Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0228/15.9BEVIS
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
IVA
ERRO DE DIREITO
Sumário:I - À “regularização” de I.V.A. é aplicável o prazo de 4 anos, previsto no art. 98.º n.º2 do C.I.V.A., conforme reiterado pela jurisprudência do T.J.U.E. - acórdão “Biosafe”, de 12-4-2018, proferido no proc. C-8/17, e acórdão “Volkswagen AG”, de 21-3-2018, no proc. C-533/2016.
II – Assim sendo de considerar, tendo o Município declarado a substituição do método de dedução de IVA para afetação real e com “pro rata” de 2%, se vem a fazer constar em declaração periódica relativa ao período de “201212T”, no campo 40, montante relativo a 2010, não é possível concluir pela violação do art. 27.º n.º3 do C.I.V.A., e dos artigos 26.º n.º4 (punição em dobro quanto a pessoas colectivas) e 114.º n.º2 do R.G.I.T. (punição por “negligência”, quanto à conduta prevista no anterior n.º1, de falta de entrega de imposto deduzido, nos termos legais).
Nº Convencional:JSTA000P27098
Nº do Documento:SA2202102030228/15
Data de Entrada:11/13/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:C.M. DE SÃO PEDRO DO SUL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. Relatório

I.1. A sr.ª representante da Fazenda Pública (F.P.) vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 12/08/2020, que julgou procedente o recurso intentado pelo Município de S. Pedro do Sul contra a decisão proferida a 9-1-2015 no Serviço de Finanças de S. Pedro do Sul, que aplicou a coima de € 16.539,54.
I.2. A referida recorrente vem a formular alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:
A. Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente o Recurso de Contraordenação, interposto contra a decisão do chefe do serviço de finanças de São Pedro do Sul, no âmbito do processo de contraordenação nº2640 2013 06024530, e que culminou com a condenação na aplicação de coima objeto destes autos.
B. Concretamente, o mesmo tem por objeto a decisão de aplicação ao Recorrente de coima pela prática de infração tributária prevista e punida pelos artigos 27º, n.º 3 do CIVA, 114º, n.º 2 e 26º n.º 4 do RGIT, com fundamento na falta de entrega de prestação tributária.
C. Analisado o conteúdo da sentença em questão, verifica-se que está aqui em causa uma alteração, realizada pela Recorrente, do método de afetação real de todos os bens para efeitos do exercício do direito à dedução comunicado em 28-04-2008, substituindo-o pela utilização do método de afetação real de parte dos bens com a utilização de pro rata 2%. Sendo que, na declaração periódica de IVA relativa ao período de 2012/12T regularizou a seu favor (campo 40 da declaração) o montante de € 55 131,79, relativo ao ano de 2010.
D. A decisão em questão considerou que “a dedução do IVA reclamado pelo Arguido, resultando de um erro de direito, pode ser efetuada no prazo de 4 anos, nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, não se verificando a infração prevista no artigo 114º, n.º 2 e 26º n.º 4 do RGIT, pelo que deve proceder o recurso”.
E. Não se conforma a Fazenda Pública com o assim decidido, pelos motivos que passa a demonstrar.
F. A título prévio, note-se que a Fazenda Pública não desconhece a jurisprudência citada pelo decisor na douta sentença e na qual assentou o seu juízo decisório, contudo e salvo melhor entendimento, somos de parecer que a mesma não tem aplicação ao caso dos autos, conforme seguidamente se explicita.
G. Desde logo, cumpre esclarecer que, ao contrário do entendimento do douto tribunal, a posição sustentada pela Inspeção - quanto ao facto da recorrente deixar expirar o prazo para efetuar a dedução do imposto, pois, por um lado, dispõe o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA que o prazo para essa dedução não pode ir além da entrega da declaração do último período do ano a que respeita e, por outro, a adoção de um novo método de dedução não pode ser efetuada nos termos do artigo 78.º do CIVA em virtude de não estarmos perante erros materiais ou de cálculo, mas sim perante uma opção da recorrente - não é incompatível com o entendimento de que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental que assegura a neutralidade do IVA, só devendo ser restringido em situações excecionais.
H. Saliente-se que a tese da AT, fundamentada no artigo 22º e 23º (mormente o seu número 6) do CIVA, é a de que a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, livremente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, já que tal é a forma adequada a assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado, tal qual prevê o legislador comunitário.
I. Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] tem vindo sucessivamente a salientar, e conforme resulta da redação dos artigos 167.º e 179.º, n.º 1, da Diretiva IVA, o direito à dedução é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível.
J. Contudo, nos termos do disposto nos respetivos artigos 180.º e 182.º, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução do IVA, mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo da observância de determinadas condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (neste sentido, vide o Acórdão de 8 de Maio de 2008, Proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457, n.ºs 42 e 43, disponível in curia.europa.eu).
K. No entanto, nesse caso, o seu direito à dedução fica dependente de determinadas condições e modalidades fixadas pelos Estados membros.
L. Nesta sede, o TJUE tem vindo a notar que a possibilidade de exercer o direito à dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente suscetível de ser posta em causa, pelo que não acolhe a tese segundo a qual o direito à dedução, tal como o direito à liquidação, não pode ser associado a um prazo de caducidade.
M. A jurisprudência do TJUE tem considerado que os Estados Membros podem impor restrições temporais à dedução de IVA conquanto tais restrições se destinem a assegurar a estabilidade das relações jurídicas e não sejam desproporcionadas no combate à fraude à evasão fiscal de modo a colocar em causa o princípio basilar da neutralidade do imposto.
N. É certo que as restrições ao direito à dedução não são absolutas, existindo duas “válvulas de escape” que permitem assegurar a conformidade da legislação nacional com o direito da União tal como é interpretado pelo TJUE, nomeadamente as regularizações constantes do artigo 78.º do CIVA e a revisão oficiosa dos atos tributários nos termos do artigo 98.º do CIVA e 78.º da LGT.
O. É neste contexto que, na legislação nacional, se permite que, nomeadamente, ocorrendo um erro material ou de cálculo, que tenha ocorrido em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado no artigo 78.º, n.º 6 do CIVA.
P. Na douta sentença, e tal como conclui o Juiz, ocorreu um erro por parte da recorrente, não material ou de cálculo, mas, como sustenta, de direito, que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, se terá vindo a aperceber que, afinal, seria. Pelo que é manifesto que não se enquadra nos “erros” tipificados no artigo 78.º do CIVA.
Q. Deste modo, não será o erro em causa corrigível nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, uma vez que não se trata de erro de cálculo, nem de um erro material, por isso, o prazo aplicável nunca poderia ser o de dois anos ali previsto.
R. Não obstante, mesmo perante um erro de direito, podendo o contribuinte beneficiar, em abstrato, do artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, a dedução do imposto não pode, no entanto, ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.
S. Pois este preceito, “ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido.
T. E tal interpretação não acarreta qualquer ofensa ao princípio da neutralidade do IVA e às normas da Diretiva IVA, antes pelo contrário, já que é do próprio princípio da neutralidade e daquelas normas que decorre a imposição de que o IVA suportado se deduza, por regra, no período em que foi suportado, sendo que a possibilidade de, através de apresentação de declaração de substituição caso seja possível ou, e no limite, mediante a apresentação de pedido de revisão do ato tributário de autoliquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita a dedução, por erro de facto ou de direito omitida, o contribuinte fazer valer o seu direito à dedução durante o prazo de quatro anos [previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT e no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA] constituem mecanismos criados pelo legislador nacional que compatibiliza o direito nacional com o primado do princípio da neutralidade do IVA.
U. Conclui-se que, não obstante a recorrente, poder, em abstrato, utilizar o prazo previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA para obter a anulação do imposto a mais autoliquidado e com referência a cada um dos períodos em causa, mediante apresentação de pedido de revisão do ato tributário de autoliquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita a dedução, certo é que tal não sucedeu, auto regularizando a seu favor em 2012, o imposto deduzido a menos do ano de 2010.
V. Desta forma, não se verifica a alegada violação do direito da União Europeia e do direito nacional, o que significa que a recorrente regularizou indevidamente a seu favor na declaração periódica do período de 201212T, o montante de € 55.131,79, relativo ao ano de 2010.
X. Tendo, por consequência, sido praticada a infração que consistiu na regularização indevida de IVA a seu favor fora dos prazos legais previstos, com infração ao disposto no art.º 27º, nº. 3 do CIVA, e, sendo que, o comportamento praticado é punido pelo art.º 114º, nº. 2 do RGIT e 26º, nº. 4 do RGIT, por falta de entrega da prestação tributária. Sendo assim, é imperioso concluir que a decisão de aplicação de coima em causa se deve manter na ordem jurídica.
Y. Mal andou assim o douto tribunal a quo ao considerar que, a dedução do IVA em questão, resultando de um erro de direito, pode ser efetuada no prazo de 4 anos, nos termos do art.º 98º, nº. 2 do CIVA e que, por isso, não se verifica a infração prevista no art.º 114º, nº. 2 e 26º, nº. 4, ambos do RGIT.
Z. Dito de outro modo, incorreu, assim, a douta sentença recorrida em erro de julgamento, por errada interpretação e violação do disposto nos art.º 98º, nº. 2 do CIVA e art.º 114º, nº. 2 e 26º, nº. 4 RGIT.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso eliminando-se a douta sentença recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que julgue, totalmente improcedente a ação, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
I.3. O Município de S. Pedro do Sul veio apresentar contra-alegações, que concluiu nos termos seguintes:
“A sentença recorrida não merece a censura que a recorrente lhe dirige.
O tribunal recorrido fez uma correta análise dos factos e uma primorosa aplicação do direito.
Os factos apurados na sentença não constituem erros materiais ou de cálculo cometidos pelo arguido, razão pela qual não constituíam erro de facto e, consequentemente, não era aplicável o prazo de 2 anos fixado no artigo 78.º n.º 6 do CIVA, para a regularização a favor do sujeito passivo. Entendeu o tribunal recorrido, numa exemplar aplicação das normas jurídicas, que se trata de um erro de direito, a favor do sujeito passivo e que na falta de norma jurídica específica que fixe prazo para o exercício do direito à dedução, é aplicável, de acordo com os melhores cânones da interpretação jurídica, o prazo fixado no artigo 98.º n.º 2 do CIVA, isto é, 4 anos.
Não praticou o arguido a contra ordenação que lhe foi imputada pela recorrente.
E este entendimento do tribunal recorrido não merece censura.
TERMOS EM QUE DEVE O RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA."
JUSTIÇA.
I.4. O recurso foi admitido e remetidos os autos ao STA, tendo o exm.º magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, emitindo parecer em que consta, nomeadamente, o seguinte:

“A questão objecto do recurso consiste em saber se, incorre em erro de julgamento a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que concedeu provimento ao recurso do despacho que aplicou ao Impugnante, ora Recorrido uma coima por falta de entrega da prestação tributária (IVA).
Nos termos do artigo 2° do RGIT constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior.
No caso sub judice, a factualidade imputada ao Recorrido traduz-se na regularização, a seu favor, na declaração periódica do 4º trimestre de 2012, montante de €55.131,79, relativo o ano de 2010.
E a norma legal tida por violada pela decisão administrativa é a do artigo 27º, nº 3, do CIVA,
Referindo-se na mesma decisão, como normas punitivas os artigos. 114º, nº 2, e 26°, nº 4, ambos do RGIT (falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo).
A contra-ordenação fiscal imputada ao arguido, ora Recorrido foi, assim, a do artigo 114.º, nº 2, do RGIT,
Consistindo, a conduta ali tipificada como contra-ordenação na “não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei”
É a seguinte a redacção dos n°s 1 a 3, do artigo 114°, do RGIT: 1. “A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2. Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
3. Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.”
No que concerne ao preenchimento do tipo legal previsto no n.º 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT a jurisprudência do STA tem vindo a afirmar, de forma dominante e consolidada, que “a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos”, que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida” (Neste sentido, os Acórdãos de 21/04/2010, recurso 85/10, de 02/12/2009, recurso 887/09, de 18/11/2009, recurso 593/09, de 25/11/2009, recurso 624/09, de 16/09/2009, recurso 540/09, e de 23/11/2011, proc. nº 0855/11, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Com efeito e como se sublinha no último Acórdão acima citado, “no âmbito do IVA fala-se de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos arts. 19.º a 25.º do CIVA, não se referindo qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido.
De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram [o imposto que deduziram, à face da definição dada na alínea a) do art. 11.º do RGIT], mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram”.
Nesta sequência, tem-se entendido que as referências à “prestação tributária que nos termos da lei deduziu” e à “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, que se utilizam no artigo 114.º do RGIT, apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global.
Em suma, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal da contra-ordenação em causa e, consequentemente, para que se cumpra a “descrição sumária dos factos”, que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima,
Terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida. Ora, no caso dos autos, é inequívoco que não consta da decisão que aplicou a coima, nomeadamente da descrição dos factos, o recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida,
Sendo certo que na declaração periódica em causa o Recorrido não solicitou o reembolso da regularização acima mencionada, somando-se assim o seu valor ao crédito do imposto que já vinha sendo sucessivamente reportado nas anteriores declarações periódicas de IVA,
O que afasta a possibilidade do preenchimento da hipótese tipificada no artigo 114º, nº 2, do RGIT.
Como ficou consignado no Acórdão de 28/5/2008, “não tendo havido recebimento do imposto anterior à entrega à Administração Tributária da declaração periódica referida no ponto B) da matéria de facto fixada, está afastada a possibilidade de preenchimento da hipótese do art. 114º, nº 2, do RGIT (que se reporta à conduta prevista no nº1 do mesmo artigo) ”.
Pelo que o recurso não merece provimento
CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos expostos deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida.”
I.5. Tal parecer foi notificado, nos termos do art. 417.º n.º2 do C.P.P., subsidiariamente aplicável, não tendo obtido resposta por parte da F. P., nem do Município de S. Pedro do Sul.
I.6. Cumpre apreciar e decidir se ocorre erro de julgamento, de direito, no decidido na sentença recorrida que anulou a decisão de aplicação da coima com fundamento no que se defende relativamente ao disposto no artigos 98.º, n.º2 do C.I.V.A., 114.º n.º2 e 28.º n.º 4 do R.G.I.T..
I.7. Tal decisão consta a fls. 74 e 75 do processo físico e fls. 87 e 88 do SITAF, em que é descrita sumariamente ter sido levantado auto de notícia por se ter verificado que aquele município regularizou indevidamente IVA a ser favor, fora do prazo previsto no artigo 23º do Código do IVA, pela período tributação “201212” e na data de “2013-01-31”.
II. Fundamentação.
II.1. De facto.
A sentença recorrida fixou como provados os seguintes factos:
1. O Arguido é uma pessoa coletiva pública que prossegue o interesse público e, nesse âmbito, são-lhe cometidas diversas atribuições e atividades, quer estritamente de gestão pública, quer também atividades que podem concorrer com o sector privado ou de gestão privada;
2. O Arguido é um sujeito passivo misto de IVA, praticando simultaneamente operações isentas de imposto e operações sujeitas e não isentas encontrando-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral;
3. Em 01-08-2011, substituindo a utilização do método de afetação real de todos os bens para efeitos do exercício do direito à dedução comunicado em 28-04-2008, comunicou a utilização do método de afetação real de parte dos bens com a utilização de pro rata 2%
4. Na declaração periódica de IVA relativa ao período de 201212T regularizou a seu favor (campo 40 da declaração) o montante de € 55 131,79, relativo ao ano de 2010.
5. Os Serviços de Inspeção da Autoridade Tributária concluíram não ser possível efetuar a dedução de IVA vinda de referir: “nos termos do art.º 23.º do CIVA relativamente ao ano de 2010, sendo a dedução das regularizações do pro rata apenas possível até à entrega da última DP do ano em causa, não sendo aplicável neste caso o prazo previsto no n.º 6 do art. 78.º do CIVA, nem podendo socorrer-se do mecanismo legal previsto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
6. O Entendimento vindo de expressar foi comunicado ao Arguido, através do ofício 9581 de 19-11-2013, para efeito de poder exercer o direito de audição, vide o doc. nº 3 que instruiu a defesa no processo de contraordenação n.º 2640201306024530, defesa apresentada em finais de 2014;
7. Direito que não exerceu e por isso, em 10 de dezembro de 2013, foi lavrado auto de notícia que originou o processo de contraordenação acabado de referir;
8. Processo onde foi aplicada ao Arguido a coima de 16 539, 54€, decisão com que não se conformou apresentando o recurso que originou os presentes autos.
Não foram na mesma dados como provados outros factos.
II.2.De Direito.
Na sentença recorrida considerou-se aplicável o prazo previsto no art. 98.º do C.I.V.A. quanto à regularização de IVA efetuado pelo Município de S. Pedro do Sul nas circunstâncias de facto fixadas de que resulta, nomeadamente, que o referido Município após ter declarado a substituição do método de dedução de IVA para o de afetação real e com “pro rata” de 2%, fez constar na declaração periódica relativa ao período de “201212T”, e no campo 40, o montante de € 55 131,79, relativo a 2010.
Considerou-se ainda verificar-se erro de direito e ser tal entendimento da doutrina e da jurisprudência - foi citado, nomeadamente, o acórdão do S.T.A. de 28-6-2017, proferido no proc. 01427/14, em que julgou desse modo quanto a Município que, exercendo actividade isenta e não isenta de IVA, veio a substituir o método de dedução pelo de afetação real, admitindo ainda como válida a regularização efetuada quanto a montante anterior em revisão oficiosa do ato praticado.
A jurisprudência do T.J.U.E. tem reiterado, embora a respeito do direito a reembolso de IVA, que este não deve ser recusado por preclusão de prazo previsto em regulamentação dos Estados-membros – cfr., para além do acórdão “Biosafe”, de 12-4-2018, proferido no proc. C-8/17, citado já na sentença recorrida, o acórdão “Volkswagen AG”, proferido a 21-3-2018, no proc. C-533/2016, acessível em www.curia.europa.eu.
Assim sendo, consideramos não ser de invalidar o entendimento tido de que resulta aplicável à “regularização” de IVA o prazo de 4 anos, nos termos previstos no art. 98.º n.º2 do C.I.V.A., nem o decidido quanto a ter ocorrido erro de direito por parte do referido Município.
Consequentemente, não é possível concluir pela violação do art. 27.º n.º3 do C.I.V.A., e dos artigos 26.º n.º 4 (punição em dobro quanto a pessoas colectivas) e art. 114.º n.º2 do R.G.I.T. (punição por “negligência”, quanto à conduta prevista no anterior n.º1, de falta de entrega de imposto deduzido, nos termos legais).
O recurso não obtém provimento quanto ao que pede relativamente à eliminação da sentença proferida e à procedência da ação.
III. Decisão:
Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas, dado o disposto no art. 66.º do R.G.I.T..

Lisboa, 3 de fevereiro de 2021. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.