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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01247/08.7BEVIS
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO
Sumário:I - Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
a-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
b-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
c-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
d-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil; artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
e-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
II - A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal.
III - Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.14, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
IV - Nos termos da lei (artº.17, nº.1, do E.B.F.) os requisitos da concessão do benefício fiscal em causa consistiam em terem sido admitidos por contrato sem termo, trabalhadores com idade inferior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho. A norma sob análise, ao consagrar o benefício fiscal relativo à criação de emprego para jovens, não contém, ela própria, os critérios a que deve obedecer a determinação ou aferição da “criação líquida de postos de trabalho”, como situação jurídica pressuposta para a aquisição de tal benefício. Na ausência de definição de tal conceito, afigura-se-nos dever utilizar-se o conceito constante do artº.7, do dec.lei 34/96, de 18/4, diploma que regula a atribuição de incentivos à contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração.
V- A “criação líquida de postos de trabalho” terá de levar em consideração todos os trabalhadores ao serviço da entidade patronal, com contrato a termo e sem termo, somente se verificando quando ocorrer um aumento efectivo do número de trabalhadores, para além do número total já anteriormente existente na empresa. A “criação líquida de postos de trabalho” terá, portanto, de se aferir, desde logo, pelo número de trabalhadores que já se encontravam ao serviço da entidade patronal. Por outro lado, a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, não consubstancia um aumento efectivo do número de trabalhadores, nem tão pouco de postos de trabalho. O cumprimento daquela condição legal exige a verificação do acréscimo efectivo do número global de trabalhadores jovens (idade não superior a 30 anos) admitidos na empresa, em determinado exercício e por contrato sem termo.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25361
Nº do Documento:SA22019121701247/08
Data de Entrada:02/19/2019
Recorrente:A......, S.A
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“A………., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Aveiro, exarada a fls.93 a 99 do presente processo, a qual julgou improcedente a presente impugnação pela recorrente intentada e tendo por objecto mediato o acto de autoliquidação de I.R.C., referente ao ano de 2004 e que apurou o valor a recuperar de € 49.638,45, na parcela relativa aos custos derivados do reconhecimento do benefício fiscal de criação líquida de postos de trabalho.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.105 a 117 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões (cfr.fls.141 a 145 do processo físico), após convite para sintetizar as mesmas:
1-Nos termos melhor constantes no ato tributário impugnado a Autoridade Tributária (AT) fundamenta o seu indeferimento unicamente no facto da aqui Recorrente não ter apresentado qualquer adenda aos contratos de trabalho iniciais de modo a demonstrar que os funcionários em causa passaram a efetivos;
2-Na petição inicial a Recorrente apresenta as razões de fato e de direito que provam e demonstram que no caso em apreço a conversão ocorreu por imposição legal, pelo que não seria necessário o acordo escrito para demonstrar a referida conversão;
3-Não sendo legalmente exigível a existência da aludida “adenda” não pode a AT indeferir a pretensão da Recorrente com o fundamento na não apresentação desse documento, sendo certo, que a prova da conversão resulta do decurso do tempo, tal como previsto na legislação laboral;
4-Ou seja, a causa de pedir, que resulta da Impugnação Judicial, é a errada interpretação e aplicação que a AT faz da legislação laboral relativamente à forma como os contratos de trabalho a termo se convertem em contratos de trabalho sem termo, bem com aos termos em que essa conversão poderá ser provada;
5-Sucede que, na Sentença Recorrida o Tribunal a quo decidiu considerar improcedente a Impugnação Judicial por entender que a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo não qualifica para a criação líquida de postos de trabalho;
6-Ou seja, o Tribunal a quo para além de não se ter pronunciado sobre a causa de pedir, decidiu indeferir a pretensão da Recorrente com base numa questão que não foi suscitada nem pela Recorrida, nem, naturalmente, pela Recorrente;
7-Aliás, em bom rigor o Tribunal tomou a sua decisão com base numa interpretação do disposto no artigo 17º da EBF que é contrária ao que resulta da fundamentação da AT;
8-Com efeito, se a AT considerasse que as mencionadas conversões não qualificavam para efeitos do benefício fiscal previsto no artigo 17º do EBF a mesma teria, desde logo, indeferido o pedido da Recorrente, sem necessidade de suscitar a questão da prova dessa conversão;
9-Na Sentença o Tribunal reconhece que a sua decisão foi tomada sem ter em consideração o alegado pelas partes: “Refira-se ainda que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [artigo 664º do CPC aplicável por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT], isto é, o direito é de conhecimento oficioso do tribunal: ius novit curia. Daí que, porque a decisão sobre os factos alegados é matéria de direito, bem pode o tribunal qualificá-los de forma distinta, designadamente entendendo que a factualidade integra outro fundamento de impugnação que não o expressamente invocado”;
10-Embora seja verdade que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, não é menos verdade que o mesmo só pode ajuizar a legalidade do ato tributário sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respetiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio ato (cfr. Acórdão do TCA Sul nº 03176/10, 10/05/2011);
11-Com efeito, e no que concerne aos processos de impugnação anulatórios como é o caso do processo aqui em causa, o Tribunal apenas pode sindicar o ato tal como resulta do seu teor expresso, não podendo o juiz analisar o acerto ou desacerto da decisão administrativa com base em razões que não foram considerados nessa decisão (cfr. Ac. do TCA SUL proc. 00327/17.2BEPNF);
12-Assim, considerando que a questão sub judice não era a de saber se a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo qualifica para efeitos do disposto no artigo 17º do EBF, mas sim a de saber se a Recorrente demonstrou, ou não, a existência dessa conversão, concluímos que o Tribunal Recorrido ao decidir como decidiu incorreu em vício de falta de pronúncia e vício excesso de pronúncia violando o disposto nos artigos 615º, alínea d) do CPC ex vi do artigo 2º alínea) e 125º do CPPT, devendo a Sentença, consequentemente, ser considerada nula;
13-Sem prejuízo do supra exposto, e caso se conclua que a Sentença Recorrida não padece dos vícios supra referidos, o que só por mera hipótese aceita, a mesma afigura-se igualmente ilegal por erro de julgamento, mais precisamente erro na interpretação e aplicação do disposto no artigo 17º do EBF;
14-Como decorre do disposto na Sentença Recorrida o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão numa interpretação sistemática dos Decretos-Lei nº 89/95, de 06/05 e nº 34/96, de 18/04;
15-Sucede que os diplomas supra referidos procuram resolver questões muito diversas daquelas que o benefício fiscal em causa procura resolver. São realidades distintas que não se confundem e que mereceram do legislador tratamentos dissemelhantes porque diferentes;
16-E demonstrativo disso é o facto do legislador ao criar o benefício da criação líquida, previsto no artigo 17º do EBF ter optado por não utilizar a redação constante nos supra referidos diplomas, nem para eles fazer qualquer remissão;
17-E a verdade é que a redação do artigo 17º do EBF não exige o aumento efetivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora, mediante contrato sem termo, contrariamente ao expressamente exigido pelo artigo 7º do DL 34/96, limitando-se apenas a exigir a existência de contrato sem termo e a idade até 30;
18-E ainda que seja inquestionável que através do benefício fiscal em apreço o legislador pretendeu fomentar o estabelecimento de relações laborais estáveis, através da celebração de contratos de trabalho sem termo, a verdade é que a mencionada disposição do EBF não poderá ser interpretada de forma a tratar distintamente a situação de colaboradores inicialmente contratados a termo, mas cujos contratos se convertem em contratos sem termo (discriminando-os negativamente), e a situação de colaboradores contratados sem termo ab initio;
19-O que deverá relevar para efeitos de verificação dos requisitos previstos no supra citado preceito - artigo 17º do EBF - não é a natureza do contrato inicialmente celebrado com os colaboradores, mas sim o contrato que está em vigorar à data de aferição dos requisitos para a elegibilidade do benefício fiscal;
20-Acresce que, o entendimento da Recorrente é, aliás, o perfilhado pelas autoridades fiscais, conforme resulta expresso de diversas orientações administrativas, como por exemplo o Despacho já junto como doc. 1;
21-Assim, o Tribunal Recorrido ao decidir como decidiu fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo art. 17º do EBF e os Decretos-Lei nºs 89/95, de 6 de Maio, e 34/96, de 18 de Abril, devendo a Sentença, consequentemente ser anulada.
Com o requerimento de alegações de recurso juntou aos autos um documento a fls.119 do processo físico, o qual consubstancia cópia de um despacho do Subdirector Geral dos Impostos, datado de 26/11/2007 e que versa sobre a alteração da qualidade do vínculo laboral de contrato a termo para contrato sem termo, em sede de exame dos pressupostos do benefício fiscal previsto no artº.17, do E.B.F., assim tentando demonstrar a coincidência do entendimento perfilhado entre o apelante e a A. Fiscal em relação aos pressupostos de aplicação da citada norma (cfr.conclusão 20 do recurso).
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.160 e 161 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.166 e 167 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.94 e verso do processo físico):
A-Em 31/05/2005 a aqui impugnante apresentou declaração de rendimentos modelo 22 - IRC, relativa ao exercício de 2004, na qual não preencheu o quadro 07, campo 234 – benefícios fiscais - facto não controvertido;
B-Em 30/05/2007, a impugnante apresentou uma declaração de rendimentos modelo 22 - IRC, em substituição da referida na alínea anterior, na qual fez constar o benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho - cfr. fls. 2/15 do processo administrativo apenso aos autos;
C-Em 31/05/2007 a aqui impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2004, solicitando que lhe fosse aceite o benefício fiscal relativo à criação líquida de postos de trabalho previsto no artigo 17.º do EBF, constante da declaração de substituição entregue em 30/05/2007 - cfr. fls. 2 do processo administrativo apenso;
D-Em 24/04/2008 a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Aveiro emitiu proposta de decisão no sentido do deferimento parcial da reclamação graciosa, considerando-se apenas a dedução de 65.386,88 €, referente à criação de postos de trabalho para jovens verificada em 2001 - cfr. fls. 85/91 do processo administrativo apenso aos autos;
E-Sobre a informação mencionada na alínea que antecede recaiu despacho do Diretor de Finanças, por delegação, datado de 02/06/2008 - cfr. fls. 85 do processo administrativo apenso aos autos;
F-Pelo ofício n.º 201433, expedido por correio registado em 13/06/2008 a impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição sobre o projeto de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa - cfr. fls. 93, frente e verso, do processo administrativo apenso aos autos;
G-Em 18/07/2008 a impugnante exerceu o direito de audição sobre o projeto de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, invocando, no essencial, os argumentos aduzidos na presente impugnação judicial - cfr. fls. 96/106 do processo administrativo apenso aos autos;
H-Em 23/07/2008 a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Aveiro emitiu informação no sentido da manutenção do deferimento parcial da reclamação graciosa - cfr. fls. 124/127 do processo administrativo apenso aos autos;
I-Em 11/08/2008 o Diretor de Finanças, por delegação, emitiu despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa - cfr. fls. 124 do processo administrativo apenso aos autos;
J-Pelo ofício n.º 201 907, de 18/08/2008, expedido por correio registado com aviso de receção assinado em 19/08/2008, foi a impugnante notificada da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa a que se alude na alínea anterior - cfr. fls. 135 do processo administrativo apenso aos autos;
L-Em 03/09/2008 foi remetida, via fax, a este Tribunal a petição inicial que deu origem aos presentes autos de impugnação judicial - cfr. fls. 2 e seguintes do suporte físico dos autos.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Para além dos supra elencados, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, bem como do acordo das partes, tudo conforme de encontra especificado em cada um dos pontos do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou improcedente a presente impugnação, mais absolvendo a Fazenda Pública do pedido.
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Com o articulado de apelação o recorrente veio juntar um documento, cópia de um despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, datado de 26/11/2007 e que versa sobre a alteração da qualidade do vínculo laboral de contrato a termo para contrato sem termo, em sede de exame dos pressupostos do benefício fiscal previsto no artº.17, do E.B.F., assim tentando demonstrar a coincidência do entendimento perfilhado entre o apelante e a A. Fiscal em relação aos pressupostos de aplicação da citada norma (cfr.conclusão 20 do recurso; documento junto a fls.119 do processo físico).
Pelo que, a primeira questão que se impõe decidir, de natureza adjectiva, consiste em saber da possibilidade legal de tal junção e da manutenção do referido documento nos autos.
Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª. Instância, mas tão- somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal “ad quem” tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o artº. 523, do C.P.Civil (cfr.artº.423, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (actualmente até vinte dias antes da realização da audiência final - cfr.artº.423, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil; artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
5-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/05/2015, rec.570/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/05/2019, proc.616/18.9BEBJA; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida. Por outras palavras, a jurisprudência sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos visando a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, mais não podendo servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/05/2015, rec.570/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/05/2019, proc.616/18.9BEBJA; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230).
“In casu”, este Tribunal rejeita a junção documental requerida, pelas seguintes razões:
1-As chamadas orientações administrativas, tradicionalmente apresentadas nas mais diversas formas como instruções, circulares, ofícios-circulares, ofícios-circulados, despachos normativos, regulamentos, pareceres, etc., que são muito frequentes no direito fiscal, constituem regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos, mais não sendo vinculativos, nem para os particulares nem para os Tribunais, desde logo, a tal obviando o princípio da legalidade fiscal (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/06/2017, rec.364/14; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.123 e seg.);
2-Sendo o despacho (cuja cópia se pretende a junção aos autos) do Subdirector Geral dos Impostos, datado de 26/11/2007, poderia/deveria o mesmo ser junto com o articulado inicial da presente impugnação (cfr.al.L) do probatório);
3-O identificado documento nenhum relevo reveste em sede de decisão do presente recurso;
4-Por último, já consta dos autos, sendo junta pela sociedade impugnante e ora recorrente com o articulado inicial (cfr.fls.35 a 39 do processo físico), cópia de informação, a qual mereceu despacho de concordância do Subdirector-Geral dos Impostos, incidente sobre a alteração da qualidade do vínculo laboral de contrato a termo para contrato sem termo, em sede de exame dos pressupostos de atribuição do benefício fiscal previsto no artº.17, do E.B.F.
Concluindo, dada a desnecessidade de junção, deve o documento constante de fls.119 do processo físico ser desentranhado e restituído ao requerente, condenando-se este no pagamento de multa pelo incidente (cfr.artº.443, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.10, do R.C.Processuais), ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.
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Em sede de exame do recurso, antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
O apelante aduz, em primeiro lugar e em síntese, que nos processos de impugnação como é o caso do presente, o Tribunal apenas pode sindicar o acto tributário impugnado tal como resulta do seu teor expresso, não podendo analisar o acerto ou desacerto da decisão administrativa com base em razões que não foram considerados nessa decisão. No caso concreto a questão a resolver não era a de saber se a conversão dos contratos de trabalho a termo, em contratos de trabalho sem termo, qualifica para efeitos do disposto no artº.17, do E.B.F., mas sim a de saber se o apelante provou, ou não, a existência dessa conversão, pelo que, se deve concluir que o Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu incorreu em vício de falta de pronúncia e vício de excesso de pronúncia violando o disposto nos artº.615, nº.1, al.d), do C.P.C., assim devendo a sentença recorrida ser considerada nula (cfr.conclusões 1 a 12 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar nulidades da decisão recorrida.
Examinemos se a sentença objecto do recurso enferma de tais vícios.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). Por outro lado, deve considerar-se nula, por vício de excesso de pronúncia (“ultra petita”), a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário os vícios de omissão de pronúncia e excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, estão previstos no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, nos últimos segmentos da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.50/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/05/2012, rec.514/12; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/10/2019, rec.3131/16.1BELRS; ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.245/11.8BEMDL; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. edição, II volume, 2011, pág.362 e seg.).
"In casu", conforme se retira do exame da decisão recorrida, entendeu o Tribunal “a quo” que a questão a apreciar e decidir se reconduzia à apreciação do eventual erro sobre os pressupostos de que padeceria o acto tributário impugnado, decorrente de o artº.17, nº.1, do E.B.F., também abranger na sua previsão os casos de conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo (cfr.fls.93-verso do processo físico). Na fundamentação de direito da sentença recorrida, para tanto, socorrendo-se da doutrina constante de dois acórdãos deste Tribunal (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 25/02/2009, rec.916/08; ac.S.T.A-2ª.Secção, 23/09/2009, rec.248/09), conclui-se que assiste razão à A. Fiscal quando considerou que não reuniam os requisitos para efeitos de enquadramento na previsão do benefício fiscal previsto no artº.17, nº.1, do E.B.F., na redacção da Lei 32-B/2002, de 30/12, os encargos suportados pela impugnante com os trabalhadores contratados a termo certo, porquanto, a condição legalmente prescrita na norma, de “criação líquida de postos de trabalho”, não pode dar-se por cumprida, unicamente e sem mais, pela celebração de contratos sem termo com trabalhadores inicialmente contratados a termo ou a termo incerto.
Por sua vez, no acto tributário impugnado (cfr.als.C) e I) do probatório - impugnação judicial em caso de autoliquidação prevista no artº.131, nº.2, do C.P.P.T. - o qual abarca o despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa necessária deduzida, a A. Fiscal concluiu que a sociedade impugnante/recorrente apenas poderia usufruir do benefício fiscal pela criação líquida de emprego para jovens, nos termos do artº.17, do E.B.F., relativamente aos trabalhadores cujo contrato de trabalho foi celebrado sem termo. Em consequência, não relevou os encargos com os trabalhadores ………, …………., …………., ………… e …………., admitidos por contrato a termo convertido em contrato sem termo, por considerar que, face aos elementos fornecidos pelo sujeito passivo, nestes casos os trabalhadores não foram admitidos por contrato sem termo, mais não ocorrendo a criação líquida de postos de trabalho, igual pressuposto de aplicação da norma que consagra o benefício fiscal em causa.
Já no articulado inicial da presente impugnação (cfr.fls.2 a 13 do processo físico), a sociedade recorrente expressa como causa de pedir a necessidade de relevação dos encargos com os identificados trabalhadores contratados a termo, atento o facto da conversão dos mesmos contratos, em contratos sem termo, ocorrer por força da lei laboral, mais terminando a pedir a anulação do despacho de indeferimento parcial identificado na al.I) do probatório supra.
Com estes pressupostos, é óbvia a conclusão de que o Tribunal “a quo” se movimentou dentro dos parâmetros da questão a apreciar e decidir, a qual se reconduzia (como muito bem definiu a sentença recorrida) à apreciação do eventual erro sobre os pressupostos de que padeceria o acto tributário impugnado, decorrente de o artº.17, nº.1, do E.B.F., também abranger na sua previsão os casos de conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo.
Por último, sempre se dirá que é perfeitamente artificial a dicotomia utilizada pelo apelante (quando defende que a questão a resolver não era a de saber se a conversão dos contratos de trabalho a termo, em contratos de trabalho sem termo, qualifica para efeitos do disposto no artº.17, do E.B.F., mas sim a de saber se o apelante provou, ou não, a existência dessa conversão), dado que tudo se reconduz ao exame do aludido artº.17, nº.1, do E.B.F. (norma aplicável ao caso “sub judice”), e da sua previsão abranger, ou não, os casos de conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sendo apodíctico falar na prova de tal conversão, a qual onera, evidentemente, o sujeito passivo de imposto (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.), embora tal prova não seja suficiente para operar a identificada “criação líquida de postos de trabalho”, também pressuposto da atribuição/reconhecimento do dito benefício fiscal.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia ou caído em pronúncia excessiva e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, igualmente, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, mais precisamente erro na interpretação e aplicação do disposto no artº.17, do E.B.F. Que a previsão do mesmo artº.17, do E.B.F., não exige o aumento efectivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora, mediante contrato sem termo, contrariamente ao expressamente exigido pelo artº.7, do dec.lei 34/96, de 18/04, limitando-se apenas a impor a existência de um contrato sem termo e a idade até 30 anos. O que deverá relevar para efeitos de enquadramento na previsão do citado artº.17, do E.B.F., não é a natureza do contrato inicialmente celebrado com os colaboradores, mas sim o contrato que está em vigor à data de aferição dos requisitos para a elegibilidade do benefício fiscal (cfr.conclusões 13 a 21 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A questão a decidir, no âmbito do presente esteio do recurso, consiste em aferir do invocado vício de violação de lei do acto tributário impugnado, traduzido na errada aplicação do que dispõe o artº.17, do E.B.F., na redacção resultante da Lei 32-B/2002, de 30/12 (actual artº.19), referente ao benefício fiscal da criação líquida de postos de trabalho, enquanto fundamento da majoração de 50% dos custos em sede de I.R.C. que a identificada norma consagrava no seu nº.1.
Os benefícios fiscais, de acordo com a lei, devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do E.B.F.; artº.14, da L.G.T.).
Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.14, nº.1, do E.B.F. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/02/2016, proc.5619/12; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Glória Teixeira e Outros, Lexit - Códigos Anotados e Comentados, Benefícios e Incentivos Fiscais: EBF e CFI, 1ª. Edição, 2017, pág.21).
Revertendo ao caso dos autos, deve, antes de mais, fazer-se a exegese do artº.17, do E. B. Fiscais (anterior artº.48-A; actual artº.19), na redacção resultante da Lei 32-B/2002, de 30/12, a aplicável em 2004, a qual dispunha o seguinte:
Artigo 17.º
(Criação de empregos para jovens)

1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 - A majoração referida no n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.

É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G. Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Especificamente, as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.10, do E.B.F.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/02/2016, proc.5619/12; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Nos termos da lei (artº.17, nº.1, do E.B.F.) os requisitos da concessão do benefício fiscal em causa consistiam em terem sido admitidos por contrato sem termo, trabalhadores com idade inferior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho.
A norma sob análise, ao consagrar o benefício fiscal relativo à criação de emprego para jovens, não contém, ela própria, os critérios a que deve obedecer a determinação ou aferição da “criação líquida de postos de trabalho” ((actualmente, vide artº.19, nº.2, al.d), do E.B.F.).), como situação jurídica pressuposta para a aquisição de tal benefício.
Na ausência de definição de tal conceito, afigura-se-nos dever utilizar-se o conceito constante do artº.7, do dec.lei 34/96, de 18/4, diploma que regula a atribuição de incentivos à contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração, a aplicável ao caso dos autos, tanto mais que não descortinamos rejeição da mesma, expressa ou tácita, sendo que o legislador fiscal só deverá afastar-se das noções e juízos já elaborados no seio de outros ramos de direito quando isso lhe é exigido pelos fins próprios do sistema fiscal.

O citado artº.7, do dec.lei 34/96, de 18/4, consagrava o seguinte:

1-Considera-se criação líquida de postos de trabalho o aumento efectivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora mediante contrato sem termo, resultante, designadamente, de um novo projecto de investimento.
2-A aferição da criação de postos de trabalho faz-se tendo em conta o número global de trabalhadores ao serviço da entidade empregadora, independentemente da natureza do vínculo contratual, no mês de Janeiro do ano civil anterior e no mês precedente ao da apresentação da candidatura.”

De acordo com a definição a que se alude, a “criação líquida de postos de trabalho” terá de levar em consideração todos os trabalhadores ao serviço da entidade patronal, com contrato a termo e sem termo, somente se verificando quando ocorrer um aumento efectivo do número de trabalhadores, para além do número total já anteriormente existente na empresa. A “criação líquida de postos de trabalho” terá, portanto, de se aferir, desde logo, pelo número de trabalhadores que já se encontravam ao serviço da entidade patronal. Por outro lado, a conversão de contratos de trabalho a termo/cessão da posição contratual em contratos de trabalho sem termo, não consubstancia um aumento efectivo do número de trabalhadores, nem tão pouco de postos de trabalho. O cumprimento daquela condição legal exige a verificação do acréscimo efectivo do número global de trabalhadores jovens (idade não superior a 30 anos) admitidos na empresa, em determinado exercício e por contrato sem termo (cfr.actualmente o artº.19, nº.2, al.d), do E.B.F., consagra esta perspectiva do legislador; Glória Teixeira e Outros, Lexit - Códigos Anotados e Comentados, Benefícios e Incentivos Fiscais: EBF e CFI, 1ª. Edição, 2017, pág.59).
Mais se deve vincar que a jurisprudência uniforme deste Tribunal, à qual se adere, convoca esta perspectiva doutrinária do conceito de “criação líquida de postos de trabalho” (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/2006, rec.723/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/02/2009, rec.916/08; ac.S.T.A-2ª.Secção, 23/09/2009, rec.248/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/02/2019, rec.95/16.5BESNT).
Por último, sempre se dirá que não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida tenha violado, por indevida interpretação e aplicação, o disposto no artº.17, do E.B.F.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM:
1-ORDENAR O DESENTRANHAMENTO E RESTITUIÇÃO AO RECORRENTE DO DOCUMENTO junto a fls.119 do processo físico, condenando-se o mesmo em multa no montante de uma (1) U.C.;
2-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Paulo Antunes – Aragão Seia.