Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:020024/16.5BCLSB
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:NULIDADE
ACÓRDÃO
Sumário:A decisão reclamada não enferma das nulidades previstas nas als. c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA visto os fundamentos não se mostram em oposição com a decisão, nem se descortina a existência de algum trecho ou passo do acórdão reclamado cujo sentido se apresente como ininteligível e ambíguo, ou que se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos, para além de o mesmo observar o estrito âmbito dos limites e dos poderes/deveres de pronúncia desta Formação, não se integrando nas acometidas causas de nulidade um alegado desacerto no que nela foi julgado.
Nº Convencional:JSTA000P28316
Nº do Documento:SA120211007020024/16
Data de Entrada:06/22/2021
Recorrente:E-REDES - DISTRIBUIÇÃO DE ELETRICIDADE, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM, EM APRECIAÇÃO PRELIMINAR, NA Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. E-REDES - DISTRIBUIÇÃO DE ELECTRICIDADE, SA, devidamente identificada nos autos e uma vez notificada do acórdão desta Formação, datado de 13.07.2021, proferido no âmbito dos autos da impugnação por si instaurada, nos termos, nomeadamente dos arts. 04.º e 59.º da Lei n.º 63/2011, de 14.12 [vulgo LAV/2011], contra MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE GAIA e no qual foi decidido não admitir a revista, inconformada veio arguir a sua nulidade nos termos do art. 615.º, n.ºs 1, als. c) e d), e 4 do Código de Processo Civil [CPC/2013], mais peticionando que fosse «declarada a inconstitucionalidade nos termos requeridos e … proferida nova decisão, admitindo-se o recurso revista» [cfr. fls. 661/667 - paginação do «SITAF» tal como as ulteriores referências a paginação].

2. O R., devidamente notificado, não produziu qualquer pronúncia quanto à arguida nulidade [cfr. fls. 659 e segs.].

3. Constitui objeto de análise, para efeitos de sustentação, a invocada nulidade assacada ao acórdão proferido fundada em alegada «oposição com os respetivos fundamentos» com a alusão ao acórdão proferido no proc. n.º 09/18.8BCLSB e ambiguidade/obscuridade e, bem assim, na omissão de pronúncia quanto à arguida questão de constitucionalidade pela mesma suscitada [arts. 608.º, n.º 2, 615.º, n.ºs 1, als. c) e d), e 4, do CPC/2013].

4. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º, 666.º e 685.º do CPC/2013 ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA os acórdãos são suscetíveis, para além de retificação de erros materiais e de reforma nos termos e com os limites definidos no mesmo quadro normativo, também do suprimento de nulidades.

5. Estipula-se no art. 615.º do CPC/2013, sob a epígrafe de «causas de nulidade da sentença» e na parte que ora releva, que é «nula a sentença quando: … c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as «nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades» [n.º 4].

6. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013 temos que a mesma, na sua primeira parte, assenta na contradição localizada no plano da expressão formal da decisão, redundando num vício insanável do chamado «silogismo judiciário», ou seja, traduz-se numa contradição de ordem formal quanto aos fundamentos estabelecidos e utilizados na mesma e não aos que resultam do processo.

7. Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC/2013 do juiz fundamentar as suas decisões e, por outro lado, pelo facto da decisão judicial dever constituir um silogismo lógico-jurídico em que o inciso decisório deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor].

8. Temos, pois, que, sob pena de incorrer em nulidade, os fundamentos de facto e de direito insertos no acórdão devem ser logicamente harmónicos com a sua pertinente conclusão decisória, enquanto corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito e que tal não se verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta.

9. Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão do acórdão, e outra, radicalmente diversa, é o erro de interpretação dos factos ou do direito ou a aplicação deste.

10. É que a nulidade em questão nada tem que ver com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro da construção do silogismo judiciário, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão, porquanto não existe a oposição, geradora desta nulidade, se o julgador erra na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, ele errou na indagação da norma aplicável ou na sua interpretação, visto que, quanto muito, estaremos em face de erro de julgamento, mas não desta nulidade.

11. Temos que, por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que a tornem ininteligível.

12. A decisão só é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.

13. Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada.

14. Cientes dos considerandos caraterizadores da nulidade de decisão invocada temos que na situação vertente, à luz do que se mostra alegado e do enquadramento supra efetuado, soçobra a arguição de nulidade subsumida pela reclamante à al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC dado inexistir quer a invocada contradição quer a ambiguidade/obscuridade, que tornem a decisão nula.

15. Com efeito, reanalisado e relido a motivação expendida no acórdão ora objeto de impugnação, com apoio no acórdão desta formação que foi convocado e, bem assim, confrontados os Acs. do TCA/S objeto de impugnação através de recurso de revista, ressalta em ambos a convocação do mesmo regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, sendo que as erradas interpretação e aplicação da convenção de arbitragem e quadro normativo definido e da consideração do devido regulamento de arbitragem, bem como do que são os poderes do STA quando envolvem questões de alegada inconstitucionalidade, não se podem subsumir à nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013, porquanto o saber e determinar se o juízo firmado e a fundamentação em que o mesmo se estribou se mostra como acertado, ou não, consubstanciará apesar da discordância da recorrente como eventual erro de julgamento e não nulidade, na certeza de que não se descortina a existência de algum trecho ou passo do acórdão reclamado cujo sentido se apresente como ininteligível e ambíguo, ou que se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.

16. E o mesmo importa concluir quanto à arguição da nulidade de decisão enquanto fundada na infração à al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013.

17. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC/2013].

18. É certo que o tribunal deve examinar toda a matéria alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.

19. E em que «questões» para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio.

20. Assim, independentemente do acerto ou não do decidido, temos que o juízo firmado não envolveu qualquer omissão de pronúncia quanto às questões invocadas já que, analisados os termos e motivação do recurso de revista e aquilo que constituem os fundamentos expendidos no acórdão reclamado, resulta que a análise que neste foi feita contém a pronúncia estritamente exigida pelo art. 150.º do CPTA, ou seja, a análise quanto à verificação dos pressupostos definidos pelo n.º 1 do preceito para a admissibilidade ou não do recurso de revista, não lhe sendo imposta uma pronúncia de fundo quanto ao mérito ou demérito do recurso, ou quanto ao acerto ou desacerto do juízo firmado no acórdão do TCA, mormente quanto a questões de constitucionalidade.

21. Nessa medida, não enferma o acórdão em crise de vícios que acarretem a sua nulidade, termos em que se impõe indeferir a presente reclamação, cientes de que o poder jurisdicional desta formação - exercitável no âmbito do art. 150.º do CPTA - se mostra esgotado [cfr. art. 613.º do CPC].

DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em indeferir in totum a arguição das nulidades deduzida.
Custas do incidente a cargo da recorrente, ora reclamante.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 07 de outubro de 2021
[consigna-se que o Conselheiro José Augusto de Araújo Veloso, atual juiz integrante desta formação, intervém substituindo o Conselheiro Jorge Artur Madeira dos Santos em virtude de este haver cessado funções neste Supremo por aposentação/jubilação - DR II série, n.º 143, de 26.07.2021]

Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.