Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01894/17.6BEBRG
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
LICENCIAMENTO DE OBRAS
NULIDADE
INDEMNIZAÇÃO
TAXA URBANÍSTICA
Sumário:É de admitir a revista do acórdão confirmativo da sentença que condenou um município – que declarara nulo o licenciamento duma construção – a indemnizar o promotor, atribuindo-lhe o montante das taxas urbanísticas que ele pagara aquando da legalização do edifício, pois a solução unânime das instâncias é controversa e o assunto em presença inscreve-se num género relativamente frequente e cuja complexidade exige a intervenção do Supremo.
Nº Convencional:JSTA000P27879
Nº do Documento:SA12021060901894/17
Data de Entrada:05/25/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE FAFE
Recorrido 1:A............., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:

O Município de Fafe interpôs esta revista do acórdão do TCA Norte confirmativo da sentença do TAF de Braga que, conferindo uma procedência quase total à acção movida ao recorrente por A……………………., SA, condenara o réu a pagar à autora a importância de €315.719,98 e respectivos juros de mora, contados desde a citação.

O recorrente pugna pelo recebimento da sua revista por ela incidir sobre uma questão relevante e incorrectamente julgada.
A autora contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
A autora e aqui recorrida accionou o município recorrente para dele obter uma indemnização de € 315.719,98 (e juros moratórios), correspondendo essa importância às taxas urbanísticas que teve de pagar na sequência da legalização camarária, em 2016, de um edifício que ela adquirira inacabado e que finalizara mediante uma «licença especial» emitida em 2014. E tal legalização aconteceu após o inicial licenciamento do edifício (datado de 2006) ter sido declarado nulo pela câmara municipal em 2015, por violação do PDM vigente «in hoc tempore».
As instâncias convieram na procedência quase completa da acção, pois a autora apenas decaiu quanto ao «dies a quo» da contagem dos juros de mora.
Na sua revista, o município recorrente recusa a existência de um efectivo nexo causal entre o acto ilícito – o licenciamento da construção em 2006, titulado por alvará de 2007, ofensivo do PDM e declarado nulo em 2015 – e os «quanta» das taxas exigidas no subsequente processo de legalização (só realizável porque o PDM fora, entretanto, alterado). Assim, e na óptica do recorrente, este processo de legalização teria independência relativamente ao licenciamento nulo, parecendo inexplicável que a autora pudesse activá-lo sem pagar as respectivas taxas. Até porque a dita licença de 2006 já caducara aquando da compra do edifício inacabado pela autora – como se depreende do pormenor de ela haver precisado de uma «licença especial» para concluir a obra.
Todo esse circunstancialismo, atrás sumariamente descrito, denota a complexidade jurídica do assunto. E é discutível se a solução das instâncias, embora unânime, é realmente a exacta. Com efeito, parece excessivo dizer-se – como fez o TAF – que a causa exclusiva da legalização foi o licenciamento nulo; e é anómalo inserir – como fez o TCA – numa acção de indemnização, um argumento tirado do instituto do enriquecimento sem causa. Mas, por outro lado, a passagem da «licença especial» também representa uma fidelidade da câmara ao acto nulo por si praticado «circa» oito anos antes.
Justifica-se, portanto, uma reapreciação do caso, que tenderá à definição precisa da lesividade inerente às condutas licenciadoras cuja nulidade só depois seja detectada; para, a partir daí, se apurar em que medida a exigência das taxas urbanísticas relativas à legalização corresponde a um efeito típico e normal da actuação camarária ilícita e lesiva.
Acresce dizer que este género de problemas, sequencial à nulidade de licenciamentos de obras, surge em juízo com frequência, colocando quase sempre dificuldades carecidas de esclarecimento.
Assim, e atendendo também ao montante pecuniário envolvido, impõe-se que o assunto seja transferido para o Supremo, a fim de se garantir a solução adequada «in casu» e se um obter um novo «apport» decisório neste tipo de «themata».

Nestes termos, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/3, o relator atesta que os Exms.º Juízes Adjuntos – a Sr.ª Conselheira Teresa de Sousa e o Sr. Conselheiro Carlos Carvalho – têm voto de conformidade.

Lisboa, 9 de Junho de 2021
Jorge Artur Madeira dos Santos