulação de e para a Área Metropolitana de Lisboa no período compreendido entre as 15:00 h do dia 25 de junho de 2021 e as 06:00 h do dia 28 de junho de 2021] foi aprovado e o quadro normativo vigente consideraria que tal ato afronta o disposto nos arts. 18.º, 19.º, 44.º, n.º 1, 112.º e 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa [CRP] e, nessa medida, deferiria parcialmente a pretensão de intimação deduzida pelos Requerentes.
2. Motivando sumariamente a divergência e juízo decisório defendido em sentido oposto cumpre notar que nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 165.º da CRP «[É] da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: …b) Direitos, liberdades e garantias», sendo que nesta previsão mostra-se incluída, claramente, a regulamentação dos direitos enunciados no Título II da Parte I da CRP e de que a reserva de competência legislativa da Assembleia da República [AR] abarca não apenas as restrições [cfr. art. 18.º], mas também aquilo que respeita à intervenção legislativa em sede de direitos, liberdades e garantias, entendimento este «pacificamente consolidado na jurisprudência constitucional», nas palavras do acórdão do Tribunal Constitucional [TC] n.º 424/2020 e do qual se extrai, veiculando o anteriormente afirmado no acórdão n.º 362/2011 do mesmo Tribunal, que «[T]odo o regime dos direitos, liberdades e garantias está englobado na reserva relativa de competência da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. b), da CRP). Nestes termos, todas as normas disciplinadoras de um qualquer direito desta natureza carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República. Esta exigência ganha particular relevância quando estão em causa compressões ou condicionamentos a um direito …».
3. Se na situação vertente não podemos considerar derivar do ato normativo regulamentar em crise uma qualquer suspensão do exercício do direito de deslocação contido no n.º 1 do art. 44.º da CRP, primacialmente invocado pelos Requerentes como infringido e no qual estriba a sua pretensão, não podemos deixar de concluir que o mesmo envolve uma clara restrição ao mesmo direito, cientes de que respeitando a pretensão deduzida à efetivação/exercício do direito de deslocação previsto expressamente no art. 44.º da CRP trata-se de direito que se mostra suficientemente caraterizado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional [TC] como um direito, liberdade e garantia [cfr., entre outros, os Acs. do TC n.ºs 174/92, 204/94, 405/00, e 141/2015].
4. Decorrendo do n.º 1 do art. 44.º da CRP que «[a] todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional», a determinação contida no art. 3.º-A da RCM na redação dada pelo ponto 2 da mesma de que «[s]em prejuízo do número seguinte, é proibida a circulação de e para a Área Metropolitana de Lisboa no período compreendido entre as 15:00 h do dia 25 de junho de 2021 e as 06:00 h do dia 28 de junho de 2021, sem prejuízo das exceções previstas no artigo 11.º do Decreto n.º 9/2020, de 21 de novembro, as quais são aplicáveis com as necessárias adaptações», ainda que com as exceções que se mostram previstas [i) exceções previstas no art. 11.º do Decreto n.º 9/2020; ii) apresentação de comprovativo de realização de testes da infeção por SARS-CoV-2, com resultado negativo, ou, alternativamente, apresentação do Certificado Digital COVID da União Europeia], constitui uma inequívoca restrição ao direito em referência dado envolver uma nítida compressão ou condicionamento ao que constitui a liberdade que lhe está subjacente, ou seja, a liberdade de deslocação e de fixação detida por cada cidadão, tendo por referência todo o domínio territorial do Estado português, de nas fronteiras do território nacional se poder movimentar direito de ir e vir»] entre as diferentes partes que o compõe, sem carecer de qualquer permissão ou de prévia autorização, ou de para tal o poder fazer ter de se justificar perante uma qualquer autoridade.
5. Nessa medida, não estamos em presença de uma determinação que revista ou se possa qualificar como detendo a natureza de simples soft-law, já que estamos ante uma efetiva proibição, que institui uma obrigação/dever jurídico e reclama meios e mecanismos de coação e punição para as situações do seu incumprimento, sendo que, manifestamente, não podemos sustentar que a normação proibitiva instituída no ato e de que o desrespeito ou a resistência à ordem das autoridades em aplicação da mesma não aporte ou se mostre desprovida de uma qualquer sanção/consequência no plano das liberdades individuais daqueles que não acatem as ordens ou determinações que diretamente lhe sejam dirigidas pelas autoridades em execução da RCM no segmento em crise.
6. É certo que o direito de deslocação e de fixação em qualquer parte do território nacional, como todos os direitos fundamentais quando considerados como um todo, não goza de um valor absoluto, mostrando-se passível de que lhe sejam introduzidos limites ou apostas restrições, nomeadamente num contexto de pandemia como a que vivenciamos [relativa ao surto da doença da COVID-19], exigindo-se, todavia, para tal e desde logo que as medidas observem o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 18.º da CRP, conjugado com o definido pelo seu art. 165.º, n.º 1, al. b), tanto mais que na ausência de declaração de estado de emergência [art. 19.º da CRP e Lei n.º 44/86, de 30.09 (Lei Orgânica que estabelece o Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência)] nos movemos no quadro de normalidade constitucional.
7. Ora tendo-se concluído estarmos em face de norma de tipo regulamentar que envolve uma restrição ao direito/liberdade de deslocação inserto no n.º 1 do art. 44.º da CRP e de que a mesma, à luz do quadro convocado, deveria ter sido feita por «lei» - entendida como lei da Assembleia da República [AR] ou decreto-lei autorizado do Governo - importa então aferir da sua conformidade com o nosso ordenamento jurídico-constitucional tendo em conta mostrar-se a mesma inserta numa RCM.
8. Reconhecida a inexistência de observância in casu da competência e da forma determinadas pelos comandos constitucionais convocados para a emissão da norma proibitiva de circulação em sede de normalidade constitucional, como é aquele que carateriza a situação atualmente vivenciada de declaração administrativa de estado de calamidade, importa cuidar da verificação da «cadeia de legitimidade legal» invocada para a sua emissão.
9. Frise-se, no entanto, que uma tal cadeia de legitimação não pode bastar-se, ou ser entendida/considerada como admitindo a possibilidade de «delegação» aberta e irrestrita de que uma lei da AR ou um decreto-lei autorizado do Governo possam autorizar um ato regulamentar, ou um ato administrativo, a operarem uma restrição, inovadora e autónoma, de um direito, liberdade e garantia, mormente o em causa na ação - liberdade de deslocação -, já que isso envolveria uma inequívoca infração dos referidos arts. 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP.
10. E essa «cadeia de legitimação» mostra-se alvo de sérias reservas doutrinárias [cfr., entre outros, J.J. Gomes Canotilho, in: «Direito Constitucional e Teoria da Constituição», págs. 1278/1279; J.C. Vieira de Andrade, in: «Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976», 5.ª ed., págs. 224 e 290/291].
11. Apreciada a situação resulta que nem a determinação/proibição constante da RCM restritiva do direito/liberdade de deslocação goza diretamente da exigida cobertura formal e competencial, nem quanto ao mesmo direito/liberdade a mesma resulta ou se pode extrair do quadro normativo nela invocado [in casu os arts. 12.º e 13.º do DL n.º 10-A/2020 («na sua redação atual, por força do disposto no art. 2.º da Lei n.º 1-A/2020 … na sua redação atual), 17.º da Lei n.º 81/2009, 19.º da Lei n.º 27/2006, e 199.º, al. g) da CRP] como justificador ou legitimador da e para a emanação da mesma e determinações ali inscritas.
12. Na verdade, manifestamente a mesma não reside nos arts. 12.º e 13.º do DL n.º 10-A/2020, já que respeitantes à disciplina das restrições de acesso a estabelecimentos privados e a serviços e edifícios públicos.
13. Nem na al. g) do art. 199.º da CRP, dado que, sendo relativa à prática dos atos e à tomada de todas as providências necessárias no exercício da função administrativa destinadas à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas, não contém, dada a sua generalidade, título legitimador de competência a uma tal restrição.
14. E, de igual modo, não se vislumbra que a mesma radique no art. 17.º da Lei n.º 81/2009, já que não só a Base XX da Lei n.º 48/90 a que nele se faz referência veio a ser revogada [cfr. art. 03.º, n.º 1, al. a), da referida Lei n.º 95/2019 - Lei de Bases da Saúde] e não encontra na atual Lei de Bases da Saúde publicada em anexo à referida Lei uma previsão inteiramente correspondente [cfr. n.º 3 da atual Base 34.º], como do que se disciplina no preceito convocado não se extrai uma qualquer legitimação para introdução de restrição à liberdade de deslocação, na certeza de que no seu n.º 3 exige-se, inclusive que as «medidas previstas nos números anteriores devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei».
15. Falha, por fim, também como base de legitimação a Lei n.º 27/2006 [Lei de Bases da Proteção Civil], in casu o seu art. 19.º, pois este preceito limita-se tão-só a conferir competência ao CM para a declaração da situação de calamidade, nada aportando em termos de norma conferidora de autorização de introdução de restrições a qualquer direito, liberdade e garantia, sem que dos termos e teor da RCM em crise ressalte a invocação de uma qualquer outra norma habilitante ou de legitimação fundada naquele diploma, não nos cabendo, nesta sede, o ónus de aferir ou encontrar base de sustentação na referida Lei ou num qualquer outro diploma legal, nem se mostram como válidas e operantes bases normativas de legitimação não contextuais ao ato, já que invocadas a posteriori, mormente nos articulados.
16. Concluiria, assim, que a proibição de circulação de e para a Área Metropolitana de Lisboa no período compreendido entre as 15:00 h do dia 25 de junho de 2021 e as 06:00 h do dia 28 de junho de 2021, determinada pela RCM, viola o disposto nos arts. 18.º, n.º 2, 19.º, 44.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP na medida em que se atinge o direito de deslocação, mormente dos aqui Requerentes, e teria julgado procedente a pretensão de intimação.
Carlos Luís Medeiros de Carvalho