Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0172/21.0BEBRG
Data do Acordão:01/27/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL
VALORAÇÃO
JÚRI
DOCUMENTO
PROPOSTA
Sumário:I - O art. 72º nº3 do CCP não contende com o art. 146º n.º 2 al d) do CCP que prevê expressamente a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos no art. 57º n.º 1 al. b) do CCP.
II - O art. 72º nº3 está previsto precisamente para as situações que implicariam a exclusão do concurso mas que, por não se tratar de formalidade essencial, o legislador entendeu que se justificava o convite ao suprimento.
III - O conceito de formalidades não essenciais a que se reporta o nº3 do art. 72º do CCP é um conceito aberto que apela a ponderações casuísticas.
IV - No contexto do procedimento em causa nos autos a apresentação do certificado TCO é um documento que visa comprovar qualidades pré-existentes no equipamento a utilizar e não se vê de que forma, a sua apresentação após convite ao suprimento ou antes deste, possa afetar a concorrência e igualdade de tratamento.
V - Isto é, este certificado ambiental não é um atributo da proposta submetido à concorrência, não representando qualquer alteração das características técnicas dos bens objeto do concurso, tendo sido emitido em momento anterior ao termo da data de apresentação das propostas, pelo que não afeta a concorrência ou a igualdade estando preenchidos os requisitos da “apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.” tal como exigido pelo referido nº3 do art. 72º supra citado.
Nº Convencional:JSTA00071372
Nº do Documento:SA1202201270172/21
Data de Entrada:12/06/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE BARCELOS
Recorrido 1:A..............., LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ARTS. 70.º, n.º 2, al. b), 72.º, n.º 3, CCP
Aditamento:
Texto Integral: 1. O MUNICÍPIO DE BARCELOS vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art.º 150º CPTA, do acórdão do TCAN, de 10.09.2021, que negou provimento ao recurso de apelação, confirmando a sentença proferida, em 16.06.2021, pelo TAF do Porto – que tinha julgado procedente a ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual, instaurada por A……………, LDA contra o mesmo Município, indicando como contrainteressados B……………. UNIPESSOAL, LDA., e C…………., pedindo a condenação do ora recorrente a admitir a proposta da A. e a subsequente reorganização das propostas, requerendo a anulação do despacho de 6.1.2021 da Vereadora aposto no Relatório Final, que excluíra a proposta e adjudicara os lotes 1 e 3 à proposta da B…………, no âmbito do concurso público para “Aquisição de computadores com conectividade à internet”.
2. Para tanto, alegou em conclusão:

“I. O presente recurso de revista tem por objeto o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 13 de setembro de 2021, o qual manteve o teor da sentença recorrida e julgou a ação integralmente procedente.

II. A questão que vem sido discutida nos presentes autos prende-se em saber se, atenta a prévia definição do conceito de «formalidades não essenciais» no âmbito do artigo 72º/3 do CPP, era admissível ao júri do procedimento ter aceitado e valorado um documento junto pela recorrida, enquanto documento (condição) de apresentação obrigatória com a proposta (art.º 57 nº 1 al. c) do CCP), exigido, outrossim, pelo Programa de Procedimento.

III. Entende o Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao confirmar - na esteira do que já havia decidido o TAF do Porto - que a falta de junção do documento certificação TCO (considerado como condição da proposta, ainda que não submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos) era passível de suprimento nos termos do art.° 72° n° 3 do CCP, por corresponder a uma irregularidade formal não essencial.

IV. O que, apenas e só, aqui está em causa, é um problema de interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos artigos 57º nº 1 al. c) e 72.°, n.º 3 ambos do CCP e ponto 3.1 alínea c) 2 do Programa de Procedimento, face ao quadro factual dado como assente em sede de 1.ª instância.

V. É apodítico que o aludido aresto se aplica na perfeição à situação aqui em apreço, porquanto a jurisprudência (sobretudo dos Tribunais Centrais) tem-se assumido como dissonante e díspar quanto à exegese do conceito de formalidade essencial e respetiva degradação em não essencial, bem como do espectro de aplicação do pedido de esclarecimentos, sobretudo o seu n°3 quando implica a sindicância de documentos não juntos ou a juntar posteriormente às propostas, vide a este propósito o acórdão aqui em análise e de que ora se recorre e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n° 1641/18.5BELSB, proferido a 16/04/2020.

VI. In casu, resulta que as instâncias tiveram entendimento oposto quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas que respeitam à possibilidade de o júri pedir esclarecimentos aos concorrentes, com os quais poderão juntar documentos, - o que aconteceu in casu com a Recorrida a juntar o documento (cerificação TCO) - sobretudo quando se tratam de termos ou condições, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.

VII. Importa ao recorrente, em sede de recurso de revista, ver esclarecido se: i) o espectro do pedido de esclarecimentos previsto no art.° 72° n° 3 do CCP poderá abranger documentos referentes a termos ou condições da proposta, enquanto meios de suprimento de uma formalidade não essencial; ii) se a não apresentação - no momento da entrega da proposta - dos documentos exigidos no art.° 57° n°s 1 e 2 CCP, bem como de documentos requeridos pela entidade adjudicante no âmbito da margem de discricionariedade procedimental e sob cominação expressa de exclusão - relativos a termos ou condições - constitui causa de exclusão da proposta, nos termos do art° 146° n° 2 d) CCP, não sendo passíveis de configurar uma formalidade não essencial e, por conseguinte, passível de suprimento por via do pedido de esclarecimentos.

VIII. Em conclusão, estão verificados os dois requisitos de admissão do recurso de revista previstos no n.° 1 do artigo 150.° do CPTA, pelo que estão reunidas as condições para que o mesmo seja admitido e apreciado por V. Exas., o que será certamente entendido na apreciação preliminar sumária a realizar pela formação de Ilustres Conselheiros a constituir, nos temos do disposto no artigo 150.°, n.° 6 do CPTA.

IX. Conforme se vem referindo, a vexata quaestio dos presentes autos está relacionada com a definição do conceito de “formalidades não essenciais” no âmbito normativo do artigo 72°/3 do CPP, era admissível ao Júri do Procedimento ter aceitado e valorado um documento junto pela Recorrida, enquanto documento (condição) de apresentação obrigatória com a proposta (art.° 57 n° 1 al. c) do CCP), exigido pelo Programa de Procedimento.

X. Resulta da sentença proferida em primeira instância pelo TAF do Porto - que foi integralmente validada e mantida pelo Tribunal a quo - que: “O documento correspondente à certificação TCO (ou equivalente) corresponde a um documento exigido nos termos da cláusula 3.1 al. c) do Programa do Procedimento e 57.°, n.° 1 al. c) do CCP, mas destina-se a atestar a certificação ambiental do produto, sem envolver uma alteração às caraterísticas técnicas do mesmo. Acresce que, como resulta do probatório, a A., em sede de audiência prévia, apresentou esse certificado TCO extraindo-se do mesmo a data do certificado como correspondendo a 17.7.2020 (e sua validade até 17.7.2022), ou seja, permitindo comprovar que o bem proposto fornecer pela A. dispunham em momento anterior à data de apresentação da proposta a referida certificação ambiental. Ou seja, considerando que os certificados TCO contêm a data do certificado TCO permitem atestar que em momento anterior à data de apresentação da proposta o produto proposto pelos concorrentes apresenta a referida certificação ambiental. Daqui resulta que a falta de apresentação do documento TCO (ou equivalente) corresponde a uma irregularidade formal não essencial, carecida de suprimento, pois que corresponde à falta de apresentação de documento que se limita a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, concretamente a certificação ambiental (de tipo 1) do produto."

XI. Em face deste juízo e da hermenêutica das normas legais e procedimentais aplicáveis ao caso sub judice, entendeu o Tribunal a quo invocando um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo10 que “(...) sendo os casos obviamente diversos do ponto de vista casuístico, entroncam na mesma base racional, aquela que presidiu à decisão do TAF ora recorrida, no sentido de ser admissível o suprimento que “não atenta contra nem põe em risco os valores protegidos pelos princípios gerais da contratação pública, designadamente os princípios da transparência e da igualdade entre os concorrentes".

XII. Salvo devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo errou na hermenêutica jurídica do regime previsto no art.° 72° n° 3 do CCP, desde logo, ao considerar que a falta de junção do documento de certificação TCO era passível de ser suprida, por se afigurar como uma formalidade não essencial.

XIII. Não compreende a Recorrente como o Tribunal a quo não teve em consideração, para efeitos de ponderação da essencialidade dos documentos que, obrigatoriamente, tinham de integrar a proposta quando da sua submissão, o disposto no Programa de Procedimento, no ponto 3.1 alínea c) 2, onde se exigia, sob pena de exclusão da proposta, que fosse instruída com os documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os termos ou condições, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar, nos termos do n° 3 do artigo 57.° do Código dos Contratos Públicos, nomeadamente: - “Certificação TCO dos equipamentos”; Estabelecia, outrossim, o Caderno de Encargos, na “Parte II - Especificações Técnicas”, sob a “Cláusula 1.a - Características fornecimento” que: - nos lotes 1 e 3, sob a descrição “Computadores portáteis - educação” e “Computadores portáteis - serviços municipais” respetivamente, que os equipamentos tenham como característica “Certificação TCO - conjunto de garantias energéticas, ambientais e ergonómicas, tidas como obrigatórias”;

XIV. No caso sub judice, estando definido que o critério de adjudicação era monofator - o mais baixo preço -, o único atributo das propostas é o preço, pelo que, a exigência do Programa de Procedimentos quanto à certificação TCO (ambiental) dos equipamentos a fornecer corresponde a um aspeto da execução do contrato subtraídos à concorrência, ou seja, a um termo ou condição da proposta.

XV. De acordo com o disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP, relativa aos documentos que constituem a proposta, obriga - sob pena de exclusão - a que as propostas se encontrem constituídas pelos documentos exigidos no Programa do Concurso que contenham termos ou condições relativos a aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência pela entidade adjudicante, pelo que tendo em conta o critério de adjudicação fixado, verifica-se que os documentos exigidos no ponto 3.1 alínea c) 2 do Programa de Procedimento e no Caderno de Encargos, na "Parte II - Especificações Técnicas”, sob a "Cláusula 1.a - Características fornecimento”, se assumem como termos ou condições, enquanto aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.

XVI. Diferentemente do sopesado pelo Tribunal a quo no seu aresto, o facto de a proposta não se encontrar instruída com o documento exigido pelo Programa de Procedimento corresponde à apresentação de proposta que não se encontra devidamente instruída por todos os documentos exigidos ao abrigo do n.° 1 do artigo 57.° do CCP, designadamente os respeitantes à alínea c), o que consubstancia motivo de exclusão da proposta nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP.

XVII. Cumpre ainda sublinhar que o facto de a proposta não se encontrar constituída com o documento supramencionado, significa, outrossim, que a mesma é omissa quanto a termos ou condições, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.° 2 do artigo 70.°, o que configura - também e por si só - uma causa de exclusão da proposta, nos termos da norma citada bem como da alínea o) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP.

XVIII. É neste sentido que se tem verificado uma corrente significativa de decisões dos Tribunais Superiores11, como o que aqui se invoca, no qual se pode destacar:

“A questão central trazida a recurso nos itens r) a y) das conclusões envolve o regime do processo documental constitutivo da proposta na vertente do efeito excludente fixado no art° 146° n° 2 d) com referência ao 57° n° 1 c), ambos do CCP, a saber, “documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule." (...)

Efetivamente, na economia do procedimento adjudicatório, quer o pessoal a alocar cuja listagem é pedida quer a descrição dos meios de transportes constituem termos ou condições na medida em que se reportam a fatores relacionados com a execução do contrato mas não submetidos à concorrência pelo procedimento concursal - por isso mesmo, externos ao critério unifactorial de adjudicação do art° 74° n° 1 a) CCP fixado na cláusula 5ª do CE e levado à alínea E do probatório - aspetos que, na previsão da lei, devem ser configurados segundo um modo de descrição em termos fixos ou por reporte a limites qualitativos ou quantitativos de mínimos ou máximos, aspetos de observância vinculada sob cominação de exclusão da proposta - vd. art°s. 42° n°s. 5 e 11 e 70° n° 2 als. a) e b) CCP.

O que significa que na elaboração das propostas os concorrentes devem dar resposta aos termos e condições no exato modo de apresentação determinado pela entidade adjudicante no programa do procedimento (PP), a saber, no contexto da própria proposta ou em documento autónomo de apresentação obrigatória posto que constitutivo daquela, conforme art° 57° n° 1 al. c) CCP.

O efeito jurídico sancionatório consagrado no art° 70° n° 2 a) e b) CCP decorrente da inobservância de aspetos de execução do contrato subtraídos à concorrência mas descritos e, portanto, regulados no caderno de encargos, é explicável em via de coerência com a natureza jurídica que esta peça do procedimento assume no modo de formação dos preceitos negociais que vão exteriorizar o comportamento negocial declarativo das partes, nos termos gerais da teoria do negócio jurídico.

De facto, o caderno de encargo constitui, sempre, parte integrante do contrato, a par dos esclarecimentos e retificações a ele respeitantes e dos esclarecimentos prestados pelo adjudicatário sobre a proposta adjudicada, cfr. artºs 42° n° 1, 96° n° 2 als. b), c) e e), CCP.

O que significa que os termos ou condições são irrelevantes apenas do ponto de vista adjudicatório, mas não do ponto de vista do interesse público presente no objecto do contrato.(...)

De modo que o efeito jurídico estatuído no art° 146° n° 2 d) CCP de exclusão da proposta por omissão dos documentos exigidos no art° 57° n°s 1 e 2 CCP “(..) é razoável porque se trata de documentos que a própria lei integra no universo constitutivo da proposta. Se é a lei que impõe a sua apresentação no momento da entrega da proposta também caberá à lei impor uma sanção efectiva no caso de o concorrente desrespeitar essa cominação legal.

Mas o mesmo não sucede no caso de documentos requeridos pela entidade adjudicante (e não pela lei) ao concorrente, no âmbito da margem de discricionariedade procedimental: se é a entidade adjudicante que solicita esses documentos, também só ela poderá determinar a exclusão a quem omita a sua apresentação, precisando de o prever expressamente no programa ou no convite - o que implica que não poderá haver lugar à exclusão no caso de essa previsão ter sido omitida. (..)””

XIX. O que, como se pode constatar é a mesmíssima vexata quaestio dos presentes autos, expendendo, ainda a este respeito, o aresto que:

“De modo que uma vez efetivada a entrega da proposta [no caso, submetida a proposta na plataforma eletrónica mediante assinatura eletrónica qualificada (9)] e esgotado o prazo da respetiva apresentação (art° 137° CCP), o concorrente já não pode proceder a alterações substantivas de conteúdo, tornando juridicamente inoperativa qualquer hipótese de substituição ou aditamento documental; consequentemente, a respetiva situação jurídica fica estabilizada nos exatos termos substantivos em que se comprometeu.

Na circunstância, a listagem dos elementos e respetivas funções dos profissionais a alocar à execução do contrato bem como a descrição completa e detalhada dos meios de transporte (circuito interno e externo) a afetará prestação de serviços, são documentos requeridos e identificados nas alíneas c) e d) do art.º n° 6° n° 1 do PP e simultaneamente exigidos no art.º 57° n°s 1 e 2 CCP pelo que, nos termos expostos, assumem a natureza de documentos constitutivos da proposta enquanto realidade jurídica autónoma; consequentemente, “(..) se o júri do procedimento verifica que um desses documentos se encontra omisso, não pode concluir que a proposta se encontra incompleta ou deficiente; antes tem de concluir que não foi apresentada qualquer proposta que possa ser analisada, avaliada e adjudicada. Essa proposta é, portanto, condenada à exclusão nos termos revistos na alínea d) do n° 2 do art.º 146°. (..)” (10) (negrito e sublinhado nosso)

XX. Ao invés do que o Tribunal a quo decidiu, a omissão de termos ou condições nas propostas é fundamento para a sua exclusão;

XXI. Em face do exposto, a norma estabelecida no ponto 3.1 alínea c) 2 do Programa de Procedimento, ao prescrever quais os documentos que integram as propostas, constitui uma norma regulamentar específica para efeitos do n.º 4 do artigo 132.° do CCP, pelo que ao não ter instruído a sua proposta com os documentos - comprovativo da certificação TCO dos equipamentos propostos - exigidos, a aqui Recorrida, violou a referida norma regulamentar, incorrendo como tal na causa de exclusão prevista na alínea n) do n.º 2 do artigo 146.° do CCP.

XXII. Decorre, outrossim, do art.° 57° n° 1 alínea c) do CCP, que as propostas devem possuir os termos ou condições relativas a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos. E, se tal não suceder ou se dos documentos juntos não constarem algum dos termos e condições ou apresentarem termos ou condições não submetidos à concorrência que violem aspetos da execução do contrato a celebrar, as mesmas devem ser imediatamente excluídas, cfr. artigos 70.°, n.º 2, alíneas a), b) e c) e 146.°, n.° 2, alínea d) CCP).

XXIII. O que, objetivamente, afronta com o entendimento do Tribunal a quo de que este tipo de formalidade dever considerar-se como não essencial e, em consequência, poder ser objeto de suprimento nos termos do art.° 72° n° 3 do CCP.

XXIV. Laborou, assim, em erro, o Tribunal a quo, quando entendeu que a omissão do documento na proposta da Recorrida, aquando da sua submissão, era passível de suprimento, ao abrigo do art.° 72° n° 3 do CCP, por consubstanciar uma formalidade não essencial, e, consequentemente não ser causa de exclusão da proposta, desaplicando o disposto nos citados artigos 57.°, n.° 1, alínea c), 70.°, n.° 2, alínea a), em clara violação das normas legais supra e do ponto 3.1 alínea c) 2 do Programa de Procedimento, impondo-se a revogação do acórdão proferido.

TERMOS EM QUE

Deve ser revogado o Acórdão recorrido e, em consequência, ser substituído por outro que julgue a ação totalmente improcedente, só assim se fazendo a

3. Não foram deduzidas contra-alegações.

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 18.11.2021.

5. O MP notificado em 7.12.2021, emitiu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

6. Notificadas as partes do mesmo, veio apenas o Município de Barcelos responder ao parecer do MP no sentido por si já veiculado nas alegações de recurso.

7. Sem vistos (art. 36º, nºs1, al. c) e 2), cumpre decidir.


*

FUNDAMENTAÇÃO

Dá-se aqui a matéria de facto fixada pelas instâncias.


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O DIREITO

Está aqui em causa o ato que determinou a exclusão da proposta apresentada pela A. A………….., Lda, para os lotes 1 e 3 de um concurso de aquisição de computadores com conectividade à internet.

Entenderam as instâncias julgar procedente a anulação deste ato e a condenação do demandado a admitir a proposta e ordená-la no lugar devido nos termos do art. 72º nº3 do CCP por estar em causa nos autos uma formalidade não essencial que se impunha previamente suprir.

A questão que nos cumpre conhecer é, assim, a de atento o conceito de «formalidades não essenciais» no âmbito do artigo 72º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos aferir se bem andou o Júri do Procedimento ao excluir a proposta ou se antes se impunha o seu suprimento como entenderam as instâncias e o MP, por estar em causa uma situação de formalidade não essencial a que alude o nº3 do art. 72º do CCP.

Nos termos do artigo 72.º CCP, sob a epígrafe “Esclarecimentos sobre as propostas” dispõe:

“1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.

2 - Os esclarecimentos prestados pelos respetivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º.

3 - O júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.

4 - 5 – “Os pedidos do júri formulados nos termos dos n.ºs 1 e 3, bem como as respetivas respostas, devem ser disponibilizados em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, devendo todos os candidatos e concorrentes ser imediatamente notificados desse facto.”

Ora, este preceito não contende com o art. 146º n.º 2 al. d) do CCP que prevê expressamente a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos no art. 57º n.º 1 al. b) do CCP.

Na verdade, o art. 72º nº3 está previsto precisamente para as situações que implicariam a exclusão do concurso mas que, por não se tratar de formalidade essencial, o legislador entendeu que se justificava o convite ao suprimento da irregularidade.

É que a redação dada ao CCP pelo DL 111-B/2017 de 31/08 na sequência da Diretiva 2014/24/UE visou precisamente, como consta do seu preâmbulo: «a possibilidade de sanar a preterição de formalidades não essenciais pelas propostas apresentadas, evitando exclusões desproporcionadas e prejudiciais para o interesse público».

Assim, apenas nos cumpre aferir da essencialidade do elemento em falta na proposta concursal.

A este propósito, e ainda que relativo à não apresentação da DEUCP, extrai-se Ac. deste STA 0357/18.7BEFUN de 09/07/2020:

“(...)18. Porém, tal como julgado pelas instâncias (e contra o defendido pela Autora, ora Recorrente), a falta de apresentação de “DEUCP” – ainda que a sua exigência constasse do programa do concurso - não é motivo de imediata exclusão, tendo aqui plena aplicação o regime de convite ao suprimento de preterição de formalidades não essenciais (“incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura”) previsto no art. 72º nº 3 do CCP – em redação introduzida, a partir de 1/1/2018, pelo aludido DL 111-B/2017.

Como refere Gonçalo Guerra Tavares (“Comentário ao CCP”, Almedina, Jan/2019, pág. 321 e notas 368 e 369): «(...) permite-se que um concorrente que por lapso não juntou à sua candidatura algum dos documentos destinados à qualificação (documentos destinados a comprovar a capacidade técnica e a capacidade financeira) - ou o “DEUCP”, quando se tratar de um procedimento para adjudicação de um contrato que se inclua no âmbito de aplicação das Diretivas de Contratação Pública ou, nas palavras do legislador do CCP, menos exatas, quando se tratar de um procedimento de contratação com publicação 05/01/22, 10:42 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo obrigatória no JOUE -, possa vir juntá-lo no prazo máximo de 5 dias, nos termos deste nº 3 do art. 72º do Código, dado que os documentos em falta se limitam a comprovar factos ou qualidades dos concorrentes, anteriores à data da apresentação das candidaturas. Obviamente que neste caso a norma da exclusão da candidatura por falta de apresentação de documentos obrigatórios (a alínea e do nº 2 do art. 184º do CCP) só pode funcionar se o concorrente, na sequência da fixação de prazo para junção dos documentos da candidatura em falta, não proceder à junção desses documentos».(...)

Nas palavras de Pedro da Costa Gonçalves: «Insiste-se numa ideia já exposta: as propostas objeto de regularização são aquelas que padecem de uma irregularidade para a qual a lei (artigo 146º nº 2) ou o programa do procedimento determinam a exclusão. É precisamente para evitar este resultado que a lei estabelece o mecanismo de regularização, que é, afinal, de “salvação” de propostas. Não existe, assim, qualquer incoerência entre a previsão na lei ou nas peças do procedimento da exclusão da proposta com faltas ou irregularidades e o processo de regularização, pois é a própria lei (artigo 72º nº 3) que expressamente prevê o mecanismo de regularização nesse caso» (“Direito dos Contratos Públicos, vol. I, 3ª edição, 2018, Almedina, pág. 850).(...)

Na verdade, o DEUCP «é um documento apresentado pelos candidatos ou concorrentes constituído por uma declaração sob compromisso de honra atualizada que tem o valor de prova preliminar sobre a verificação de condições relativas aos candidatos ou concorrentes (habilitação pessoal e preenchimento de requisitos mínimos de capacidade): cfr. artigo 59º da Diretiva 2014/24/UE» - Pedro Costa Gonçalves, ob. cit., pág. 577. Assim, para além de pretender substituir a declaração de compromisso do Anexo I – no presente caso, apresentada pelas Contrainteressadas -, trata-se de um documento destinado a atestar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta, pelo que a sua falta (ademais, em caso da sua não exigência nas peças do concurso, e de apresentação do Anexo I), se insere na obrigação de convite ao suprimento exigida no art. 72º nº 3 do CCP.

Por outro lado, estando em causa uma irregularidade formal não essencial – no sentido de que se trata de inobservância de uma exigência formal sobre o modo de apresentação da proposta ou sobre documentos que a devem integrar, cuja regularização não atenta contra os princípios gerais da contratação pública, designadamente os princípios da transparência e da igualdade entre os concorrentes -, impunha-se legalmente o convite ao seu suprimento.

E um dos exemplos que é dado por Pedro Costa Gonçalves de uma irregularidade formal não essencial que obriga, nos termos do art. 72º nº 3 do CCP ao convite ao suprimento é, precisamente, a da falta de apresentação de DEUCP quando obrigatória: («Estamos agora em condição de delimitar o conceito de irregularidade formal não essencial ou, nas palavras da lei, de proposta apresentada com preterição de formalidade não essencial; trata-se de uma proposta apresentada num procedimento de contratação sem observar uma ou várias exigências formais, sobre o modo de apresentação ou sobre os documentos que a devem integrar (v.g., DEUCP), declarações conforme os anexos ao CCP, instrumentos de mandato) cuja regularização ou suprimento não atenta contra nem põe em risco os valores protegidos pelos princípios gerais da contratação pública, designadamente os princípios da transparência e da igualdade entre os concorrentes (“concorrência-igualdade”)» - “Direito dos Contratos Públicos”, 4ª edição, 2020, Almedina.

Também o Tribunal de Contas relativamente ao cumprimento do dever previsto no artº 72º nº 3 do CCP em recente acórdão da 1ª Secção, nº 23/2021, de 6/10/2021, (Proc. nº 1446/2021), decidiu que:

“50. O que se disse quanto à assinatura vale, por igualdade de razão, para a não entrega com a proposta da tradução devidamente legalizada da ficha técnica do produto e da declaração de prevalência sobre os respetivos originais. Note-se que foi entregue a ficha técnica. O elemento em falta era a tradução e a declaração de prevalência. É uma simples e evidente formalidade não essencial - a ficha técnica está junto à proposta -, facilmente suprível, e controlável à posteriori. Igualmente, em nada é atingida, tanto a concorrência, como a igualdade entre os concorrentes. ( … )

A entidade cometeu uma ilegalidade ao não ter recorrido, como o deveria ter feito, porque tinha esse dever, ao regime do suprimento do disposto no art. 72.º, n.º 3 CCP, norma que violou. Foram ainda violados os princípios da boa-fé (art. 10.º CPA; art. 1.º-A CCP), da boa administração (art. 5.º, n.º 2 CPA) e da concorrência (art. 1.º-A CCP). Daí resultou a alteração do resultado financeiro do contrato de forma direta ao ter sido excluída a proposta mais favorável, por ser a que apresentava um preço mais baixo, sendo esse o único critério previsto.”

Também no acórdão nº 0856/15 de 1/10/2015 deste STA se conclui que a preterição da formalidade prevista no art. 60º, nº 4 do CCP, de apresentação da declaração de preços parciais se degrada numa mera irregularidade ou formalidade não essencial, desde que, comprovadamente, se conseguiu atingir a finalidade visada com a exigência de tal declaração, pela análise da lista de preços unitários conjugada com o mapa de quantidades.

A primeira questão que importa aferir é a abrangência deste conceito de formalidades não essenciais a que se reporta o nº3 do art. 72º do CCP atendendo a que o mesmo é um conceito aberto que apela a ponderações casuísticas.

Ora, a partir do momento em que as entidades adjudicantes podem criar os requisitos que entenderem adequados, com os limites da concorrência e da proporcionalidade, é enorme o número de situações aqui potencialmente abrangíveis.

Daí a importância da delimitação de uma maior ou menor abertura do conceito apesar de não estarem taxativamente previstas um número de situações concretas.

Ora, não há qualquer dúvida que o preceito aqui em causa visou salvar propostas que doutra forma teriam sido excluídas e cuja exclusão, a seu ver, não se justificava.

Pelo que, devemos considerar que os vícios formais devem ser objeto de correção/sanação, até como manifestação dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, tendo como limite o princípio da igualdade de tratamento.

Neste sentido, os acórdãos Antwerpse Bouwerken, T-195/08; Manova, C-336/12; Cartiera dell’Adda, C-42/13 e o recente Pippo Pizzo, C-27/15 do TJ distinguem os erros meramente formais dos restantes.

Atenhamo-nos ao caso sub judice.

Pretende a recorrente que o certificado TCO exigido não se trata de uma mera burocracia irrelevante e desprovida de utilidade para o procedimento em causa, mas antes de uma forma de comprovar a certificação ambiental dos respetivos produtos, abrangendo uma determinada amplitude e espetro que não poderia ser objeto de certificação com recurso ao certificado ECO3 apresentado pela recorrente.

Pelo que se impunha excluir a proposta.

Mas, não é assim.

No contexto do procedimento em causa a apresentação do certificado TCO é um documento que visa comprovar qualidades pré-existentes no equipamento a utilizar e não se vê de que forma, a sua apresentação após convite ao suprimento ou antes deste, possa afetar a concorrência e igualdade de tratamento.

Isto é, este certificado ambiental não é um atributo da proposta submetido à concorrência, não representando qualquer alteração das características técnicas dos bens objeto do concurso, tendo sido emitido em momento anterior ao termo da data de apresentação das propostas, pelo que não afeta a concorrência ou a igualdade estando preenchidos os requisitos da “apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento.” tal como exigido pelo referido nº3 do art. 72º supra citado.

Na medida em que a própria lei expressamente inclui nas formalidades “não essenciais” a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta não há como, na situação dos autos, não permitir o suprimento do certificado TCO nos termos do referido art. 72º nº3 do CCP.

Em suma, não se mostra preenchida a causa de exclusão prevista no artº 70º nº 2 al. b) do CCP, invocada pelo recorrente já que não estamos perante um atributo da proposta, nem tão pouco perante uma condição que viole aspetos da execução do contrato, pois o certificado em causa não diz respeito à execução do mesmo antes se integra plenamente na previsão do art. 72º nº3 supra referido.


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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2022. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – José Augusto Araújo Veloso.