Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0257/18.0BEVIS
Data do Acordão:01/09/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO
PEDIDO DE REVISÃO
Sumário:I - O pedido de revisão oficiosa efectuado ao abrigo do disposto no art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT, não tem o efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária a que se refere o art. 52.º, n.º 1, da mesma lei e o art. 196.º do CPPT, ainda que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se encontre garantido, a menos que seja apresentado no prazo da reclamação graciosa, caso em que equivale a esta e, por isso, pode ser considerado como “reclamação” para efeitos de suspensão da execução fiscal.
II - Esta solução legislativa – de não conferir efeito suspensivo ao pedido de revisão efectuado para além do referido prazo, mesmo que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido esteja garantido –, não só resulta da falta de previsão do pedido de revisão oficiosa no texto da lei (art. 52.º, n.º 1, da LGT e art. 196.º, n.º 1, do CPPT), como também se mostra conforme a outras soluções legislativas, designadamente a que resulta da conjugação dos n.ºs 1 e 4, alínea b), do art. 49.º da LGT.
III - Por outro lado, essa solução não se mostra desajustada, na medida em que, enquanto os meios impugnatórios indicados no art. 52.º da LGT e no art. 196.º do CPPT têm de ser deduzidos dentro de prazos relativamente curtos, o pedido de revisão oficiosa pode ser apresentado até quatro anos após a liquidação ou até a qualquer momento, se não tiver havido pagamento do tributo (cfr. 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT), o que significa que, a ser-lhe concedido efeito suspensivo da execução fiscal, existiriam consequências negativas relevantes ao nível da segurança jurídica e da celeridade na cobrança das receitas tributárias prosseguida pela execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P24031
Nº do Documento:SA2201901090257/18
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………… SA, com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a reclamação por ela apresentada contra a decisão de levantamento da suspensão da execução nº 2720201601118684.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. Não há nenhuma distinção relevante entre o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa e o mesmo pedido apresentado para lá desse prazo. Isto, segundo a grelha de análise que aqui importa – ou seja, tendo em consideração os princípios que formam a razão de ser do enquadramento do pedido de revisão no n.º 1 do artigo 169º do CPPT.
2. Se se queria evitar aquela dualidade de efeitos relativamente a meios legais com a mesma razão de ser (o pedido de revisão e a reclamação graciosa, nomeadamente), em nome dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, então o pedido de revisão oficiosa também deveria ser considerado dentro do âmbito daquele dispositivo.
3. Com efeito, a lei, devidamente explicada e densificada pela doutrina e pela jurisprudência, trata este pedido como um expediente normal, próprio, típico e principal de contestação da legalidade de actos tributários, tanto quanto o pedido de revisão dentro do prazo de reclamação administrativa.
4. A doutrina em que nos vimos apoiando, assim como a Sentença recorrida, diz que, do ponto de vista da natureza, da função e dos efeitos, as duas versões do pedido de revisão de actos tributários são iguais, uma vez que a razão material de ser, de uma e de outra, é exactamente a mesma
5. É por isso que, segundo a doutrina e a jurisprudência, em ambas as versões do pedido de revisão os contribuintes podem contestar os actos com base em matéria de facto ou de direito. É por isso que em ambas as versões o erro de direito ou de facto se presume imputável aos serviços da AT. É por isso que em ambas versões o indeferimento expresso ou tácito abre a via da impugnação contenciosa.
6. Dúvidas não restam de que, na ausência do pedido de revisão da letra do n.º 1 do artigo 169º do CPPT, o seu conteúdo, devidamente integrado, teria de prever quer o pedido de revisão apresentado dentro prazo de “reclamação administrativa” quer o pedido deduzido para lá desse prazo, porque, à luz das razões de justiça material que recomendam a inclusão do primeiro, não é legitimamente possível deixar de fora o segundo, relativamente ao qual se aplicam as mesmas razões de justiça material.
7. E não se diga que a inclusão do primeiro tem arrimo na letra da lei (que fala em “reclamação administrativa”) e que o princípio da interpretação segundo o qual não se pode fazer uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei recomendava a abertura da norma apenas ao pedido feito dentro do prazo de “reclamação administrativa”.
8. É que, em primeiro lugar, o pedido de revisão também não é uma reclamação administrativa: a sua inclusão no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 169º do CPPT não decorre de uma interpretação sobre o seu respaldo literal, mas sim de um raciocínio de equiparação à natureza, função e efeitos da reclamação graciosa, com base nos princípios da igualdade no acesso ao direito, conjugado com o da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos (se o pedido de revisão é a mesma coisa que a reclamação graciosa, então se for apresentado no mesmo prazo pode suspender a execução). Daí que não haja qualquer razão para afastar da previsão da norma o pedido de revisão deduzido em momento posterior ao fim do prazo de reclamação graciosa: este, quanto à sua natureza, função e efeitos, também já é equiparado à reclamação graciosa.
9. De resto, em segundo lugar, obviamente que aquele princípio de interpretação da lei, por muito relevante que seja, não se pode sobrepor aos princípios constitucionais de primeiríssima importância que aqui em jogo.
10. Nestes termos, o n.º 1 do artigo 169º do CPPT é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13º da CRP, e da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20º e no n.º 4 do artigo 268º da CRP.
11. Assim sendo, o mesmo deve aplicado neste caso como permitindo a suspensão do presente processo executivo em virtude da dedução do pedido de revisão de acto tributário apresentado.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com a revogação da Sentença recorrida e as demais consequências legais.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – A Exmª Procuradora- Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso invocando o teor da doutrina emanada do recente acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 05.12.2018, proferido no âmbito do processo nº 0261/18.9BEVIS, em situação idêntica à em discussão nos presentes autos, concluindo, como ali, que não se mostram afectados os princípios da igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13º da CRP, nem o da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos previsto nos artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP.

4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu considerou como provados os seguintes factos:
A) A «A………… SA» tem a sua sede no concelho de Viseu [cfr. emerge da posição das partes expressa ao longo dos autos. Facto incontrovertido].
B) A sociedade «A………… SA» incorporou a sociedade «B………… SA» [cfr. emerge da posição das partes expressa ao longo dos autos. Facto incontrovertido].
C) Em 30 de Junho de 2016 foi instaurado o processo de execução fiscal 2720201601118684 contra «B………… SA» para cobrança de 256.337,29 e acrescido respeitante a IRC [cfr. emerge da conjugação de fls. 34, 35 dos presentes autos].
D) A executada requereu a suspensão daquela execução mediante garantia em razão de pretender deduzir contencioso [cfr. emerge de fls. 37 e 38 dos presentes autos].
E) Em 19 de Julho de 2016 foi determinada a suspensão da execução fiscal n.º 27202001601118684 com fundamento na apresentação de garantia sob a forma de fiança e manifestação de intenção de deduzir contencioso [cfr. emerge de fls. 47 a 49 dos presentes autos].
F) Em 20 de Julho de 2016 foi registada informaticamente a suspensão da execução fiscal 27202001601118684, mediante o averbamento da fase “F113 – suspensão por aguardar meio gracioso ou judicial”; [cfr. emerge do registo informático da tramitação do PEF de fls. 62 dos presentes autos].
G) A Reclamante deduziu pedido de pronúncia arbitral com referência à liquidação que lhe foi efetuada a título de IRC de 2011 [cfr. emerge de fls. 89 a 137 dos presentes autos].
H) Em 3 de Setembro de 2017 foi proferida pelo Tribunal Arbitral decisão de improcedência total
I) Em 9 de Janeiro de 2018 o Tribunal constitucional decidiu indeferir a reclamação deduzida mantendo-se a decisão reclamada de não reconhecer o objeto do recurso da decisão arbitral [cfr. emerge de fls. 137 verso a 147 verso dos presentes autos].
J) Em 14 de Fevereiro de 2018 a Reclamante apresentou pedido de revisão oficiosa contra a liquidação de IRC de 2011 [cfr. emerge de fls. 148 a 164 verso dos presentes autos].
K) O processo de execução fiscal manteve-se com vários registos de suspensão até 26 de Abril de 2018, data em que abandonou a fase “F109” passando a estar na fase “F004 – com citação postal”. [cfr. emerge do registo informático da tramitação do PEF de fls. 62 dos presentes autos].
L) Em 2 de Maio de 2018 a executada solicitou o pagamento prestacional da dívida constante do processo 27820201601073451 peticionando que constituísse a garantia do seu cumprimento a já constante dos autos [cfr. emerge de fls. 51 a 58 e tramitação de fls. 62 dos presentes autos].
M) Em 10 de Maio de 2018 foi apresentada via fax e expedida por via postal registada a presente reclamação [cfr. emerge de fls. 24 e 63 dos presentes autos].
N) O pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda e acrescido foi deferido [cfr. emerge da informação de fls. 25 a 30 verso e do print do plano prestacional de fls. 210 dos presentes autos].
O) Em 30 de Maio de 2018 a Reclamante requereu que o plano prestacional fosse dado sem efeito [cfr. emerge de fls. 163 a 164 verso dos presentes autos].
P) Em 30 de Julho de 2018 a Reclamante efetuou o pagamento da 1.ª prestação do plano prestacional [cfr. emerge do print informático relativo ao cumprimento do plano prestacional de fls. 210 dos presentes autos].»

6. Do objecto do recurso:
As questões objecto do recurso reconduzem-se a saber:
a) Se incorre em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, exarada a fls. 359/380., que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o levantamento da suspensão da execução fiscal, no entendimento de que o procedimento de revisão oficiosa apresentado fora do prazo da reclamação administrativa não consubstancia uma reclamação nos termos estabelecidos no artigo 52º nº1 da LGT e no artigo 169º do CPPT e não tem a virtualidade de permitir a suspensão da execução fiscal,
b) Se tal interpretação viola os princípios da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13º da Constituição, e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º e nº nº4 do artigo 268º da Constituição da República.
Considerou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que tendo o processo de execução fiscal prosseguido os seus termos, após período em que esteve suspenso na sequência de pendência da ação arbitral em que se impugnava a dívida exequenda, com a passagem de mandado de penhora, a reclamação apresentada pela executada tem por objecto esse acto implícito de levantamento da suspensão.
Mais se entendeu que a questão subjacente à reclamação apresentada pela executada se prende com o facto de o processo de execução fiscal ter deixado de estar suspenso em 26.04.2018, quando em 14/02/2018 havia sido apresentado pedido de revisão oficiosa, pedido que a Reclamante considerara ser subsumível nos meios processuais de impugnação da legalidade da dívida exequenda previstos no nº1 do artigo 169º do CPPT.
E, debruçando-se sobre tais questões, entendeu o tribunal recorrido, invocando as regras hermenêuticas e a jurisprudência e doutrina que citou, que só no caso do pedido apresentado no prazo da reclamação administrativa se impõe a sua equiparação à reclamação graciosa para efeitos de suspensão da execução fiscal.
Para concluir que, tal situação não se verifica no caso concreto, em que o pedido foi apresentado manifestamente para além desse prazo.

Contra o assim decidido insurge-se a Recorrente alegando que o tribunal “a quo” não fez uma correcta interpretação do disposto no nº 1 do artigo 169º do CPPT, ao não incluir na sua previsão o pedido de revisão oficiosa do acto tributário apresentado para além do prazo de reclamação administrativa.
Mais sustenta que tal interpretação viola os princípios da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13º da Constituição, e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º e nº 4 do artigo 268º da Constituição da República.

A questão nestes termos suscitada é em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 5.12.2018, proferido no recurso 261/18.9BEVIS, sendo idênticas as alegações de recurso como semelhantes são os pressupostos de facto, nele se tendo decidido que o pedido de revisão oficiosa efectuado ao abrigo do disposto no art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT, não tem o efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária a que se refere o art. 52.º, n.º 1, da mesma lei e o art. 196.º do CPPT, ainda que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se encontre garantido, a menos que seja apresentado no prazo da reclamação graciosa, caso em que equivale a esta e, por isso, pode ser considerado como “reclamação” para efeitos de suspensão da execução fiscal.

Não vemos razão para alterar tal entendimento, que merece a nossa concordância e cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação no caso vertente.
Por isso, considerando também o disposto no artº 8º, nº 3 do CC, tendo em vista promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito, não tendo a Recorrente aportado novas razões que infirmem a fundamentação em que assentou essa decisão ou que nos levem a inflectir ou a divergir do entendimento aí afirmado, remetemos para o que sobre tais questões se escreveu no supra citado Acórdão 261/18.9BEVIS.

Tal como se sublinha naquele aresto afigura-se-nos inquestionável que a letra da lei – art. 169.º do CPPT – não contempla o pedido de revisão como causa de suspensão da execução.
Com efeito «(…..) a não inclusão do pedido de revisão no catálogo do art. 169.º do CPPT não pode ter-se como devida a um lapso ou esquecimento do legislador, tanto mais que também o art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) – que não constituindo lei de valor reforçado, assume a natureza de lei que fixa os princípios e fundamentos do sistema tributário (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotações 1 e 3 ao art. 2.º, págs. 64 a 66, afirmam: «A LGT não é uma lei constitucional nem sequer uma lei reforçada. […] Contudo, foi intenção do legislador que a LGT fosse uma lei de “cúpula” do sistema tributário, fixando os seus princípios estruturantes e fundamentantes em matéria axiológica», visando «como regra, regular exaustivamente as matérias de que trata».) – não inclui a revisão entre as causas de suspensão da execução fiscal. Ademais, concomitantemente, embora o n.º 1 do art. 49.º da LGT confira efeito interruptivo da prescrição ao «pedido de revisão oficiosa» (que não confunde com a “reclamação”, também aí prevista), quando, na alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo, confere efeito suspensivo da prescrição à paragem da execução fiscal não inclui o “pedido de revisão oficiosa” entre as causas dessa paragem.
É certo que a revisão, embora configurada como um meio oficioso, pode ser impulsionada a pedido do sujeito passivo [cfr. n.ºs 1 e 7 do art. 78.º da LGT; vide também a alínea e) do n.º 2 do art. 46.º, o n.º 1 do art. 49.º e a alínea c) do n.º 1 do art. 54.º da LGT].
É também certo que, no caso de pedido de revisão, a jurisprudência (Para além da citada na sentença, que deixámos referida supra em (3), vide também os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 65/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04c500a0579f5bd88025759f00508122;
- de 25 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 735/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/748897845d55a87b80257e83003368c0.
Vide também os seguintes acórdãos do Pleno da mesma Secção, em que não se admitiu o recurso por oposição de acórdãos, deduzida ao abrigo do art. 284.º do CPPT, com o fundamento de que constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que só o pedido de revisão oficiosa efectuado pelo contribuinte dentro do prazo de reclamação administrativa, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, pode provocar a suspensão da execução fiscal:
- de 16 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 460/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e388449baed9e228025795300418206;
- de 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 932/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/49948aac0e4e5dec80257ae80057f692.) e a doutrina têm admitido o efeito suspensivo quando a revisão tenha sido requerida dentro do prazo da reclamação graciosa (cfr. art. 78.º, n.º 1, 1.ª parte, da LGT), mas apenas porque, nesse caso, fazem equivaler o pedido de revisão à reclamação graciosa. Na verdade, a revisão a pedido do sujeito passivo prevista na 1.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT consubstancia uma reclamação graciosa, pois tem o mesmo prazo, é dirigida ao próprio autor do acto e por ele decidida e, sobretudo, o mesmo fundamento, ou seja, “qualquer ilegalidade” (cfr. os arts 70.º, n.º 1, e 99.º do CPPT).
«[A] reclamação graciosa, prevista no CPPT, e a revisão dos actos tributários por iniciativa do sujeito passivo, prevista na LGT, são um só instituto, pese as suas diferentes denominações e as discrepâncias existentes entre as duas normas quanto ao órgão competente para decidir, pelo que concluímos que o mecanismo previsto no art. 78.º, n.º 1 da LGT obedece à disciplina procedimental constante do capítulo VI do CPPT» (RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 167.).
Assim, por força do preceituado no art. 52.º, n.º 1, da LGT, que faz uma referência genérica a “reclamação”, este pedido de revisão terá efeito suspensivo, dentro do condicionalismo do n.º 1 do art. 169.º. Por outro lado, em caso de procedência a AT fica obrigada à «reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade» (cfr. art. 100.º da LGT), designadamente com o pagamento de juros indemnizatórios, contados desde o pagamento até à emissão da nota de crédito (cfr. art. 61.º, n.º 3, do CPPT).
Já quando a revisão seja por iniciativa da AT (caso em que não pode configurar-se como uma reclamação) ou a pedido do sujeito passivo mas após estar esgotado o prazo da reclamação graciosa – ou seja, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo, caso o tributo não tenha sido pago (art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT) –, a lei não lhe reconhece efeito suspensivo. Neste caso, o pedido de revisão não se assume como um verdadeiro meio impugnatório, com efeito de destruição retroactiva dos efeitos do acto, mas antes «reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 3 ao art. 78.º, pág. 705.), como resulta do facto de os juros indemnizatórios só serem devidos caso haja atraso na decisão do pedido e já não da data do pagamento [cfr. art. 43.º, n.º 3, alíneas b) e c), da LGT].
Ora, não podemos olvidar que o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários impede a AT de conceder moratórias no pagamento das correspondentes dívidas. A indisponibilidade dos créditos tributários está expressamente prevista no n.º 2 do art. 30.º da LGT, que dispõe: «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária» (Aplicando este princípio, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 816/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/719aa594c06ff0c080257a2b003ac5a3.

Neste acórdão acolheu-se a tese de que «a lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial – artigo 30.º/2 e 3 da LGT, na redacção dada pelo art. 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro», motivo por que «[…] a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria AT e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266.º, 13.º, 103.º e 104.º, todos da CRP».).
A indisponibilidade dos créditos tributários – que significa que AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos – decorre, em última análise, do princípio da legalidade tributária (O princípio da legalidade, consagrado no art. 266.º, n.º 2, da CRP – «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei […]» – impõe aos órgãos da AT que actuem no sentido da obtenção das prestações devidas nos termos da lei fiscal, certificando-se que os cidadãos cumprem a obrigação decorrente, desde logo, do n.º 3 do art. 103.º, n.º 3, da CRP, de pagar os impostos que «tenham sido criados nos termos da lei e cuja liquidação e cobrança» se façam nas formas «prescritas pela lei».), que impõe à AT que actue com vista à obtenção da prestação efectivamente devida nos termos da lei fiscal [cfr. arts. 103.º, n.º 3, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art. 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], e do princípio da igualdade [cfr. arts. 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP e art. 6.º, do CPA], que lhe impõe a obrigação de prosseguir o objectivo de tratar igual e uniformemente todos os contribuintes, maxime na exigência, modificação ou extinção das obrigações tributárias deles. Ambos os princípios estão também consagrados no art. 55.º da LGT, que enumera os princípios a observar pela AT na sua actividade.
Por outro lado, o art. 36.º da LGT, no seu n.º 2, é inequívoco: «Os elementos essenciais da relação jurídica não podem ser alterados por vontade das partes» (Como dizem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 8 ao art. 36.º, pág. 297, «nenhum elemento da relação tributária pode ser alterado por vontade das partes: nem o objecto da obrigação; nem os juros; nem o prazo de pagamento, etc.» pois «[a] isto se opõe o princípio da legalidade dos impostos e o princípio da legalidade da actividade administrativa».); concretizando, no campo das moratórias, o princípio do citado n.º 2, o n.º 3 do mesmo artigo afirma: «A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei». Em sintonia com o n.º 3 do art. 36.º da LGT, o art. 85.º, n.º 3, do CPPT («A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária».), prevê que possam ser responsabilizados subsidiariamente os que, dolosamente, concederem moratórias fora dos casos previstos na lei.
Tendo presente o que vimos de dizer, podemos avançar no sentido de que a indisponibilidade do crédito tributário e a impossibilidade de a AT conceder moratórias só consentem excepções concretizadas mediante intervenção legislativa, concretizada em lei formal da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo, na sequência de uma Lei de Autorização Legislativa emitida pelo Parlamento para esse efeito, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade tributária.
A não concessão de efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão formulado para além do prazo da reclamação graciosa não se apresenta sequer como uma solução desajustada ou desproporcionada.
Na verdade, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA (Ver nota (2) supra.), enquanto os meios impugnatórios indicados no art. 52.º da LGT e no art. 196.º do CPPT têm de ser deduzidos dentro de prazos relativamente curtos, o pedido de revisão oficiosa pode ser apresentado até quatro anos após a liquidação ou até a qualquer momento, se não tiver havido pagamento do tributo. O que significa que, se o legislador lhe tivesse conferido a virtualidade de suspender a execução fiscal (fora das situações em que é apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa, situação em que deve merecer o mesmo tratamento que esta, como vimos), a suspensão ocorreria as mais das vezes num momento em que a execução fiscal se encontraria já numa fase em que a suspensão teria efeitos negativos muito superiores àqueles que advirão da suspensão numa fase precoce do processo (A título de exemplo, o Autor refere: «basta ter presente que, se um pedido de revisão oficiosa fosse apresentado no segundo ou terceiro ano posterior à liquidação, por exemplo, poderia a execução fiscal estar já em fase de pendência de anúncios de venda ou de período de apresentação de propostas ou mesmo em fase posterior à venda, antes da sua entrega aos compradores, e a suspensão nesse momento seria mais onerosa não só para o exequente (os anúncios da venda perderiam a sua utilidade) como para os potenciais compradores, que poderiam já ter efectuado despesas para conhecerem e avaliarem os bens em que pudessem estar interessados».). Por outro lado, como salienta o mesmo Autor, «com a possibilidade de pedir a revisão oficiosa com efeito suspensivo da execução fiscal, colocar-se-ia ao dispor dos executados um meio de paralisarem a execução repetidamente em momentos em que tal paralisação era inconveniente para o interesse público, com previsível descrédito da eficácia das vendas efectuadas em execução fiscal e desmotivação de potenciais compradores, com os evidentes efeitos a nível da obtenção de melhores preços de venda que a concorrência entre os interessados pode propiciar».
São patentes e compreensíveis, em face da finalidade essencial do processo de execução fiscal (a cobrança célere das dívidas tributárias, assegurando-se que o Estado obtém as receitas imprescindíveis ao seu funcionamento e ao cumprimento das tarefas que lhe estão cometidas) e do modo em que o mesmo está estruturado – «em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 148.º, pág. 28.) –, os motivos que terão levado o legislador a não conferir efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão da liquidação apresentado para além do termo do prazo da reclamação graciosa.
A Recorrente argumenta com a inconstitucionalidade da interpretação que subscrevemos para o n.º 1 do art. 169.º do CPPT, na medida em que não contempla o pedido de revisão entre os meios processuais aí previstos como susceptíveis de suspender a execução fiscal. Essa falta de previsão, na tese que sustenta, acarreta a violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, e a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar. Vejamos:
Não vislumbramos em que medida o princípio da igualdade sai beliscado pela solução legislativa que apenas reconhece o efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão quando este se reconduz à reclamação graciosa e já não nos demais casos. Pese embora o esforço argumentativo da Recorrente no sentido de tentar estabelecer uma identidade absoluta entre o pedido de revisão deduzido dentro do prazo da reclamação graciosa (situação em vimos que aquele equivale plenamente a esta) e o que foi deduzido para além daquele prazo, deixámos já expostos os motivos por que não existe essa identidade: são distintos os efeitos da procedência de um e de outro; também as consequências negativas que advêm para a execução fiscal de uma suspensão operada por força da reclamação graciosa, que tem de ser deduzida no prazo de 120 dias após os factos previstos no n.º 1 do art. 102.º do CPPT (cfr. art. 70.º, n.º 1, do CPPT) são bem distintas daqueles que adviriam da suspensão da execução fiscal quando motivada por um pedido de revisão deduzido quando estava já expirado aquele prazo, sobretudo tendo em conta que pode ser apresentado muito para além do termo para o pagamento voluntário do tributo (quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT).
Por outro lado, também não vislumbramos que a ausência de efeito suspensivo sobre a execução fiscal no caso em que o pedido de revisão é apresentado para além do termo do prazo da reclamação graciosa constitua uma intolerável compressão dos direitos dos sujeitos passivos. Na verdade, o sujeito passivo teve ao seu dispor toda uma panóplia de meios impugnatórios que lhe permitiriam (e permitiram efectivamente) a suspensão da execução fiscal. Ponto era que respeitasse as condições para essa suspensão, entre as quais a dedução em prazo desses meios processuais. O facto de o legislador não facultar o efeito suspensivo da execução relativamente a um meio processual que pode ser espoletado pelo sujeito passivo tão para além do termo do prazo para o pagamento voluntário não se nos afigura constituir um entrave desproporcionado ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, pois este tem de ser balanceado com o interesse público da cobrança célere do tributo, de que é expressão o art. 177.º do CPPT» (fim de citação).

Concorda-se, no essencial, com esta jurisprudência cuja fundamentação jurídica, ponderando as questões suscitadas à luz das regras hermenêuticas e dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva, tem plena aplicação também no caso vertente.
Por isso, sendo de manter aquela jurisprudência, remetendo-se para os respectivos fundamentos, e também porque a decisão recorrida se moveu nestes parâmetros, resta negar provimento ao recurso.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 9 de Janeiro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.