Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0606/05.1BECBR-A-AB
Data do Acordão:05/04/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30953
Nº do Documento:SA1202305040606/05
Data de Entrada:12/15/2022
Recorrente:HERANÇA INDIVISA POR ÓBITO DE AA E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. BB e CC, na qualidade de herdeiros de AA, vêm interpor recurso de revista contra os executados Ministério das Finanças, Ministério da Administração Interna e Caixa Geral de Aposentações, do acórdão proferido em 01.07.2022 no TCAN que negou provimento ao recurso interposto da decisão do TAF de Coimbra de 26.10.2021 pela qual o TAF de Coimbra «absolveu da instância executiva» o IMT - INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P. - com base na sua ilegitimidade passiva, e «absolveu dos pedidos» por eles formulados os executados MINISTÉRIO DAS FINANÇAS [MF], MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [MAI], e CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES.

2. Para tanto, alegaram em conclusão:

“A) O presente recurso de revista é admissível, porquanto a causa tem valor superior à alçada dos Tribunais da Relação e dos Tribunais Centrais Administrativos e a decisão impugnada é desfavorável aos Recorrentes em valor superior a metade da alçada desses tribunais;

B) Estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, sendo claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (artigo 150.° do CPTA e 629.°, n.° 1, do CPC);

C) O presente recurso versa sobre a legitimidade processual das partes - neste contexto, a legitimidade processual activa -, o aproveitamento do recurso em relação aos compartes e ao alcance das decisões judiciais;

D) Dizendo respeito à definição, abrangência e separação entre litisconsórcio e coligação, bem como à destrinça entre litisconsórcio voluntário e necessário, este recurso deve ser reputado de essencial para os fins da realização da Justiça;

E) Pretende, também, aferir da possibilidade de uma sucessão de acções e de veredictos poder promover uma convolação de um litisconsórcio voluntário em necessário;

F) Também pretende aferir da possibilidade de, pela própria substância, materialidade e sequência das causas, diversas decisões se tornarem interdependentes, incluindo em sede de recurso, fabricando um edifício jurisprudencial que não pode ser individualizado sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.°, n.° 1, do CPC) e do direito à tutela jurisdicional efectiva e de um processo justo e equitativo (artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e artigo 20.°, n.°s 1 e 4, da CRP) e afectando a extensão do seu dispositivo;

G) Os processos precisam de ser certos e seguros na maneira como são propostos e de quem os pode iniciar e de qual o alcance das decisões e dos seus recursos, porque, de outra forma, o processo não alcança o seu objectivo que é dirimir os conflitos que emergem do choque de interesses inerente à vida em sociedade;

H) Não há justiça, não há processo, nem decisões judiciais, logo, não há Justiça se esta questão não for clarificada por referência ao caso concreto;

I) Este recurso é indispensável para melhor aplicação do direito, e porque se reflecte sobre o acesso dos cidadãos aos tribunais e à Justiça, em condições de igualdade, o que é de enorme relevância jurídica e social, afastando tibiezas e incertezas interpretativas que redundam em erros de direito;

J) Acresce que, se o recurso for reputado de procedente, será de uma enorme relevância social, visto que ajudará a cimentar um critério de quantificação de indemnizações para cenários em que o Estado se recusa a estruturar e regulamentar carreiras da função pública, trazendo mais certeza sobre a amplitude das decisões;
K) Este processo resulta de uma sucessão de decisões judiciais que começaram em 2010 e culminaram no acórdão do TCAN de 2019;

L) Os Recorrentes consideram que esse encadeamento de processos se iniciou através de uma acção conjunta de vários autores em litisconsórcio voluntário que se convolou em necessário;

M) Estas decisões sucessivas criaram um edifício jurisprudencial, consolidado no ordenamento jurídico português e na esfera jurídica das partes envolvidas, que faz emergir uma interdependência e uma indissociabilidade de todos estes arestos e sentenças, conduzindo à aplicabilidade do acórdão do TCAN de 2019 ao pai dos Recorrentes;

N) O pai dos Recorrentes não recorreu e optou por não acompanhar o recurso da decisão do TAF de Coimbra, em 22 de Maio de 2017, mas, pela própria natureza do acórdão de 12/06/2019, este abrange-o, porque esse acórdão produz efeitos que englobam todos os que promoveram a separação de processos, por beneficiarem do teor dispositivo do acórdão de 06/03/2015 (e das decisões que o antecederam), e transitaram, assim, para essa acção judicial;

O) No processo n.° 606/05.1BECBR, o acórdão do TCAN, de 06/03/2015, confirmou a convolação objectiva, cingindo-a a um grupo de autores em que se incluía o senhor AA, por integrar a carreira de inspector de viação, e fixou um dever de os indemnizar;

P) O senhor AA, entre outros autores, propôs a separação de processos, o que gerou a acção n.° 606/05.1BECBR-A e na qual o TAF de Coimbra proferiu sentença em 22 de Maio de 2017;

Q) Essa decisão estipulou um critério de cálculo da indemnização baseado na equidade e fixou o valor em €15.000,00 {quinze mil euros);

R) Em subsequência, foi interposto recurso que não teve como um dos seus recorrentes o senhor AA, mas, da interligação entre as decisões de 09/04/2010, 02/10/2013, 06/03/2015 e de 22/05/2017, ao determinar-se quais os autores abrangíveis e abrangidos pelo direito à indemnização, tal concretizou um efeito que engloba todos os beneficiários desse direito;

S) A determinação desse direito compensatório é material, baseando-se em elementos substantivos reportados às carreiras profissionais dos respectivos beneficiários, o que faz com que o acórdão de 2019 revogue, na integralidade, para todos os autores da acção n.° 606/05.1BECBR-A, a decisão de 22/05/2017;

T) O recurso dos autores que deu azo ao acórdão do TCAN de 12/06/2019 não põe em causa a concretização de um direito indemnizatório, porque esse já estava fixado, mas sim o critério de cálculo que aproveita aos autores do/no processo n 606/05.1BECBR-A;

U) O entendimento jurisprudencial de que o acórdão exequendo não se aplica ao senhor AA (e seus herdeiros) viola o princípio da igualdade (artigo 13.° da CRP), e o princípio da igualdade de remuneração para o desempenho de trabalho igual, previsto no artigo 59.°, n.° 1, alínea a) da CRP porquanto o impede de, estando este em igualdade de circunstâncias de facto e de direito com os outros proponentes das acções, ser favorecido pela mesma fórmula de cálculo de indemnização que vai beber a aspectos relativos às suas carreiras profissionais;

V) Não esquecendo de que outros desses autores, que também não recorreram e aderiram ao recurso, puderam executar o acórdão, ou seja, os senhores DD e o senhor EE (possibilidade confirmada em primeira e segunda instâncias; processos n.° 606/05.1BECBR-A-N e 606/05.1BECBR-A-Z:

W) Violando, também, o direito à tutela jurisdicional efectiva e de um processo justo e equitativo (artigo 6.° da CEDH e artigo 20.°, n.°s 1 e 4, da CRP);

X) O facto de o acórdão mencionar recorrentes não pode ser lido como excluindo os demais beneficiários do direito à indemnização que não recorreram, pelo que a formulação “cada Recorrente” faz compreender que, ainda que haja um critério geral de quantificação, há que adaptá-lo às diferenças na carreira de cada um dos beneficiários e que o valor a pagar será por beneficiário e não um valor global a dividir por todos, ainda que estejamos perante um direito de indemnização global;

Y) A sentença de primeira instância e o acórdão recorrido erram ao afirmarem que a composição final do litígio se traduziu em resultados diversos e independentes para cada um dos autores, quando, na verdade, se traduziu num único resultado composto por vários momentos;

Z) 1.° Momento: a) Estabelecimento da existência de uma situação de ilegalidade por omissão de normas necessárias para dar exequibilidade ao Decreto-Lei n.° 112/2001; b) Declaração da improcedência do pedido por impossibilidade absoluta; c) Reconhecimento do direito dos autores a uma indemnização e determinação das partes a acordarem o seu valor; 2.° Momento: As partes não chegaram a acordo e a determinação do valor da indemnização devida aos autores foi deferida, por lei (artigo 45.° CPTA), ao tribunal. 3.° Momento: Fixação do critério indemnizatório e do respectivo quantum;

AA) As decisões do TAF de Coimbra de 20/05/2017 e o acórdão exequendo são posteriores à fase de composição material do litígio, não se tratando, pois, de uma situação equiparável à concessão de várias indemnizações individuais;

AB) O acórdão de 2019 tem de ser lido em coerência com as decisões anteriores, em especial, com a sentença do TAF de Coimbra de 2010 (e o acórdão desse mesmo TAF de Coimbra de 2013) e o acórdão do TCA Norte de 6 de Março de 2015, anteriores às que fixaram os critérios e quanta indemnizatórios, nas quais não se pode descortinar uma divisão em partes distintas e individualizáveis dos interesses e direitos de cada autor;

AC) Assim, em abono da verdade, não se pode considerar que tenha havido uma parte não recorrida;

AD) Tudo isto demonstra, igualmente, existe um interesse subordinado, porque AA, com o recurso dos outros autores da acção n.° 606/05.1BECBR-A, ficou dependente destes para saber qual o prevalecente critério de cálculo do seu direito à indemnização;
AE) Tal como reconhece a doutrina, a situação típica prevista na alínea b) do n.° 2 do artigo 634.° do CPC refere-se às situações de litisconsórcio voluntário, e, como asseverámos, todo este trato sucessivo de acções começou com um litisconsórcio voluntário;

AF) O interesse dos agora Recorrentes está efectivamente dependente do interesse dos ali Recorrentes e co-Autores, uma vez que não podem, no âmbito deste edifício jurisprudencial, coexistir duas diferentes indemnizações fixadas judicialmente;

AG) Porque estamos perante um direito global indemnizatório definido no processo n.° 606/05.1BECBR e que, por efeitos práticos, tem de ser liquidável pelos autores, mas não de uma indemnização para cada um dos beneficiários;

AH) Portanto, a decisão de 2019 repercute-se na esfera jurídica do pai dos Recorrentes quer pela própria natureza e respectiva posição no edificado jurisprudencial iniciado em 2010, quer porquanto tal complexo jurisprudencial foi iniciado com um litisconsórcio voluntário, escorado em interesses dependentes, que se transformou em necessário;

Al) Ou seja, até os que não recorreram, por se tratar de uma revisão do critério de cálculo, ficaram dependentes e à espera do que seria materializado pela 2.a Instância, garantindo o aproveitamento do recurso pelos compartes;

AJ) Por seu turno, as decisões do TAF de Coimbra de 02/10/2013 e do TCAN de 06/03/2015 estabeleceram um litisconsórcio necessário entre os beneficiários destas pela própria natureza da relação jurídica subjacente (convolou-se de voluntário a necessário), havendo uma só relação material controvertida, em observância do artigo 32.° do CPC e nunca uma coligação;

AK) A sentença de primeira instância e o acórdão recorrido entendem que há uma coligação porque confundem as consequências das decisões de 2017 e 2019 - atendendo aos seus dispositivos, no âmbito da legitimidade activa para as acções executivas - e a forma como se construiu o edifício jurisprudêncial e se culminou no acórdão do TCAN de 2019;
AL) Para haver uma coligação, teria de haver tantas relações materiais controvertidas quantos autores, o que implicaria uma confluência na causa de pedir ou nos factos, mas divergência de pedidos (vejam-se os artigos 12.° do CPTA e 36.°, n.°1, do CPC);

AM) Relembre-se que o que o pedido da acção originária, antes da convolação, pretendia, nos termos do artigo 77.° do CPTA, era “a verificação judicial de uma situação de omissão de normas cuja adopção era necessária para dar exequibilidade a um acto legislativo carente de regulamentação (…).”; e, comprovada a omissão, os autores pediram a "condenação da entidade competente à emissão do regulamento em falta”, havendo harmonia entre causa de pedir e pedido comum a todos os autores;

AN) A sentença de 9 de abril de 2010, confirmada pelo acórdão de 2 de Outubro de 2013, decidiu, face à impossibilidade de condenar as entidades competentes à emissão do regulamento em falta, fixar prazo para que as partes chegassem a acordo quanto ao montante da indemnização devida, nos termos do artigo 45.°, n.° 1, CPTA;

AO) O conteúdo decisório dessas sentença e acórdão foi posteriormente consolidado no ordenamento jurídico pelo acórdão do TCAN de 6 de Março de 2015, nunca tendo havido, qualquer manifestação de pedidos diferentes, nem a individualização de pedidos ou de condenações;

AP) Com a separação de processos e transição de autores do processo n.° 606/05.1BECB para o processo n.° 606/05.1BECBR-A, formou-se um litisconsórcio que deixou de ser voluntário e passou a ser necessário (artigo 33.°, n.° 2 e 3, do CPC), pela natureza da relação jurídica, para que a decisão produzisse o seu efeito útil normal e regulasse a situação concreta de forma definitiva;

AQ) E a regulação definitiva da situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado não pode violar a CRP, porque a análise feita de maneira averificar se estamos perante um litisconsórcio necessário, voluntário e/ou uma coligação, não pode culminar em decisões que, na regulação definitiva da situação concreta, violem a CRP;
AR) Os autores transitaram do processo n.° 606/05.1BECBR para o processo n.° 606/05.1BECBR-A, uma vez que o acórdão de 06/03/2015 estabeleceu um enquadramento de facto e de direito incompatível entre todos os proponentes originários do processo n.° 606/05.1BECBR, visto que nem todos integravam a carreira de inspector de viação e nem todos beneficiaram da convolação objectiva do processo num direito a uma indemnização;

AS) Foi o próprio TAF de Coimbra que, ao separar os processos a pedido dos autores, os “meteu no mesmo barco”, a título de litisconsórcio necessário;

AT) Pela natureza e alcance da decisão de 06/03/2015, este litisconsórcio configurou-se como necessário também, porque, antes de se passar à materialização do critério indemnizatório pelo tribunal, foi fixado um prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante indemnizatório devido sem lhe ser permitida qualquer negociação individual;

AU) Seguindo-se o acórdão de 06/03/2015, e a despeito de este estabelecer um critério iníquo, o tribunal percebeu que se passou a estar perante um litisconsórcio necessário e, influenciado por esse encaixilhamento processual, fixou um critério global e uniforme;

AV) O acórdão de 12/06/2019, ainda que de forma justa, fez o mesmo, enraizando um conjunto de regras gerais que permitiram acomodar algumas particularidades de cada autor, logo, porque as carreiras dos autores não eram totalmente idênticas, ainda que o fossem nos seus pressupostos essenciais, tal levou a que se chegasse a uma resposta justa para a situação individual de cada pessoa;

AW) É por isto, em sede executiva, que as regras de fixação do critério de quantificação indemnizatório, que autorizam chegar-se aos valores de indemnização por autor, conduzem à possibilidade de execução individualizada;
AX) Só se aceitando que estamos perante um litisconsórcio necessário se produzirá o efeito útil normal do processo, regulando-se definitivamente a situação concreta das partes, evitando que pessoas em iguais circunstâncias de facto e de direito substantivo, saiam com critérios divergentes para quantificar, em termos práticos, direitos indemnizatórios que, também nos seus pressupostos essenciais, se traduzem num único direito global de indemnização;

AY) Os Recorrentes pretendem a apreciação/fiscalização concreta da inconstitucionalidade das normas concernentes ao artigo 634., n.° 1 e n.° 2, alíneas a), b) e c) do CPC, atento o contexto do caso sub judice, por violação do princípio da igualdade, artigo 13.°, n.° 1, da CRP, e do princípio da igualdade de remuneração para o desempenho de trabalho igual, previsto no artigo 59.°, n.° 1, alínea a), da CRP;

AZ) Devendo esta norma ser desaplicada, por inconstitucional, em observância do artigo 204.° da CRP, redundando tal na aplicação de uma interpretação das normas em causa que conclua pela extensão dos efeitos do recurso, mesmo que não haja adesão ao recurso, a casos em que as compartes se encontrem em coligação, implicando a exequibilidade do acórdão exequendo pelos herdeiros do senhor AA, aqui Recorrentes;

BA) Interpetrar que a coligação, mesmo que não haja adesão ao recurso, não figura nas hipóteses de extensão de recurso, quando as partes se encontram essencialmente em iguais circunstâncias de facto e direito, em matéria relativa às carreiras profissionais e contributivas, e fazem todos parte de um rol de beneficiários, todos eles inspetores de viação da ex-DGV, de um direito de indemnização, resultante de uma convolação processual por impossibilidade de regulamentação de uma omissão legal, atribuído no mesmo processo e com pressupostos iguais, tal gera uma situação em que são aplicados critérios distintos e injustificados de quantificação de direitos indemnizatórios, redundando em valores indemnizatórios extremamente díspares, ou seja, valores que, por aplicação desses critérios distintos, podem divergir em mais de €200.000,00 (duzentos mil euros) por cada uma das compartes;
BB) E violando, também, o direito de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.° da CRP e a um processo justo e equitativo (artigo 6.° da CEDH);

BC) Porque, dentro dos mesmos pressupostos de facto e direito, impede os Recorrentes de fazerem do acórdão exequendo título executivo válido, quando, no âmbito de vários processos de execução que utilizam o mesmo título executivo e decorrem simultaneamente por apenso ao mesmo processo declarativo, e que têm exactamente as mesmas características de o pai dos Recorrentes não ter estado entre os recorrentes que deram origem ao acórdão exequendo, os mesmos tribunais de 1.a e 2.a Instâncias tenham proferido sentenças opostas, admitindo, nalguns casos, que os autores não recorrentes utilizassem o acórdão do TCA Norte de 14 de junho de 2019 como título executivo, e noutro caso, o dos ora Recorrentes, que os Exequentes não pudessem utilizar esse mesmo acórdão como título executivo;

BD) Pedem outrossim a apreciação/fiscalização concreta da inconstitucionalidade da norma concernente ao artigo 634., n.° 2, alínea b), do CPC, atento o contexto do caso sub judice, porque viola o direito de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.° da CRP, devendo esta norma ser desaplicada, por inconstitucional, em observância do artigo 204.° da CRP;

BE) Redundando tal na aplicação de uma interpretação da norma em causa que conclua pela extensão dos efeitos do recurso a casos em que as compartes se encontrem em coligação e/ou litisconsórcio voluntário, mesmo que não adiram ao recurso, por consequência, implicando a exequibilidade do acórdão exequendo;

BF) Decorrendo tal inconstitucionalidade dos mesmos argumentos explicitados no ponto BA) das correntes conclusões.

Destarte, nestes termos e nos mais de Direito, e por tudo o acima exposto, sempre com o preclaro suprimento dos Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, requer-se que o presente recurso de revista seja admitido e reputado de procedente, proferindo-se acórdão que revogue o acórdão recorrido e que os Ministério da Administração Interna e Ministério das Finanças, aqui Executados e Recorridos, sejam, pelo menos, condenados:
I) A, no prazo de 30 dias, procederem ao cálculo da diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspectivo) que o pai dos Recorrentes efectivamente auferiu desde 01/07/2000 até à data da sua aposentação, e o valor da remuneração que este deveria ter recebido se tivesse transitado para a carreira de inspecção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-Lei n.° 112/2001, de 6 de abril;

II) A, no prazo de 30 dias, contados desde o termo do prazo mencionado na alínea antecedente, se dar integral execução ao julgado, procedendo ao pagamento aos Recorrentes, enquanto herdeiros de AA, do valor da indemnização calculada nos termos supramencionados acrescida dos juros que se mostram devidos, até efectivo e integral pagamento, conforme determinado na decisão exequenda.”

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. A revista foi admitida por acórdão de 24.11.2022 da formação deste STA, a que alude o n° 6 do art° 150° do CPTA.

5. Notificado o MP, ao abrigo do art. 146°, n° 1, CPTA, o mesmo emitiu pronúncia no sentido da negação de provimento ao recurso.

6. Este parecer foi notificado às partes, não tendo havido qualquer resposta.

7. Após vistos, cumpre decidir.


***

FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Resultou provado das instâncias que:
«Compulsados os autos e analisada a prova documental consideram-se provados os factos seguintes, com relevância e bastantes para a decisão da causa:

1. Em sentença de 09.04.2010, proferida no processo n.° 606/05.1BECBR, consignou-se, entre o mais:

“(...) concorda-se que para efetivação da transição para as novas carreiras e possibilidade dos (possíveis) destinatários poderem auferir o suplemento de função inspetiva, o DL n° 112/2001, de 6 de Abril carecia da publicação do referido decreto regulamentar, sem o qual o regime instituído naquele não produz efeitos relativamente aos autores, pois este diploma subordinava a essa produção de efeitos à emissão de um decreto regulamentar.

Por outro lado, é pacífico que até hoje, relativamente aos funcionários da extinta DGV, não foi emitido o decreto regulamentar em causa.

Ocorre, por isso, uma situação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares, nos termos do n° 1 do artigo 77° do CPTA, que estabelece existe uma situação de ilegalidade por omissão das normas quando a sua adoção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação.

Porém, nos termos do n° 2 do citado preceito, quando o tribunal verifique a existência de uma situação de ilegalidade por omissão, julga procedente a ação e disso dará conhecimento à entidade competente, fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida.

Neste aspeto, face à extinção da DGV, ocorre uma situação de impossibilidade, sendo aparentemente inútil a emanação de tal injunção.

No entanto, é notório o paralelismo entre a situação dos autos e a examinada no citado acórdão.

Desde logo porque, independentemente das funções que cabem aos autores atualmente, a sua situação estatutária como funcionários da DGV deixou de ser necessária. Ou seja, perante o novo quadro legal, a situação atual não carece de qualquer regulamentação: não há necessidade de regulamentaras carreiras inspetivas (inexistentes) da DGV. Impõe-se assim a improcedência do pedido quanto à verificação da situação de ilegalidade de emissão do regulamento para situações atuais e futuras, por falta do requisito acima apontado (existência de ato legislativo - ainda - carente de regulamentação).

Neste ponto, cumpre assinalar que, por isso mesmo, o novo Ministério da tutela não carecia de ser chamado à ação, porque não se cura de regular para futuro a nova situação dos autores. E, do mesmo modo, porque é a situação passada que está em desconformidade com o ordenamento jurídico, apenas deve ser chamado à colação quem, no passado, tinha o dever regulamentar que foi omitido, assim se mantendo o interesse dos réus em contradizer.
Mas, tal como acontece na situação contemplada pelo acórdão transcrito, as situações passadas foram vividas à sombra de um quadro legal, efetivamente carente de regulamentação e estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica e, por outro lado, já não é possível emitir um regulamento que corrija essa ilegalidade.

Ou seja, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação atual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é suscetível de ser regulada através denormas gerais e abstratas.

No entanto, à semelhança do que sucede no caso analisado pelo STA, a improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida, nos termos do n° 1 do artigo 45° do CPTA. (...)

DECISÃO

Pelo exposto:

1) Julgo improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento; 2) Fixo, nos termos do n° 1 do artigo 45° do CPTA, o prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante da indemnização devida".cf. fls. 266 e ss. dos referidos autos no SITAF;

2. Por acórdão proferido em 06.03.2015, no âmbito do processo mencionado no ponto antecedente, o TCA Norte julgou verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial, em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação, e confirmou a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores, entre o mais, com os seguintes fundamentos:

“(...) No caso concreto e, como vimos, apenas em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação se verifica uma omissão ilegal de regulamentar; pelo que se verifica ser fundamentado o pedido inicialmente formulado por estes autores.

Voltamos aqui a citar o teor do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.06.2012, no processo n. ° 0337/11, com o qual também neste trecho se concorda:
“(...) A revogação do ato legislativo carente de regulamentação faz cessar a partir da revogação a necessidade da sua regulamentação. Por isso, a partir de então, ou seja, a partir do momento em que o ato legislativo deixa de vigorar, deixa de existir uma condição de procedência.

No entanto, esta evidência não afasta a possibilidade de, durante a vigência da norma carente de regulamentação, se ter tornado exigível a obrigação de emitiras normas e, por esse motivo, a Administração se encontrar já numa situação de “ilegalidade por omissão”.

Por isso a revogação da lei carente de regulamentação, só por si, não afasta a existência de uma situação de ilegalidade por omissão ocorrida durante a sua vigência. Não é, pois exacto, concluir que a revogação da lei carente de regulamentação implica necessariamente a improcedência da ação de condenação na emissão do regulamento.

Para determinar os efeitos de tal revogação, torna-se necessário averiguar várias coisas: (i) se a revogação ocorre antes ou depois de proposta a ação; (ii) se a revogação é retractiva; (iii) se durante a vigência da norma revogada, chegou a constituir-se na esfera jurídica dos interessados o direito ou interesse legítimo de exigir a condenação da Administração na emissão das normas.

Se a revogação da norma ocorre antes da propositura da ação, esta deve ser julgada improcedente, sem aplicação do art. 45°, 1 do CPTA. Falta um requisito de procedência: vigência da lei carente de regulamentação. Se durante o período de vigência da norma chegou a haver uma ilegalidade por omissão, só resta ao interessado lesado pedir a respectiva indemnização através da ação para efetivação da responsabilidade civil.

É que, em face dessa revogação, não existem situações presentes e futuras carentes de regulamentação e, como este STA tem reafirmado, também não é juridicamente possível emitir regulamentos para o passado, dado estes não poderem ser dotados das características de generalidade e abstração que os mesmos devem conter (cfr., neste sentido, por todos, os acórdãos de 23/4/2008 e de 19/10/2010, proferidos nos recursos n.°s 897/07 e 460/08, respetivamente). (...)”.

No caso concreto a revogação da norma ocorreu depois da propositura da ação.

A Direcção-Geral de Viação foi extinta com a criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, operada pelo DL n.° 77/07, de 29 de março, que no seu artigo 13° revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 484/99.

E a presente ação foi proposta em 19.10.2005 - ver fls. 1.

Pelo que, verificando-se em relação a este grupo de autores fundamento válido para o pedido deduzido na ação, de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento, impõe-se em relação a eles a convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. (…)”. cf. acórdão a fls. 1506 e ss. dos referidos autos no SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

3. Por decisão proferida em 20.05.2017, no âmbito de ação administrativa intentada, entre outros, por AA, contra o MAI e o MF, que correu termos neste Tribunal sob o n.° 606/05.1BECBR-A foi fixada em 15.000,00€ a indemnização devida a cada um dos AA. Pela impossibilidade de ser emitido o regulamento devido - cf. despacho a fls. 434 e ss. Dos respetivos autos no SITAF cujo teor se dá por reproduzido;

4. Na sequência de recurso interposto da decisão mencionada no ponto antecedente, pelo MAI e pelos AA. mencionados no doc. ... junto com a oposição do MAI, entre os quais não consta AA, foram as entidades demandas condenadas a:

«pagar a cada dos Recorrentes (...) os montantes correspondentes aos diferenciais remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada recorrente efectivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do (...) recurso - ou à data da sua aposentação se anterior - e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril, acrescido do diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os recorrentes, em cumprimento do disposto no DL 112/2001, acrescidos de juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003, e de 4% desde 1 de maio de 2003 até à data de pagamento das referidas quantias, devendo ainda ser comunicada à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados, negando provimento ao recurso (SIC) interposto pelo Ministério da Administração Interna».— cf. documento n.° ... junto com O requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. ... junto com a oposição do MAI;

5. Da decisão mencionada no ponto antecedente foi interposto recurso de revista para o STA, que não foi admitido - cf. fls. 774-823 dos autos de que esta execução constitui um apenso;

6. A decisão de não admissão do recurso de revista mencionado no ponto antecedente foi notificada às partes por ofício de 13.12.2019 - cf. fls. 827-230 dos autos de que esta execução constitui um apenso;

7. AA faleceu em .../.../2020 - cf. assento de óbito junto com o requerimento executivo;

8. Em 03.07.2020 foram habilitados como herdeiros de AA os aqui exequentes - cf. habilitação de herdeiros junta com o requerimento executivo;

9. O MAl e o MF não pagaram a AA qualquer indemnização - acordo.


*

O DIREITO

1. Os recorrentes BB e CC, na qualidade de herdeiros de AA, falecido a .../.../2020, vêm interpor recurso de revista do acórdão do TCA Norte de 01/07/2022 que negou provimento ao recurso da sentença de 26/10/2021 do TAF de Coimbra e absolveu da instância executiva o IMT-lnstituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, com base na ilegitimidade passiva e absolveu dos pedidos os executados Ministério das Finanças, Ministério da Administração Interna e CGA.

Os recorrentes invocam que apesar de o presente processo se iniciar através de uma ação conjunta de vários autores em litisconsórcio voluntário o mesmo se convolou em necessário através da interdependência e indissociabilidade de uma série de decisões que conduziram à aplicabilidade do acórdão do TCAN de 2019 ao seu pai apesar de este ter optado por não acompanhar o recurso da decisão do TAF de Coimbra, de 22 de Maio de 2017, já que a própria natureza do acórdão de 12/06/2019 o abrange sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da CRP), do princípio da igualdade de remuneração para o desempenho de trabalho igual, previsto no artigo 59.°, n.° 1, alínea a) da CRP assim como o direito à tutela jurisdicional efetiva e de um processo justo e equitativo (artigo 6.° da CEDH e artigo 20.°, n.°s 1 e 4, da CRP).
E também que, por força da aplicação do disposto no n° 1 do art. 45° do CPTA, com o acórdão do TCA Norte de 06/03/2015 operou-se a modificação objetiva da instância, convertendo-se o pedido original, apresentado na ação administrativa especial, num pedido indemnizatório, relativamente aos autores integrados na carreira de inspetor de viação (como era o caso do autor AA) que "ocupavam as categorias de técnicos profissionais especialistas principais, técnicos profissionais especialistas e técnicos profissionais principais”(sentença do TAF de Coimbra de 22/05/2017).

Então vejamos.

2.Através do acórdão do TCAN de 6.03.2015 que negou provimento ao recurso interposto da decisão de 1a instância foi reconhecido aos autores integrados na carreira de inspetor de viação, entre os quais AA, pai dos ora recorrentes, entretanto falecido, o direito a receberem indemnizações (por omissão ilegal de regulamentação) correspondentes aos diferenciais entre os quantitativos efetivamente auferidos e os que deveriam ter recebido.

Nesta ação executiva pretendem os exequentes, ora recorrentes, fazer cumprir coercivamente aquilo que foi determinado pelo acórdão do TCA Norte de 12/06/2019 no processo n° 606/05.1BECBR-A que serviu de título executivo à presente execução (apenso AB).

No apenso A O TCA Norte decidiu: “Assim, face ao exposto, acordam os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso interposto pelos recorrentes particulares, revogando a decisão recorrida, condenando-se o Ministério da Administração Interna e o Ministério das Finanças e da Administração Pública a pagar a cada um dos Recorrentes identificados a fls. 317 dos autos - numeração física — os montantes correspondentes aos diferenciais remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada Recorrente efetivamente auferiu desde 1 de Julho de 2000 até à data da interposição do presente recurso - ou à data da sua aposentação, se anterior - e o valor da remuneração que deveria ter recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que devería ter sido regulamentada em cumprimento do D.L n.° 112/2001, de 6 de Abril, acrescido do diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção e que estavam inseridos os Recorrentes, em cumprimento do disposto no D.L n.° 112/2001, acrescidos de juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de Julho de 2000 até 30 de Abril de 2003 e 4% desde 1 de Maio de 2003, até à data do pagamento das referidas quantias, devendo ainda ser comunicada à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos para que, mostrando-se pagos os necessários descontos se proceda ao recálculo das pensões dos Recorrentes entretanto aposentados (…).”

Face à ausência de acordo quanto ao valor da indemnização, os mesmos autores solicitaram a liquidação da indemnização em dívida, Proc. n° 606/05.1BECPR-A, tendo então sido fixado o valor em 15.000€ (quinze mil euros).

Desta decisão foi interposto recurso de apelação por alguns interessados onde não se incluía o progenitor dos aqui recorrentes que optou expressamente por não acompanhar tal recurso.

Os ora recorrentes pretendem executar o acórdão proferido em sede desse recurso não interposto pelo seu pai invocando que esta decisão abrange todas as partes processuais do processo n° 606/05.1BECBR-A, bem como todos os beneficiários - os autores integrados na carreira de inspetor de viação - do acórdão do TCA Norte, prolatado em 06/03/2015, e também já transitado em julgado no processo n° 606/05.1BECBR.

Como diz o TAF de Coimbra na decisão proferida em 20/05/2017 ao fixar “em € 15.000,00 a indemnização devida a cada um dos AA pela impossibilidade de ser emitido o regulamento devido": “ (...) o conteúdo da decisão que cumpre tomar cinge-se apenas ao valor da indemnização devida a cada Autor pela impossibilidade superveniente da emissão do regulamento indevidamente omitido”.

No acórdão recorrido, de 01/07/2022, O TCAN decidiu: " (...) AA conformou-se com a decisão proferida neste Tribunal em 20/05/2017, e transitada em julgado concomitantemente com o acórdão do TCAN que identifica como título executivo (...) pelo que não podem agora os exequentes aproveitar-se da decisão que condenou os aqui executados a pagar a cada um dos Recorrentes (...) os montantes (...). É que os AA. apresentam-se no Proc. 606/05.1BECBR (e no seu apenso) em situação de coligação. Isto é, não estava em causa apenas uma relação material controvertida, mas uma pluralidade de relações materiais controvertidas, unidas entre si por um determinado vínculo quanto à fonte/causa de pedir e quanto a uma determinada conexão jurídica entre os respectivos fundamentos (artigo 32° do CPC), o que significa que o segmento da decisão de 20.05.2017, ao fixar em 15.000,00€ a indemnização devida aos ali AA, contém em si mesmo, uma decisão distinta quanto a todos e a cada um deles. Por essa razão, e contendo a parte dispositiva do despacho de 20.05.2017 tantas decisões distintas quantos os ali AA., era lícito restringir o recurso a qualquer delas, desde que se especificasse tal restrição no requerimento de recurso (cf. Artigo 635° n° 2 do Código de Processo Civil). Foi o que aconteceu no caso dos autos. O recurso interposto da decisão proferida em 20.05.2017 restringiu-se às decisões de fixação de indemnização dos recorrentes, não podendo os efeitos do caso julgado, na parte em que não recorreram (na parte em que se fixou a indemnização dos autores que não acompanham o recurso) ser prejudicados pela decisão do recurso (dos AA) ou pela anulação do processo (cf. Artigo 635° n° 5 do Código de Processo Civil). (...) E nem se diga eu o recurso interposto pelos demais AA aproveitou a AA porque este tinha um interesse que depende do interesse daqueles. (...) No caso que nos ocupa, o interesse dos exequentes (que equivale ao interesse do seu falecido pai) em nada depende dos interesses dos recorrentes, todos eles autónomos entre si, o que resulta da circunstância de na coligação e no litisconsórcio voluntário se admitirem diversas cambiantes (...) a composição do litígio traduziu-se em resultados diversos para os que recorreram da decisão proferida em 1a instância em 20.05.2017 e, para aqueles que, como AA, escolheram não o fazer".
E no acórdão no TCAN, 12.6.2019, que os aqui recorrentes pretendem executar refere-se “(...), condenando-se o Ministério da Administração Interna e o Ministério das Finanças e da Administração Pública a pagar a cada dos Recorrentes ... os montantes correspondentes aos diferenciais remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada Recorrente efetivamente auferiu desde 1 de Julho de 2000 até à data de interposição do presente recurso - ou à data da sua aposentação, se anterior - e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do D.L. n° 112/2001, de 6 de Abril, acrescido do diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os Recorrentes, em cumprimento do disposto no D.L. n° 112/2001, acrescidos de juros de mora, à taxa de 7%, desde 1 de Julho de 2000 até 30 de Abril de 2003 e de 4% desde 1 de Maio de 2003, até à data do pagamento das referidas quantias, devendo ainda ser comunicada à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos para que, mostrando-se pagos os necessários descontos se proceda ao recálculo das pensões dos Recorrentes entretanto aposentados, negando provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Administração Interna.”
Acresce que, conforme decidiu o TCA Norte no já citado acórdão de 06/03/2015, “Nada permite concluir que o legislador pretendeu convolar a ação inicial de declaração numa ação completamente nova. Como se disse, a intenção foi antecipar o juízo sobre a existência de causa legítima de inexecução da sentença: a proferir, naturalmente sobre o pedido inicial. Por isso só o pedido inicial é substituído. A causa de pedir que apoia o pedido inicial apenas tem que ser ampliada de forma a sustentar o novo pedido, o de indemnização. Isto porque não sendo inicialmente formulado este pedido, naturalmente não foram inicialmente indicadas razões de facto e de direito que o sustentam. Aos vícios do ato acrescem como causa de pedir, os factos que impõem o dever de indemnizar. O que nos permite uma primeira conclusão: o pedido de indemnização terá de ter como suporte, antes de tudo o mais, um ato ou uma omissão ilegal (ato ilícito, porque violador de direitos ou de normas destinadas a defender interesses legítimos) e não uma qualquer outra causa de pedir, absolutamente distinta da inicial.
Trata-se, pois, da mesma instância, que foi objeto de ampliação da causa de pedir, com a substituição da pronúncia que os autores tinham solicitado pela indemnização, inexistindo qualquer situação que faça convocar o instituto do litisconsórcio necessário.

E não se diga que, apesar do seu pai não ter aderido ao recurso que levou à prolação do acórdão que pretendem ver executado, essa decisão abrange-o porque, apesar de o caso «nascido de um litisconsórcio voluntário”, com a separação das várias ações - e respetivas decisões - esse «litisconsórcio passou a ser necessário» já que a relação jurídica em causa envolveria todos os vários autores para produzir o seu efeito útil normal [artigos 32°, n°1, e 33°, n°2, do CPC].

Na verdade, não resulta da lei a exigência da intervenção dos vários interessados na relação controvertida (art. 33 n° 1 do CPC) e nem a natureza da relação jurídica impõe a necessidade de intervenção de todos os esses interessados para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal {art. 33° n°2 do CPC) já que os interesses de cada um dos Autores são autónomos e respeitantes à relação de emprego público de cada um deles, individualmente considerados, e com as particularidades relativas a cada um deles, como sejam as categorias, a antiguidade, os escalões remuneratórios, ou as pensões.
Os autores estão, antes, na situação de coligação prevista no art. 12° do CPC que, sob a epígrafe “Coligação” dispõe; 1. Podem coligar-se vários autores contra um ou vários demandados e pode um autor dirigir a ação conjuntamente contra vários demandados, por pedidos diferentes, quando: a) a causa de pedir seja a mesma e única ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material; b) Sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.(…)”.

Ou seja, estamos perante coligação de vários autores, com uma pluralidade de relações materiais controvertidas unidas pela mesma causa de pedir (a omissão ilegal de regulamentação do DL 484/99, de 10/11 com a entrada em vigor do DL 112/2001, de 06/04, posteriormente ampliada com a factualidade que serve de suporte ao pedido de indemnização) e de donde advêm as diversas pretensões dos mesmos.

Pelo que, a decisão do TAF de Coimbra de 22/05/2017 ao fixar o quantum indemnizatório no montante de € 15.000,00, relativamente a cada um dos autores, contém uma decisão distinta para cada um deles, suscetível de ser impugnada por via de recurso nos termos do n° 2 do art. 635° do CPC, que foi o que aconteceu.

Tratando-se de uma situação de coligação e não de litisconsórcio necessário, está afastada a aplicação do n° 1 do art. 634° do CPC segundo o qual “o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário”.

Por outro lado, os efeitos do caso julgado material também não permitem outro entendimento já que impede a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas.

E não se verificam os pressupostos de aplicação do n° 2 do 634° do CPC que justificariam a extensão do recurso aos não recorrentes.

Dispõe o n° 2 do art. 634° do CPC:
“Fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos demais:
a) Se estes, na parte em que o interesse seja comum, derem a sua adesão ao recurso;
b) se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente;
c) Se tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente”.

A alínea a) está desde logo excluída porque o autor AA manifestou, sim, a vontade de não recorrer.

Relativamente à alínea b), o interesse de cada um dos autores é independente e respeita à relação de emprego público de cada um deles, individualmente considerados, com as particularidades próprias de cada um, não possuindo os autores não recorrentes um interesse que dependa essencialmente do interesse dos autores recorrentes.

Quanto à alínea c), não se está perante um caso de condenação dos consortes em regime de solidariedade.

Em suma, não estamos perante situação subsumível no art. 634° do CPC.

Não havendo litisconsórcio necessário, nem estando preenchidos os pressupostos do artigo 634° n° 2 do CPC, nem o permitindo os efeitos do caso julgado, o recurso interposto no processo n° 605/05.1 BECBR-A, por alguns dos autores, da sentença do TAF de Coimbra de 22/05/2017, não aproveita aos autores não recorrentes, nomeadamente a AA [e aos seus herdeiros].

Na verdade, a alínea a) está desde logo excluída porque o autor AA manifestou, sim, a vontade de não recorrer e relativamente à alínea b) o interesse de cada um dos autores é independente e respeita à relação de emprego público de cada um deles, individualmente considerados, com as particularidades próprias de cada um, não possuindo os autores não recorrentes um interesse que dependa essencialmente do interesse dos autores recorrentes.
Por outro lado, com o mecanismo do art. 45° do CPTA admite-se “(...) uma modificação objetiva da instância que havia sido originariamente requerida, pela fixação de uma indemnização, evitando-se que o processo termine, ainda na fase declarativa, com uma decisão formal de impossibilidade superveniente da lide. (...) O art. 45° do CPTA, por razões de economia processual permite que o pedido original se converta num pedido indemnizatório e, assim, se antecipe para a fase declarativa do processo o conhecimento de uma eventual causa legítima de inexecução'”’ (Carlos Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, pág 280 e ss).
E face ao convite feito às partes pelo TAF de Coimbra no sentido de acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida e, ocorrendo falta de acordo, aos autores integrados na carreira de inspetor de viação vieram requerer a fixação judicial da indemnização devida nos termos do n° 3 do CPTA (atual n° 2) que se traduz numa “prestação secundária, substitutiva” que "respeita aos danos que decorrem do não cumprimento da sentença e visa compensar o sacrifício do direito do particular reconhecido pelo tribunal ou a perda de oportunidade, não se confundindo com a indemnização por responsabilidade civil decorrente da eventual atuação ilegítima da Administração sentenciada”. (José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa, (Lições)”, Almedina 2016, pág. 376).

Pelo que não estamos perante qualquer convolação da ação inicial perante uma completamente nova.

O acórdão de 2019 não revogou, como pretendem os recorrentes para todos os autores da ação n.° 606/05.1BECBR-A, a decisão de 22/05/2017.

A determinação dos autores abrangidos pelo direito à indemnização não implica a concretização de um efeito que os engloba a todos no mesmo montante independente de quaisquer circunstâncias.

4. Invocam, também, a violação do princípio da igualdade (artigo 13.° da CRP), do princípio da igualdade de remuneração para o desempenho de trabalho igual, previsto no artigo 59.°, n.° 1, alínea a) da CRP, do direito à tutela jurisdicional efetiva e de um processo justo e equitativo (artigo 6.° da CEDH e artigo 20.°, n.°s 1 e 4, da CRP).
E que outros desses autores, que também não recorreram e aderiram ao recurso, puderam executar o acórdão, ou seja, os senhores DD e o senhor EE.

Então vejamos.

Segundo o princípio da igualdade “nas suas relações com os particulares, a Administração Pública” deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão da ascendência, sexo, raça, língua, (art. 5o do CPA).

Mas também viola este princípio aquela diversidade de tratamento que não encontre justificação e fundamento na realização de outros interesses e princípios constitucionais e legais, também eles conformadores da atividade da Administração, e considerados preferentes, em abstrato pelo legislador, em concreto pelo autor do ato quando agindo no âmbito da sua discricionariedade.

O art. 59° n° 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa, estabelece que todos os trabalhadores têm direito “à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual".

O que este princípio proíbe, são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objetivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias.

Ora, estes princípios relevam autonomamente quando a lei confere à Administração uma margem de autonomia decisória, constituindo um limite material interno ao poder discricionário, que é o caso.

Na verdade, se o ato for vinculado a eventual injustiça resulta diretamente da lei, que o juiz não pode deixar de aplicar, salvo em caso de inconstitucionalidade.

Contudo, no caso sub judice, estamos perante situação que em nada põe em causa os referidos princípios constitucionais já que não há igualdade de circunstâncias de facto e de direito desde logo uns autores aderiram ao recurso de outros enquanto o pai dos aqui autores se conformou com a decisão recorrida.
Está em causa uma condenação pelo Tribunal ao pagamento de uma indemnização nos termos do art. 45° do CPTA na sequência de uma ação proposta por determinados administrados contra a Administração e que apenas pode englobar os seus intervenientes sob pena de o Tribunal ultrapassar os poderes que lhe são concedidos por lei.

Se fosse como os recorrentes pretendem também teriam que ser incluídas as situações de todos os que estivessem nas mesmas circunstâncias e não interpuseram qualquer ação.

Em suma, não é, desde logo a mesma a situação de quem recorreu e de quem não recorreu.

E, para situações diferentes não podemos falar de violação do princípio da igualdade.

É que a diversa composição final do litígio aqui em causa, ou seja, em diferentes resultados resultou apenas do livre exercício do direito ao recurso, que se concretiza na faculdade de submeter ou não as decisões judiciais a uma apreciação por Tribunal Superior, ou de renunciar ao recurso ou de desistir de recurso interposto (art. 632° do CPC) e não de qualquer atitude discriminatória de privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão da ascendência, sexo, raça, língua.

Em abstrato esta situação poderia incluir-se na previsão do art. 161° do CPTA ("extensão dos efeitos da sentença") - que prevê que os efeitos de uma sentença "que tenha reconhecido a titularidade de uma situação jurídica favorável, em casos perfeitamente idênticos, nomeadamente no domínio do emprego público", podem ser estendidos a outras pessoas, quer tenham, ou não, recorrido à via contenciosa.


Contudo, o art. 161° do CPTA exige, para a aplicação de tal mecanismo, vários pressupostos cumulativos, os quais não se encontram totalmente verificados no caso: desde logo, no presente caso, "existe sentença transitada em julgado" (a sentença de 22/5/2017, do TAF/Coimbra que o "de cujus" deixou transitar ao ter optado por dela não recorrer), pelo que não pode beneficiar, por esta via do art. 161° do CPTA, de extensão de efeitos do Acórdão do TCAN de 12/6/2019 (cfr. parte final do n° 1 do aludido art. 161 °).
Quanto ao princípio da tutela jurisdicional efetiva o mesmo implica o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que o modelam obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível.

O tribunal que julgue a causa deve ser independente (artigo 203.° e 216.° da CRP) e a sua competência tem de estar previamente definida- princípio do juiz natural (artigo 32.°, n.° 9 da CRP).

Este princípio pressupõe também que as partes no processo possam influir na decisão final da lide (artigo 20.°, n.° 4 da CRP), haja respeito pelo princípio do contraditório (artigo 32.°, n.° 5, in fine, consagrado a propósito do processo penal e que a sentença emanada pelo tribunal competente obtenha plena concretização, satisfazendo cabalmente os interesses materiais de quem obteve vencimento, nomeadamente que a decisão tenha sido tomada em prazo razoável (artigo 20.°, n.° 4 da CRP), que seja respeitado o caso julgado (artigo 282.°, n.° 3 da CRP) e que a sentença seja efetivamente executada (artigo 205°, n.° 3 da CRP).

Nada que esteja em causa na situação dos autos.

Em suma, uma aplicação do artigo 634°, n°1 e n°2, alíneas a) e b), do CPC, no sentido em que o fez o acórdão recorrido, não é inconstitucional por violar os princípios da igualdade - igualdade de remuneração para trabalho igual [artigo 59°, n°1 alínea a), da CRP] -, do direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo e equitativo [artigos 20°, n°1 e n°4, da CRP, e 6° da CEDH].

Concordando com o decidido no acórdão recorrido, a sentença do TAF de Coimbra de 20/05/207 consolidou-se na ordem jurídica relativamente aos autores que entenderam não acompanhar o recurso dos demais, conformando-se com essa decisão, sob pena de violação dos efeitos do caso julgado, não podendo os mesmos beneficiar da decisão proferida relativamente aos autores que interpuseram o recurso, ou seja, da decisão de 12.6.2019 que aqui constitui o título executivo.


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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 4 de Maio de 2023. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – José Francisco Fonseca da Paz.