Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01045/06
Data do Acordão:12/12/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA.
DESCRIÇÃO DOS FACTOS.
NULIDADE INSUPRÍVEL.
Sumário:I – Nos termos do artigo 79.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, a decisão que aplica a coima deve conter a “descrição sumária dos factos”.
II – Tal imposição tem como finalidade informar o arguido da conduta, por si praticada, que preenche o tipo contra-ordenacional, pelo que, se tal informação for prestada, tal requisito dá-se por preenchido.
III – Assim, as exigências daquele artigo 79.º deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício efectivo dos seus direitos de defesa.
IV – Pela mesma ordem de razões, se a coima for fixada no limite mínimo abstractamente aplicável ou num valor muito próximo deste limite, de tal modo que não assuma relevo jurídico autónomo, a exigência da alínea c) do mesmo artigo 79.º, n.º 1, - indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima – perde o seu significado essencial: o arguido não tem necessidade de conhecer os elementos que contribuíram para a fixação da coima pois não pode diminuir o seu valor, já que este constitui o limite mínimo abstractamente aplicável, não estando, por isso, prejudicado o exercício efectivo dos seus direitos de defesa.
V – Nestes casos, a omissão da indicação de tais elementos não constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário.
Nº Convencional:JSTA00063768
Nº do Documento:SA22006121201045
Data de Entrada:10/23/2006
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENTA TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRAORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART63 N1 C ART79 N1.
CPP98 ART118 N1 ART123 N1 ART374.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART58.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC16098 DE 1993/09/22 IN CTF N376 PAG227.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS 2ED ART79 NOTA1.
BEÇA PEREIRA REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES E COIMAS 4ED PAG73.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
O Ministério Público vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que anulou o despacho do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra que aplicara uma coima de € 10.300,00 à sociedade A… .
Fundamentou-se a decisão em que “no que respeita à descrição dos factos, ainda que sumária, não pode limitar-se [a administração fiscal] a afirmar de forma genérica, «vem indiciado no auto de notícia de fls. 2»”, antes sendo “necessário descrever como factos provados (…) os factos que constam do auto de notícia”.
O recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª – O despacho de fls. 13, através do qual foi aplicada, à sociedade “A…”, a coima de 10.300,00 €, contém todos os requisitos enumerados no art. 79º, nº 1, als. b) e c), do RGIT, como, de resto, foi julgado provado.
2.ª – Daí que, ao decidir anular tal despacho, a pretexto de não terem sido cumpridos aqueles requisitos, violou a Mmª Juíza a quo, através da decisão ora recorrida, aquelas normas, bem assim a do art. 63º, nº1, al. d), do mesmo diploma, por ilegal aplicação das mesmas.
3.ª – Donde deve ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-a por douto acórdão em que se negue provimento ao recurso contencioso interposto pela supracitada sociedade.
E, colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
- foi levantado auto de noticia em 19/11/02, que aqui se dá por reproduzido, por o sujeito passivo A… não ter pago o IVA de Março de 2002, tendo o respectivo prazo terminado em 15/5/02, referindo que foram infringidas: alínea b) do n.° 1 do art. 40° e do n.°1 do art. 26° do CIVA e normas punitivas: art. 114°, n°2 e art. 26°, n°4 do RGIT;
- a recorrente notificada para efeitos do art. 70° do RGIT não apresentou defesa, mas requereu o pagamento voluntário da coima;
- em 27/09/03 foi proferida decisão de aplicação de coima, que aqui se dá por reproduzida, por a A…, vir indiciada no auto de notícia de fls. 2 da prática do seguinte ilícito:
«sendo o contribuinte de Imposto s/ Valor Acrescentado, pelo exercício da actividade de Construção de Edifícios, enquadrado no regime de tributação normal trimestral, estava obrigado ao envio de declaração periódica ao Serviço de Administração do IVA, acompanhada do respectivo meio de pagamento de imposto apurado nos termos do disposto nos arts. 19° a 25° e 71°do CIVA, até ao dia 15 do mês seguinte ao trimestre, conforme determinado nos arts. 28°, al.c), 26°, n° 1 e 40°, n° 1, al. a) ou b) do citado diploma legal.
Contudo, relativamente ao período de 02.03T a arguida não efectuou o pagamento do imposto devido no valor de 51.133,82 €.
Tal facto constitui infracção ao disposto no art. 26°, n° 1 do CIVA, punível pelo art. 29° n°s 2 e 9 do RJIFNA a que corresponde actualmente o art. 114° do RGIT. Considerando os factos descritos e o seu enquadramento legal, baseando-me nos elementos constantes do auto de notícia e nos elementos instrutórios, considerando ainda que tal infracção é imputável á arguida a título de negligência e que o imposto em causa não se encontra pago, fixo a coima pela infracção descrita, nos termos do disposto no art. 29° do RJIFNA, por ser em concreto o regime mais favorável à arguida (...)».
- foi a recorrente notificada desta decisão e bem assim da coima aplicada, das custas e para proceder ao pagamento da coima e custas no prazo de 15 dias ou dentro do mesmo prazo interpor recurso;
- em 12/9/03 a recorrente fez um pagamento por conta de € 20.000,00.
Vejamos, pois:
A questão dos autos é a de saber se a decisão de aplicação de coima observou todos os requisitos legalmente exigidos.
E, no ponto, o artigo 79.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias – epigrafado “Requisitos da decisão que aplica a coima” – dispõe que esta “contém a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” – alínea b) – e, também, “a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação” – alínea c).
Os requisitos deste artigo pretendem dotar o arguido das informações indispensáveis à preparação da sua defesa, pelo que é necessário que lhe sejam comunicados os factos imputados, as normas violadas e punitivas, bem como as condições da impugnação judicial daquela decisão, sendo que a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributária – artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do mesmo diploma legal.
I - Quanto à “descrição sumária dos factos”:
Na decisão que aplica a coima – fls. 13 – pode ler-se que o contribuinte «vem indiciado no auto de notícia de fls. 2 da prática do seguinte acto ilícito (…)», sendo posteriormente descrita a infracção praticada: “(…) relativamente ao período de 02.03.T, o arguido não efectuou o pagamento do imposto devido no valor de € 51.133,82”.
Importa, pois, determinar se esta formulação corresponde ao predito requisito legal daquele artigo 79.º, n.º 1, alínea b), atenta a sua ratio.
A descrição sumária dos factos tem, então, como finalidade informar o arguido da conduta, por si praticada, que preenche o tipo contra-ordenacional. Pelo que, se tal informação for prestada, o requisito dá-se por preenchido.
Ou, de outro modo: as exigências deste artigo 79.º “deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício” efectivo dos seus direitos de defesa – Jorge de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 2.ª edição, nota 1 ao artigo 79.º.
O que, no caso dos autos, se verifica pois apesar de o sujeito passivo “vir indiciado”, são pormenorizadamente descritos os factos que lhe são imputados – falta de pagamento do IVA no período 02.03.T - e o Chefe de Divisão de Justiça Tributária aplicou a coima “considerando os factos descritos e o seu enquadramento legal, baseando-[se] nos elementos constantes do auto de notícia e nos elementos instrutórios” – cfr. início do 3.º parágrafo da decisão que aplica a coima a fls. 13.
Aquela “indiciação” tem o sentido inequívoco de considerar provados os factos que descreve, como resulta do enunciado contexto em que se insere, nomeadamente da referência à “consideração” “dos factos descritos e do seu enquadramento legal” referidos.
Pelo que foram “considerados” os factos “indiciados” e a arguida conhece os que lhe são imputados. Consequentemente, nos termos supra enunciados, foi preenchido o requisito da descrição sumária dos factos.
II – Quanto à indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima:
A alínea c), do n.º 1, do artigo 79.º do RGIT impõe que a decisão que aplica a coima contenha “os elementos que contribuíram para a sua fixação”, sendo que a determinação da medida da coima depende da gravidade do facto, da culpa do agente e da sua situação económica – artigo 27.º do mesmo diploma.
A lei exige a explicitação destes elementos para que o arguido possa exercer a sua defesa no âmbito da fixação concreta do montante da penalidade, através de um contraditório que vise a diminuição da coima aplicada.
Nos termos da notificação de fls. 5, a moldura da penalidade imputada à arguida varia entre € 10.226,76 e € 51.133,82, tendo-lhe sido concretamente aplicada a coima de € 10.300,00 – cfr. fls. 13 – isto é, um valor, muito próximo do limite mínimo, que resulta, em rigor, do arredondamento deste último montante e que, por isso, não assume relevo jurídico autónomo.
E, assim sendo, aquela exigência legal perde o seu significado essencial: o arguido não tem necessidade de conhecer os elementos que contribuíram para a fixação da coima pois não pode diminuir o seu valor, já que este constitui o limite mínimo abstractamente aplicável.
Pelo que “afirmar a existência de nulidade insanável (…) parece nitidamente desproporcionado relativamente à ratio do preceito – a dita possibilidade de defesa em ordem à diminuição da coima – e ao lugar paralelo do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 433/82.
Aí, a omissão de elementos mais relevantes, como a própria descrição do facto imputado, não é sancionada com nulidade, constituindo, antes, mera irregularidade, nos termos dos artigos 118.º, n.º 1, e 123.º do Código de Processo Penal – cfr. aliás, o seu artigo 374.
Cfr. Beça Pereira, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, p. 73, nota 4.”
Cfr. acórdão do STA de 22 de Setembro de 1993, recurso n.º 16.098, publicado em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 376, p. 227.
A alínea d) – 1.ª parte – do artigo 63.º do RGIT deve, pois, ser objecto de uma interpretação restritiva, relativamente à sua expressão literal, privilegiando-se, nos apontados termos, o seu elemento racional.
Pelo que inexiste qualquer nulidade.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, devendo os autos prosseguir os seus legais termos.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006. Brandão de Pinho (relator) – Pimenta do Vale – Lúcio Barbosa.