Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01067/15
Data do Acordão:11/18/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
ISENÇÃO
INSOLVÊNCIA
VENDA
Sumário:A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Nº Convencional:JSTA000P19721
Nº do Documento:SA22015111801067
Data de Entrada:09/08/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............,LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da decisão do TAF de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A…………., Ld.ª, melhor identificada nos autos, contra a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € 17.800,00.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IMT titulada pelo documento n.º 160014078446035, com data de declaração de 2014/04/24, na importância total de € 17.800,00, determinando a anulação da liquidação do IMT com a consequente devolução da quantia paga.
B. Ressalvado o de respeito, a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, traduzido numa errada interpretação e aplicação do direito, em concreto do artigo 270°, n.º 2 do CIRE, pelo que, deve ser revogada.
C. Porquanto a transmissão dos imóveis em causa nos autos não está isenta de IMT ao abrigo do disposto no artigo 270°, n.º 2 do CIRE, posto que, não teve por objeto a universalidade da empresa ou estabelecimento.
D. Com efeito, no caso vertente, cf. pontos 1), 2) e 3) dos factos provados, verifica-se que o que a impugnante adquiriu foi o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 971 da freguesia de ……… e o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 962 da mesma freguesia, e não a empresa (insolvente) nem tão-pouco um dos seus estabelecimentos, dai que, com o devido respeito, em face da letra da lei, não foram preenchidos pela adquirente os pressupostos de que depende a aplicação daquela isenção de IMT.
E. Ora, perante o teor literal da norma, apenas podem estar isentas de IMT as transmissões de bens imóveis integradas no todo da empresa ou, pelo menos, integradas na transmissão de um dos seus estabelecimentos, o que não sucedeu in casu.
F. Neste contexto, denote-se que o artigo 270°, n.º 2 do CIRE faz referência aos atos de venda, permuta ou cessão da empresa, realidade esta que, estando em causa preceitos do CIRE, há de corresponder à definição constante do seu artigo 5°, onde se estabelece que «Para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica».
G. Outrossim, tenha-se em atenção que enquanto para efeitos de isenção de Imposto do Selo (verba 1.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo) prevista na alínea e) do artigo 269.° do CIRE, os atos de venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa se encontram abrangidos pela disposição legal, de modo diferente, para efeitos da isenção prevista no artigo 270°, n.º 2 do CIRE, só podem estar isentas de IMT as transmissões de bens imóveis que integrem a universalidade da empresa ou estabelecimento, não cabendo na previsão legal a transmissão isolada de bens imóveis da empresa, ainda que pertencentes ao ativo da empresa.
H. Assim, entendemos que é no confronto com este quadro normativo que se deve aferir se a isenção de IMT constante no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE se aplica à concreta situação em apreço.
Perante o exposto, afigura-se-nos, salvo sempre o devido respeito, que a douta sentença ora recorrida violou o artigo 270°, n.º 2 do CIRE, devendo por isso ser revogada.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto remete para o parecer emitido na 1ª instância pelo Ministério Público, a fls. 47 e 48 dos autos, concluindo que o recurso deve improceder.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal da Aveiro fixou a seguinte matéria de facto:
1 — Por escritura celebrada em 24.04.2014 no Cartório Notarial de Matosinhos a impugnante declarou ter adquirido dois imóveis, um inscrito na matriz predial rústica sob o art° 962 e outro inscrito sob a matriz predial urbana sob o art° 971, cfr. fls. 14 a 27 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
2 — Os imóveis identificados em 1), foram adquiridos à Massa Insolvente da sociedade B…………, SA, conforme escritura constante destes autos de fls. 14 a 24.
3 — A B…………, SA, foi declarada insolvente por sentença proferida em 02.02.2013 no 3° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, cfr. fls. 14 destes autos.
4 — Em 24.04.2014 a ora impugnante procedeu ao pagamento do IMT decorrente da aquisição dos imóveis identificados em 1), cfr. fls. 28 a 30 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
5 — A ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do IMT identificada em 4), cfr. fls. 3 a 7 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
6 — A reclamação graciosa foi indeferida por despacho proferido em 24.09.2014 nos termos constantes de fls. 40 a 43, 55 a 57 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
7 — A petição inicial foi apresentada em 10.10.2014, cfr. fls. 5 e 6 destes autos.

6. Da análise do segmento decisório da sentença e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação da liquidação de IMT deduzida pela recorrida A…………, Ld.ª por ter considerado que a mesma beneficia de isenção de IMT, prevista no artº 270º, nº 2 do CIRE, relativamente à aquisição dos imóveis descritos no ponto 1 do probatório, considerando que tais imóveis foram adquiridos no âmbito do processo de insolvência da sociedade da sociedade B…………, SA.
A sentença do TAF de Aveiro, perante a questão que lhe era proposta e que se prendia com a interpretação do nº 2 do artº 270º do CIRE, no que respeita ao âmbito da isenção aí consignada, concluiu, sufragando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo - Acórdão 1085/13 de 17.12.2014 (in www.dgsi.pt) - que deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Não conformada vem a Fazenda Pública interpor o presente recurso.
A base da sua argumentação assenta nas seguintes proposições:
- O reconhecimento do beneficio previsto no artº 270º, nº 2 CIRE deriva de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, sendo assim, essencial à aplicação da isenção de IMT que a transmissão abranja a totalidade da empresa ou estabelecimento;
- Perante o teor literal da norma, apenas podem estar isentas de IMT as transmissões de bens imóveis integradas no todo da empresa ou, pelo menos, integradas na transmissão de um dos seus estabelecimentos, o que não sucedeu in casu.

6.1 Não acompanhamos esta interpretação do preceito, antes entendemos que a razão está com a decisão recorrida.
Vejamos, pois, o regime legal aplicável.
Nos termos do nº 1 do artº 270º do CIRE estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;
b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;
c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

Por sua vez dispõe o nº 2 do mesmo preceito que «estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente».
A redacção deste número 2 não é clara, antes ambígua, dando causa a divergências interpretativas, nomeadamente como a que é suscitada nos presentes autos, ou seja saber se apenas beneficiam de isenção de IMT os actos de venda, permuta ou cessão que têm por objecto a empresa ou estabelecimentos desta, ou, tal como se decidiu em primeira instância, também podem considerar-se abrangidas pela isenção as vendas de elementos do activo das empresas, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por várias vezes sobre a questão da interpretação deste normativo e no sentido propugnado pela decisão recorrida.
Como ficou dito no Acórdão 949/11 de 30.05.2012, «o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, deve ser interpretado em conformidade com a alínea c) do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, pois que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade. (…) Como tal, deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Também nos acórdãos desta Secção de 17 de Dezembro de 2014, recursos 1085/13 e de 11 de Novembro de 2015, recurso 968/13 Ainda não publicado na base de dados da www.dgsi.pt., proferidos em casos similares ao dos presentes autos, se sublinhou que a aquisição de um imóvel, alegadamente, até o único bem que integrava a massa insolvente, na venda realizada no processo de insolvência na fase de liquidação da massa insolvente, não pode, pois, deixar de estar isento do IMT, ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 270º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Concordamos com esta jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente.
Com efeito a questão suscitada é, sobretudo, uma questão de interpretação da lei fiscal, havendo que fazer apelo à ratio legis e tendo sempre presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.
Ora, como se evidenciou no já referido acórdão 1085/13, haverá que ter em conta o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, - «fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador», dando incentivos fiscais a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente e que serão vendidos em fase de liquidação.
Não havendo que diferenciar, para tal fim, as situações em que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, das situações em que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, ou em que se estejam a vender bens imóveis que integravam o seu activo.
O objectivo que preside à teleologia da norma será igualmente prosseguido quando a aquisição tem por objecto elementos do activo da empresa, não se tomando necessário que o objecto seja a empresa ou estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência.
Por isso mesmo não procede também a argumentação da recorrente quando invoca o exemplo da isenção de Imposto de Selo a que alude o artº 269º al. e) do CIRE.
Não há qualquer razão válida para proceder a uma interpretação mais restritiva no que se refere à isenção de IMT prevista no artº 270º, nº 2 do CIRE.
Acresce que, como também se deixou dito no supra citado Acórdão 949/11, o nº 3 do artº 9º da Lei de autorização legislativa nº 39/2003, dispunha, no que se refere às isenções de Sisa (hoje IMT) que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».
Ora, embora o argumento literal também pudesse apontar para uma solução diversa, «uma interpretação conforme à CRP impõe que se considere que a isenção em causa se aplica também às vendas e permutas dos elementos do activo de empresas enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, uma vez que é para essa solução que aponta a lei de autorização legislativa que autorizou o Governo a legislar sobre esta matéria, pelo que uma interpretação diversa seria inconstitucional, uma vez que, nesse caso, teria o Governo legislado em desrespeito pelo “sentido e extensão” da autorização legislativa.»
Daí que se conclua, reiterando tal jurisprudência, que a isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
A decisão recorrida, que assim entendeu, não padece, pois, do erro de julgamento que lhe é imputado pela Fazenda Pública.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente.
Lisboa, 18 de Novembro de 2015. – Pedro Delgado (relator) – Fonseca CarvalhoIsabel Marques da Silva.